Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
98/18.5PLSNT.L1-9
Relator: MARIA DO CARMO FERREIRA
Descritores: AUTO DE NOTÍCIA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. O auto de notícia, enquanto documento intra processual, cuja fé não foi elidida em juízo faz prova no que diz respeito aos factos presenciados pelos agentes da autoridade, sem necessidade da sua leitura em audiência, e, no caso, foi concatenado com a restante prova, como claramente se vê da fundamentação da decisão, pelo que foi o mesmo correctamente valorado.
II. O quadro fáctico provado demonstra que o arguido praticou condutas repetidas no tempo, com violência psicológica e física, de média e alta intensidade relativas (a levá-la a accionar ajuda), contra a ofendida, condutas livre e intencionalmente realizadas por aquele, sabedor de que assim não podia nem devia actuar.
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª. Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO.

No processo comum supra identificado do Juízo Local Criminal de Sintra-Juiz 4, da Comarca de Lisboa Oeste, foi julgado o arguido L………………… , tendo ali sido proferida a decisão que o condenou na forma que consta do dispositivo da sentença proferida em 20/09/2018.

(transcreve-se)
Pelo exposto, o Tribunal decide:
A. Condenar o arguido L………, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelos artigos 152.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal, na pena de dois anos e oito meses de prisão e na pena acessória de:
- Proibição de contacto com a vítima M……….., com afastamento da residência desta e do local de trabalho da ofendida,  pelo período de 3 (três) anos, fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, logo que o arguido seja libertado;
B. Condenar o arguido (i) nas custas do processo, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça, (artigos 513.º do CPP e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa ao mesmo); e (ii) nas demais custas do processo nos termos do artigo 514.º do CPP;
C. Após trânsito, remeter boletins à DSIC (artigo 5.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto) para efeitos de registo criminal.
D. Comunique a presente decisão - art. 37.°, n.º 1 da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro.
 E. Após transito, remeta certidão da presente sentença ao processo n.º 1137/13.1 PLSNT, que corre termos neste Tribunal – JL Criminal – Juiz 2.
Notifique.
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Inconformado, o arguido veio interpor recurso da referida decisão condenatória, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 151 a 195, dela constando as seguintes conclusões que vão transcritas:

