Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2281/09.5TVLSB.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
INDEFERIMENTO
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Tendo sido indeferido o pedido de apoio judiciário já depois da citação da ré, fica excluída a possibilidade de desentranhamento da petição inicial, por virtude do disposto no art. 467º, nº 6, do CPC.
II - Nesta conformidade, uma vez que, à data em que foi proferido o despacho recorrido, já tinha decorrido o prazo de dez dias para pagamento da taxa de justiça devida na sequência do indeferimento do pedido de apoio judiciário, deve o recorrente, por força das disposições conjugadas dos arts. 29º, nº 5, al. c), da Lei do Apoio Judiciário, 467º, nº6 e 486º-A, nº 3, do CPC, pagar a taxa de justiça em falta, acrescida da respectiva multa
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Na presente acção instaurada por A… contra “B…, SA”, findos os articulados, foi proferido despacho que determinou se colhesse informação junto da Segurança Social para saber se, ao autor, havia sido concedido o benefício do apoio judiciário.

2. A Segurança Social informou o Tribunal que o requerimento de protecção jurídica, formulado pelo autor em 7/1/2009, fora indeferido por despacho de 8/5/2010 – cf. doc de fls. 169-171.

3. Atendendo à decisão administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário, o Tribunal a quo determinou o cumprimento do art. 486º-A, nºs 5 e 6, do CPC, ordenando a notificação do autor para pagar a taxa de justiça em falta e a respectiva multa.

4. Inconformado, apela o autor, o qual, em conclusão, diz:

1ª – O despacho recorrido, datado de 16 de Setembro de 2010, que decide no sentido de o Recorrente não beneficiar de apoio judiciário e o condena no pagamento de multa, através da aplicação analógica do disposto nos nºs 5 e 6 do art. 486-A do Código do Processo Civil é ilegal.

2ª – Primeiro porque, conforme informações prestadas pelo Instituto de Segurança Social e juntas aos autos, datadas de 18 de Janeiro e 3 de Maio de 2010, o requerimento de apoio judiciário do Requerente, para dispensa de pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo, deu entrada nos serviços competentes em 7 de Janeiro de 2009 e, nas acima apontadas datas, estava ainda em instrução e não existiu 6/25 qualquer causa que levasse à suspensão do prazo de 30 dias fixado no art. 25º, nº 2 do decreto-lei nº 34/2004 de 29 de Julho;

3ª – Ou seja, perante a primeira informação prestada pelo Instituto de Segurança Social, devia logo o Tribunal “a quo” ter decidido no sentido de considerar tacitamente deferido o pedido de apoio judiciário efectuado pelo Recorrente e este dispensado do pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo, por se ter demonstrado estar largamente ultrapassado o prazo “supra” mencionado;

4ª – Aliás, foi sempre nesse sentido que o Recorrente se pronunciou através dos requerimentos juntos nos dias 3 de Fevereiro, 21 de Maio e 7 de Junho, todos de 2010, quando notificado das informações prestadas por aquele Instituto;

5ª – Não obstante, o Tribunal recorrido remeteu-se ao mais profundo silencio, nunca proferindo decisão em relação aos repetidos requerimentos apresentados pelo Recorrente e, consequentemente, nunca aplicando a lei;

6ª – Surpreendentemente, em 8 de Maio de 2010, o Instituto da Segurança Social emite finalmente uma decisão, mas a de indeferimento do pedido de apoio judiciário do Recorrente;

7ª - E é com base neste indeferimento, manifestamente extemporâneo e, consequentemente, ilegal, que o Tribunal “a quo” decide que é dever do Recorrente pagar a taxa de justiça inicial e também as multas a que se fez referência no início destas alegações;

8ª – Não obstante, e como acima se demonstrou, a decisão a proferir devia ter sido precisamente a contrária, por ser isso que a lei determina;

9ª - Ao não decidir assim, o Tribunal “a quo” violou, além do mais, o disposto no art. 25º, nº 2 do decreto-lei nº 34/2004 de 29 de Julho e nos arts. 156º, nº 1 e 160º, nº 1 do Código do Processo Civil.

