Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17/17.6PJSNT.L1-5
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: ACTA DE JULGAMENTO
FALSIDADE
TAXA DE ALCOLEMIA
PENA ACESSÓRIA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I– A falsidade da acta de audiência de julgamento realizada na 1ª instância tem de nesta ser invocada, nos termos do estabelecido no artigo 451º, nº 2, do CPC aplicável ex vi artigo 4º, do CPP e não directamente para o Tribunal da Relação por via de recurso da decisão final.
II– A omissão na acta da audiência de julgamento do início e termo do requerimento de junção de documentos de prova pela defensora oficiosa, das alegações do magistrado do Ministério Público e das alegações da defensora não integra nulidade, mas uma irregularidade.
III– Em processo especial sumário, integra igualmente uma irregularidade e não uma nulidade, a falta de indicação, na acta, do início e termo da gravação da sentença.
IV– Cumpre efectuar o desconto do valor do “erro máximo admissível” na TAS registada no alcoolímetro em que se que procedeu à medição da quantidade de álcool no ar expirado, configurando a sua omissão o vício de erro notório na apreciação da prova previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do CPP.
V– É legalmente inadmissível, por não prevista, pois resulta manifesto da redação do artigo 73º, do Código Penal, que tem o seu campo de aplicação limitado às penas principais de prisão ou multa, em passo algum se referindo a penas acessórias, a atenuação especial da pena acessória de proibição de conduzir – a que se reporta a alínea a), do nº 1, do artigo 69º, do mesmo Código
–bem como a dispensa de pena.

(Sumário elaborado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


1.– Nos presentes autos com o NUIPC 17/17.6PJSNT, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra – Juiz 2, em Processo Especial Sumário, foi o arguido Paulo R...P... S... condenado, por sentença de 23/05/2017, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 120 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de 8 meses.

2.– O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

I.– Questão prévia:
a)- Impugna-se a veracidade da acta da audiência de julgamento, por não corresponder à verdade o que dela consta;
b)- Com efeito, da acta consta que "concedida a palavra à Ilustre Defensora do arguido, pela mesma foi dito não pretender apresentar contestação e prescindir das exposições introdutórias"
c)- Ora, conforme resulta da gravação audio, de 10h56m51s ficheiro audio 20170523105651_3935382_2871314.wma, houve contestação, a qual foi admitida, e onde foram arroladas testemunhas, que foram ouvidas.
d)- Consta ainda da acta que "De seguida, foi dada a palavra à Ilustre Defensora, pela mesma foi dito prescindir da entrega da cópia da gravação da sentença"
e)- Ora, a Defensora oficiosa não prescindiu da entrega da cópia da gravação, apenas não tendo sido levantada no próprio dia dado o adiantado da hora, já muito para além das 12.30 horas, tendo sido levantada no dia seguinte, conforme consta dos autos (apesar de esta cópia apenas conter, como veio a verificar-se, um único ficheiro audio, o que obrigou a Defensora oficiosa a solicitar ao Tribunal a produção de nova cópia, desta vez contendo a totalidade dos ficheiros audio)

IIQuestão principal
f)- Da acta não consta, por referência à documentação audio, o início e o termo:
- Do requerimento de junção de documentos de prova pela defensora oficiosa
-Das alegações da Dign. Procuradora
-Das Alegações da Defensora Oficiosa
-Da indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;
-Da exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;
-Dos fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;
g)- Ora, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 363, 364º e 389-A do CPP, a sentença é nula.
h)- Impondo-se a prolação de nova decisão, se outros factores que o impeçam não se verificarem e, designadamente, se puderem aproveitar-se os elementos de prova obtidos.
i)- A prova da taxa de alcoolemia é nula, porquanto:
j)- Emerge de um acto ferido de abuso de poder, violador do disposto nos artigos 12 da declaração Universal dos Direitos do Homem, 17º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e 26º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
k)- Com efeito, o agente autuante mandou parar o arguido sem causa provável, apenas porquanto este fez uma ultrapassagem, tendo obrigado o agente autuante a diminuir a velocidade em que este seguia, por forma a permitir ao arguido concluir a manobra; o arguido conduzia à velocidade regulamentar, tinha boa visibilidade, as ruas que vão entroncar naquela avenida em que o arguido circulava, estão todas elas sinalizadas com sinal de stop ou de perda de prioridade.
l)- Nada havendo, na condução do arguido, segundo o depoimento do agente autuante, nada que pudesse sugerir que o arguido conduziria em estado de embriaguez.
m)- Como assim, o acto de mandar parar o arguido, por não ser fundado nalguma situação legalmente permitida, é nulo, facto de que nos termos do artigo 122 do CP. importa a nulidade de todos os actos que dele dependam, ou seja que não existiriam se o acto ferido de nulidade não tivesse sido praticado;
n)- Ora, se o arguido não tivesse sido mandado parar, não lhe tinham realizado nenhum dos testes que vieram a consagrar que o arguido teria uma taxa de alcoolemia entre 0,58 e 3,33 g/l
o)- Como assim, dependendo todos os exames realizados ao arguido daquele acto - ferido de nulidade - de mandar parar o arguido, há que concluir que a prova assim obtida é também ela nula.
p)- Mais! Ainda se estranha igualmente que, tendo sido chamada ao local a brigada de trânsito, tenha sido um agente da brigada de investigação criminal a conduzir um processo, de verificação do exame de alcoolemia, de elaboração do auto e de notificação para contraprova, para o qual sabia não ter competência, atento que existiriam elementos da brigada de trânsito presentes na esquadra, tanto que solicitou a comparência, no local, da brigada competente para o efeito.
q)- Por outro lado, não existiu por parte do arguido uma declaração valida, consciente e esclarecida de não pretender a contraprova.
r)- Com efeito, conforme refere a testemunha de acusação, tendo colocado o arguido perante a circunstância de solicitar a realização de contraprova este só dizia "desgracei a minha vida"
s)- Por outro lado, existem diversos estudos médico-legais que consignam que uma taxa superior a 3,00g/l consubstancia uma situação de coma alcoólico eminente;
t)- Ora, se os agentes acreditassem naqueles valores, deveriam ter levado de imediato o arguido ao hospital;
u)- Com efeito, uma situação de coma, pode ter como resultado a morte;
v)- Ora, não só os Agentes não tiveram essa preocupação de evitar a morte do arguido (porquanto não acreditavam nos valores apresentados), como nada no comportamento do arguido determinava que estivesse embriagado: falava normalmente, andava normalmente, não tinha olhar cerrado e nem esbugalhado, conduzia normalmente,conforme depoimento do agente Rui....
w)- Assim, também, por omissão de um acto fundamental, a notificação valida, eficaz, consciente e esclarecida do arguido, para a possibilidade e direito de requerer a realização de contraprova, a prova obtida é nula,
x)- Acresce que, não cabe ao Tribunal substituir-se ao legislador e às instituições que avaliam os aparelhos de teste, e desconsiderar a margem de erro máximo admissível.
y)- Com efeito, se a lei manda considerar, e até distingue consoante se trate de aparelhos no período inicial após aprovação inicial/primeira verificação ou verificação periódica ou extraordinária, não pode o Tribunal desconsiderar tal margem de erro.
z)- Sendo certo que, o agente autuante utilizou a margem de erro máximo admissível para um valor inferior a 0,4 g/l.
aa)- Como assim, sem prejuízo do alegado quanto à nulidade da prova, sempre haverá que considerar deduzir o erro máximo admissível constante.
bb)- Deve ser reapreciada a prova gravada, designadamente as declarações do arguido de 11h03m43s, ficheiro audio, 20170523110343_3935382_2871314.wma e de 11h25m33s, ficheiro audio 20170523112533_3935382_2871314.wma, e finais de 12h23m26s, ficheiro audio 20170523122326_3935382_2871314.wma e o depoimento da testemunha Rui Gachineiro de entre as 11h31m48s e as 11h52m12s, ficheiro audio 20170523113147_3935382_2871314.wma.
cc)- E, em consequência, considerar-se provado que:
dd)-"o arguido não tinha consciência destes factos"
ee)- "O arguido demonstrou surpresa quanto ao valor apurado no exame
ff)- "O arguido não foi válida e esclarecidamente notificado de que face àquele resultado poderia requerer exame de contraprova, a realizar através de outro aparelho (que não existiria, conforme resulta das declarações da testemunha Rui ..., por se encontrarem avariados) ou de exame ao sangue".
gg)- Quanto ao elemento do tipo, alterando-se a prova como requerido, deve ser considerado que o arguido não tinha consciência de se encontrar em estado de embriaguez, opinião corroborada pela testemunha de acusação, donde não pode o arguido ser punido a titulo de dolo
hh)assim, deve considerar-se que a culpa é diminuta: - o arguido estava de folga e recebeu ordem do patrão, para quem trabalhava há poucas semanas, após uma situação de desemprego prolongado, para ir entregar a viatura, podendo, com alguma analogia, subsumir-se ao disposto no artigo 35º do CP, uma vez que o arguido pretendeu evitar uma situação de despedimento laboral que coloca em causa a subsistência da sua família.
ii)- deve considerar-se que o dolo não existe, uma vez que não se mostra provado nem sequer que o arguido, se conhecesse estar com aquela taxa de alcoolemia teria, mesmo assim, conduzido, ou da negligência.
jj)- Tal deve ser valorado no sentido da fixação de uma pena inferior à que lhe foi aplicada, designadamente ao nível da sanção acessória.
kk)- Assim, por o tipo de crime, alegadamente cometido, o que não se concede, ter sido cometido a título de negligência e sob estado de necessidade desculpante, deve a pena ser especialmente atenuada.
ll)- Os artigos 71º e 72º do CP impõem que, na determinação da medida da pena, há que considerar: - a culpa do agente; - as exigências de prevenção; - a intensidade do dolo ou da negligência; - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) Ter o agente actuado sob a influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência; f)Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
mm)- Ora, dos autos consta que o arguido não tem averbada qualquer infracção no seu registo criminal, é a sua primeira infracção, com carta de condução de ligeiros desde Janeiro de 1996 e pesados desde Dezembro de 2010, que não tem averbado no seu registo de condutor qualquer infracção, sendo certo que conduz regularmente, numa base diária, uma vez que esta é a sua profissão
nn)- Consta igualmente que depende da carta de condução para prover ao seu sustento e de sua família.
oo)- Das declarações que o arguido prestou, quer em audiência, quer perante a testemunha de acusação, demonstra falta de consciência quanto ao estado de embriaguez apresentado pelos exames (que não se aceitam), que não devia ter pegado no veiculo, desgraçou a vida, sendo notório que não existem necessidade de prevenção especial.
pp)- Estes elementos, que deveriam ter sido considerados e não o foram, implicam uma atenuação especial da medida da pena e da sanção acessória, eventualmente com dispensa da sanção acessória.
qq)- Assim, sem conceder quanto à nulidade da prova, caso se entenda que improcedem as conclusões de recurso, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, sempre deverá a pena principal a sanção acessória serem revistas, e fixadas nos seus mínimos legais, se não houver lugar à dispensa de pena.
rr)- A sentença recorrida padece do vício de nulidade previsto no n.º 3 do artigo 389º-A CPP, por remissão para o artigo 363º e 364º do CPP, violando ainda o disposto nos artigos 12º da DUDH, 17º do PIDCP, 29 e 32 da CRP, 250º do CPP, contendo nulidades ao abrigo dos artigos 122º, nº 1 e 379º, n1, alínea c) do CPP, e ainda ao abrigo das disposições do artº 120 do CPP e 153º, n.º 2, alínea c) do CE, violando o disposto na Portaria 1556/2007, e ainda os artigos 71º e 72ºdo CP.
Termos em que,
Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, com as demais consequências legais e processuais, assim fazendo V. Exas a costumada Justiça!!