1 - O Arguido vem recorrer da sentença em crise, porque entende que esta decidiu erradamente face à prova produzida em audiência de julgamento, quer dando como provados os factos que constam da sentença, quer mesmo entendendo que tais factos, a serem dados como provados, preenchem o tipo de crime de violência doméstica.
2 – O julgador claramente não conseguiu abstrair-se dos seus valores e convicções pessoais, o que aliás é notório na valoração que faz dos factos que dá como provados, “versus” o que foi descrito pelas testemunhas ouvidas em julgamento, não valorizando as contradições e os silêncios das mesmas, e da própria ofendida, bem como o facto de todas terem referido que as discussões eram sempre iniciadas pela ofendida, por ciúmes que a mesma tem, referentes à anterior companheira do Arguido.
3 – É sabido que o julgador, em processos desta natureza, deve abstrair-se dos seus valores e convicções pessoais!
4 – Nos presentes autos, aconteceu exactamente o contrário, o julgador, não tendo a mínima prova no que respeita a agressões físicas, valorou de modo indevido as duas situações relatadas, para lhe dar uma valoração negativa que nunca teve na vida do casal.
5 – O julgador, na sentença proferida e ora em crise, considerou, erradamente, como provados e com relevância para a decisão final, os seguintes factos da acusação: 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17.
6 – No que respeita aos factos provados com os números 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, e 12 da prova produzida em audiência de julgamento tal não resulta provado, pois não é isso que se retira dos depoimentos prestados pelas testemunhas Rodrigo Sopa e Tiago Violante.
7 – Aliás, tais factos acabaram por ser dados como provados em Tribunal, pretendendo- se que fosse o Arguido a fazer prova que tais factos não aconteceram, tudo na plena inversão do que é o ónus da prova em direito penal e do princípio da presunção de inocência, de que o Arguido, desde o início nunca beneficiou.
8 – Existe, uma evidente falta de prova sobre estes mesmos factos, bem como uma valoração errada dos mesmos.
9 – Caso assim não entendesse, o Tribunal deveria, pelo menos, atenta a prova testemunhal existente e apreciada na sua globalidade – único modo de apreciar um crime da natureza de violência doméstica, em que toda a sua envolvente social e familiar deve ser devidamente enquadrada – concluir pela dúvida sobre esses mesmos factos, beneficiando o Arguido com a absolvição, atento o princípio in dúbio pro reo”.
10 – Conclua-se quanto a estes factos, que os mesmos, mesmo que, e, num mero exercício teórico, se considerassem ter ocorrido, mais não revelam, tendo em conta toda a prova testemunhal produzida, do que uma união de facto que era, e é (uma vez que continuam a ser um casal) satisfatória para ambos os intervenientes, não obstante os ciúmes da ofendida.
Veja-se nesse sentido as declarações da ofendida, quando refere que “não pretende prestar declarações”, e, caso se viesse a provar um crime que admitisse desistência de queixa, a mesma pretendia desistir.
11 – No que respeita aos pontos 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16 e 17 da acusação, o Julgador entendeu dar estes factos como provados sem que exista prova dos mesmos.
12 – Os factos dados como provados com os números 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12 na sentença em crise, não são verdadeiros factos, mas meras conclusões retiradas e presumidas pelo Julgador do que são as suas próprias convicções e noção de dever ser.
13 – Com efeito, não existe prova que consubstancie essas mesmas conclusões, que nunca, em momento algum, se podem considerar assentes.
14 – Sendo conclusões, somente se poderiam retirar caso os demais factos fossem, ou devessem, ser dados como provados, o que, como supra já se demonstrou, não aconteceu.
15 – Para além destes factos, outros poderão ter algum interesse, pese embora o ora recorrente não os descortine, pelo que estará sempre confiante no douto suprimento de Vossas Excelências.
16 – Sobre todos esses factos, importa fazer neste Tribunal de recurso a reapreciação dos meios de prova que estiverem ao alcance do Tribunal e que são precisamente os mesmos já indicados, pelo que se renova aqui o pedido.
17 – Assim, e para a renovação de prova que se impõe quanto aos factos provados, requer-se a audição dos depoimentos das testemunhas cujas passagens se transcreveram, e de outras que se considerem relevantes para a descoberta da verdade e da boa decisão da causa.
18 – O crime de violência doméstica vem p.p.p. artigo 152 do CP, tendo o ora Recorrente sido condenado numa pena de dois anos e oito meses de pena de prisão efectiva.
19 – É sabido que o crime de violência doméstica se trata de um crime de natureza complexa, que engloba actos próprios de outros crimes, de natureza particular e semi- pública, como sejam o crime de injúrias e ofensas corporais simples, que são por este consumidos.
20 – Desde logo as razões prendem-se com a especial vulnerabilidade da vítima de violência doméstica, sendo certo que, infelizmente, ficam sempre por apurar e valorar toda uma série de condicionalismos que seriam relevantes para a apreciação cabal das práticas que levam à existência de um crime desta natureza, e que vão muito para além do que é visível ou é denunciado.
21 – No que toca ao processo em apreciação, entende o Recorrente que, os factos dados como provados, embora erradamente, só por si, não preenchem o tipo lega, objectivo e subjectivo, do crime de violência doméstica.
22 – O que só por si daria lugar à ABSOLVIÇÃO do ora Recorrente.
23 – A tudo isto acresce o facto de não ter sido provado que a ofendida tenha sido lesada na sua saúde física, psíquica ou mental, com repercussões na sua dignidade e autoestima pessoal e individual.
24 – No limite, sempre teria de se aplicar o princípio do in dúbio pro reo, pois é incontestável que a prova produzida em julgamento outro caminho não permite.
25 – As conclusões supra referidas são suficientes para impor uma decisão diferente relativamente aos factos que foram dados como provados nestes autos.
26 – Factos esses que deveriam ter sido dados como não provados.
27 – A sentença em crise enferma do vício de erro notório na apreciação da prova –artigo 410 nº. 2 alínea c) do CPP.
28 – Violando entre outros, designadamente, o disposto no artº. 127 do CPP, bem como o artº. 152 do CP, e, o principio fundamental do direito penal português constitucionalmente consagrado da presunção de inocência – artigo 32 nº. 1 da CRP.
Pelo exposto, e pelo muito mais que resultar do douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao recurso, decidindo-se de acordo com as conclusões supra referidas, absolvendo-se o recorrente pelo crime em que foi condenado, renovando-se para o efeito, todas as provas supra enunciadas,
Porque só assim se fará JUSTIÇA!
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O Ex.m.º Magistrado do Ministério Público, respondeu a fls. 200 a 218 dos autos, concluindo:
(transcreve-se)
1. O erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado como não provado, ou o inverso, tendo a ver com a apreciação da prova produzida em audiência, em conexão com o princípio da livre apreciação da prova -
Vide Acórdão STJ de 15-09-2010, Processo n.º 173/05.6GBSTC.E1.S1, Relator: Fernando Fróis, in www.dgsi.pt.
2. No caso “sub judice”, verifica-se que o menor R………. afirmou que viu o arguido a desferir uma chapada na mãe e a apertar-lhe o pescoço (05:48-05:51), ao mesmo tempo que dizia que a iria matar (11:49-11:57).
3. Mais referiu que viu o arguido a arrastar a ofendida para dentro do prédio, puxando-lhe o braço (09:35-09:50).
4. Por sua vez, a testemunha T……….. mencionou que, em data não concretamente apurada do ano de 2017,  ouviu o arguido a discutir com a ofendida, sendo que esta apareceu a chorar (03:22 a 03:35).
5. Deste modo, bem andou a M.ma Juiz do Tribunal “a quo” em dar como provados os factos com os n.º 3 a 12 da matéria de facto, pelo que não assiste qualquer razão ao Recorrente.
6. Com efeito, da análise do texto relativo à matéria de facto, globalmente considerado, não se pode concluir que, ao fixar tal matéria, o tribunal “a quo” deveria ter apreciado a prova de outra forma e que essa conclusão se imporia de forma manifesta a qualquer cidadão de capacidade e entendimento médios.
7. Na verdade, o que se verifica é que o Tribunal “a quo” valorou os depoimentos prestados em audiência de forma  diferente do pretendido pelo Recorrente, o que não  consubstancia um erro de julgamento mas, antes, uma  diferente valoração da prova.
8. Verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que normalmente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida.
9. A doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que por tal se deve entender aquele erro tão evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta - Vide Maia Gonçalves in “Código de Processo Penal Anotado”, 10ª Edição, págs. 731 e Simas Santos e Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, I, pág. 554.
10. Ou seja, verifica-se este erro “quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser desmontado a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum” - cfr. Acórdão do S.T.J. de 17/12/97, B.M.J. 472, 407.
11. “In casu”, forçoso é concluir que inexiste qualquer oposição entre os factos provados, entre os não  provados, nem entre estes e aqueles, mas antes se  apercebe que todos se harmonizam.
12. Muito menos existe um confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto, ou contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, assentando a convicção da douta sentença condenatória, de forma fundamentada, na prova testemunhal e documental nela referida.
13. Nem tão pouco se descortina qualquer contradição entre a motivação e a decisão da matéria de facto.
14. De igual modo, não se vislumbra que a M.ma Juiz do Tribunal “a quo” tenha tido dúvidas sobre a prova dos factos imputados ao arguido, sendo que a prova produzida permite afirmar com segurança que este praticou o ilícito criminal pelo qual foi condenado, não tendo permanecido qualquer dúvida que haja sido julgada contra o mesmo.
15. Neste conpecto, cumpre salientar que a dúvida que há-de levar o tribunal a decidir “pro reo”, tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que elida a certeza contrária, isto é, uma dúvida razoável e insuperável sobre a realidade dos factos.
16. Ou seja, não se trata de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas.
17. Por outro lado, também não se descortina que a M.ma Juiz tenha violado o disposto no artigo 127º, do C.P.P
18. Este dispositivo legal consagra o princípio da livre apreciação da prova, nos termos do qual o poder/dever que daí resulta não é arbitrário mas, antes, vinculado a um fim que é o do processo penal, ou seja, a descoberta da verdade material.
19. Por isso, mostrando-se devidamente fundamentado, o exercício desse princípio torna-se insindicável, desde que não demonstre raciocínios inadmissíveis, ilógicos ou contraditórios, face às regras da experiência comum, da normalidade e do bom senso, que é o senso comum.
20. No caso vertente, o juízo crítico final resultou do confronto entre os diversos meios de prova produzidos e  bem assim da valoração intrínseca que, de acordo com as  regras processuais aplicáveis ao poder de livre apreciação da prova, o tribunal entendeu ser o que decorria de um  processo racional e lógico de formação da convicção.
21. Neste processo de formação da convicção tiveram interferência todas as cambiantes de normalidade,  razoabilidade e de senso comum, não se vislumbrando que a conclusão do silogismo judiciário haja sido tirada ao arrepio dessas regras e bem assim do artigo 127º do C.P.P., antes se afigurando que a convicção assenta em  elementos objectivos e para além de qualquer dúvida razoável.
22. Aliás, gozando o tribunal recorrido do privilégio da  imediação das provas – algo de que não goza o tribunal de  recurso – e assentando a convicção do julgador, em larga  medida, no que tal imediação lhe permite apreender, nem  sempre facilmente objectivável, só se da apreciação da  prova feita pelo tribunal superior resultar para este ter havido clara violação dos critérios de apreciação da prova, deve o tribunal superior modificar a matéria de facto dada como assente.
23. Dito de outro modo, “dependendo o juízo de credibilidade da prova por declarações do carácter e probidade moral de quem as presta e não sendo tais atributos apreensíveis, em princípio, mediante exame e análise dos textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto com as pessoas, é evidente que o Tribunal superior, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal a quo” - vide acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/12/2000 e de 9/05/2001, in www.dgsi.pt/.
24. Ou seja, “Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum” - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002, in CJ, ano XXVII, Tomo 2, p. 44.
25. Finalmente, dúvidas não restam de que se encontram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de violência doméstica pelo qual o arguido foi  condenado.
26. Com efeito, do conjunto da prova produzida resultou sobejamente provado que o arguido molestou física e corporalmente a ofendida e dirigiu-lhe expressões susceptíveis de criar medo e temor (cfr. Pontos 3-6 dos “Factos Provados”).
27. Assim, bem andou a M.ma Juiz em condenar o arguido pela prática do crime p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, n.º 1, alínea b), do C.P., pelo que também nesta parte não assiste qualquer razão ao Recorrente.
Pelo que, nos termos expostos, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida e,  consequentemente, condenando-se o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão e na pena acessória de proibição de  contacto com a vítima Maria dos Anjos da Cruz Matos, com afastamento da residência desta e do seu local de trabalho, pelo período de 3 anos,  fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
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Neste Tribunal a Ex.m.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer constante de fls.
225 a 228, do qual destacamos:

