Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
655/16.4PBMTA-A.L1-9
Relator: MARIA LEONOR BOTELHO
Descritores: CONVERSÃO DE DIAS DE MULTA EM DIAS DE PRISÃO SUBSIDIÁRIA
CÁLCULO DA PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/28/2019
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário: I- Trata-se de calcular dois terços dos 240 dias de prisão em que o arguido foi condenado, descontados de um dia de detenção, ou seja, calcular dois terços de 239 dias de prisão. Quanto à contagem do tempo de prisão, a lei não prevê que o tempo de prisão seja contado em horas, ou em partes de dia, tendo apenas como unidades de contagem o ano, o mês e o dia;
II- O art.º 80.º do C. Penal estipula, relativamente ao desconto da detenção, da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido, que as mesmas são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, sendo que, quanto à contagem de tais privações de liberdade, é entendimento pacífico que a detenção por período inferior a 24 horas é contada como um dia de detenção.
E no n.º 2 do mesmo art.º 80.º também se prevê que se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo menos, um dia de multa;
III-De tudo resulta que a lei não prevê a contagem do tempo de prisão em horas ou partes de dia, havendo que considerar, como unidade mínima de contagem da prisão, a de um dia, mesmo que a detenção ou a prisão se verifiquem por período inferior, isto é, por apenas algumas horas e que na operação aritmética a efectuar para apurar os 2/3 da pena, se não deve dar primazia a resultados décimais para obter o resultado, que podem prejudicar o arguido.Assim 2/3 de 239 dias de multa correspondem 158 dias de prisão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Decisão Sumária:
1 - No processo especial abreviado com o n.º 655/16.4 PBMTA-A, que correu termos no Juízo Local Criminal do Barreiro – J2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi, em 20.06.2018, proferido despacho judicial que converteu a pena de 240 dias de multa em que o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.ºs 1 e 2, do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03/01, em 158 (cento e cinquenta e oito) dias de prisão subsidiária.
O teor integral de tal despacho é o seguinte:
«O arguido foi condenado na pena 240 dias de multa, à taxa diária de 5 euros, num total de 1.200 euros, pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal p. e p. pelo Artigo 3º, nº 1 e 2 do Dec.-Lei nº 2/98 de 03/01, por decisão transitada em julgado em 28/04/2017.
Foi realizado o desconto de 1 dia.
Nada pagou, não requereu o pagamento a prestações, nem o trabalho a favor da comunidade.
Não foi declarado contumaz e não foi instaurada contra o mesmo acção executiva para pagamento coercivo da pena de multa.
Não resulta que tal não pagamento não é imputável ao arguido, frisando-se que é da incumbência do arguido e não do Tribunal a justificação desse não pagamento e as dificuldades financeiras não justificam esse não pagamento.
O arguido veio requerer a suspensão da execução da prisão subsidiária por 1 ano, por não puder trabalhar, por razões de saúde e por não puder pagar a pena de multa.

DECISÃO:
Assim, ao abrigo do disposto no Artigo 49º, nº 1 do CP, converto a pena de multa aplicada em 158 (cento e cinquenta e oito) (por não haver lugar a arredondamento matemático) dias de prisão subsidiária.
Notifique o arguido, pessoalmente, nos termos e para os efeitos do
Artigo 49º, nº 2 do C.P., bem como o seu Il. Advogado.
*
Consigno que a fracção de dia ou período de privação da liberdade se fixa em 7,5 euros (artigo 491º-A do CPP).
*
O arguido deve ser pessoalmente notificado e advertido que pode a todo o tempo proceder ao pagamento da pena de multa, bem como o seu Il. Advogado.
*
Após trânsito do presente despacho, como se promove».
Considerando que tal despacho enfermava de um lapso no cálculo da prisão subsidiária, o Ministério Público apresentou requerimento solicitando a rectificação do mesmo despacho no sentido de dele passar a constar que a prisão subsidiária se cifrava em 159 (cento e cinquenta e nove) dias.
Sobre tal requerimento, recaiu, em 17.09.2018, despacho judicial com o seguinte teor:
«O Tribunal não faz arredondamentos aritméticos, por considerarmos que não se pode prejudicar o arguido.
239:2 é igual a 79,6666 e a dividir 79 x 2 corresponde a 158.
Nada se determina, pois, porquanto, a nosso ver, não há aqui qualquer lapso, sendo que o cálculo tem sido sempre assim realizado pela signatária independentemente de quais sejam os autos.»
*
2 - Inconformado com tal decisão, dela recorreu o Ministério Público, pugnando pela fixação de 159 dias de prisão subsidiária, em vez dos 158 dias determinados pelo Tribunal a quo, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:
«1.