3.–Respondeu o Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo à motivação de recurso, pugnando por não merecer provimento.

4.– Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer nos seguintes termos (transcrição):

Interpõe, em 22 de Junho de 2017, fls. 61/83v, o arguido P...S..., recurso da sentença proferida e depositada em 23 de Maio de 2017, fls. 43/47, por intermédio da qual foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa à taxa de 5€, no total de 600€ na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor de quaisquer categorias pelo período de 8 meses.

Das Conclusões formuladas pelo recorrente conclui-se que o mesmo considera que a decisão recorrida padece da nulidade prevista no nº 3, do artigo 389º-A, do Código de Processo Penal, por remissão para o artigo 363º e artigo 364º, do mesmo Código.

Mais defende que, por intermédio da decisão recorrida, foi violado o disposto nos artigos 12º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, 17º, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, artigos 29º e 32º, da Constituição da República Portuguesa e 250, do Código de Processo Penal e a Portaria nº 1556/2007 e os artigos 71º e 72º, do Código Penal.

E, ainda que a decisão recorrida padece das nulidades dos artigos 122º, nº 1 e 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal e no artigo 120º, do Código de Processo Penal e 153º, nº 2, alínea c), do Código da Estrada.

O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal "a quo" respondeu ao recurso conforme fls. 98/101, onde elencou e rebateu as questões suscitadas pelo recorrente, defendendo a improcedência do recurso e a consequente manutenção do decidido.-

Acresce que, no que toca à questão prévia suscitada pelo recorrente, a acta de audiência de julgamento não contém elementos inverídicos, posto que, a circunstância de ali se ter feito constar «concedida a palavra à Ilustre Defensora do arguido, pela mesma foi dito não pretender apresentar contestação e prescindir das exposições introdutórias» e «De seguida, foi dada a palavra à Ilustre Defensora, pela mesma foi dito prescindir da entrega de cópia da gravação da sentença», não detém o significado e o alcance que aquele lhe pretende atribuir.-

Na realidade, a primeira expressão prende-se com o cumprimento, por parte do Tribunal, do constante no nº 3, do artigo 389º, do Código de Processo Penal, na versão que lhe foi dada pela Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro.

Ora, o recorrente apresentou a sua defesa e rol de testemunhas em 17 de Maio de 2017, fls. 27/34, admitida por despacho de fls. 35, não se tratando de situação em que a contestação/defesa fosse apresentada no início da audiência de julgamento.-

O mesmo se diga quanto ao segmento em que se alude a que se prescindiu da entrega da cópia da gravação da sentença, posto que, tal como resulta de fls. 48, tal gravação lhe foi entregue no dia 24 de Maio de 2017, um dia após a realização do julgamento e dentro do período de 48 horas estabelecido na lei.-

Aparentemente tal gravação não era perceptível, circunstância que só veio a ser invocada em 21 de Junho de 2017 - muito para além do prazo estabelecido no acórdão uniformizador de jurisprudência proferido no processo nº 419/ 11.1TAFAF.G.A.S1, publicado em 23 de Setembro de 2014 -, fls. 53/57, tendo sido entregue novo CD contendo a gravação em causa.-

Por outro lado, a documentação da audiência obedeceu, no essencial, ao preceituado nos artigos 363º e 364º do Código de Processo Penal, sendo que, o não se ter feito constar da acta o início e o termo do requerimento de junção de documentos de prova por parte da Defesa, da resposta do Ministério Público a tal requerimento, do despacho que deferiu a junção desses meios de prova e das alegações orais quer do Ministério Público, quer da Defesa, não constitui qualquer nulidade ou invalidade, mas uma mera irregularidade.-

Por seu turno, a sentença agora em recurso, obedeceu aos requisitos elencados no artigo 389º-A do Código de Processo Penal, encontrando-se documentado na acta os elementos essenciais, não incorrendo, por isso, em qualquer nulidade.-

Pese embora a fundamentada opção efectuada na decisão recorrida no sentido de se não ter atendido à redução do erro máximo admissível na taxa de alcoolémia detida pelo arguido - 3,33g/1, fls. 9, em detrimento das 3,164g/1, feitas constar, em obediência ao artigo 170º, do Código da Estrada, pela autoridade policial e resultante da acusação de fls. 21 -, o certo é que tal opção, julgando provada a taxa de 3,33g/1 e não provada a taxa após redução do erro máximo admissível, configurará um vício resultante do texto da decisão que, ainda que não expressamente invocado pelo recorrente, é de conhecimento oficioso.-

Quanto ao mais, nomeadamente quanto à violação das normas contidas nos artigos 71º e 72º do Código Penal, acompanham-se as alegações produzidas pelo Ministério público na resposta apresentada.

Nada obstando ao conhecimento do recurso, com as menções atrás resenhadas, emite-se parecer no sentido da manutenção do decidido, pois que se concorda com os fundamentos de facto e de Direito contidos quer na resposta do Ministério Público, na decisão recorrida, excepção feita à redução da taxa de alcoolemia detectada de 3,33g/1 para 3,164g/1.

5.– Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, tendo sido apresentada resposta pelo recorrente em que reafirma o constante da motivação de recurso.

6.– Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

1.–Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Inveracidade da acta da audiência de julgamento.

Nulidade da sentença por violação do estabelecido no artigo 389º-A, do CPP.

Nulidade da prova da taxa de alcoolemia.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido/actuação em situação de estado de necessidade desculpante.

Atenuação especial das penas/dosimetria das penas aplicadas/dispensa da sanção acessória.

2.– A Decisão Recorrida

Ouvida a gravação da audiência, onde consta a sentença oralmente proferida (artigo 389º-A, do CPP), constata-se que o tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:
No dia 7 de Maio de 2017, à hora e no local enunciados no auto de notícia para o qual se remete, que é a acusação, o arguido foi fiscalizado quando conduzia o veículo automóvel pesado de passageiros com matrícula XX-XX-XX, tendo apresentado uma taxa de alcoolemia de 3,33 g/l.
O arguido foi notificado para requerer contraprova, não a tendo pretendido.
Os demais factos que constam da acusação púbica, o arguido que havia ingerido bebidas alcoólicas em momento anterior à condução, determinou-se à condução, sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Agiu livre, deliberada e conscientemente.
O arguido trabalha desde 11/04/2017 para a empresa “PJ Tours”, a quem pertence a viatura conduzida pelo mesmo, encontrando-se desde as vinte uma e trinta de 6 de Maio de 2017 até às onze horas de nove de Maio de 2017 em gozo de baixa ou período de repouso.
O arguido é titular de carta de condução que o habilita à condução para as categorias B e B1 desde 14/01/1996, categorias D e D1 desde dezasseis de Dezembro de 2010, ambas válidas.
O arguido aufere cerca de quinhentos e cinquenta e sete euros mensais, vive com a esposa, a qual trabalha, uma filha de seis anos de idade. Tem um filho de dezanove anos de idade que já trabalha, autónomo, que já é pai igualmente de uma criança de dois anos, que ajuda ocasionalmente.
Vive em casa própria, suportando mensalidade de cerca de duzentos e trinta e dois euros para pagamento do empréstimo bancário para aquisição daquela. Tem o 12º ano de escolaridade. Vive em Portugal há cerca de catorze anos com autorização de residência válida.
Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

Que o arguido apresentasse uma taxa de alcoolemia de 3,16g/l e que conduzisse um veículo automóvel.
Relativamente aos demais, aqueles em contradição com os factos que dei como provados e resultantes da acusação, que constam da contestação apresentada pelo arguido a fls. vinte e sete e seguintes.
Nomeadamente, que o arguido não tivesse consciência destes factos.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos, na parte relevante (transcrição):