“…Analisados os fundamentos do recurso acompanhamos a correcta e muito bem fundamentada argumentação da digna magistrada do Ministério Público junto da 1a instância na resposta apresentada ao recurso interposto pelo arguido, resposta essa que, integralmente, subscrevemos.
Como vem sendo sistematicamente referido, o recurso é demarcado pelo teor das conclusões.
Na verdade é pacífica a jurisprudência do S.T.J no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (artigos 410° n° 2 e 3 do C.P.P.) — cfr. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça n° 7/95 de 19.10, DR, 1-A de 28.12.95.
No caso vertente este Tribunal da Relação conhece de facto e de direito, nos termos do artigo 428° do C.P.P.
De acordo com o disposto nos artigos 410° n°2, 428 °e 431° todos do C.P.P. a reapreciação da matéria de facto por banda deste tribunal é admissível em dois patamares distintos. Na chamada revista alargada para aferição dos vícios previstos no artigo 410º n°2, do CPP que decorram do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Num segundo, no contexto do mais amplo recurso da matéria de facto e que permite a sua modificação em razão da prova produzida, cuja reapreciação/ reavaliação se fará dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no cumprimento do ónus de especificação imposto pelo n°3 e 4 do artigo 412° do CPP.
Os vícios do n°2 do art° 410° do C.P.P. são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
Já o erro de julgamento da matéria de facto existe quando o tribunal dá como provado certo facto relativamente ao qual não foi feita prova bastante e que, por isso, deveria ser considerado não provado, ou então o inverso, e tem a ver com a apreciação da prova produzida em audiência em conexão com o princípio da livre apreciação da prova constante do artigo 127° do C.P.P. - in resposta ao recurso.
No caso dos autos o recorrente invoca erro de julgamento da matéria de facto, no âmbito do mais amplo recurso dessa matéria e pede a renovação da prova ( conclusão n°17).
Como invoca erro de direito e, designadamente, erro na subsunção dos factos ao direito.
Relativamente ao recurso da matéria de facto e no que à renovação da prova concerne há que ter presente que o tribunal de recurso aprecia, em primeira linha, a impugnação da matéria de facto com base na prova produzida, examinada e lida na audiência realizada na 1ª instância.
Só se ela não for bastante é que poderá haver lugar à renovação da prova, posto que se verifique algum dos vícios referidos no n°2 art° 410° do CPP e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo. — cfr. art° 430° n°1 do CPP.
No caso dos autos, na nossa perspectiva, o recorrente não dá cumprimento ao ónus da impugnação especificada imposto por lei o que levará à rejeição do recurso, por insuficiência deste, inviabilizando o pedido de renovação da prova .
Na verdade:
A especificação dos concretos pontos de facto traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da decisão recorrida que se consideram incorrectamente julgados.
A especificação das concretas provas só se satisfaz com a indicação do conteúdo do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas provas impõem decisão diversa da recorrida.
Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1a instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410° n°2 do CPP e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo — cfr. artigo 430° do CPP.
O n°4 do citado preceito legal impõe, no caso de se tratar de provas gravadas, que as especificações das provas que na opinião do recorrente impõem decisão diversa e das provas que devem ser renovadas se faça por referência ao consignado em acta, nos termos do n°2 do artigo 364°, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.
Quanto a nós o recorrente não cumpre este ónus. Na verdade, contrariamente à imposição constante da alínea b) do n°3 do artigo 412° do CPP, o recorrente limita-se a transcrever a totalidade da prova por si indicada para concluir, como se o julgador fosse, ter a totalidade dessa prova sido mal avaliada. Ou seja, o recorrente não especifica a concreta prova que impõe diferente decisão e o erro de julgamento que lhe subjaz .
E, na verdade, erro algum se vislumbra pois que a prova percebida pelo tribunal não se mostra desconforme com o que foi dito na audiência, como não se mostra mal avaliada.
Dos depoimentos transcritos não é possível extrair as conclusões do recorrente pois que esses depoimentos conjugados entre si e com a demais prova produzida e examinada a outra conclusão não poderia levar que não aquela que foi extraída pelo tribunal a quo.
Muito embora o recorrente não leve às conclusões do recurso a questão da violação do disposto no artigo 355°, n°1 do CPP, invoca, no corpo da motivação, que o tribunal de 1ª instância não poderia ter valorado o auto de denúncia de fls. 3-7 nos termos em que o fez pois este não constituiu prova produzida em julgamento. E, porque a legalidade desta prova se insere no recurso da matéria de facto importa analisa-la.
Não tem razão o recorrente.
I- Constitui uma exigência absurda a de que todas as provas , incluindo as provas documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respectiva audiência de jugamento, se se pretender fazê-las valer e entrar com elas para a formação da convicção do tribunal.
II- Conforme  jurisprudência estabilizada do STJ, a exigência do artigo 355°, n°1, do CPP, prende-se apenas com a necessidade de evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório.
III- Se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las e exercer o direito ao contraditório em relação a elas , não se vê razão para que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal — Acórdão do STJ de 09-09-17, proferido no Processo n° 169.07.3GBNV.S1, indicado em anotação ao artigo 355° do CPP , Comentado pelos Excelentíssimos Conselheiros do STJ, Almedina, 2014.
Considerando que o recorrente não levou à conclusões do recurso a questão da pena aplicada e que, como se sabe, são estas que delimitam o thema decidendum e considerando tudo o que foi dito, e muito bem dito, pela digna magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância, sem necessidade de outras considerações, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso.”