Por despacho de 17 de Setembro de 2018, o Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “O Tribunal não faz arredondamentos aritméticos, por considerarmos que não se pode prejudicar o arguido.
239:2 é igual a 79,6666 e a dividir 79 x 2 corresponde a 158.
Nada se determina, pois, porquanto, a nosso ver, não há aqui qualquer lapso, sendo que o cálculo tem sido sempre assim realizado pela signatária independentemente de quais sejam os autos”.
2.º
Por aplicação de operação meramente aritmética, dois terços de 239 (duzentos e trinta e nove) dias de multa equivalem a 159 (cento e cinquenta e nove) dias de prisão subsidiária.
3.º
Salvo o devido respeito, não se alcança a fórmula utilizada pelo Tribunal a quo no despacho de 17 de Setembro de 2018 para obter o referido resultado, - 158 (cento e cinquenta e oito) dias de prisão subsidiária - sendo que, o cálculo decorrente do disposto no art. 49.º, n.º 1, do CP, determina que a prisão subsidiária seja fixada em 159 (cento e cinquenta e nove) dias de prisão subsidiária.
4.º
Nesta medida, pugna-se pelo provimento do presente recurso, com a consequente substituição do despacho recorrido por um outro que determine a conversão da pena de 239 (duzentos e trinta e nove) dias de multa em 159 (cento e cinquenta e nove) dias de prisão subsidiária.»
*
3 - Notificado, o arguido nada disse.
*
4 - Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que se reporta o art.º 416.° do C. P. P., pronunciou-se pela improcedência do recurso, afirmando que, não havendo que fazer arredondamentos aritméticos, nenhuma censura merece o despacho recorrido, que por isso deverá ser mantido.
*
5 - Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do C.P.P., o arguido nada disse.
*
6 - Determina-se no art.º 417.º, n.º 6, alínea b), do C.P.P., que, após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que o recurso deva ser rejeitado.
Por sua vez, sob a epígrafe “rejeição do recurso”, estabelece a alínea a) do n.º 1 do art.º 420.º do C.P.P. que o recurso é rejeitado sempre que for manifesta a sua improcedência.
*
7 - É o que efectivamente acontece no presente caso, pelo que, perante a manifesta improcedência do recurso interposto, passa a proferir-se decisão sumária:
Está em causa nos autos o cálculo da prisão subsidiária relativamente a pena de multa de 240 dias e à qual foi descontado um dia de detenção.
Sustenta o Ministério Público que, no caso, a prisão subsidiária deve ser fixada em 159 dias, devendo ser alterado o despacho recorrido em conformidade, isto é, acrescentando mais um dia de prisão subsidiária, não esclarecendo, porém, como chega a tal conclusão, limitando-se a afirmá-la.
Pensamos que não lhe assiste razão, considerando-se até inexplicável que, por questão de tão diminuta relevância e que só prejudicaria o arguido, não se tenha abstido de fazer uso do direito ao recurso.
Vejamos.
Quanto à conversão da multa não paga em prisão subsidiária, determina o art.º 49.º do C. Penal:
«1 - Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º
2 - O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou
parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
3 - Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.
4 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é correspondentemente aplicável ao caso em que o condenado culposamente não cumpra os dias de trabalho pelos quais, a seu pedido, a multa foi substituída. Se o incumprimento lhe não for imputável, é correspondentemente aplicável o disposto no número anterior.»
No caso em apreço impõe-se calcular dois terços dos 240 dias de prisão em que o arguido foi condenado, descontados de um dia de detenção, ou seja, calcular dois terços de 239 dias de prisão.
Quanto à contagem do tempo de prisão, como sabemos, a lei não prevê que o tempo de prisão seja contado em horas, ou em partes de dia, tendo apenas como unidades de contagem o ano, o mês e o dia.
Na verdade, estabelece o art.º 479.º do C.P.P.:
«1 - Na contagem do tempo de prisão, os anos, meses e dias são computados segundo os critérios seguintes:
a) A prisão fixada em anos  termina no dia correspondente, dentro do último ano, ao do início da contagem e, se não existir dia correspondente, no último dia do mês;
b) A prisão fixada em meses é contada considerando-se cada mês um período que termina no dia correspondente do mês seguinte ou, não o havendo, no último dia do mês;
c) A prisão fixada em dias é contada considerando-se cada dia um período de vinte e quatro horas, sem prejuízo do que no artigo 481.º se dispõe quanto ao momento da libertação.
2 - Quando a prisão não for cumprida continuamente, ao dia encontrado segundo os critérios do número anterior acresce o tempo correspondente às interrupções.»