Foi ouvido o arguido (…) essencialmente admitiu a ingestão de bebidas alcoólicas no momento anterior à condução e efectivamente explicou e por isso até não houve necessidade de dar como provado ou não provado que ingeriu uma cerveja, não foi sequer isso que o arguido aqui trouxe ao tribunal, terá até bebido duas segundo as suas palavras aqui em tribunal, terá ingerido mais bebidas alcoólicas em momento anterior à condução, o que o arguido sabia ter feito e passou por cima dessa questão, determinando-se à condução por esta circunstância de estar há muito pouco tempo a trabalhar para a empresa dona do autocarro, proprietária, melhor dizendo, do autocarro que conduzia.
Estava em período de folga é o que atestam os documentos por si apresentados, igualmente não houve prova contrária que abalasse estas declarações que prestou, nomeadamente da inquirição do agente autuante.
Referiu então que em relação àquela concreta taxa de alcoolemia terá ficado muito surpreso, mas acabou por não pretender contraprova, tendo sido esclarecido (…) que o poderia fazer, da forma como o poderia fazer e por sua vontade decidiu não realizar então a contraprova efectivamente, apesar desse seu estado de surpresa em relação à taxa apresentada.
(…) esta ausência de conhecimento quanto à taxa concreta que se apura é até muitas vezes aqui explorada em tribunal com um exemplo simples de muitas vezes estamos em estado febril e não sabemos qual é o valor que temos, mal comparado, mas para traduzir este tipo de exames. Precisamos que um aparelho, neste caso um termómetro, nos diga qual o valor. E às vezes ficamos surpreendidos efectivamente, isso não significa que não saibamos, nomeadamente porque estamos naquela posição porque nos colocámos nela. Ninguém obrigou a ingerir bebidas alcoólicas, ninguém obrigou a conduzir.
Tudo isto foram actos deliberados, foram actos de vontade e ninguém conduz depois de ingerir a quantidade de bebidas que determinaram uma taxa de alcoolemia de 3,33g/l sem que tenha consciência do que haja ingerido efectivamente. E é por que, já de per si, estas declarações não podem colher, porque efectivamente poder-se-ia eventualmente dizer que taxas relativamente baixas podem efectivamente deixar na dúvida o infractor, taxas deste teor é impossível deixarem na dúvida porque subjacente à e o arguido foi questionado relativamente a esses factos, se teria algum problema de doença que metabolizasse de tal forma os alimentos que produzisse um teor de álcool mais elevado. Foi negado. Portanto, também o arguido, pese embora essa surpresa quanto àquele valor, é uma surpresa que o tribunal entende tratar desta forma, uma surpresa quando nós não sabemos que febre estamos à espera e afinal temos quarenta de febre e estamos verdadeiramente prostrados e fracos.
(…) face à prova que foi produzida, o arguido deliberadamente ingeriu as bebidas alcoólicas, foi por si assumido, determinou-se à condução foi por si assumido, ainda que subjacente a esta questão esteja a pressão que referiu de estar a trabalhar há pouco tempo naquela empresa e ter-lhe sido solicitado que efectuasse um trabalho e iria dizer que não, mas na vida todos nós no dia a dia somos sujeitos às mais variadas pressões e por isso é que nestas circunstâncias o tribunal tem de ponderar tudo isto (…).
Pese embora o arguido aparentasse estar bem, como aqui foi transmitido ou não aparentasse estar no estado de alcoolemia como efectivamente estava ou que veio a apurar-se estar é irrelevante efectivamente. É irrelevante, porque é ao nível endógeno, dos reflexos imediatos que poderá ter no acto de condução, que é um acto iminentemente de condução, que tudo isso tem o seu valor.
E, note-se, é irrelevante também para aqui, não foi aqui trazido, são só circunstâncias da abordagem o acto da condução que o arguido teve e que motivou a fiscalização dos agentes da autoridade. Efectivamente, pese embora toda esta circunstância que o arguido esclareceu e que a própria testemunha aqui trouxe que o arguido aparentava estar normal, possivelmente teria sido diferente se o arguido não apresentasse esta taxa, não escolhesse efectuar aquela ultrapassagem no limite da velocidade dentro de uma localidade a outra viatura que seguia à sua frente com uma viatura das dimensões que o arguido conduzia. Uma recta, com visibilidade, sem dúvida nenhuma (…) é conhecido do tribunal que exerce funções na comarca o local onde foi efectuada a fiscalização, de qualquer das formas, conforme aqui foi trazido e é conhecido do arguido é uma artéria com sucessivas entradas quer do lado esquerdo, quer do lado direito, portanto, poderia efectivamente, para além de ser uma área residencial, tratar-se de uma tragédia em vez de, uma situação grave de, criminal que aqui está a ser tratada.
(…) o valor do talão é o valor que o tribunal considera, e portanto aqui já para explicar porque é que dei como não provado o valor de 3,16g/l. Porque efectivamente esse valor que consta da acusação pública de fls. 21 não deriva de nada a não ser da dedução de erros máximos admissíveis que é meu entendimento que não serão de chamar aqui à colação porque, conforme informação do Instituto Português da Qualidade, os aparelhos estão devidamente aferidos, verificados, aprovados, homologados e portanto já em si nas sucessivas verificações periódicas a que os mesmos são sujeitos são aferidos, são padronizados para as deduções de margens de erro. E portanto não há uma dupla valoração destas margens de erro a efectuar.
(…)

Apreciemos.

Inveracidade da acta da audiência de julgamento

Começa o arguido, no que denomina de “questão prévia”, por afirmar que impugna-se a veracidade da acta da audiência de julgamento, por não corresponder à verdade o que dela consta, com fundamento em se mencionar que a Ilustre Defensora não pretendia apresentar contestação e prescindia das exposições introdutórias, bem como prescindia da cópia da gravação da sentença, o que se não verificou.

Compulsa a acta em causa, nela podemos ler:

“Concedida a palavra à ilustre defensora do arguido, pela mesma foi dito não pretender apresentar contestação e prescindir das exposições introdutórias”.

E, em passo mais adiante, que “De seguida, foi dada a palavra à ilustre defensora, pela mesma foi dito prescindir da entrega da cópia da gravação da sentença”.

Ora bem, a acta da audiência de julgamento constitui um documento autêntico, fazendo prova plena dos actos praticados (artigo 371º, do Código Civil), pelo que a respectiva força probatória só pode ser ilidida com base na sua falsidade – nº 1; sendo falso o documento quando nele se atesta como tendo sido objecto da percepção da autoridade ou oficial público qualquer facto que na realidade se não verificou, ou como tendo sido praticado pela entidade responsável qualquer acto que na realidade o não foi – nº 2.

Assim, não se encontrando a acta de acordo com a realidade, deve, quem o constatar e para tanto tenha legitimidade, requerer a pertinente rectificação, pois pode-se estar perante um mero lapso - desde logo decorrente da utilização de meios informáticos para a elaboração - ou invocar a sua falsidade, se for esse o entendimento.

De acordo com o estabelecido no artigo 451º, do Código de Processo Civil aplicável ex vi artigo 4º, do CPP, a falsidade de qualquer outro acto judicial (que não a citação) deve ser arguida no prazo de 10 dias, a contar daquele em que deva entender-se que a parte teve conhecimento do acto – nº 2.

E esta arguição tem de ser necessariamente perante o tribunal onde a falsidade terá sido praticada e não no tribunal de recurso, como faz a recorrente.

Isto porque, conforme jurisprudência uniforme do nosso Supremo Tribunal de Justiça – cfr. por todos, Ac. de 26/09/2007, Proc. nº 07P1890, que pode ser lido em www.dgsi.pt - os recursos destinam-se a reexaminar decisões proferidas por jurisdição inferior e não para obter decisões sobre questões novas, não colocadas perante aquelas jurisdições.

Como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim para apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso.

Assim, não pode este Tribunal da Relação conhecer desta questão prévia, pois não foi colocada perante o tribunal a quo e sobre ela não incidiu despacho algum.

De qualquer modo, sempre se dirá, para mero sossego das consciências, que a referida desconformidade não teve, nem tem, repercussão alguma na tramitação ou decisão da causa, não causando prejuízo ao recorrente, pois a contestação apresentada aos 17 de Maio de 2017 foi admitida por despacho de 23 de Maio do mesmo ano; resulta da audição da gravação da audiência que efectivamente a ilustre defensora do arguido declarou que prescindia das exposições introdutórias (de onde ter havido correspondência com a realidade nesta parte) e quanto a não ter prescindido da cópia da gravação da sentença, constata-se que requereu essa cópia e a recebeu efectivamente.

Nulidade da sentença por violação do estabelecido no artigo 389º-A, do CPP

Sustenta também o recorrente que a sentença padece de nulidade, por violação do estabelecido nos artigos 389º-A, 363º e 364º, do CPP, porquanto da acta da audiência de julgamento não constam, por referência à documentação áudio, o início e o termo do requerimento de junção de documentos de prova pela defensora oficiosa; das alegações do magistrado do Ministério Público; das alegações da defensora; da indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas; da exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão; dos fundamentos que presidiram à escolha e medida das sanções aplicadas.

Estabelece-se no artigo 389º-A, do CPP:

“1–A sentença é logo proferida oralmente e contém:

a)- A indicação sumária dos factos provados e não provados, que pode ser feita por remissão para a acusação e contestação, com indicação e exame crítico sucintos das provas;

b)- A exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão;

c)- Em caso de condenação, os fundamentos sucintos que presidiram à escolha e medida da sanção aplicada;

d)- O dispositivo, nos termos previstos nas alíneas a) a d) do n.º 3 do artigo 374.º

2– O dispositivo é sempre ditado para a acta.

3– A sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363.º e 364.º

4– É sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101.º

5– Se for aplicada pena privativa da liberdade ou, excepcionalmente, se as circunstâncias do caso o tornarem necessário, o juiz, logo após a discussão, elabora a sentença por escrito e procede à sua leitura.”

E, nos termos do artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do nº 1 do artigo 389º-A e 391º-F.

Por seu lado, de acordo com o artigo 363º, do mesmo diploma legal, as declarações prestadas oralmente na audiência são sempre documentadas na acta, sob pena de nulidade, sendo que, por força do consagrado no artigo 364º, “além das declarações prestadas oralmente em audiência, são objeto do registo áudio ou audiovisual as informações, os esclarecimentos, os requerimentos e as promoções, bem como as respetivas respostas, os despachos e as alegações orais” – nº 2; e “quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual devem ser consignados na ata o início e o termo de cada um dos atos enunciados no número anterior” – nº 3.

Quanto à omissão na acta da audiência de julgamento do início e termo do requerimento de junção de documentos de prova pela defensora oficiosa, das alegações do magistrado do Ministério Público e das alegações da defensora, vero é que dela não constam eles.

Contudo, a consequência da mesma não é a nulidade.

Com efeito, o regime das nulidades apresenta-se sujeito aos princípios da legalidade e tipicidade, como resulta do artigo 118º, nº 1, do CPP, constituindo apenas nulidades insanáveis as que no artigo 119º, do mesmo diploma legal, se mostram elencadas ou as que como tal, são cominadas em outras disposições legais.