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-MOTIVAÇÃO.

O âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelos recorrentes nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto no artº 412º nº 1 e no artº 410 nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal. (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, em www.dgsi.pt).
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A forma do recurso em causa.
Sem prejuízo da existência de vícios decisórios e aplicação do respectivo regime dos arts. 410º, nº 2 e 426º do C. Processo Penal, a modificação da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ter lugar se a prova tiver sido impugnada nos termos do nº 3 do art. 412º (art. 431º, b) do C. Processo Penal).
O recurso da matéria de facto na sua impugnação ampla, cujo regime se encontra previsto no art. 412º, nºs 3 e 4 do C. Processo Penal, foi concebido como um remédio para sanar (o que a lei tem por excepcional no julgamento feito pela 1ª instância) o erro na definição do facto provado ou não provado. Portanto, não foi, nem pode ser perspectivado como um novo julgamento, ignorando o já efectuado na 1ª. Instância.
Assim, a lei impõe ao recorrente, e apenas ao recorrente, a identificação precisa do erro que pretende corrigir pela via do recurso e a sua demonstração racional e em concreto. Com efeito, o art. 412º do C. Processo Penal, nos seus nºs 3 e 4, sujeita o recorrente a um ónus de especificação: a especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; a especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e; a especificação das provas que devem ser renovadas (esta, nos termos do art. 430º, nº 1 do C. Processo Penal, apenas quando se verificarem os vícios da sentença e existam razões para crer que a renovação permitirá evitar o reenvio).
A este ónus acresce uma outra exigência legal quando as concretas provas especificadas sejam prova por declarações gravadas. Neste caso, as duas últimas especificações devem ser feitas por referência ao consignado na acta da audiência de julgamento, com a concreta indicação das passagens em que o recorrente funda a impugnação.
E devem todas estas especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (cfr. art. 417º, nº 3 do C. Processo Penal).
E, não basta para a procedência da impugnação e, eventual modificação da decisão de facto, que as provas especificadas pelo recorrente permitam uma decisão diversa da proferida pelo tribunal, antes têm de impor uma decisão diversa.
É que o tribunal decide, de acordo com as regras da experiência e a livre convicção, como comando do artigo 127 do C.P.P., sendo por isso necessário que as provas especificadas, na observância do referido ónus, imponham decisão diversa da recorrida, recaindo a demonstração desta imposição também sobre o recorrente que, para tanto, deve relacionar o conteúdo específico de cada meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorrectamente julgado.[1]                                                                     
No caso, o recorrente visa apenas a matéria de facto no seu âmbito mais restrito dos vícios do n.º2 do art. 410º do C.P.P., sendo que, não que o diga expressamente (como aliás devia) percebe-se que invoca a insuficiência da prova, aludindo ao vício reportado na alínea a) do nº. 2 do artigo 410 do C.P.P. e a violação do princípio do in dúbio pro reo. Tudo numa clara impugnação da valoração que o Tribunal fez da prova e não mais que isso. Embora aluda à questão da medida da pena na motivação, nas conclusões nada invoca. Também invoca nas conclusões o vício do erro notório na apreciação da prova, o que, não fundamenta, como devia, na motivação do recurso.
Não obstante, ainda assim, fazendo um esforço de compreensão do pretendido, conheceremos das questões que repescámos sob recurso na motivação e conclusões.
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Cumpre pois assinalar que:
Em termos de valoração material da prova, é de não esquecer que apesar da minuciosa regulamentação das provas efectuada pelo C.P.P., salvos os casos em que a lei define critérios legais de apreciação vinculada (vg. prova documental e prova pericial) vigora princípio geral de que a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador - art. 127º do Código de Processo Penal.
A livre convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque para a sua formação concorrem a actividade cognitiva e ainda elementos racionalmente não explicáveis como a própria intuição. Esta operação intelectual, não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis) e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente — aqui relevando, de forma especialíssima, os princípios da oralidade e da imediação — e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” - cfr. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss..
O princípio in dubio pro reo constitui um princípio de direito relativo à apreciação da prova/decisão da matéria de facto. Princípio atinente ao direito probatório, como tal relevante em termos da apreciação da questão de facto e não na superação de qualquer questão suscitada em matéria de direito – cfr. entre outros Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, 1982, vol. 1, 111, Figueiredo Dias Direito Processual Penal, p. 215, Castanheira Neves, Sumários de Processo Criminal, 1967-1968, p. 58. Constituindo um princípio geral de direito (processual penal) cuja violação conforma uma autêntica questão-de-direito – Cfr. Medina Seiça, Liber Discipulorum, p. 1420; Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1974, p. 217 e segs.), criticando o entendimento contrário do STJ.
De onde que o tribunal de recurso “só poderá censurar o uso feito desse princípio (in dubio) se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a esse estado escolheu a tese desfavorável ao arguido” – cfr. AC. STJ de 02.05.1996, CJ/STJ, tomo II/96, p. 177. Ou quando, após a análise crítica, motivada e exaustiva de todos os meios de prova validamente produzidos e a sua valoração em conformidade com os critérios legais, é de concluir que subsistem duas ou mais perspectivas probatórias igualmente verosímeis e razoáveis, havendo então que decidir por aquela que favorece o réu.
No que toca especificamente à prova produzida oralmente em audiência – campo privilegiado de aplicação do critério do art. 127º do CPP - assume a maior relevância o princípio da oralidade e imediação, na plenitude da discussão cruzada, no exercício amplo do contraditório. Princípio que enfatiza a constatação de que o tribunal de recurso não procede a um novo julgamento mas apenas procede à sindicância de um julgamento previamente realizado em 1ª instância, na plenitude da audiência, nos termos supra identificados. Sabendo-se a voz apenas representa uma perspectiva parcelar do processo global da comunicação entre as pessoas.
Daí que “só os princípios da oralidade e da imediação permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234.
Assim, os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, apenas poderão afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art. 347º, n.º2 do CPP – Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias – jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; 13.02.2008, recurso 76/05.4PATNV.C1 2º Juízo Torres Novas.
Concluindo-se assim, como decidiu, entre outros, o Acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.... “quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum”.
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Exposto o nosso entendimento jurídico sobre as questões de direito suscitadas no recurso, vejamos agora a situação em concreto.