10ª – Mas mesmo que assim se não entenda, o que só por hipótese de raciocínio se concebe, o certo é que nunca devia o Tribunal recorrido ter aplicado ao Recorrente as multas em causa;

11ª - Devia, isso sim e nem que fosse por uma questão de boa fé processual, ter decidido relativamente aos requerimentos entregues pelo Recorrente e, se o fizesse no sentido do seu indeferimento, ter-lhe dado a oportunidade de pagar a taxa omitida sem a aplicação de qualquer multa ou ainda a possibilidade de recorrer do seu despacho;

12ª - Isto porque, o Recorrente não pagou a dita taxa por estar a exercer um direito que a lei lhe confere, ou seja, o de considerar que, tendo passado o prazo de 30 dias a partir da entrega do seu requerimento de apoio judiciário, este estava tacitamente deferido e que, por isso, não tinha o dever de pagar qualquer taxa de justiça.

13ª – Por ter este entendimento, que, aliás, é legalmente consubstanciado, não podia o Tribunal “a quo” aplicar analogicamente o disposto no art. 486-A, nºs 5 e 6 do Código do Processo Civil, já que, os casos não são análogos.

14ª – Na verdade, a norma “supra” citada aplica-se ao Réu aquando da apresentação da sua contestação com omissão do pagamento da taxa de justiça inicial sem qualquer justificação, o que não se assemelha sequer à situação dos autos, por o Recorrente ter tido uma razão legalmente atendível para essa omissão fundamentadamente alegada na petição inicial;

15ª – Ou seja, também no que concerne à aplicação das multas em causa, o Tribunal recorrido proferiu uma decisão contrária à lei;

16ª – Sendo assim, como é, mas sem prescindir do que anteriormente se manifestou pretender com o presente recurso, deve, em alternativa, o despacho posto em crise ser revogado e substituído por outro que julgue no sentido da não aplicação ao Recorrente de qualquer multa;

17ª – Não decidindo assim, o Tribunal “a quo” violou, além do mais, o disposto nos arts. 25º, nº 2 do decreto-lei nº 34/2004 de 29 de Julho, 156º, nº 1, 160º, nº 1, 266 – A e 486-A, nºs 5 e 6 do Código do Processo Civil e 10º, nºs 1 e 2 do Código Civil.

Termos em que, com os mais de direito, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e substituindo-se por outro que, em alternativa:

a) considere tacitamente deferido o pedido de apoio judiciário efectuado pelo Recorrente e este dispensado do pagamento das taxas de justiça e demais encargos com o processo;

ou, caso assim não se entenda, o que só para efeitos de raciocínio se concebe, b) não condene o Recorrente no pagamento de qualquer multa, sendo este notificado para pagar a taxa de justiça em falta.

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. Cumpre apreciar e decidir.

7. Os elementos a ter em conta na decisão do recurso são essencialmente os seguintes:

A petição inicial deu entrada em 6/7/2009.

Com a petição inicial, o autor juntou cópia do requerimento apresentado em 7/1/2009 na Segurança Social em que solicitava a concessão de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos – cf. doc de fls. 84 a 88 – e pediu dispensa do pagamento da taxa de justiça, invocando ter havido “deferimento tácito” do pedido, por não ter sido proferida decisão, no prazo de 30 dias, a que alude o art. 25º, da Lei do Apoio Judiciário.

Findos os articulados, o Tribunal a quo ordenou se solicitasse à Segurança Social informação sobre eventual decisão proferida sobre o requerimento apresentado pelo autor – cf. fls. 156.

Em 18/1/2010, a Segurança Social informou o Tribunal que o requerimento do autor dera entrada em 7/1/2009 e que «o processo está em instrução».

Em Março de 2010, o Tribunal voltou a solicitar informação à Segurança Social sobre o estado do processo.

Em 3/5/2010, a Segurança Social voltou a informar o Tribunal que «o processo está em instrução».

Finalmente, por ofício datado de 8/5/2010, a Segurança Social informou o Tribunal que foi indeferido o pedido de apoio judiciário requerido pelo autor – cf. fls. 169 a 171.

8. Em primeiro lugar cumpre esclarecer que, nos termos do disposto no art. 20º, da Lei do Apoio Judiciário (Lei nº 34/2004, de 29/7, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28/8), «a decisão sobre a concessão do apoio judiciário compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área da residência do requerente».

Sendo assim, carece o tribunal de competência para apreciar os pressupostos da sua atribuição, bem como a regularidade formal do pedido formulado.