Ora, sendo impossível integrar a referida omissão, quer nas nulidades previstas no artigo 119º, quer nas nulidades dependentes de arguição – do artigo 120º - e não existindo norma que a configure como tal, só a podemos considerar como uma irregularidade, com o regime de arguição previsto no artigo 123º, nº 1, estando vedado a este Tribunal da Relação o recurso ao consagrado no seu nº 2 pois, como refere Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, vol. II, 3ª edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 89, “ainda antes da arguição e mesmo que a irregularidade não seja arguida, pode oficiosamente ser reparada ou mandada reparar pela autoridade judiciária competente para aquele acto enquanto mantiver o domínio dessa fase do processo” e, aliás, “mal se perceberia que, sendo a irregularidade o menos relevante dos vícios processuais, tivesse um regime mais devastador do que as nulidades relativas (estas, se não forem arguidas no prazo de 10 dias, ficam sempre definitivamente sanadas – arts. 120º e 105 nº 1 do CPP)” – cfr. Ac. R. de Guimarães de 21/11/2005, Proc. nº 1877/05-1, disponível em www.dgsi.pt.

Consequentemente, não tendo o ora recorrente invocado, atempadamente e perante o tribunal a quo (autoridade judiciária que praticou o acto em causa e a competente para reparar o vício) a falta na acta das menções referidas, está tal irregularidade sanada.

No que tange à não menção do início e termo da indicação sumária dos factos provados e não provados, com referência aos indicados na acusação e contestação, indicação e exame crítico das provas, exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como os fundamentos que presidiram à escolha e medida das sanções aplicadas, resulta cabalmente da sentença oralmente proferida, a cuja audição procedemos na gravação pelo tribunal a quo disponibilizada, que essa fundamentação se mostra cabalmente explicitada, ainda que não conste da acta o início e termo da mesma.

Como vimos, o nº 3, do artigo 389º-A, do CPP, consagra que a sentença é, sob pena de nulidade, documentada nos termos dos artigos 363º e 364º, de onde se pode extrair que, por força do nº 3 deste último, deve também constar da acta o seu início e termo.

No caso em apreço, a sentença, proferida oralmente, encontra-se documentada, pois foi efectuado o registo áudio da mesma.

Como vimos, na decorrência do artigo 389º-A, nº 3, do CPP, dispõe o nº 4 que é sempre entregue cópia da gravação ao arguido, ao assistente e ao Ministério Público no prazo de 48 horas, salvo se aqueles expressamente declararem prescindir da entrega, sem prejuízo de qualquer sujeito processual a poder requerer nos termos do n.º 4 do artigo 101º.

A cópia da gravação a que alude esse nº 4 não se reporta à cópia da gravação do julgamento, mas antes à cópia da gravação da sentença proferida oralmente, visando a lei assegurar, por esta via, a sua rápida disponibilização aos intervenientes processuais (cfr. Ac. R. de Coimbra de 08/07/2015, Proc. nº 308/14.8GAVZL.C1, disponível em www.dgsi.pt), o que conduz à conclusão de que a falta de indicação, na acta, do início e termo da gravação da sentença, não constitui nulidade (esta enfermidade estará efectivamente presente quando inexiste documentação da sentença) e não afecta, por isso, a sentença, antes integrando uma mera irregularidade.

Configurando-se como uma enfermidade desta natureza, teria de ser invocada nos termos já mencionados. Não o tendo sido, mostra-se sanada.

Nulidade da prova da taxa de alcoolemia

Considera o recorrente que “a prova da taxa de alcoolemia é nula” com fundamento que resulta de um acto ferido de abuso de poder, visto que o agente autuante ordenou ao arguido que imobilizasse o veículo que tripulava sem “causa provável”, pois a sua condução não sugeria que estivesse em estado de embriaguez.

Compulsados os autos, resulta do auto de detenção que o agente autuante – elemento integrante da PSP - se encontrava no dia 07/05/2017, entre as 17:30 e as 17:55 horas, na avenida Dom Afonso Henriques – Algueirão – Mem Martins, em missão de patrulha em viatura descaracterizada, seguindo a uma velocidade de cerca de 40 Km/hora, “quando vislumbrou um veículo pesado de passageiros (…) que circulava na mesma direcção na retaguarda da viatura policial. Sem que nada o fizesse prever, o agora arguido iniciou a ultrapassagem pelo lado esquerdo, tendo conseguido devido ao condutor da viatura policial Agente T... ter abrandado a marcha. Devido à situação explanada, esta brigada decidiu ordenar que o condutor estagna-se a viatura o mais à direita possível com o intuito de indagar o condutor o porquê daquela ação por se tratar de uma viatura pesada de passageiros o que leva a que a dita manobra seja considerada perigosa”.

E, como resulta da decisão revidenda, a via pública por onde o arguido circulava localiza-se em área residencial, com sucessivas entradas quer do lado esquerdo, quer do lado direito, o que, conjugado com a circunstância de a manobra de ultrapassagem ter sido protagonizada por um veículo pesado de passageiros, no limite da velocidade permitida no local e de forma inopinada, é susceptível de indiciar a prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, do Código, o que, aliás, ressalta do auto de detenção, onde se pode ler no campo da “Tipificação “ da ocorrência: “082 – crimes contra a segurança das comunicações”.

Ora, constituem atribuições da PSP, entre o mais - de acordo com o artigo 3º, nº 1, da respectiva Lei Orgânica, aprovada pela Lei nº 53/2007, de 31/08 - garantir a ordem e a tranquilidade públicas e a segurança e a protecção das pessoas e dos bens – alínea b); prevenir a criminalidade em geral, em coordenação com as demais forças e serviços de segurança – alínea c); velar pelo cumprimento das leis e regulamentos relativos à viação terrestre e aos transportes rodoviários e promover e garantir a segurança rodoviária, designadamente através da fiscalização, do ordenamento e da disciplina do trânsito – alínea f).

Conforme estabelecido no artigo 25º, nº 1, do Código da Estrada, “sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade (…) nas localidades ou vias marginadas por edificações”- alínea c) e “nas curvas, cruzamentos, entroncamentos – alínea h), punindo-se a conduta infractora com coima entre 120 e 600 euros, conforme o seu nº 2; sendo que, nos termos do artigo 38º, do mesmo Código, “o condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário” – nº 1; e “o condutor deve, especialmente, certificar-se de que (…) pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam”, punindo-se a infracção com coima de 120 a 600 euros – alínea b) do nº 2 e nº 5.

Acresce que constitui contra-ordenação rodoviária “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal correspondente à violação de norma do Código da Estrada ou de legislação complementar e legislação especial cuja aplicação esteja cometida à ANSR, e para o qual se comine uma coima” – artigo 131º, do Código da Estrada; integrando contra-ordenação grave “o desrespeito das regras e sinais relativos a (…) ultrapassagem” – artigo 145º, nº 1, alínea f).

A actuação do agente autuante, face ao quadro circunstancial referido, inscreve-se indubitavelmente no âmbito das suas atribuições, pelo que não integra abuso de poder, obliteração do estabelecido no artigo 12º, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, artigo 17º, do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos ou artigos 26º e 32º, da Constituição da República Portuguesa, e bem assim nulidade alguma.

Extrai-se igualmente do auto de detenção que, após o arguido ter imobilizado a viatura que tripulava em acatamento da ordem intimada pelo agente da PSP, foi de imediato perceptível que “exalava um forte odor a álcool” e, em consequência, foi submetido ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado.

Assim sendo, a realização deste teste apresenta-se como legalmente admissível, não constituindo método proibido de prova e não se verificando, consequentemente, a nulidade da prova obtida, face ao estabelecido no artigo 126º, do CPP.

Quanto à incompetência do agente autuante – por se encontrar em funções na brigada de investigação criminal - para “conduzir um processo, de verificação do exame de alcoolemia, de elaboração do auto e de notificação para contraprova”, não vislumbramos em que normativo legal se funda o arguido para nesse sentido argumentar e nem ele o explicita.

Refere também o arguido que “não existiu por parte do arguido uma declaração válida, consciente e esclarecida de não pretender a contraprova”.

Esta asserção não tem o mínimo de assento objectivo, desde logo porque assinou ele a notificação para a realização da contraprova em que declara não a pretender efectuar, constando mesmo da decisão revidenda que Referiu então que em relação àquela concreta taxa de alcoolemia terá ficado muito surpreso, mas acabou por não pretender contraprova, tendo sido esclarecido (…) que o poderia fazer, da forma como o poderia fazer e por sua vontade decidiu não realizar então a contraprova efectivamente, apesar desse seu estado de surpresa em relação à taxa apresentada.

Termos em que, improcede também o recurso neste segmento.

Impugnação da matéria de facto/erro de julgamento/não dedução do erro máximo admissível

O recorrente mostra-se inconformado com a factualidade que não provada se mostra, sustentando que deveria ter-se considerado assente que “o arguido não tinha consciência destes factos”.

Pretende ainda que se deveria ter dado como provado que “o arguido demonstrou surpresa quanto ao valor apurado no exame” e “o arguido não foi válida e esclarecidamente notificado de que face àquele resultado poderia requerer exame de contraprova, a realizar através de outro aparelho (que não existiria, conforme resulta das declarações da testemunha Rui ..., por se encontrarem avariados) ou de exame ao sangue”, o que, no essencial, é precisamente o contrário do que provado se encontra, a saber: O arguido foi notificado para requerer contraprova, não a tendo pretendido.

Para tanto, chama à colação as suas declarações e o depoimento da testemunha Rui ... prestados em audiência de julgamento, ou seja, pretende prevalecer-se da impugnação da matéria de facto na modalidade ampla, podendo considerar-se que deu cumprimento às exigências do artigo 412º, nºs 3 e 4, do CPP.