Assim, desde já cumpre transcrever a matéria fixada pelo Tribunal recorrido e da qual o arguido/recorrente discorda, bem como a respectiva motivação, o que nos permitirá melhor perceber a apreciação das questões colocadas.
(transcreve-se)
Discutida a causa, e com relevância para a mesma, resultaram provados os seguintes factos:

1. M……………. e o arguido L…………….., em data não concretamente apurada, mas por altura de Janeiro de 2016, iniciaram um relacionamento amoroso passando a viver em condições análogas à dos cônjuges, partilhando mesa, leito e habitação, residindo na área desta Comarca.
2. Maria tem um filho fruto de um anterior relacionamento, R………….., nascido em ………..
3. Em data não concretamente apurada, mas no Verão do ano de 2017, o arguido iniciou uma discussão com M……., tendo alcançado a mesma junto à entrada do prédio onde residiam e, de imediato, agarrou-a pelos braços e puxou-a para dentro do mesmo.
4. Com a conduta descrita o arguido, causou em M……. dores e incómodos, na zona do corpo atingida.
5. No dia 21 de Janeiro de 2018, cerca das 20, 00 horas, no interior da residência comum, o arguido iniciou uma discussão com M……….., sem qualquer motivo aparente, e de súbito e sem que nada o fizesse prever o arguido desferiu-lhe uma chapada na face, causando-lhe hematomas, dores e incómodos.
6. Ato contínuo o arguido apertou o pescoço com força a M.. e, concomitantemente, em tom de voz elevado e sério disse-lhe: “eu mato-te”.
7. O arguido adoptou as condutas assim descritas designadamente no interior da residência e mesmo na presença do filho de M…….
8. Todas as atuações assim descritas são ofensivas da dignidade pessoal de M……, provocam na mesma estados de nervos constantes, angústia, ansiedade, receio e sentimentos de sujeição aos humores do arguido.
9. Ao agir da forma descrita o arguido quis e conseguiu maltratar M……., sua companheira, sobretudo a sua saúde psíquica e física, fazendo-a viver em permanente sobressalto por força das expressões de cariz intimidatório que proferiu contra a mesma, bem sabendo que a sua conduta era idónea a provocar medo e inquietação àquela como efetivamente provocou.
10. Com o seu comportamento, e não ignorando que proferindo expressões de cariz intimidatório e agredindo-a, conseguia diminui-la no respeito que lhe era devido, mostrando-se indiferente pelo estado em que a deixava e, assim, levando-a a suportar a sua permanência no interior da residência.
11. Agiu o arguido livre e conscientemente, com a intenção de ofender corporalmente Maria, demonstrando falta de consideração por esta enquanto mulher, em dada altura sua companheira, bem sabendo que tal conduta era punida por lei.
12. O arguido bem sabia a sua conduta era proibida e punida por lei e, ainda assim, não se coibiu de a praticar.
Do Julgamento:
13. O arguido é solteiro.
14. O arguido exerce a profissão de encarregado de construção civil, auferindo mensalmente cerca de € 1.000,00, a título de retribuição.
15. Vive em casa própria.
16. Paga mensalmente a quantia de € 280,00 para amortização de empréstimo bancário por si contraído para aquisição de habitação permanente.
17. Como habilitações literárias tem a 4.ª classe.
18. O arguido já foi condenado: 
- por decisão proferida em 03.06.1996, no âmbito do processo n.º 17/96, do Tribunal Judicial de Tomar, pela prática, em 29.10.1995, de um crime de ofensa à integridade física, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 700$00.
- por decisão proferida em 20.04.2000, transitada em julgado no dia 10.05.2000, no âmbito do processo n.º 134/00.1GGLSB, do Tribunal Judicial de Oeiras, pela prática, em 19.04.2000, de um crime de condução sob influência do álcool, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de 1.000$00.
- por decisão proferida em 14.07.2014, transitada em julgado no dia 30.09.2014, no âmbito do processo n.º 1137/13.1 PLSNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra – JL Criminal – Juiz 2, pela prática, em 07/2013, de um crime de ofensa à integridade física e um crime de violência domestica, na penas de 160 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e 3 anos 3 6 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período, mediante regime de prova.
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(II) FACTOS NÃO PROVADOS
Com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
i. Durante o período de convivência do casal L….. sem motivo aparente, apresentou um temperamento violento e implicativo para com a sua companheira Maria.
ii. Na data referida em 3., o arguido em tom de voz elevado e sério disse à ofendida: “cabra, mãe desnaturada, galderiona” e de seguida desferiu-lhe um murro.
iii. Perante isto, e temendo pela sua integridade física, M……… saiu de casa, tomando o elevador em direção à porta exterior do prédio.
iv. Aquando do referido em 3., o arguido desferiu na ofendida pontapés nas pernas e na barriga.
v. De seguida, o arguido carregou no botão do elevador e chegados ao 4.º piso, o arguido empurrou M……….para o exterior do elevador, e arrastou-a, puxando-a, para o interior da residência, fechando de seguida a porta de entrada à chave que guardou consigo.
vi. Aquando o referido em 5.º, o arguido desferiu na ofendida joelhadas na zona exterior da coxa esquerda.
vii. O comportamento do arguido L… assim descrito, em termos de agressividade e violência bem como em termos de continuidade e frequência, agravou-se no decurso dos últimos meses.
viii. Com o comportamento descrito, dirigindo as expressões supra mencionadas a M……., consecutivamente, foi a mesma atingida na honra e consideração pelo arguido que lhe dirigiu nomes e expressões em desrespeito pelo sentido de consideração e pudor inato a qualquer ser humano.
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(III) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