O momento da libertação encontra-se hoje previsto, não no referido art.º 481.º do C.P.P., mas no art.º 24.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, em cujo n.º 1 se determina que a libertação tem lugar durante a manhã do último dia do cumprimento da pena.
Também o art.º 80.º do C. Penal estipula, relativamente ao desconto da detenção, da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido, que as mesmas são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas, sendo que, quanto à contagem de tais privações de liberdade, é entendimento pacífico que a detenção por período inferior a 24 horas é contada como um dia de detenção.
E no n.º 2 do mesmo art.º 80.º também se prevê que se for aplicada pena de multa, a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas à razão de um dia de privação da liberdade por, pelo menos, um dia de multa.
De tudo resulta que a lei não prevê a contagem do tempo de prisão em horas ou partes de dia, havendo que considerar, como unidade mínima de contagem da prisão, a de um dia, mesmo que a detenção ou a prisão se verifiquem por período inferior, isto é, por apenas algumas horas.
E a lei nem sequer impõe que o arguido cumpra integralmente o último dia da pena de prisão - não deixando, porém, de considerar cumprido esse mesmo dia -, determinando, como vimos, no citado art.º 24.º do CEPMPL que a libertação deve ter lugar durante a manhã do último dia do cumprimento da pena.
Também no art.º 491.º-A do C.P.P., em que se prevê o pagamento da multa a entidades diferentes do tribunal, se determina que, tendo em vista tal pagamento, os mandados devem conter a indicação do montante da multa, bem como da importância a descontar por cada dia ou fracção em que o arguido esteve detido.
Igualmente aqui a fracção do dia é equiparada a um dia.
Neste enquadramento, voltando ao caso dos autos, impõe-se considerar que, estando em causa a pena de 239 dias de multa, não poderão tomar-se em consideração apenas partes ou parcelas de um dia para cálculo dos 2/3 da pena aplicada, não sendo também de aceitar que o critério adoptado seja diferente consoante se calcula 1/3 ou se proceda ao cálculo dos 2/3 da pena, sendo que, como facilmente se compreende, estes, isto é, os 2/3 devem corresponder a duas vezes aquele (2 x 1/3 = 2/3).
Ora, calculando 1/3 de 239 de dias de multa, e sendo certo que o número atingido é de 79,666 (239:3 = 79,666), não admitindo a lei unidade inferior ao dia, impõe-se concluir que um terço de 239 dias de multa seriam 79 dias de multa.
E se 1/3 de 239 dias de multa corresponde a 79 dias, 2/3 dos mesmos 239 dias de multa corresponderão necessariamente a 158 dias, isto é, ao dobro de 79 dias (2 x 79 = 158).
É, pois, patente a falta de razão do Ministério Público, sendo certo que, muito embora não esclareça o percurso que seguiu, do que alega resulta que considerou que um terço de 239 corresponde a 79,666 (239:3 = 79,666) e que, por isso, o dobro de 79,666 dias corresponderia a 159 dias (2 x 79,666 = 159,332), desprezando a parte decimal apenas no resultado final.
Verifica-se, assim, que o Ministério Público nem sequer utiliza o mesmo critério ao longo de todo o raciocínio, considerando na primeira operação que terá que fazer, isto é, no cálculo de 1/3, o número a que chegou decorrente da simples divisão por três, isto é, o número de 79,666 dias, valorando assim também a parte decimal (uma parte de um dia, um pouco mais do que meio dia), para, já no cálculo dos 2/3, considerar apenas a parte inteira do resultado obtido, desprezando agora a parte decimal (2 x 79,666 = 159,332), vindo assim a concluir que 2/3 de 239 dias de multa são 159 dias.
Tal raciocínio e dualidade de critérios não nos parecem conformes com as regras de contagem das penas de prisão a que se aludiu.
Acresce que, mesmo que se considerasse que as duas formas de contagem eram lícitas, então, o entendimento perfilhado pela Mma Juiz a quo é, sem dúvida, o que mais favorece o arguido, razão pela qual sempre deveria ser o adoptado nos autos e também pelo Ministério Público.
Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida, sendo manifesta a improcedência do recurso interposto pelo Ministério Público.
*
8 - Nos termos e pelos fundamentos expostos, e de harmonia com o disposto nos art.ºs 417.º, n.º 6, alínea b), 420.º, n.º 1, alínea a), e 479.º do Código de Processo Penal e 49.º do Código Penal, rejeita-se o recurso interposto pelo Ministério Público por manifestamente improcedente.
Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público.
Notifique.
*
Elaborado em computador e integralmente revisto pela subscritora (art.º 94.º, n.º 2, do C.P.P.)
*
*
Lisboa, 28.05.2019
(assinatura digital)