Assim se entendendo, importa analisar então a prova produzida com o objectivo de determinarmos se consente a convicção formada pelo tribunal recorrido, norteados pela ideia – força de que o tribunal de recurso não procura uma nova convicção, mas apurar se a convicção expressa pela 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e demais elementos probatórios podem exibir perante si (partindo das provas indicadas pelo recorrente que, na sua tese, impõem decisão diversa, mas não estando por estas limitado) sendo certo que apenas poderá censurar a decisão revidenda, alicerçada na livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se for manifesto que a solução por que optou, de entre as várias possíveis e plausíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum - artigo 127º, do CPP.

E, “a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção”, pois “doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão”.

Cumpre ter em atenção também que os diversos elementos de prova não devem ser analisados separadamente, antes devem ser apreciados em correlação uns com os outros, de forma a discernir aqueles que se confortam e aqueles que se contradizem, possibilitando ou a remoção das dúvidas ou a constatação de que o peso destas é tal que não permite uma convicção segura acerca do modo como os factos se passaram.
Vejamos então.

Pretende o recorrente que deveria ter sido dado como provado (quando foi considerado como não provado pelo tribunal a quo) que não tinha consciência de estar a conduzir em estado de embriaguez, manifestamente para afastar a forma dolosa da sua conduta.

A propósito diz-se na decisão revidenda:

Referiu então (o arguido, entenda-se) que em relação àquela concreta taxa de alcoolemia terá ficado muito surpreso, mas acabou por não pretender contraprova, tendo sido esclarecido (…) que o poderia fazer, da forma como o poderia fazer e por sua vontade decidiu não realizar então a contraprova efectivamente, apesar desse seu estado de surpresa em relação à taxa apresentada.

(…) esta ausência de conhecimento quanto à taxa concreta que se apura é até muitas vezes aqui explorada em tribunal com um exemplo simples de muitas vezes estamos em estado febril e não sabemos qual é o valor que temos, mal comparado mas para traduzir este tipo de exames. Precisamos que um aparelho, neste caso um termómetro, nos diga qual o valor. E às vezes ficamos surpreendidos efectivamente, isso não significa que não saibamos, nomeadamente porque estamos naquela posição porque nos colocámos nela. Ninguém obrigou a ingerir bebidas alcoólicas, ninguém obrigou a conduzir.

Tudo isto foram actos deliberados, foram actos de vontade e ninguém conduz depois de ingerir a quantidade de bebidas que determinaram uma taxa de alcoolemia de 3,33g/l sem que tenha consciência do que haja ingerido efectivamente. E é por que, já de per si, estas declarações não podem colher, porque efectivamente poder-se-ia eventualmente dizer que taxas relativamente baixas podem efectivamente deixar na dúvida o infractor, taxas deste teor é impossível deixarem na dúvida porque subjacente à e o arguido foi questionado relativamente a esses factos, se teria algum problema de doença que metabolizasse de tal forma os alimentos que produzisse um teor de álcool mais elevado. Foi negado. Portanto, também o arguido, peses embora essa surpresa quanto àquele valor, é uma surpresa que o tribunal entende tratar desta forma, uma surpresa quando nós não sabemos que febre estamos à espera e afinal temos quarenta de febre e estamos verdadeiramente prostrados e fracos.

Tendo-se procedido à audição das declarações do arguido prestadas em audiência de julgamento, na gravação disponibilizada, resulta que afirmou ter almoçado nesse dia com uns amigo e bebido umas cervejas, mais tarde no café tomou uma cervejinha e não tinha noção que tinha esse valor.

Ora, destas declarações torna-se claro que o arguido ingeriu bebidas alcoólicas de forma voluntária e, de acordo com as regras da experiência comum, tendo em consideração que se trata de um homem com 43 anos de idade, titular de carta de condução desde 1996, com consciência plena dos efeitos destas (mais precisamente, do álcool que contêm) no exercício da condução.

Admite-se que desconhecesse a taxa concreta de álcool no sangue de que era portador, mas não podia, de acordo com as aludidas regras e atento o valor elevadíssimo obtido após o teste de pesquisa de álcool que efectuou, deixar de estar consciente de que se encontrava fortemente influenciado pelo álcool, tanto mais que, como referiu a testemunha Rui ... no depoimento que prestou e o recorrente transcreve até na motivação de recurso: quando o senhor abre a porta, já dentro do autocarro cheira-me a álcool.

Assim resulta, da análise conjugada dos referidos elementos probatórios e da demonstração efectuada pelo tribunal recorrido quanto ao percurso da formação da sua convicção, que a prova produzida foi apreciada com razoabilidade, sendo os componentes apontados na sentença como relevantes para a decisão de facto coerentemente explanados e valorados de acordo com um raciocínio lógico, racional e convincente, que não fere as regras da experiência comum, pelo que não se impõe a alteração factual almejada.

No que tange ao arguido ter demonstrado surpresa quanto ao valor apurado no “exame”, importa se diga que se trata de matéria fáctica que não consta do elenco dos factos provados e não provados da decisão recorrida; pelo que não pode ser objecto de apreciação por este Tribunal em sede de impugnação da matéria de facto, como decorre da conjugação do estabelecido nos artigos 410º, nº 1, 412º, nº 3 e 428º, do CPP.

Na verdade, tal fundamento de recurso – como se salienta no Ac. do Tribunal Constitucional nº 312/2012, de 20/06/2012, disponível no sítio respectivo - já não se situa em sede de apreciação da correcção do julgamento da instância inferior que não incluiu tais factos, visando antes a realização de um novo julgamento pelo tribunal de recurso da prova produzida na primeira instância.

Podíamos, porém, estar perante a nulidade prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, que sanciona a sentença (ou acórdão) que não contenha as menções referidas no nº 2 do artigo 374º, incluindo a enumeração dos factos provados e/ou não provados que resultaram da discussão da causa.

Contudo, tal factualidade não resulta inequivocamente da discussão da causa (o que consta da sentença é, apenas, que o arguido tal referiu) e, mesmo que assim se não entendesse (ou seja, se se considerasse que resultava) certo é que não se integra a mesma nos factos a que alude o nº 2, do artigo 368º, do CPP. Ou seja, relevantes para as questões de saber: se se verificaram os elementos constitutivos do tipo de crime; se o arguido praticou o crime ou nele participou; se o arguido actuou com culpa; se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a culpa; se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente ou a aplicação a este de uma medida de segurança; se se verificaram os pressupostos de que depende o arbitramento da indemnização civil.

E, também relevância não apresenta para efeitos do estabelecido no artigo 369º, do mesmo diploma legal (determinação da sanção).

Em causa está igualmente o pretendido aditamento à matéria de facto provada da invalidade e não esclarecimento do arguido quanto à notificação para requerer a contraprova.

Ora, já retro se referiu que assinou ele documento em que declarava não pretender a contraprova e, em audiência de julgamento mencionou que não pediu a contraprova porque naquele momento, ao ter conhecimento da taxa de álcool no sangue registada após o teste de pesquisa efectuado, ficou bloqueado, pensou logo na sua família e na situação do seu trabalho.

Ficar “bloqueado” não significa que não tenha compreendido que tinha o direito de solicitar a realização da contraprova, nem que não tenha compreendido o que esta significava, até porque o arguido é condutor profissional.

Por outro lado, consta da gravação do depoimento da testemunha Rui ... o seguinte:

Disse ao senhor se queria a contraprova e por aí fora, disse que não.

Pergunta: Pese embora essa diferença que o senhor nos relatou entre o exame qualitativo no local e o exame quantitativo na esquadra, isso não fez o arguido pedir a contraprova, estranhar, nada?

Resposta: o senhor só dizia desgracei a minha vida (…) e eu disse, veja lá a contraprova, pode fazer o exame do sangue.

Pergunta: foi a colega do trânsito que fez essa explicação?

Resposta: não, não, fui eu. Eu depois disse você se quiser mais ao pormenor a minha colega do trânsito explica que está mais por dentro do assunto e ele não a quis efectuar.

Concatenando a assinatura aposta no mencionado documento com os transcritos segmentos das declarações do arguido e do depoimento da testemunha, mostra-se isenta de censura a convicção do tribunal recorrido no sentido de dar como provado que O arguido foi notificado para requerer contraprova, não a tendo pretendido, não se impondo a alteração factual por si proposta.

Como decorre da alínea b), do nº 3, do artigo 412º, do CPP, no segmento “as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida” - para que ocorra uma alteração da matéria de facto pelo tribunal ad quem não basta que o recorrente articule argumentos que permitam concluir pela possibilidade de uma outra convicção, exige-se que demonstre que a convicção obtida pelo tribunal a quo é uma impossibilidade lógica, uma impossibilidade probatória, se mostra violadora de regras da experiência comum ou se fez uma manifestamente errada utilização de presunções naturais. Ou seja, imperativamente tem de demonstrar que as provas que traz à colação apontam inequivocamente no sentido propugnado.

Tal demonstração não fez o recorrente, sendo certo que as conclusões fácticas a que chegou o tribunal recorrido se apresentam, salienta-se, conformes com as regras da experiência comum, pelo que não merece acolhimento esta pretensão do recorrente.

Critica ainda o recorrente a decisão recorrida por ter desconsiderado a margem de erro máximo admissível.

O tribunal recorrido considerou como provados todos os factos constantes do auto de notícia – cuja leitura substituiu a acusação, como se extrai da acta da audiência de julgamento – entendendo porém, dar como assente que o arguido foi fiscalizado quando conduzia o veículo automóvel pesado de passageiros com matrícula XX-XX-XX, tendo apresentado uma taxa de alcoolemia de 3,33 g/l e como não provado que o arguido apresentasse uma taxa de alcoolemia de 3,16g/l.

Para tanto fundou-se em que:

(…) o valor do talão é o valor que o tribunal considera, e portanto aqui já para explicar porque é que dei como não provado o valor de 3,16g/l. Porque efectivamente esse valor que consta da acusação pública de fls. 21 não deriva de nada a não ser da dedução de erros máximos admissíveis que é meu entendimento que não serão de chamar aqui à colação porque, conforme informação do Instituto Português da Qualidade, os aparelhos estão devidamente aferidos, verificados, aprovados, homologados e portanto já em si nas sucessivas verificações periódicas a que os mesmos são sujeitos são aferidos, são padronizados para as deduções de margens de erro. E portanto não há uma dupla valoração destas margens de erro a efectuar.