Na formação da sua convicção o Tribunal tomou em consideração os meios de prova disponíveis, atendendo nos dados objectivos fornecidos pelos documentos dos autos e fazendo uma análise dos depoimentos prestados. Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos seguintes meios de prova: (i) depoimento das testemunhas R……….. e T……………. (ii) documentos junto aos autos, nomeadamente: Documento de fls. 72-86; e CRC de fls. 108 e seguintes
Assim, o arguido remeteu-se ao silêncio, direito que lhe assiste. Por sua vez, a ofendida optou por recusar-se legitimamente a depor.
Desta forma, a convicção do Tribunal formou-se essencialmente com base no depoimento da testemunha R………., a qual, de forma coerente e notoriamente verosímil, confirmou parcialmente os factos descritos na acusação e dados como provados, asseverando que o arguido cometeu, no circunstancialismo de tempo e locais ali enunciados, as agressões físicas que lhe são imputadas, bem como proferiu a expressão constante do ponto 6 da factualidade dada como provada.
Mais acresce que, o depoimento da mesma acaba por ser parcialmente corroborado pela testemunha T……………, a qual confirmou que efectivamente no ano passado estava na casa do arguido, acompanhado pelo Rodrigo e viu a ofendida a chorar após uma discussão.
Por fim, também não podemos descurar o teor do auto de denúncia de fls. 3-7, o qual não foi devidamente impugnado, resultando do mesmo que a ofendida no dia 22.01.2018 apresentada um hematoma visível, confirmando assim a versão dos factos apresentada pela testemunha Rodrigo Sopa.
Ora, é certo que nos presentes autos o arguido se remeteu ao silêncio, porém, a prova produzida foi mais do que suficiente para a formação da convicção do Tribunal, no sentido dos factos que vieram a ser dados como provados.
Com efeito, neste contexto de produção de prova e motivação dos factos dados como provados, importa salientar a especificidade deste tipo de crime e o contexto em que normalmente o mesmo ocorre.
De facto, atendendo às regras da experiência comum e ao facto de estarmos perante agressões entre cônjuges ou pessoas em situação análoga, facilmente se conclui que muitos dos factos ocorrem “intramuros.
Assim, a jurisprudência tem considerado - e a nosso ver bem -, que tal falta de prova testemunhal deve ser suprida através de uma ponderada valorização das declarações das próprias vítimas, “uma vez que os maus tratos físicos ou psíquicos infligidos ocorrem normalmente dentro do domicílio conjugal, sem testemunhas, a coberto da sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e, por isso, preservado da observação alheia, acrescendo a tudo isso o generalizado pudor que terceiros têm em se imiscuir na vida  privada dum casal” (Neste sentido, entre outros, Acórdão da Relação de Lisboa de 06.06.2001, processo 0034263, in www.dgsi.pt).
Porém, in casu, é certo que a ofendida recusou-se legitimamente a depor. Porém, temos os depoimentos das aludidas testemunhas, uma vez que as mesmas assistiram aos factos, sendo que prova alguma foi produzida que abalasse tais depoimentos. É certo que não passou despercebido a este Tribunal o desconforto com que estas testemunhas depuseram, tanto mais que ambas gostam do arguido, e são muito jovens. Aliás, a testemunha T………., não obstante a sua tenra idade, em sede de audiência de julgamento e sem que alguém lhe questionasse avançou logo que apenas tinha assistido a discussões mas que nunca tinha visto  o arguido a bater, o que evidencia à saciedade que aquele já sabia o que estava em causa nos autos, tendo já resposta preparada, mesmo antes de ser colocada a questão!
Aliás, a mãe deste, a testemunha F…………, prestou igualmente um depoimento no sentido de proteger o arguido, referindo inclusive que a sua relação com este último era boa. Ora, acontece que, quando confrontada com o teor da sentença de fls. 72 e seguintes, foi manifesto o seu constrangimento, pois a mesma ali figura como ofendida, tendo o arguido sido condenado pelo crime de violência doméstica levado a cabo na sua pessoa!
Porém, no que diz respeito à factualidade em causa nos autos nada sabia, bem como a testemunha D……………, filho do arguido, o qual apenas confirmou que existiam efectivamente discussões entre o casal, nunca tendo presenciado qualquer agressão.
No que diz respeito às condições económico-financeiras do arguido, teve-se em consideração as declarações do mesmo, as quais, nesta parte, foram credíveis.
No tocante aos antecedentes criminais do arguido, teve-se em consideração o teor do certificado de registo criminal junto aos autos.
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Quanto à factualidade dada como não provada, do conjunto da prova produzida em julgamento não foi possível ao Tribunal estabelecer qualquer convicção que lhe permitisse dar como provados os factos acima descritos, os quais, por conseguinte, mereceram o juízo supra alcançado, espelhado no elenco dos factos não provados.
Aliás, no que diz respeito às expressões com cariz injurioso, é certo que não podemos dar as mesmas como provadas pois nenhuma das testemunhas as soube precisar. Porém, o certo é que a testemunha Rodrigo Sopa confirmou que efectivamente o arguido as proferiu, não as conseguindo as precisar face ao lapso de tempo decorrido.
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O recorrente defende que a factualidade dada como provada na sentença recorrida não tem suporte na prova produzida porque se fundou em dois depoimentos- testemunhas R………e T…….- que considerou contraditórios.
O Tribunal analisou os depoimentos, nomeadamente as passagens transcritas pelo recorrente e nenhuma contradição detectou; aliás o arguido alega mas não concretiza quais os fundamentos das invocadas contradições. E, na realidade elas não existem: bem pelo contrário, são mesmo coincidentes e completam-se, inexistindo qualquer sentido oposto ou incompatibilidade entre os factos relatados por ambas as testemunhas.
E, em boa verdade, o facto de o arguido se remeter ao silêncio, no uso de um direito, se não o pode prejudicar, também não o pode beneficiar, pois que teve oportunidade de se justificar e esclarecer as condutas imputadas e, optou por não o fazer.
Ora, o Tribunal apreciou a prova e, fê-lo segundo os princípios e critérios da livre apreciação (da prova), como facilmente se detecta da motivação da matéria de facto que acima se deixou transcrita. E, lembre-se que nenhuma impugnação destes critérios foi colocada em causa pelo recorrente, que também não impugnou a matéria de facto na amplitude do disposto no artigo 412 nº. 3 e 4 do C.P.P. Como é fácil de perceber não é a posição e entendimento diverso do manifestado pelo arguido, que basta para que este Tribunal de recurso avalie e sindique a decisão da discórdia do arguido. É que, para além de impugnar a matéria de facto numa pretensão de amplitude, sem cumprir o ónus estabelecido na Lei, também nada invoca em concreto quando assaca à decisão recorrida a violação do princípio do in dúbio pro reo e da existência do erro na avaliação da prova.