Por outro lado:

Dispõe o art. 25º, da Lei do Apoio Judiciário que «o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e a decisão sobre o pedido de apoio judiciário é de 30 dias, e é contínuo» (n.º 1) e que «decorrido esse prazo sem que tenha sido proferida decisão, se considera tacitamente deferido e concedido o pedido de apoio judiciário» (n.º 2).

No caso que apreciamos, o apelante alicerça a sua pretensão no decurso do prazo de 30 dias imposto por Lei à Segurança Social para proferir decisão sobre o pedido de apoio judiciário.

Para comprovar a entrega do pedido de apoio judiciário (cf. art. 22º, da Lei do Apoio Judiciário), juntou cópia do requerimento enviado por fax àqueles serviços, do qual consta a respectiva data (7/1/2009).

Em 3/5/2010, findos os articulados, e a solicitação do Tribunal, a Segurança Social informou que «o processo estava em instrução», sem adiantar razões.
Ora, desconhecendo-se se o prazo de 30 dias terá sido, ou não, suspenso por virtude, designadamente, do disposto no art. 1º, nº 3, da Portaria 1085-A/04[1] e/ou do disposto no nº 4 do art. 108º do Código de Procedimento Administrativo (CPA)[2], é patente não se poder afirmar, com os elementos disponíveis, que se tenha efectivamente formado acto tácito de deferimento, sendo certo que não consta dos autos qualquer informação nesse sentido.

Ainda que assim não fosse, como veremos, a pretensão do autor sempre improcederia.

Na verdade:

O acto tácito independentemente das posições doutrinárias sobre a sua natureza jurídica[3] é, para todos os efeitos legais, um acto administrativo, podendo ser revogado, suspenso, confirmado, ou alterado. Além disso, se for um acto tácito positivo produz todos os efeitos jurídicos típicos do acto administrativo expresso.[4]

Ora, na hipótese que apreciamos, a Administração através de um acto expresso de indeferimento revogou totalmente o acto tácito anterior que se pudesse ter formado.

É certo que a revogação de um acto administrativo está sujeita a determinados condicionalismos legais (cf. arts. 138º e ss, do CPA).
No entanto, a regra geral é a de que o acto administrativo, ainda que afectado de vício que possa gerar anulabilidade, não sendo impugnado no prazo e pelos meios legais (cf. arts. 158º e ss, do CPA), produz efeitos imediatos (cf. art. 127º, do CPA).
Foi o que sucedeu in casu: o acto de indeferimento expresso não foi impugnado, nos termos legalmente previstos nos arts. 26º e ss., da Lei do Apoio Judiciário, pelo que produziu validamente os seus efeitos.[5]
Consequentemente:
Tendo sido indeferido o pedido de apoio judiciário já depois da citação da ré, fica excluída a possibilidade de desentranhamento da petição inicial, por virtude do disposto no art. 467º, nº 6, do CPC.
Nesta conformidade, uma vez que, à data em que foi proferido o despacho recorrido, já tinha decorrido o prazo de dez dias para pagamento da taxa de justiça devida na sequência do indeferimento do pedido de apoio judiciário, deve o recorrente, por força das disposições conjugadas dos arts. 29º, nº 5, al. c), da Lei do Apoio Judiciário, 467º, nº6 e 486º-A, nº 3, do CPC, pagar a taxa de justiça em falta, acrescida da respectiva multa. [6]


9. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 21.06.2011

Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Amélia Ribeiro
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[1] Onde se estipula que: «sem prejuízo do pedido de apresentação de provas a que haja lugar nos termos da lei, a falta de entrega dos documentos referidos nos números anteriores suspende o prazo de produção do deferimento tácito do pedido de protecção jurídica.».
[2] Em que se estabelece que o cômputo dos prazos para a formação de acto tácito de deferimento se suspendem sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao particular.
[3] cf., por todos, Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Abril de 2002, pags. 333 e ss.
[4] Freitas do Amaral, ibidem, 335-336.
[5] cf., neste sentido, os Acs. da Rel. Porto de 28/3/2007, JusNet 1691/2007; 31/1/2007, JusNet 699/2007 e de 22/2/2010, JusNet 955/2010.
[6] Neste sentido, cf. Ac. TCAN de 17/4/2008, JusNet 1746/2008.