No referido auto de notícia pode ler-se:

(…) foi por nós conduzido à Esquadra de Trânsito da Amadora onde foi submetido ao exame quantitativo de pesquisa de álcool no ar expirado, através do alcoolímetro marca “Drager Alcotest”, modelo 7110 MKIIIP, nº ARRA – 0068, aprovado por I.P.Q. (despacho nº 11037/2007 de 24ABR07, publicado no D.R. nº 109, 2ª série de 06JUN07, cuja utilização foi aprovada pela A.N.S.R., através do Despacho 19684/2009, de 25JUN09, revela uma TAS de, pelo menos, 3,164g/l, correspondente à TAS de 3,33g/l registada, deduzido o erro máximo admissível, conforme Talão Teste nº 6214, que se junta.

A questão do desconto dos EMA apresenta-se controvertida e tem sido objecto de decisões judiciais divergentes, perfilando-se duas correntes em presença.

Uma dessas correntes sustenta não ser de efectuar o desconto do valor do “erro máximo admissível” na TAS registada no alcoolímetro que procedeu à medição e tem acolhimento, entre outros, nos Acs. R. de Coimbra de 12/12/2007, Proc. nº 110/07.3GTCTB.C1, de 30/01/2008, Proc. nº 91/07.3PANZN.C1, de 11/11/2008, Proc. nº 62/08.2GBPNH.C1 e de 10/12/2008, Proc. nº 17/07.4PANZR; Acs. R. de Lisboa de 03/10/2007, Proc. nº 4223/07-3, de 20/02/2008, Proc. nº 183/2008-3; Ac. R. Porto de 08/04/2008, Proc. nº 1491/08-5 e Ac. R. Porto de 14/01/2009, Proc. nº 0815205, todos em www.dgsi.pt.

A outra corrente entende que essa dedução se impõe e nas suas fileiras militam, também a título apenas meramente enunciativo, os Acs. R. do Porto de 19/12/2007, Proc. nº 000040884; de 02/04/2008, Proc. nº 479/08; de 07/05/2008, Proc. nº 0810922, de 28/05/2008, Proc. nº 0811347 e ainda de 26/11/2008, Proc. nº 0812537; Acs. R. de Coimbra de 09/01/2008, Proc. nº 15/07.1PAPBL-C1 e Proc. nº 426/04.6TSTR.C1; Ac. R. de Guimarães de 26/02/2007, Proc. nº 2602/06.2; Ac. R. de Lisboa de 07/05/2008, Proc. nº 2199/08-3 e bem assim o voto de vencido do Desembargador João Latas no Ac. R. de Évora de 01/07/2008, Proc. nº 2699/07-1, todos em www.dgsi.pt.

Este último é o entendimento por nós perfilhado e que vertemos, entre outros, no Ac. Relação do Porto de 09/12/2009, Proc. nº 531/09.7GAVNF.P1, que passamos agora a seguir de muito perto.

Nos termos do nº 1, do artigo 81º, do Código da Estrada, é proibido conduzir sob influência de álcool, sendo que se considera nesse estado, conforme preceitua o nº 2 da mesma disposição, o condutor que apresente uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l ou que, após exame realizado nos termos previstos no mesmo Código e legislação complementar, seja como tal considerado em relatório médico, consignando-se ainda que a conversão dos valores do teor do álcool no ar expirado (TAE) em teor de álcool no sangue (TAS) é baseada no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue – nº 3.

Por sua vez, no artigo 292º, do Código Penal, tipifica-se como infracção criminal a condução de veículo, com ou sem motor, pelo menos negligentemente, em via pública ou equiparada, por quem tiver uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l.

Para que se preencha este elemento objectivo do mencionado tipo legal de crime (taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l) importa, assim, determinar a concreta taxa de alcoolemia de que o condutor é portador.

Por remissão do nº 1, do artigo 158º, do Código da Estrada, regem quanto aos meios e procedimentos relativos a detecção e comprovação do estado de influenciado pelo álcool, o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº 18/2007, de 17/05, o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10/12 e a Portaria nº 902-B/2007, de 13/08.

No artigo 1º, do Regulamento de Fiscalização, enunciam-se os meios de detecção e medição da taxa de álcool no sangue, designadamente, analisadores qualitativos e quantitativos, estes por teste no ar expirado ou análise de sangue, consignando-se no artigo 14º que nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados aparelhos que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, sendo que prévia a esta aprovação se exige a homologação de modelo, da competência do Instituto Português da Qualidade, de acordo com os termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.

O Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº 1556/2007 de 10/12, define o que se entende por alcoolímetros, consignando que são “instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado” (artigo 2º, nº 1), enuncia como seus requisitos que “deverão cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos pela Recomendação OIML R 126” (artigo 4º) e que compete ao Instituto Português da Qualidade, I.P. – IPQ o seu controlo metrológico, que compreende as operações de aprovação de modelo, primeira verificação, verificação periódica e verificação extraordinária (artigo 5º).

O artigo 8º, do mesmo diploma legal, reporta-se aos “erros máximos admissíveis – EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado – TAE” consagrando-se que “são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante”, sendo o quadro referido o seguinte:

TAE – teor de álcool no ar expirado (mg/l)Aprovação de modelo/primeira verificaçãoVerificação periódica/verificação extraordinária
TAE<0,400±0,020mg/l±0,032mg/l
0,400<TAE <2,000± 5%± 8 %
TAE> 2,000± 20 %.± 30 %

Com interesse para a questão em análise temos ainda o nº 2, do artigo 9º, segundo o qual “os registos da medição devem conter, entre outros elementos, a marca, o modelo e o número de série do alcoolímetro assim como a data da última verificação metrológica”.

Na Portaria nº 902-B/2007, de 13/08, especificam-se as características técnicas, gerais e físicas a que devem obedecer os analisadores quantitativos, entre elas, que os referidos instrumentos devem “cumprir os requisitos metrológicos e técnicos definidos no regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros” e “usar a unidade de leitura em gramas de álcool por litro de sangue (TAS) segundo o factor fixado no nº 3 do artigo 81º, do Código da Estrada”.

Em artigo intitulado “A Alcoolemia e o Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”, datado de 28/04/2008, disponível em www.ipq.pt, António Cruz, Maria do Céu Ferreira e Andreia Furtado, respectivamente Director do Departamento de Metrologia do IPQ, Responsável pelo Laboratório de Química-Física do IPQ e Técnica Superior do Laboratório de Química-Física do IPQ, manifestaram-se no sentido de que:

“Os Erros Máximos Admissíveis (EMA) são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados, ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição) o valor da indicação se encontra” acrescentando ainda que “a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da Aprovação de Modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas adequadas, de forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos EMA prescritos no respectivo regulamento”.

Referem ainda os mesmos autores que “a definição, através da Portaria 1556/2007, de determinados EMA, quer para a Aprovação de Modelo e Primeira Verificação, quer para a Verificação Periódica, visa definir barreiras limite dentro das quais as indicações dos instrumentos de medição, obtidas nas condições estipuladas de funcionamento são correctas. Ou seja, um alcoolímetro de modelo aprovado e com verificação válida, utilizado nas condições normais, fornece indicações válidas e fiáveis para os fins legais”.

Mais acrescentam que “a operação de adição ou subtracção dos EMA aos valores das indicações dos alcoolímetros sujeitos a controlo metrológico é totalmente desprovida de justificação metrológica, sendo o valor da indicação do aparelho em cada operação de medição, o mais correcto. O eventual erro da indicação, nessa operação, nesse momento, com o operador que a tiver efectuado, nas circunstâncias de ambiente locais, quaisquer que tenham sido outros factores de influência externos ou contaminantes do ar expirado, seja ele positivo ou negativo, está com toda a probabilidade contido nos limites do EMA”.

Contudo, do teor deste artigo e mormente dos excertos que respingamos, não resulta, em nosso entender, necessariamente, que esteja defeso considerar a necessidade de o Tribunal fazer uso das margens de erro dos aparelhos de medição para reduzir ao máximo o erro entre o resultado do exame e a realidade.

Como se salienta no Ac. R. do Porto de 04/11/2009, Proc. nº 643/07-1PBMAI.P1 “ainda que se possa aceitar que o erro existente é um erro legalmente previsto, a leitura final, embora legal, não é garantida como a real. E se a margem de erro legalmente admissível é levada em conta no momento da calibração do aparelho, tal facto apenas garante que o aparelho em concreto está apto a efectuar medições e que os resultados obtidos sempre se situarão dentro dos limites daquelas margens de erro, ainda que se admita mesmo que a incerteza se aproxime do grau zero, sendo certo que, perante a medição, o julgador terá de admitir sempre como provável a hipótese daquele resultado estar próximo do limite mínimo ou do limite máximo, da dita margem de erro”.

Na verdade, “tecnicamente, não está explicado e temos dúvidas que o possa ser, em que termos o acto da calibração elimina ou reduz praticamente a zero, a dita margem de erro, no acto da medição ou realização do teste” e desde logo porque o alcoolímetro “ao efectuar cada uma das medições, dará uma resposta em função do álcool contido no ar expirado, o que pode significar que a cada medição corresponda um resultado diferente”.

Do artigo supra mencionado parece resultar que ao ser calibrado o aparelho, este fica apto a, perante a quantidade de álcool do ar expirado, efectuar logo a “correcção” ou “dedução”, tendo em conta a margem de erro admissível.

Surge então, no desenvolvimento deste raciocínio, pertinente a questão: como é possível o aparelho efectuar uma “correcção” de 30% ao ser realizado um teste a um condutor, para logo de seguida proceder a uma “correcção” de apenas 8% em teste ao condutor seguinte?

Consideramos que não se mostra demonstrado que efectivamente seja possível calibrar o alcoolímetro de molde a efectuar essas correcções e, nessa medida, aqui se ancora a dúvida inamovível quanto à existência e concreta expressão do desvio entre o valor indicado no instrumento de medida e o valor real, o que conduz a que necessariamente se tenha de proceder ao desconto do valor do erro máximo admissível indicado no quadro anexo à Portaria nº 1556/2007 no valor de TAS registado no talão emitido pelo alcoolímetro, desde logo por imposição do princípio in dubio pro reo”.