Ora,
Na fase de recurso, a demonstração da violação do princípio do in dúbio pro reo passa pela sua notoriedade, aferida pelo texto da sentença, devendo, por isso, resultar dos termos desta, de forma clara e inequívoca, que o juiz, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto desfavorável ao agente, o considerou provado ou, inversamente, tendo ficado na dúvida sobre a verificação de determinado facto favorável ao agente, o considerou não provado.
A dúvida relevante para este efeito não é, no entanto, a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador após a produção da prova, em conformidade com a apreciação que dela, por si [recorrente], foi feita, mas antes, a dúvida que o julgador não logrou ultrapassar e fez constar da sentença ou que por esta é evidenciada.
Pela sentença recorrida, muito particularmente, pela sua motivação de facto, não vemos que o Tribunal a quo tenha ficado na dúvida quanto aos factos, impugnados pelo recorrente, que considerou provados. Pelo contrário, na motivação de facto mostra-se claramente exposto o processo lógico que conduziu à certeza alcançada sobre os mesmos, e também não descortinamos qualquer razão objectivamente válida para entender que o Tribunal deveria ter permanecido numa qualquer dúvida inultrapassável. Aliás, nem o próprio arguido/recorrente a justifica em concreto.
Não se mostra, portanto, violado o princípio do in dúbio pro reo e por via dele, o art. 32º, nº 2 da Lei Fundamental e a presunção de inocência, verificando-se antes que o arguido, pela via do recurso, pretendeu apenas substituir a convicção alcançada pelo tribunal recorrido, pela sua própria convicção, o que não pode acontecer e fazer proceder a sua pretensão de ver modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto pela falta de verificação dos respectivos pressupostos.
Assim, não ocorre no texto da decisão recorrida, nenhum dos vícios aludidos no artigo 410-2 do C.P.P., nem se mostra violado o princípio do in dúbio pro reo ou da livre apreciação da prova plasmado no artigo 127 do C.P.P.[2]
Em suma:
No âmbito do conhecimento do recurso por este Tribunal e, percorrida a matéria e a sua fundamentação, não encontramos nenhum dos vícios aludidos no artigo 410-2 do C.P.P.: não vislumbramos insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a) da norma), o qual existe quando a matéria de facto provada não é suficiente para o preenchimento dos elementos essenciais do tipo objectivo e subjectivo do crime. Sendo certo que a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, que é coisa bem diferente – cfr., entre muitos outros citados pelos mencionados autores, Ac. STJ de 13.02.1991, in AJ n.ºs 15/16.
De igual modo se não verifica qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b) da norma) e também não ocorre o vício de erro notório na apreciação da prova (al. c) da norma), sendo que o erro na apreciação da prova só pode resultar de se ter dado como provado algo que notoriamente está errado “que não pode ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, sendo o erro de interpretação detectável por qualquer pessoa.” (Ac. de 12.11.98, no BMJ 481-325).
Não se vislumbrando na decisão, qualquer dos vícios a que alude o artigo 410-2 do C.P.P., que são do conhecimento oficioso deste Tribunal, a matéria descrita na decisão recorrida tem-se por definitivamente assente e, nessa medida é suficiente e suporta os requisitos objectivos e subjectivos do tipo legal dos ilícitos por que o arguido foi condenado, nada merecendo correcção por este Tribunal.
Considera ainda (na motivação apenas), que o artigo 355- 1 do C.P.P. não permitia que o Tribunal tivesse valorado como prova o auto de notícia.
Lê-se no
Artigo 355.º
Proibição de valoração de provas
1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes.
A questão da valoração, no caso, é consensual na jurisprudência e disso são exemplo os acórdãos que a seguir referenciamos:
 Ac. TRG de 4-03-2013 :III. A norma do art. 355 nº 1 do CPP nos termos da qual «não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência», visa apenas evitar que concorram para a formação da convicção do tribunal provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo com respeito pelo princípio do contraditório. Não exige que todas as provas tenham de ser reproduzidas na audiência de julgamento.
Ac. TRC de 27.11.2017 Prova produzida em audiência. Crime de violência doméstica. Requisitos. I - A norma do art. 355.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, não exige que todas as provas sejam produzidas e/ou reproduzidas em audiência, pois os documentos que estejam nos autos consideram-se examinados e produzidos em audiência, independentemente de aí terem sido lidos, porque estando eles no processo todos os intervenientes têm acesso aos mesmos e têm, portanto, oportunidade de os analisar, por um lado, e contraditar, nomeadamente em julgamento, por outro.II - O que a norma determina é que não valem para a formação da convicção do tribunal as provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo com respeito pelo princípio do contraditório. III - Um documento não lido nem examinado na audiência de julgamento não pode ser usado como prova se a sua junção não foi notificada aos sujeitos processuais interessados e se estes, depois dessa junção, não tiveram acesso aos autos e, consequentemente, não tomaram conhecimento da sua existência. IV - Se uma concreta prova não constar do elenco das provas proibidas, significa que ela é permitida e pode ser legalmente considerada. V - O preenchimento do tipo legal do crime de violência doméstica exige uma relação de proximidade afectiva entre o agente e a vítima, mormente análoga  da conjugalidade, actual ou entretanto terminada. VI - No crime de violência doméstica, a violência desenvolvida pelo agente sobre a vítima deve redundar num abuso de poder daquele e numa situação de degradação e humilhação desta. VII - Uma vez que qualquer crime contra as pessoas atenta contra a sua dignidade, então esta violação que remete aquelas acções para o tipo legal da violência doméstica terá que revelar uma especial ofensa da dignidade humana que determinou o surgimento deste tipo especial que a tutela. VIII - A distinção entre o crime de violência doméstica, enquanto tal, e o concurso dos crimes de ofensas, ameaça, injúria, etc., que as concretas acções podem configurar, faz-se com recurso ao conceito de maus tratos e este exige o desprezo, humilhação, especial desconsideração pela vítima e a gravidade destas manifestações.
Ora, o auto de notícia, enquanto documento intra processual, cuja fé não foi elidida em juízo ( e o arguido teve oportunidade para o fazer), faz prova no que diz respeito aos factos presenciados pelos agentes da autoridade, sem necessidade da sua leitura em audiência, e, no caso, foi concatenado com a restante prova, como claramente se vê da fundamentação da decisão, pelo que foi o mesmo correctamente valorado.