Na verdade, encontrando-se a aprovação do modelo e a certificação de cada aparelho na primeira verificação e nas verificações seguintes sujeitas à não ultrapassagem das margens de erro admissível fixadas no quadro anexo mencionado, o tribunal não pode estar seguro de que o condutor submetido ao teste, em cada caso concreto, tenha tripulado o veículo com a exacta taxa de álcool indicada pelo aparelho.

Porém, como se destaca no Ac. R. de Lisboa de 07/05/2008, Proc. nº 2199/08-3, se o aparelho se encontra aprovado, se foi sujeito à verificação periódica e está a funcionar regularmente, o tribunal tem todas as razões para ter por seguro, “para além de qualquer dúvida razoável”, que o examinado tinha a taxa de álcool que resulta da subtracção da margem de erro máximo admissível ao valor indicado pelo aparelho.

Este entendimento da dedução do erro máximo admissível veio a ser consagrado na alteração introduzida ao artigo 170º, do Código da Estrada, pela Lei nº 72/2013, de 03/09, concretamente na sua actual alínea b), do nº 1 que, pese embora se reporte ao auto de notícia em contra-ordenação rodoviária, não pode deixar de se aplicar ao processo crime, até por maioria de razão.

A propósito, refere-se no Ac. desta Relação e Secção de 21/01/2014, Proc. nº 270/13.4PAAMD.L1-5, disponível em www.dgsi.pt, que:

“(…) no dia 1 de Janeiro de 2014, entraram em vigor as alterações ao Código da Estrada aprovadas pela Lei n.º 72/2013, de 3 de Setembro.

Uma dessas alterações diz respeito às menções que devem constar do auto de notícia por contra-ordenação, dispondo agora o artigo 170.º nos seguintes termos:
«1 Quando qualquer autoridade ou agente de autoridade, no exercício das suas funções de fiscalização, presenciar contraordenação rodoviária, levanta ou manda levantar auto de notícia, o qual deve mencionar:
a)- Os factos que constituem a infração, o dia, a hora, o local e as circunstâncias em que foi cometida, o nome e a qualidade da autoridade ou agente de autoridade que a presenciou, a identificação dos agentes da infração e, quando possível, de, pelo menos, uma testemunha que possa depor sobre os factos;
b)- O valor registado e o valor apurado após dedução do erro máximo admissível previsto no regulamento de controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição, quando exista, prevalecendo o valor apurado, quando a infração for aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares.
(…)

Ao aludir a "infração (...) aferida por aparelhos ou instrumentos devidamente aprovados nos termos legais e regulamentares", afigura-se-nos indiscutível que o preceito se refere, além do mais, a infracções como a condução automóvel na via pública estando o condutor sob o efeito do álcool.
Por outro lado, embora se refira, como é natural, apenas, às contra-ordenações (uma vez que o Código da Estrada não prevê crimes), não se identifica qualquer razão válida para não aplicar o disposto na alínea b) aos casos em que a condução de veículo na via pública com uma taxa de álcool no sangue acima de determinado limite constitua um crime.

Seria incompreensível que para o preenchimento de um ilícito contra­ordenacional se procedesse à dedução do erro máximo admissível ao valor registado pelo alcoolímetro e que, quando o valor registado fosse igual ou superior a 1,2 g/l, já não se procedesse a essa dedução.

A nosso ver, o novo preceito traduz-se numa verdadeira norma interpretativa, pela qual o legislador veio, por via legislativa, precisar o sentido e alcance de lei anterior.”

Porque assim é, à TAS constante do talão do alcoolímetro de 3,33 g/l tinha efectivamente de ser descontado o valor do erro máximo admissível, ao contrário do que considerou o tribunal recorrido.

Mas, também no auto de notícia, tendo-se procedido ao desconto encontrou-se uma TAS correspondente de 3,164 g/l, quando certo é que elemento probatório algum consta dos autos que faça concluir ser o desconto a efectuar o da primeira verificação, que tem lugar antes do alcoolímetro ser colocado no mercado ou depois de uma avaria – cfr. artigo 7º, da Portaria 1556/2007 – e corresponde ao valor de 5%, pelo que importava aplicar o concernente à verificação periódica, ou seja, de 8%, de acordo com os elementos constantes do quadro supra – tendo em atenção, como já se explicitou, de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado (TAE) é equivalente a 2,3 g de álcool por litro de sangue (TAS) - ou seja, a taxa de álcool no sangue a considerar como sendo portador o arguido é a de 3,06 g/l.

Seguindo ainda o referenciado Acórdão deste Tribunal da Relação de 21/01/2014, cumpre considerar que o analisador quantitativo constitui um meio de obtenção de prova e que o meio de prova é o talão emitido pelo aparelho, no qual é registada, além do mais, a taxa de álcool acusada pelo condutor fiscalizado, sendo certo que a interpretação do resultado revelado pelo aparelho depende da interpretação das normas relativas aos instrumentos de medição, pois terá de ser sempre no respeito dos próprios limites dos equipamentos em causa — limites legalmente previstos — que a prova deve ser apreciada.

Ao desrespeitar esses limites o tribunal recorrido, a sentença revidenda padece do vício de erro notório na apreciação da prova que, pese embora não tenha sido invocado expressamente pelo recorrente, importa despistar, porquanto é do conhecimento oficioso.

Este vício determina o reenvio do processo para novo julgamento, se não for possível decidir da causa - artigo 426º, nº 1 do CPP.

Ora, constam dos autos todos os elementos que o permitem sanar pois, desde logo, basta aplicar ao valor constante do talão do alcoolímetro de fls. 9 o do erro máximo admissível que lhe é aplicável.

Deste modo, sendo possível evitar o reenvio do processo para novo julgamento, cumpre alterar a factualidade descrita dos factos provados nos seguintes termos:

Onde consta “No dia 7 de Maio de 2017, à hora e no local enunciados no auto de notícia para o qual se remete, que é a acusação, o arguido foi fiscalizado quando conduzia o veículo automóvel pesado de passageiros com matrícula XX-XX-XX, tendo apresentado uma taxa de alcoolemia de 3,33 g/l” passará a constar No dia 7 de Maio de 2017, à hora e no local enunciados no auto de notícia para o qual se remete, que é a acusação, o arguido foi fiscalizado quando conduzia o veículo automóvel pesado de passageiros com matrícula XX-XX-XX, tendo apresentado uma taxa de alcoolemia de 3,06 g/l, deduzido o erro máximo admissível.

Considerando a alteração da factualidade provada, importa retirar as devidas consequências, mormente no que concerne à medida das penas principal e acessória aplicadas.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido/actuação em situação de estado de necessidade desculpante

Com fundamento na impugnação da matéria de facto que pretendia fazer valer, entende o recorrente que não deve a sua conduta ser considerada como revestindo a forma dolosa.

Mas, como se pode ler no Ac. R. de Évora de 02/06/2015, Proc. nº 296/14.0GAVNO.E1, consultável em www.dgsi.pt, “para que haja dolo no crime de condução de veículo em estado de embriaguez não é necessário que o arguido tenha consciência do teor exato da taxa de álcool no sangue – taxa essa impossível de quantificação por convencimento pessoal - sendo suficiente que o agente tenha consciência que ingeriu bebidas alcoólicas, que se encontrava sob o efeito do álcool e que, mesmo assim, conduziu, sabendo que a condução sob o efeito do álcool é proibida e punida por lei (vejam-se neste sentido os acórdãos da RL de 12.01.2012, Proc. 83/10.5GBCLD.L1-3, e da RE de 16.12.08, Proc. 2220/08.1 e de 17.03.15, Proc. 182/13.1GTEVR.E1, todos in www.dgsi.pt)”.

Provado se encontra que o arguido ingeriu bebidas alcoólicas em momento anterior à condução e, ainda assim, determinou-se a exercê-la, ciente de que a sua conduta era legalmente proibida.

Assim, não merece acolhimento o entendimento do recorrente, comprovando-se a sua actuação dolosa.

Mas, refere ainda ele que actuou em situação de estado de necessidade desculpante, causa de exclusão da culpa prevista no artigo 35º, do Código Penal.

De acordo com o estabelecido no referido artigo 35º: “age sem culpa quem praticar um facto ilícito adequado a afastar um perigo actual, e não removível de outro modo, que ameace a vida, a integridade física, a honra ou a liberdade do agente ou de terceiro, quando não for razoável exigir-lhe, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente – nº 1; se o perigo ameaçar interesses jurídicos diferentes dos referidos no número anterior, e se verificarem os restantes pressupostos ali mencionados, pode a pena ser especialmente atenuada ou, excepcionalmente, o agente ser dispensado de pena” – nº 2.

A exclusão da culpa, constante do nº 1, radica na não exigibilidade ao agente de um comportamento diferente, considerando as circunstâncias concretas do facto.

No nº 2, estando em causa outros bens jurídicos, verificada a situação de não exigibilidade de conduta diversa, a pena pode ser especialmente atenuada ou até dispensada.

São pressupostos do estado de necessidade desculpante a verificação de uma situação de perigo actual para bens jurídicos de natureza pessoal (vida, integridade física, honra e liberdade) do agente ou de terceiro.

O facto ilícito praticado tem de ser idóneo a afastar o perigo que não seria removível por outro modo (juízo de adequação).

Para além destes elementos objectivos relacionados com o perigo, impõe-se que o juiz verifique que não era razoável exigir do agente, segundo as circunstâncias do caso, comportamento diferente.

É ainda seu elemento constitutivo o animus salvandi, a motivação da actuação, mostrando-se indispensável que o agente pratique a acção para determinar com ela a preservação do bem jurídico ameaçado.

Analisando os factos que assentes se mostram, não podemos concluir por estar verificada situação de estado de necessidade desculpante em sentido próprio, nos termos previstos no artigo 35º, nº 1, do Código Penal ou mesmo impróprio – nº 2, sendo certo que o receio do arguido de ser despedido do emprego que obtivera há cerca de um mês caso se não disponibilizasse a conduzir o veículo pesado de passageiros como alegadamente lhe fora solicitado pela entidade patronal não pode prevalecer face à imposição legal de se abster do exercício dessa condução sob o efeito do álcool, cumprindo exigir do agente que, ponderando o estado etilizado em que se encontrava, declinasse a incumbência.

Estando, deste modo, provados factos integradores dos elementos objectivos e subjectivos do crime p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal e não se verificando causa alguma de exclusão da ilicitude ou da culpa, bem andou o tribunal a quo em condenar o arguido pela sua prática.

Atenuação especial das penas/dosimetria das penas principal e acessória aplicadas/dispensa da sanção acessória

De acordo com o artigo 292º, nº 1, do Código Penal “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

Estabelece o artigo 70º, do Código Penal, que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Tais finalidades estão definidas no artigo 40º, nº 1, do mesmo, a saber: a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Esta protecção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, quer com o escopo de dissuadir a prática de crimes, através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa), quer para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e assim no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva).

Quanto à reintegração do agente na sociedade, reporta-se à prevenção especial ou individual de socialização, ou seja, ao entendimento de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre o agente, com o escopo de evitar que, no futuro, cometa novos crimes.

O tribunal recorrido optou pela aplicação da pena de multa, o que o recorrente não critica.

Mas, clama pela atenuação especial das penas principal e acessória ou mesmo dispensa desta, com fundamento na falta de consciência quanto ao estado de embriaguez e inexistência de necessidade de prevenção especial.
No que concerne à falta de consciência do seu estado, já se deixou expresso que não merece acolhimento este entendimento.

O tribunal a quo condenou o recorrente pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, enquadramento jurídico-penal que não merece censura.

Analisemos se deveria beneficiar da atenuação especial da pena principal relativa a este crime, prevista no artigo 72º, do Código Penal.

Como se refere no Ac. do STJ de 21/10/2009, Proc. nº 360/08.5GEPTM.S1, disponível em www.dgsi.pt, esta questão “deve ser analisada antes da referente à medida das penas parcelares por constituir um “prius”, já que, a vingar a sua procedência, estar-se-ia perante um regime de punição mais atenuada, uma moldura abstracta mais benévola, dentro da qual sequentemente, a proceder essa pretensão, teria de encontrar-se a medida concreta da pena, fazendo actuar os critérios do artigo 71º do Código Penal já dentro de uma moldura com limites mais baixos, determinados por essa atenuação”.

De acordo com o estabelecido no nº 1, do artigo 72,º do Código Penal, o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

O nº 2 do mesmo enuncia, de forma exemplificativa, algumas circunstâncias que podem ser consideradas para efeito da aplicação do instituto, quais sejam:

a)- Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;

b)- Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;

c)- Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;

d)- Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.

Pressuposto material da atenuação da pena é a acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou das exigências de prevenção.
Ao exigir uma “diminuição acentuada”, pretendeu o legislador “assegurar uma válvula de escape para as situações em que se tenha reunido um importante conjunto de circunstâncias atenuantes, em face das quais, a imagem global da actuação do arguido se não coadunasse nada, com as hipóteses em que o legislador pensou, quando estatuiu a moldura normal para o caso” – cfr. Ac. do STJ de 05/03/2009, Proc. nº 08P4133, disponível no indicado sítio.

Entendimento, aliás, já veiculado no Acórdão do mesmo Tribunal de 25/10/2006, Proc. nº 05P3635, segundo o qual “a diminuição da culpa ou das exigências da prevenção só poderá «considerar-se acentuada quando a imagem global do facto, resultante da actuação da(s) circunstância(s) atenuante(s), se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo. Por isso, tem plena razão a nossa jurisprudência - e a doutrina que a segue - quando insiste em que a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar; para a generalidade dos casos, para os casos ‘normais’, lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios» (Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, págs. 192, 302, 306)”.

Ora, no caso sub judice, estamos perante a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez e não averba o recorrente antecedentes criminais.

Porém, não está demonstrada interiorização do desvalor da sua conduta delituosa (o que comprovado está é que ficou imediatamente muito preocupado e mesmo angustiado com as consequências para a sua vida profissional e mesmo familiar da intercepção a exercer a condução de veículo sob a influência do álcool, o que são realidades bem diferentes) sendo certo igualmente que não decorreu tempo significativo entre a data da prática dos factos – 7 de Maio de 2017 - e a da condenação – 23 de Maio de 2017 – não se vislumbrando motivo algum relevante para concluir por se estar perante uma ilicitude mitigada, uma diminuição de culpa ou uma diminuição das necessidades de prevenção.

Face ao que, não é de considerar a aplicação da pretendida atenuação especial da pena principal e nem a dispensa de pena, atentos os seus pressupostos enunciados no artigo 74º, do Código Penal, desde logo, o de natureza formal, a saber: punibilidade – visa-se a pena abstracta, como resulta do segmento ou só com multa - do crime “com pena de prisão não superior a seis meses, ou só com multa não superior a cento e vinte dias”.

No que tange à medida concreta da pena, cumpre afirmar, atendendo ao consignado nos artigos 40º, nº 1 e 70º, do Código Penal, com reporte à prevenção geral, dita positiva ou de integração, que se verifica uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos e de preservação das expectativas comunitárias decorrente das prementes necessidades de travar a acentuada sinistralidade que se verifica nas nossas estradas e para a qual a condução em estado de embriaguez contribui em larga medida.

No que concerne à prevenção especial de socialização, vero é que o arguido não averba qualquer condenação anterior ou posterior à data da prática dos factos, mas também não demonstrou interiorização alguma do desvalor da sua conduta delituosa, pelo que reclama ela incidência acima da mediania.

Importa ainda ponderar todas as circunstâncias mencionadas no artigo 71º, nº 2, do Código Penal, concretamente, a aludida taxa de alcoolemia de que o recorrente era portador, a sua culpa, nos factos provados traduzida e a inserção social, reputando-se como adequada a sua condenação na pena de 100 dias de multa, à razão diária de 5,00 euros, no montante global de 500,00 euros.

Relativamente à atenuação especial da pena acessória, não está legalmente prevista – resulta manifesto da redação do artigo 73º, do Código Penal, que tem o seu campo de aplicação limitado às penas principais de prisão ou multa, em passo algum se referindo a penas acessórias - não sendo, por isso, sob pena de violação do princípio da legalidade consagrado no artigo 29º, nº 3, da Lei Fundamental, admissível - neste sentido, vd. entre outros, Ac. R. do Porto de 03/03/2010, Proc. nº 58/09.7PAMDL.P1; Ac. R. de Coimbra de 16/11/2011, Proc. nº 87/11.0GTCTB.C1; Ac. R. do Porto de 18/12/2013, Proc. nº 600/12.6PFPRT.P1 e Ac. R. de Évora de 24/02/2015, Proc. nº 169/14.7GBBNV.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Analisemos agora a dosimetria da pena acessória.

Estabelece-se no artigo 69º, nº 1, alínea a), do Código Penal, que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto no artigo 292º.

Seguindo a lição de Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 90, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas também de defesa contra a perigosidade individual.

Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também, ao estabelecido no artigo 71º, do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.

Há que considerar, pois, a culpa do agente (que estabelece o limite máximo inultrapassável de pena concreta que é possível aplicar) e as exigências de prevenção nos termos referidos.

Cumpre ainda ponderar todas as circunstâncias que depõem a favor ou contra o agente.

O grau de ilicitude é muito elevado, tendo em atenção a taxa de alcoolemia de que era portador – bem acima do dobro do valor a partir do qual a conduta integra infracção criminal - e estamos perante uma prática dolosa, sendo que o perigo inerente à sua conduta não ultrapassou o abstracto, já valorado no tipo legal.

Assim, ainda que o recorrente não tenha antecedentes criminais por este tipo de crime ou qualquer outro, manifesto se torna que esta pena tem de se afastar do limite mínimo.

No que tange às condições económicas e exigências de prevenção geral, vale o já afirmado.

Ainda quanto à pena acessória, pugna o recorrente pela dispensa de pena, presumimos que tendo em atenção o estabelecido no artigo 74º, do código Penal.

Ora, também aqui vale o que ficou explicitado quanto à atenuação especial da pena, pois não se mostra objecto de previsão legal tal dispensa – cfr. os já referenciados Acs. R. de Coimbra de 16/11/2011 e da R. do Porto de 18/12/2013.

Face ao exposto, considerando a moldura abstracta aplicável de 3 meses a 3 anos, mostra-se adequada a graduação da pena acessória em 6 meses de proibição de condução de veículos com motor de qualquer categoria.

Face ao exposto, importa conceder parcial provimento ao recurso pelo arguido interposto.

III–DISPOSITIVO.

Nestes termos, acordam os Juízes da 5ª Secção desta Relação de Lisboa em julgar o recurso interposto pelo arguido P...R...P...S... parcialmente procedente e, em consequência:

A)- Julgam verificado o vício do erro notório na apreciação da prova, mas sendo possível evitar o reenvio para julgamento da matéria de facto, alteram parcialmente a factualidade provada, nos seguintes termos:

Onde consta “No dia 7 de Maio de 2017, à hora e no local enunciados no auto de notícia para o qual se remete, que é a acusação, o arguido foi fiscalizado quando conduzia o veículo automóvel pesado de passageiros com matrícula XX-XX-XX, tendo apresentado uma taxa de alcoolemia de 3,33 g/l” passa a constar No dia 7 de Maio de 2017, à hora e no local enunciados no auto de notícia para o qual se remete, que é a acusação, o arguido foi fiscalizado quando conduzia o veículo automóvel pesado de passageiros com matrícula XX-XX-XX, tendo apresentado uma taxa de alcoolemia de 3,06 g/l, deduzido o erro máximo admissível;

B)- Pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, condenam P... R...P...S... na pena de 100 (cem dias de multa) à razão diária de 5 (cinco) euros, no montante global de 500 (quinhentos e cinquenta) euros e, ao abrigo do estabelecido no artigo 69º, nº 1, alínea a), do mesmo diploma legal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor de qualquer categoria pelo período de seis meses;

C)- No mais, confirma-se a decisão recorrida.

Sem tributação.



Lisboa, 21 de Novembro de 2017



(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário – artigo 94º, nº 2, do CPP)


                                           
(Artur Vargues)                                           
(Jorge Gonçalves)