Ainda uma nota mais sobre o preenchimento da tipologia do crime da condenação.

O crime de violência doméstica, cujo interesse jurídico protegido é a saúde física, psíquica, mental e moral enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana (cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 512), tem como elementos constitutivos do respectivo tipo:
- A inflicção de maus tratos físicos ou psíquicos ao cônjuge ou ao ex-cônjuge ou a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
- O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência de que o mesmo é censurável.    
A lei não define o conceito de maus tratos físicos ou psíquicos, esclarecendo apenas que nele se integram castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais. Assim, incluem-se neste conceito todas as condutas agressivas que visam atingir directamente o corpo do ofendido, normalmente integrantes do tipo do crime de ofensa à integridade física, as injúrias, as críticas destrutivas e/ou vexatórias, as ameaças, as privações da liberdade, as restrições e perseguições e outras acções não consentidas. Mas, a qualificação de uma determinada acção como mau trato não depende da sua aptidão para preencher um outro tipo de ilícito e por outro lado, a aptidão de uma determinada acção para preencher o conceito de mau trato não significa, sem mais, a verificação do «crime de violência doméstica, tudo dependendo da respectiva situação ambiente e da imagem global do facto» (Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Julgar, nº 12, pág. 19).  
No caso, o quadro fáctico provado demonstra que o arguido praticou condutas repetidas no tempo, com violência psicológica e física, de média e alta intensidade relativas (a levá-la a accionar ajuda), contra a ofendida, condutas livre e intencionalmente realizadas por aquele, sabedor de que assim não podia nem devia actuar. Não vislumbramos assim e da fundamentação recursiva, por que razão os factos 3 a 12 deveriam ter sido fixados como não provados. Só a interpretação e avaliação da prova feita no entendimento pessoal do arguido e, ao arrepio do princípio da livre apreciação do artigo 127 do C.P.P. ,poderiam permitir tal modificação probatória.
Discorda ainda o arguido da pena aplicada. Fá-lo apenas na motivação, invocando doutrina de forma generalizada, sem concretamente se dirigir aos factos apurados nessa matéria.
Nos termos do disposto no art.º 40º do C. P., toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”
Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, quando tiver lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade. Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido.
Quando o art.º 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art.º 40º.
Também a doutrina defende, (Cfr.  Figueiredo Dias, “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, ed., 2005, pags. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica: A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. Idem pág. 229). Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social.
Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. O nº 2 do art.º 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime.
Ora, perante o circunstancialismo descrito no caso, nada se encontra que possa merecer a atenuação especial a que se reporta o artigo 72 do C.Penal ou outra, como parece pretender o arguido. Nada aponta no sentido de uma fixação da pena no seu mínimo legal, pois nenhuma circunstância em concreto demonstra a existência de uma atenuação, especial ou outra. Inexiste mesmo uma omissão em assumir a prática dos factos ou a sua reparação ainda que moral, das consequências dos mesmos. As demais circunstâncias sociais e económicas alegadas pelo arguido foram devidamente ponderadas pelo Tribunal e mereceram a aplicação de uma pena de prisão a expressar o elevado grau de ilicitude, as consequências da conduta danosa na vítima. Assim, considerando as molduras abstractas, nada se pode apontar à pena aplicada. Nada aponta pois para uma desproporção ou inadequação da mesma.
Improcede pois, na totalidade, o recurso do arguido.

III – DECISÃO.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 9ª.Secção Criminal desta Relação, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente fixando em 4 Ucs.a taxa de justiça.

Elaborado em computador e subscrito pela relatora (art.º 94º/2 do CPP).
                                                  *****
Lisboa, 07/02/2019

Relatora                 

Maria do Carmo Ferreira
Adjunta
Cristina Branco


[1] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, pág. 1135).
[2] A este respeito, dos acórdãos publicados do STJ que trataram desta matéria, citamos: “Se existe mera discordância do recorrente entre aquilo que o colectivo teve como provado e aquilo que o recorrente entende não ter resultado da prova produzida, não se verifica qualquer dos vícios indicados no art. 410º- 2 a) e c), do CPP.” (Ac. de 19.3.98, no BMJ 475-261).
Decisão Texto Integral: