Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1053/13.7YRLSB-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
MEDICAMENTO
PATENTE
AUTORIZAÇÃO DE IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTO
CUSTAS
HONORÁRIOS
MEDICAMENTO GENÉRICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I – Na falta de acordo entre as partes e os árbitros, caberá aos árbitros fixar o montante dos seus honorários e despesas, mas as partes poderão sujeitar tal decisão à apreciação do tribunal estadual.
II – Embora na arbitragem a que se reportam os autos não se aplique a NLAV (regime atual da Arbitragem Voluntária), mas sim a LAV (regime da Arbitragem Voluntária previsto na Lei n.º 31/86), os critérios indicados na NLAV para a fixação dos encargos da arbitragem (complexidade das questões decididas, o valor da causa e o tempo despendido) são os mais razoáveis e deverão ser os seguidos na sindicação da fixação de encargos decorrente do decidido pelo tribunal arbitral, nada obstando a que se levem em consideração, como referência indicativa, as tabelas anexas ao Regulamento de arbitragem indicado pelos árbitros na ata de instalação do tribunal arbitral.
III – A circunstância de a autorização de introdução no mercado de medicamento genérico ter sido concedida antes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2011, de 12.12, não obsta à instauração de arbitragem necessária prevista no art.º 3.º dessa Lei, na sequência da publicitação efetuada pelo Infarmed nos termos do art.º 9.º n.º 2 da dita Lei.
IV – O tribunal arbitral previsto no art.º 3.º da Lei n.º 62/2011 (para dirimir litígios entre empresas de medicamentos genéricos e entre empresas de medicamentos de referência respeitantes a direitos de propriedade industrial) não tem competência para apreciar, ainda que a título de mera exceção, a invalidade de patente.
V – O prazo de caducidade da arbitragem previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 4.º e no n.º 2 do art.º 19.º da LAV não se aplica à arbitragem necessária prevista na Lei n.º 62/2011.
VI – A decisão arbitral final em que não conste a justificação da decisão sobre a matéria de facto não enferma de nulidade ou de anulabilidade.
VII – A transmissão a terceiro de autorização de introdução no mercado de medicamento genérico não constitui em si violação do exclusivo concedido pela patente que proteja substância, processo de fabrico ou utilização implicada nesse medicamento, pelo que não deve, em princípio, ser proibida no âmbito da arbitragem prevista na Lei n.º 62/2011.
VIII - A cominação de sanção pecuniária compulsória pressupõe uma violação atual ou iminente da obrigação de prestação de facto a que se refere.
IX – A empresa de medicamentos genéricos, ao requerer autorização de introdução no mercado de medicamento respeitante a direitos de propriedade industrial em vigor, dá causa à ação arbitral que a empresa do respetivo medicamento de referência se viu obrigada a instaurar para não perder os seus direitos perante a demandada, atento o disposto no art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 62/2011, pelo que o facto de não contestar a ação não a exime de comparticipação nos encargos do processo.
X - Uma vez que o recurso da decisão arbitral tem apenas efeito devolutivo, ou seja, não tem efeito suspensivo da decisão, nada obsta a que seja de imediato efetuada a liquidação do devido a título de encargos da arbitragem, sem prejuízo dos efeitos de eventual alteração, pela Relação, em sede de recurso, da decisão arbitral quanto a custas.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 26.4.2012, em Lisboa, nas instalações do Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, foi declarada a instalação do Tribunal Arbitral constituído para dirimir o litígio entre “A” ... C... Ltd, como demandante e “B”, Serviço e Consultoria Financeira, Lda, “C” – Laboratórios ..., S.A., Laboratórios “D”, S.A., Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A., como demandadas, tendo sido elaborada a ata que consta a fls 1 a 6 do processo e aí fixado, como objeto do litígio, o seguinte: “eventual violação das patentes e certificados complementares de protecção, relativas à substância activa “M...””.
Na referida ata foi fixado o prazo de 30 dias para apresentação da petição inicial e igual prazo para a apresentação da contestação.
Em 01.6.2012 “A” C... Inc. (anteriormente denominada “A” ... C... Ltd) apresentou petição inicial, contra “B”, Serviço e Consultadoria Farmacêutica, Lda, “C” – Laboratórios ..., S.A., Laboratórios “D”, S.A., Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A..
A demandante alegou estar integrada no grupo empresarial internacional “A”, cuja atividade consiste na investigação, indústria e comércio de produtos farmacêuticos. A “A” é titular da Patente Nacional n.º ... (PT ...), a qual protege o processo para a preparação de ácidos hidroxialquilquinolina insaturados úteis como antagonistas do leucotrieno, indicados para o tratamento da asma como terapêutica adicional nos doentes com asma persistente ligeira a moderada. Entre os compostos protegidos pelas reivindicações da PT ... encontra-se um composto com a denominação comum internacional de M..., o qual foi inventado pelo corpo de investigação da “A” e é normalmente utilizado sob a forma de M... Sódico, como substância ativa em medicamentos. A PT vigorará até 02.10.2013. Porém, a demandante é titular de um certificado complementar de protecção, com o número 35 (CCP 35), concedido com base na PT ..., que caducará em 17.8.2014 e tem como referência AIM concedida relativamente a um medicamento com o nome comercial S... e S... Junior. Em 11.01.2012 o Infarmed publicitou na sua página eletrónica, ao abrigo do art.º 9.º n.º 2 da Lei n.º 62/2011, de 12.12, uma extensa lista contendo autorizações de introdução no mercado (AIM) pedidas ou já concedidas referentes a medicamentos genéricos contendo o M... como princípio ativo. Entre tais requerentes contam-se as ora demandadas. Muitas AIM foram pedidas três ou quatro anos antes da caducidade dos direitos emergentes da PT ... e do CCP 35, o que não pode deixar de significar que as demandadas projetam efetivamente o lançamento dos seus produtos antes da data dessa caducidade. As demandadas não solicitaram nem obtiveram autorização da demandante para, sob qualquer forma, explorarem a invenção constante da dita patente.
A A. terminou pedindo:
a) Que as demandadas fossem condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o M... Sódico identificados nos artigos 75.º a 79.º da presente petição, enquanto a patente PT ... ou o CCP 35 se encontrarem em vigor, ou seja, até 17.8.2014;
b) Que as demandadas fossem condenadas, com vista a garantir o exercício dos direitos das demandantes, a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas nos artigos 75.º a 79.º da petição, até à referida data de caducidade dos direitos então exercidos;
c) Que, nos termos do art.º 829.º-A do Código Civil, as demandadas fossem condenadas a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 70 000,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que viesse a ser proferida nos termos do acima requerido.
A demandada “C” – Laboratórios ..., S.A. apresentou contestação, na qual alegou que a patente invocada pela A. não é válida, por carecer de novidade e atividade inventiva e, por outro lado, o medicamento da demandada é fabricado utilizando um processo diferente do patenteado pela A.. Mais alegou que o facto de lhe ter sido concedida AIM para a produção dos aludidos medicamentos genéricos não implicava necessariamente que os mesmos iriam ser comercializados, comercialização que no caso da demandada não ocorreu.
A demandada terminou concluindo pela sua absolvição do pedido.
Em 02.7.2012 as demandadas Laboratórios “D”, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A. vieram aos autos declarar que não pretendiam contestar a demanda arbitral, pelo que, não existindo litígio entre a demandante e as ora demandadas nem convenção arbitral para o dirimir, deveriam os custos da arbitragem ser suportados integralmente pela demandante, por a ela ter dado causa.
A demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. apresentou contestação, na qual alegou a incompetência do tribunal arbitral para julgar o litígio, afirmou que a PT ... e o CCP 35 apenas protegem um processo de fabrico e não o produto invocado, que o produto em causa não é novo, pelo que a demandante não goza da presunção de que os terceiros fabricam o M... utilizando o seu processo, mais afirmou que produz o M... utilizando um processo de fabrico diferente do da demandante, o qual está patenteado nos EUA. A demandada alegou ainda que as AIM do seu genérico foram concedidas em 28.12.2009, antes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2011, pelo que a demandante não pode invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos dos artigos 2.º e 3.º da mencionada Lei. A demandante afirmou ainda que não está a comercializar os genéricos, pelo que também por essa razão não existe qualquer ameaça aos invocados direitos da demandante, não tendo a demandante interesse em agir. Carece de fundamento o pedido de condenação das demandadas a não transmitirem as AIMs a terceiros, assim como o pedido de condenação das demandadas a pagarem uma sanção pecuniária compulsória.
A demandada terminou pedindo que a contestação fosse julgada provada e procedente e consequentemente a ação julgada improcedente, com custas a cargo da demandante.
A demandante apresentou resposta à contestação da demandada “C” – Laboratórios ..., S.A., pugnando pela incompetência do tribunal arbitral para apreciar da nulidade da patente e defendendo a inexistência da aludida nulidade.
A demandante pronunciou-se também acerca do supra referido requerimento das demandadas Laboratórios “D”, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A., defendendo que essas demandadas deveriam ser condenadas no primeiro pedido e o processo deveria prosseguir para apreciação dos demais pedidos formulados. Mais defendeu que os custos da arbitragem devem ser integralmente suportados pelas demandadas não contestantes, na parte que proporcionalmente lhes competir pelo seu integral decaimento.
A demandante também se pronunciou sobre a contestação da demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A., pugnando pela sua improcedência.
Em 27.7.2012 o presidente do tribunal arbitral proferiu despacho decidindo os incidentes de recusa dos árbitros designados por ambas as partes, que haviam sido deduzidos tanto pela demandante como pelas demandadas “C” S.A. e “B”, Lda, indeferindo ambas as recusas.
Na mesma data o presidente do tribunal arbitral fixou o valor da causa em € 10 000 000,00 (dez milhões de euros) e convidou as partes a pronunciarem-se sobre a eventual qualificação da arbitragem como complexa, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do art.º 48.º do Regulamento de 2008 do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.
Também em 27.7.2012 a demandada “B”, Serviço e Consultadoria Farmacêutica, Lda veio requerer que, por não ter contestado a ação, fosse imediatamente aplicado o disposto no art.º 3.º, n.º 2, da Lei n.º 62/2011, de 12.12, não devendo o processo prosseguir quanto à demandada para apreciação dos pedidos restantes, e devendo os custos da arbitragem ser suportados integralmente pela demandante, por a demandada não ter dado causa ao litígio ou, quando muito, devendo os mesmos custos ser repartidos entre as partes de modo equitativo e de acordo com o princípio da proporcionalidade, com uma redução muito substancial para a ora demandada.
Em 30.7.2012 Laboratórios “D”, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A. reiteraram o entendimento de que a ação não deveria prosseguir em relação a elas e não deveriam suportar encargos com a arbitragem.
Em 31.7.2012 a demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. veio arguir a nulidade parcial da resposta da demandante à sua contestação, requerendo que parte da matéria alegada pela demandante na resposta fosse considerada não escrita.
Em 03.8.2012 a demandante respondeu ao requerimento supra citado, de Laboratórios “E”, defendendo a admissibilidade total da sua resposta.
Em 08.8.2012 a demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. pronunciou-se contra a qualificação da arbitragem como complexa e contra o valor fixado à ação pelo tribunal arbitral, alegando que nos anos de 2010 e 2011 as vendas da demandante do medicamento S... orçaram, respetivamente, em € 20 041 544,00 e em € 19 210 457,00, pelo que a receita líquida diária da demandante com o medicamento S... não excedeu € 40 327,40 e que mesmo que as demandadas conseguissem obter 50% do mercado, nunca alcançariam lucros diários superiores a € 20 163,70.
Em 09.8.2012 a demandada “C” – Laboratórios ..., S.A. pronunciou-se no sentido de que fosse fixada à arbitragem o valor de € 30 001,00 e que os honorários dos árbitros fossem fixados por acordo das partes, sugerindo que os mesmos se situassem, invocando a prática seguida noutras arbitragens com o mesmo objeto, entre um mínimo de € 60 000,00 e um máximo de € 120 000,00, acrescido de IVA à taxa em vigor.
Em 10.8.2012 “B”, Serviço e Consultadoria Farmacêutica, Lda pronunciou-se contra o valor atribuído à ação pelo tribunal arbitral e contra a aplicação de um coeficiente de elevação de honorários.
Em 10.8.2012 Laboratórios “D”, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A. pronunciaram-se contra a fixação do valor da causa operada pelo tribunal arbitral.
Em 10.8.2012 a demandante pronunciou-se no sentido de que não se justificava a aplicação de um coeficiente de elevação dos honorários dos senhores árbitros, salientando que o valor da arbitragem já fixado excedia em muito o valor do interesse económico deste processo.
Em 29.8.2012 foi proferido despacho saneador, no qual o tribunal arbitral indeferiu a arguição de nulidade parcial da resposta da demandante à contestação de Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A., indeferiu a exceção de incompetência do tribunal arbitral para julgar o litígio, julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecer e decidir a exceção de nulidade da patente (com voto de vencido de um dos árbitros), fixou a matéria assente e elaborou base instrutória.
Ainda em 29.8.2012 foi proferido despacho em que, após se dar como assente que as vendas do medicamento da demandante objeto dos autos foram de € 20 041 544,00 em 2010 e de € 19 210 457,00 em 2011, manteve-se o valor fixado à arbitragem e decidiu-se elevar os encargos de arbitragem pelo coeficiente de 1,5, relegou-se para final a determinação da responsabilidade das partes nas custas, decidiu-se que o processo teria de seguir em relação a todas as demandadas e determinou-se que as partes fossem notificadas para liquidar os preparos previstos no Capítulo VI do Regulamento de Arbitragem.
Em 07.9.2012 a demandada “C” – Laboratórios ..., S.A. sugeriu alterações à matéria de facto assente e à base instrutória
Em 10.9.2012 a demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. veio aos autos afirmar que não aceitava o valor da causa fixado pelo tribunal arbitral, nem a qualificação da ação como complexa, nem o valor dos honorários e encargos de arbitragem fixados pelo tribunal arbitral e requereu que a fixação da remuneração dos árbitros e dos encargos de arbitragem fosse efetuada por acordo a subscrever pelas partes, sugerindo que o tribunal convocasse as partes para realização de uma reunião onde estas questões fossem debatidas.
Em 10.9.2012 “C” – Laboratórios ..., S.A. aderiu ao requerimento apresentado pelos Laboratórios “E” em 10.9.2012.
Em 10.9.2012 Laboratórios “D”, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A. formularam requerimento de sentido idêntico ao apresentado pelos Laboratórios “E” em 10.9.2012.
Em 10.9.2012 a demandada “B”, Serviço e Consultadoria Farmacêutica, Lda veio aos autos alegar que havia transmitido, com autorização do Infarmed, para outra empresa as AIM de que era titular e que respeitavam a estes autos, e entretanto tais AIM haviam sido revogadas pelo Infarmed, a requerimento da sua transmissária, pelo que requeria o não prosseguimento do processo relativamente a si e que não lhe fossem fixados encargos, sendo determinada a revogação de pedido de preparo inicial quanto à presente demanda.
Em 11.9.2012 o tribunal arbitral deferiu parcialmente à reclamação da seleção da matéria de facto que fora apresentada pela demandada “C” – Laboratórios ..., S.A..
Em 14.9.2012 a demandada “C” – Laboratórios ..., S.A. interpôs recurso do saneador na parte em que o tribunal arbitral se julgara incompetente para conhecer da exceção perentória arguida pela demandada.
Notificada a demandante para se pronunciar sobre os aludidos requerimentos, veio a “A”, em 17.9.2012, reiterar o já por si afirmado quanto ao valor da causa, dos honorários e dos encargos da arbitragem e bem assim declarou que não se opunha ao pedido da “B”, no sentido do não prosseguimento do processo quanto à mesma, embora esta devesse suportar encargos com o processo.
Em 18.9.2012 o tribunal arbitral proferiu despacho em que declarou a inutilidade superveniente da lide em relação à demandada “B”, Serviço e Consultadoria Farmacêutica, Lda, consequentemente reduziu em 20% o montante fixado para os honorários dos árbitros, determinando a notificação às partes do novo valor para efeitos de liquidação dos preparos, os quais deveriam ser satisfeitos antes do início da audiência de julgamento e condenou a “B” nas custas pela extinção da lide a ela respeitante, fixando o seu montante em 5% do valor então fixado para os encargos do processo.
Em 24.9.2012 realizou-se audiência de produção de prova. No início da audiência constatou-se que apenas a demandante e a demandada “C” haviam efetuado preparos para o provisionamento dos encargos da arbitragem, pelo que o tribunal arbitral determinou a inatendibilidade da defesa apresentada no processo pela demandada Laboratórios “E”, eliminando-se os quesitos 52.º a 72.º da base instrutória.
Foram inquiridas seis testemunhas, indicadas pela demandante.
Em 27.9.2012 realizou-se mais uma sessão de produção de prova, tendo sido ouvidas duas testemunhas, indicadas pela demandada “C”.
Em 03.10.2012 a demandante apresentou contra-alegações no recurso interposto pela “C”.
Em 10.10.2012 foi proferido despacho de rejeição do recurso interposto pela “C”.
Em 17.10.2012 a “C” reclamou para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa do despacho de rejeição do seu recurso.
Em 29.10.2012 a demandante pronunciou-se pelo indeferimento da dita reclamação.
Em 02.11.2012 a demandante apresentou alegações de facto e de direito.
Em 16.11.2012 a demandante e a demandada “C” – Laboratórios ..., S.A. juntaram aos autos documento demonstrativo de acordo nos termos do qual punham termo ao litígio a elas respeitante nesta ação, solicitando a sua homologação pelo tribunal arbitral.
Em 25.11.2012 o tribunal arbitral proferiu sentença homologatória do aludido acordo, condenando e absolvendo a demandante e a demandada “C” nos seus precisos termos e condenando a demandada nas custas do processo, conforme o ponto 2.6 do dito acordo, na proporção de 25% do total dos encargos do processo.
Em 26.11.2012 o tribunal arbitral apresentou resposta à base instrutória.
Na mesma data, 26.11.2012, o tribunal arbitral proferiu acórdão no qual (com vencimento parcial de um dos árbitros):
a) Condenou as demandadas remanescentes Laboratórios “D”, S.A., Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A. a absterem-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o M... Sódico, enquanto a patente PT ... ou o CCP 35 se encontrarem em vigor, ou seja, até 17 de Agosto de 2014; e ainda, com vista a garantir o exercício dos direitos da demandante, a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na petição, até à data de caducidade dos direitos ora exercidos;
b) Condenou cada uma das referidas Demandadas a pagar à Demandante, por cada dia de violação no cumprimento da condenação, a quantia de € 10,000,00 (dez mil euros) por dia, a título de sanção pecuniária compulsória.
O tribunal arbitral, “considerando que a Demandante, apesar de ter obtido ganho de causa, o mesmo não foi integral, uma vez que a sanção pecuniária decretada foi bastante inferior à solicitada, e não tendo havido efectiva oposição por parte das remanescentes Demandadas” (sic), fixou as custas do processo remanescentes - após as condenações das demandadas “B” e “C” — em 1/3 para a demandante e 2/3 para as demandadas, sendo, “devido ao diferente volume processual do trabalho originado pela Demandada Laboratórios “E”” (sic), 1/3 a cargo dos Laboratórios “E” e 1/6 por cada uma das demandadas “D” e “F”.
Em 20.12.2012 a demandada Laboratórios “E”, notificada da conta de liquidação de encargos do processo, requereu que a mesma fosse dada sem efeito, por estar a decorrer o prazo de interposição de recurso da decisão arbitral.
Em 21.12.2012 as demandadas “D” e “F” aderiram ao supra requerido pelos Laboratórios “E” quanto à liquidação dos encargos do processo.
Em 31.12.2012 Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A., apelou do acórdão arbitral e do despacho de 27.07.2012, confirmado pelos despachos de 29.8.2012 e 18.9.2012, que fixou o valor da causa e qualificou a arbitragem como complexa para efeito de elevação dos honorários dos árbitros.
Em 04.01.2013 “C”- Laboratórios ..., S.A., apelou do acórdão arbitral, no que se refere às custas, e bem assim do despacho de 27.07.2012, confirmado pelos despachos de 29.8.2012 e 18.9.2012, que fixou o valor da causa e qualificou a arbitragem como complexa para efeito de determinação dos honorários dos árbitros.
Em 07.01.2013 o tribunal arbitral indeferiu os requerimentos supra referidos, datados de 20.12.2012 e 21.12.2012, atinentes à nota de liquidação dos encargos do processo.
Em 16.01.2013 as demandadas Laboratórios “D”, S.A., e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A. apelaram do acórdão final, no que se refere às custas, e bem assim do ponto 6 da ata de instalação do tribunal de 26.4.2011 que fixou os encargos da arbitragem e do despacho de 27.07.2012, confirmado pelos despachos de 29.8.2012 e de 18.9.2012, que fixou o valor da causa e qualificou a arbitragem como complexa para efeito de determinação dos honorários dos árbitros. Mais recorreram do despacho de 29.8.2012, que decidiu o prosseguimento do processo contra as demandadas ora apelantes.
Em 22.01.2013 Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. apelou do despacho de 07.01.2013, que indeferiu os requerimentos apresentados pelas demandadas Laboratórios “E” e Laboratórios “D” e “F”, nos quais pediram que fosse dada sem efeito a conta de liquidação dos encargos da arbitragem.
A demandante apresentou contra-alegações em relação à apelação (primeira) apresentada pela demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. e em relação à apelação interposta pela demandadas Laboratórios “D”, S.A., e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A..
Em 25.02.2013 foi proferido despacho de admissão dos recursos, na forma de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, para esta Relação e efeito meramente devolutivo.
Em 25.9.2013 o processo arbitral deu entrada nesta Relação.
Admitido o recurso pelo relator, foram os senhores juízes-árbitros convidados a pronunciarem-se sobre as apelações, na parte atinente ao valor dos encargos da arbitragem, o que fizeram nos termos que constam a fls 1931 a 1952 dos autos.
Foram colhidos os vistos legais.
Na primeira apelação da demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. esta apresentou motivação em que formulou as seguintes conclusões:
I - DA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA DE 27-07-2012
1. A acção arbitral foi iniciada pela Demandante ao abrigo do disposto nos artigos 2° e 3° da Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro, sendo-lhe aplicável a Lei n.° 31/86 de 29 de Agosto.
2. As Partes não assinaram entre si qualquer convenção de arbitragem, nem se pronunciaram acerca dos honorários dos Árbitros e encargos da arbitragem, nem acerca da aplicação a tal matéria do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e suas tabelas anexas.
3. A adesão ao referido Regulamento resultou de opção, apenas, dos Senhores Árbitros, sem consulta prévia das partes, nem ratificação pelas mesmas.
4. Cabia às Partes escolher o centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, cujo regulamento seria aplicável à presente arbitragem (n.° 8 do artigo 3.° da referida Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro).
5. “A remuneração dos árbitros e dos outros intervenientes no processo, deve ser fixada na convenção de arbitragem, ou em documento posterior subscrito pelas partes, a menos que resultem dos regulamentos de arbitragem escolhidos nos termos do artigo 15.º (artigo 5° da Lei n.º 31/86 de 29 de Agosto).
6. No presente caso, a remuneração dos árbitros e os encargos da arbitragem não foram fixados por acordo das Partes nem resultam de Regulamento que as Partes tenham escolhido.
7. Mas, mesmo considerando o Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara do Comércio e Indústria Portuguesa, os referidos honorários e encargos devem ser "fixados em função do valor da arbitragem", ou seja, “o valor correspondente ao pedido formulado pelo demandante” (art. 47°, n.º 1 do Regulamento), valor que a Demandante não indicou.
8. A sanção pecuniária compulsória não integra o pedido formulado na acção, nada tendo a ver com "a utilidade imediata do pedido", pelo que, não poderá ser o valor de tal sanção a determinar o valor da causa.
9. Os Senhores Árbitros deliberaram, sem consulta das Partes, fixar o valor da causa em 10.000.000 €, recorrendo ao valor da sanção pecuniária compulsória, dele extraindo o entendimento que "as Demandadas poderiam ter lucros diários de 70.000,00 €”, o que a própria demandante negou.
10. Não sendo o valor da acção determinável pela forma que os Senhores Árbitros utilizaram, nada nos autos permite concluir que o valor da acção é consideravelmente elevado, carecendo, portanto, de fundamento também a elevação dos encargos da arbitragem pelo coeficiente de 1,5%, que os Senhores árbitros entenderam fixar.
11. A fixação unilateral do valor da causa significou a determinação dos honorários e encargos da arbitragem em valor superior a 250.000,00 €, com a consequente notificação a cada uma das Partes para efectuarem, provisão inicial no montante de 95.170,00€, posteriormente reduzido para 73.574,60€.
12. Trata-se de um valor de honorários e encargos extraordinariamente elevado e injustificado, que compromete o direito de defesa das Demandadas e o princípio da absoluta igualdade de tratamento das partes consagrados quer na Lei da Arbitragem (art. 16º, als. a) e b) da L. n.° 31/86 de 29 de Agosto), quer na própria Constituição da República Portuguesa (art. 20º).
13. Pois, não tendo a Demandada, ora recorrente depositado a provisão inicial que lhe foi fixada, a respectiva defesa seria, como foi, desatendida. (cfr. art. 53°, n.° 3 do Regulamenta do Centro de Arbitragem Comercial), ficando a mesma impedida de exercer o seu direito de defesa.
14. Situação que, além do mais, é contrária à lei, dado que os honorários dos Árbitros e as despesas da arbitragem deviam ter sido fixados por acordo das partes.e não o foram.
15. Aliás, este regime foi igualmente acolhido no artigo 17° da nova Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro), que, no seu n° 2, permite a fixação do valor pelos árbitros na falta de acordo das partes, mas, logo no seu número 3, prevê, como não podia deixar de ser, a possibilidade de recurso imediato ao tribunal estadual competente para efeito de ser este a fixar em definitivo os honorários dos Árbitros e as despesas da arbitragem em montante adequado.
16. Porém, na hipótese sub iudice, por inaplicabilidade do novo regime da arbitragem, a decisão unilateral dos Senhores Árbitros sobre honorários e encargos não pôde ser objecto de apreciação imediata pelo tribunal estadual competente, ficando assim prejudicada a defesa da Demandada, ora recorrente, que só agora pode impugnar a referida decisão.
17. Foi feita errada interpretação do disposto nos artigos 3°, n.º 8 da Lei 62/2011 de 12 de Dezembro, 5° da Lei 31/86 de 29 de Agosto e 305°nº 1 do CPC, os quais deveriam ter sido interpretados no sentido de que os honorários dos árbitros e os encargos do processo deveriam ser fixados por acordo das partes e não por deliberação unilateral dos árbitros e que a sanção pecuniária compulsória não integra o pedido, não podendo ser o montante sugerido para a mesma a determinar o valor da causa.
18. Foram violadas as alíneas a) e b) da Lei da Arbitragem, L. nº 31/86 de 29 de Agosto, e o artigo 20° da Constituição da República Portuguesa (art. 20º).
II - DO DESPACHO SANEADOR - A) a excepção da Incompetência do tribunal arbitral
19. Está provado que “As autorizações de introdução no Mercado (AIM) do genérico "M... “E”" foram concedidas à Demandada em 28 de Dezembro de 2009"(cfr. al. T) da "Matéria Assente").
20. Das disposições conjugadas do artigo 9°, n°2, do artigo 2°, e do artigo 3°, n.° 1 da Lei 6212011, com o artigo 15°-A do D.L. nº 176/2006, de 30 de Agosto, resulta que ficaram excluídos da submissão à arbitragem necessária quer os litígios iniciados anteriormente a 17 de Dezembro de 2011, quer os litígios referentes a medicamentos para os quais, em 17 de Dezembro de 2011, já tivesse sido proferida, designadamente, a decisão de autorização de introdução no mercado (AIM).
21. Logo, o litígio objecto da presente acção arbitral, no que à Demandada, ora recorrente, respeita, não está sujeito a arbitragem necessária, pelo que o Tribunal Arbitral é incompetente para julgar o presente litígio no que respeita aos medicamentos genéricos da Demandada, ora recorrente, o que implica a absolvição da mesma da instância arbitral.
22. Foi feita errada interpretação do disposto nos artigos 9°, n°2, 2°, e 3°, nº 1 da Lei 62/2011, os quais deveriam ter sido interpretados no sentido de o litígio sub iudice, no que respeita à Demandada, ora recorrente, não estar sujeito a arbitragem necessária, sendo da competência dos Tribunais judiciais.
II - DO DESPACHO SANEADOR – B) Competência do Tribunal Arbitral para conhecer da Excepção da Nulidade da Patente
23. A questão da nulidade da Patente foi suscitada como defesa no âmbito da presente acção e com efeitos confinados à mesma, não tendo sido requerido, em reconvenção, que o Tribunal Arbitral declarasse a nulidade da Patente fora da presente acção, caso em que a nulidade teria de ser declarada por sentença judicial, nos termos do artigo 35°, n.º 1 do Cód. da Propriedade Industrial.
24. Assim, neste caso, a invocação da nulidade da Patente não extravasa o âmbito da defesa, pelo que, o Tribunal Arbitral é competente em razão da matéria para conhecer e decidir da referida excepção por respeitar ao litígio emergente da invocação da patente.
25. Tendo-se julgado incompetente, o Tribunal fez errada aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 35º do Código da Propriedade Industrial, o qual não se aplica à hipótese sub iudice, pois a questão da nulidade da patente foi suscitada, apenas, como excepção, no âmbito da defesa.
III - DA SENTENÇA FINAL – C) A caducidade da Arbitragem
26. A presente arbitragem foi iniciada por carta da Demandante de 31-01-2012, tendo o último árbitro sido nomeado em 16-04-2012.
27. O prazo para a decisão do Tribunal Arbitral é de 6 meses a contar da data de designação do último árbitro, se outro não for fixado por acordo das partes (n.°s 2 e 3 do artigo 19° da Lei 31/86).
28. As partes não intervieram na fixação do prazo para a decisão arbitral, nem deram o seu acordo à prorrogação do mesmo.
29. A sentença final recorrida foi proferida em 26-11-2012, portanto, mais de 7 meses após a nomeação do último árbitro.
30. Logo, quando o Tribunal Arbitral proferiu a douta sentença recorrida, já não dispunha de poderes para o fazer, em virtude de se encontrar caducada a arbitragem, por força do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 4° da Lei 31/86.
III - DA SENTENÇA FINAL - D) A falta de fundamentação de facto da sentença
31. Quando a Lei exige a fundamentação do julgamento sobre a matéria de facto, nela há-de incluir-se a exposição da factualidade provada (e não provada), bem como a análise critica das provas com especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
32. A douta sentença recorrida limitou-se a enumerar os factos provados e a acrescentar que nada mais se provou com interesse para a decisão da causa, o que constitui total omissão quanto à "análise crítica das provas de cada facto com especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador".
33. Na verdade, o Tribunal Arbitral não indicou na sentença quais os depoimentos e documentos que o impressionaram e em que medida, nem indicou e justificou aqueles que mais contribuíram para alicerçar a sua convicção e determinaram o sentido da decisão da matéria de facto que proferiu, o que constitui violação do disposto no n.° 3 do art. 23° da Lei 31/86, de 29 de Agosto e do n.° 2 do artigo 659º do CPC.
III — DA SENTENÇA FINAL - E) A condenação no 1º pedido formulado pela Demandante de abstenção de explorar o medicamento genérico enquanto vigorar a Patente e o CCP.
34. A Demandada, ora recorrente, apresentou a sua contestação nos presentes autos, a qual, no entanto, não foi atendida porque a Demandada não pagou os preparos.
35. As Partes, Demandante e Demandadas, não assinaram entre si qualquer convenção de arbitragem, nem estiveram presentes na reunião de instalação do Tribunal Arbitral, peio que, nenhuma das Partes se pronunciou acerca dos honorários dos Árbitros e encargos da arbitragem, nem acerca da aplicação a tal matéria do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e suas tabelas anexas.
36. Apesar da oposição de todas as Demandadas e até da Demandante quanto ao valor fixado à causa pelos Senhores Árbitros, o certo é que estes não só mantiveram o valor da causa nos 10.000.000,00€, como também elevaram os encargos de arbitragem peio coeficiente de 1,5%.
37. Utilizando as Tabelas anexas ao Regulamento do CAC, os Senhores Árbitros, por via do valor que unilateralmente fixaram, determinaram a fixação dos encargos da arbitragem no valor total de 271.122.25€ sendo, respectivamente, Honorários para cada árbitro: 45.750,00€ x 1,5 (majoração) = 68.625,00€ + IVA = 84.408,75€; Soma dos honorários dos árbitros: 84.408,75€ x 3 = 253.226,25€; Encargos administrativos: 11.200,00€ + IVA = 18.696€; Total: 271.922,25€.
38. Consequentemente, foram as Partes notificadas para pagarem provisão inicial no montante de 95.170,00€, cada, provisão posteriormente reduzida para 73.574,60€.
39. O valor de honorários e encargos fixado carece de justificação e é extraordinariamente elevado, comprometendo irremediavelmente o direito de defesa das Demandadas e o princípio da absoluta igualdade de tratamento das partes consagrados quer na lei da arbitragem (art. 16°, als a) e b) da L n.° 31/86 de 29 de Agosto), quer na Constituição da República Portuguesa (art. 20º).
40. Tendo a Demandada ficado privada do seu direito de defesa por não ter depositado a provisão de 73.574,60€, quantia que, funcionando como condição do exercício do direito de defesa, constitui uma barreira praticamente intransponível para uma empresa portuguesa na actual conjuntura económica.
41. Sendo certo que, se acção corresse num Tribunal judicial, mesmo que o valor da acção fosse de 10.000.000,00€, a taxa de justiça a pagar com a contestação e portanto para assegurar o exercício do direito de defesa - seria, no máximo, de 1632,00€ (cfr. Regulamento das Custas Processuais, Tabela I, n.° 13).
42. Aliás, se esta regra, do mais elementar bom senso, não fosse assumida pelo Legislador, ficava totalmente frustrado quer o direito de acesso aos Tribunais, quer o direito de defesa previstos no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa e, relativamente a este último, estava encontrada a forma de os demandantes economicamente mais poderosos obterem ganho de causa independentemente da bondade da demanda.
43. Contrariando tal regra, nos presentes autos, o que sucedeu foi que a Demandada, ora recorrente, para exercer o seu direito de defesa, teria de pagar uma provisão inicial de valor 45 vezes superior ao valor máximo fixado pela Lei para o exercício do direito de defesa perante os Tribunais Estaduais.
44. O que, na prática, constituiu um obstáculo processual injustificado ao exercício do direito de defesa da mesma Demandada, violando frontalmente o disposto no artigo 16° da Lei 31/86 e no artigo 20° da CRP, os quais deveriam ter sido interpretados no sentido de ser assegurado às Demandadas o direito defesa mediante o pagamento de um preparo inicial de valor razoável, designadamente, de valor equivalente ao máximo devido perante os Tribunais Estaduais.
45. A violação das referidas normas implica a anulação da douta sentença recorrida, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 27° da referida Lei 31/86.
III - DA SENTENÇA FINAL — F) A condenação no 2º pedido formulado pela Demandante de não transmissão a terceiros das AlMs relativas aos medicamentos genéricos.
46. As concessões de AIMs (Autorizações de Introdução no Mercado) constituem actos administrativos, estando a transferência de titular das AIMs expressamente prevista no artigo 37° do EM e dependente de decisão, apenas, do INFARMED.
47. Como está, actualmente clarificado por via legislativa, a AIM nada tem a ver com o direito emergente de Patente ou de um CCP.
48. Por imposição do disposto no n.° 2 da Lei 62/2011 de 12 de Dezembro, com acolhimento na Acta da Instalação da presente arbitragem, o objecto da mesma é o litígio emergente de direito de propriedade industrial relativo à substância activa M....
49. Não faz parte do objecto da presente arbitragem a transmissão de AlMs, nem, legalmente, poderia fazer, pois, trata-se de matéria de natureza administrativa da competência exclusiva do INFARMED.
50. Além disso, a transmissão de uma AIM não é, nem pode em caso algum ser, considerada conduta violadora de uma patente, tal como o não é a própria emissão de uma AIM.
51. Logo, o Tribunal não podia conhecer da questão da transmissão das AIMs, estando, por isso, a decisão que condenou as Demandadas a não transmitirem a terceiros as AlMs em causa nos autos ferida de nulidade insanável, por violação do disposto no artigo 27°, n.º 1 al. e) da Lei 31/86 de 29 de Agosto, anulação que, no caso em análise, só pode ser "apreciada no âmbito do presente recurso" (artigo 27°, n.° 4 da Lei 31/86).
52. Além disso, não existem nos autos quaisquer indícios de que as Demandantes se preparam para proceder à transmissão de AlMs, pois a Demandante nada alegou nesse sentido.
III - DA SENTENÇA FINAL — G) A omissão de fundamentação da decisão que condenou as Demandadas a não transmitirem a terceiros as AlMs relativas aos medicamentos genéricos.
53. Acresce que o segmento da douta decisão recorrida que condenou as Demandantes a não transmitirem as AlMs a terceiros surge desacompanhado de qualquer fundamentação, pois, na enumeração dos factos provados, (págs. 25 a 57), nem sequer surge como provado qualquer facto que fundamente tal decisão.
54. A omissão de fundamentação constitui violação do disposto no artigo 23º, n.º 3 da Lei 31/86, de 29 de Agosto, determinando a anulação da sentença, de harmonia com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 27 da Lei 31/86, anulação que, no caso em análise, só pode ser "apreciada no âmbito do presente recurso" (artigo 27°, n.° 4 da Lei 31/86).
III — DA SENTENÇA FINAL — H) A fixação de sanção pecuniária compulsória
55. A sanção pecuniária compulsória "visa assegurar o respeito e o cumprimento das decisões judiciais", não tendo natureza de indemnização,
56. No caso sub iudice não existe "uma violação actual ou a ameaça de uma violação iminente do direito de patente ou certificado complementar relativos à referida substância activa'.
57. Além disso, não resulta do artigo 2° da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro nem de compromisso arbitral, nem sequer da Acta de Instalação do Tribunal Arbitral que, no âmbito do objecto da arbitragem estejam incluídos poderes para fixar sanção pecuniária compulsória, logo, o Tribunal não podia fazê-lo, sob pena de violar o disposto no artigo 27°, n.° 1 al. e) da Lei 31/86 de 29 de Agosto.
58. Foi feita errada interpretação do disposto no artigo 2° da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, conjugadamente com o disposto no 27°, n.° 1 al. e) da Lei 31/86 de 29 de Agosto, os quais deveriam ter sido interpretados no sentido de carecer o Tribunal Arbitral de competência para fixar uma sanção pecuniária compulsória.
A apelante terminou pedindo que fosse proferido acórdão que, concedendo provimento ao recurso, revogasse quer as decisões interlocutórias, quer a sentença arbitral recorridas, substituindo-as por acórdão que julgasse em conformidade as questões suscitadas.
A apelada/demandante apresentou contra-alegações, em que rematou com as seguintes conclusões:
A. A Recorrente, sem colocar verdadeiramente em causa a decisão de mérito tomada pelo Tribunal Arbitral, limita-se a "disparar em todas as direções" por via de argumentos formais, na tentativa de obter, por essa via, o que não pode obter por lhe faltar razão substantiva para tanto, que é a revogação das decisões recorridas, porém, sem qualquer razão.
B. Não se verifica qualquer erro de interpretação dos artigos 9.°, n.° 2, 2.° e 3.°, n.° 1 da Lei n.° 62/2011, no Despacho Saneador, relativamente à exceção de incompetência deduzida pela Recorrente. Ainda que se admita que as AIMs requeridas pela Recorrente ao Infarmed lhe tenham sido efetivamente concedidas em 28 de dezembro de 2009, tal facto em nada prejudica a arbitrabilidade da questão dos autos e a competência do Tribunal para julgar o litígio no que respeita a tais AIMs, o que resulta, não do n.° 2 do seu artigo 9.º, como pretende a Recorrente, mas antes pelo seu artigo 2.º.
C. Afigura-se inteiramente correto o entendimento deste Tribunal Arbitral, ao declarar-se incompetente para apreciar a invalidade da PT ..., pois a questão da invalidade de uma patente é matéria não arbitrável. Ora, o único meio facultado pelo CPI para a elisão da presunção de validade de um título de propriedade industrial é a ação de nulidade ou de anulação, a intentar pelo Ministério Público ou por qualquer interessado junto do Tribunal competente que é o Tribunal da Propriedade Industrial. A decisão invalidante proferida nessa ação pelo Tribunal da Propriedade Intelectual é sujeita a registo e publicação e produz efeitos extintivos do direito de propriedade industrial em causa, oponíveis erga omnes. A vingar a tese de que a invalidade de uma patente ainda não declarada pelo Tribunal da Propriedade Intelectual poderia ser apreciada no âmbito de uma ação arbitral, abrir-se-ia a porta à prolação de decisões contraditórias, considerando uns tribunais a sua invalidade e negando outros tal circunstância.
D. A arbitragem não caducou pela circunstância de se ter iniciado 16.04.2012 e a decisão final ter sido proferida apenas em 26.11.2012, pois na Ata de Instalação Tribunal ficou expressamente previsto que, não havendo oposição das partes, o prazo da arbitragem passaria a ser de 12 meses, atenta a previsível complexidade da mesma. Nenhuma das Demandadas se opôs a tal prorrogação.
E. É manifesta a confusão que a Recorrente faz entre os requisitos previstos para a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 653.° do CPC e os requisitos previstos para a sentença, nos termos do artigo 659.° do mesmo Código. Na situação em apreço, a sentença proferida foi-o num processo de natureza arbitral existindo normas especiais sobre a tramitação deste tipo de processos e elaboração da respetiva sentença. A decisão recorrida em nada contraria o disposto no artigo 23.°, n.° 3 da LAV, nem o disposto no artigo 38.° alínea e) do Regulamento de Arbitragem, aqui subsidiariamente aplicáveis. Ao contrário do que a Recorrente pretende, a sentença encontra-se perfeitamente fundamentada, contendo uma aplicação do direito aos factos julgados provados e uma análise crítica das questões que ao Tribunal Arbitral cumpria solucionar.
F. A Recorrente é livre de questionar o valor dos encargos do processo arbitral, tal como fixados pelo Tribunal Arbitral. O que não se aceita é que a Recorrente venha invocar que se viu privada do seu direito de defesa por não ter pago a provisão que lhe foi solicitada e que tal situação fere a validade de toda a sentença proferida. Nem sequer é correta a alegação de que Recorrente tenha sido privada do seu direito de defesa por não ter pago provisão no valor de € 73.574,60, pois tal valor deveria ser suportado pelo conjunto de quatro Demandadas. Não obstante não se conformar com o valor atribuído à arbitragem, poderia a Recorrente, ainda assim, ter procedido ao pagamento do valor que lhe era solicitado. A falta de pagamento não foi minimamente justificada, pois, em momento algum veio a Recorrente alegar que se encontrava impossibilitada de proceder ao pagamento da provisão que lhe foi requerido, designadamente trazendo aos autos quaisquer elementos que permitissem concluir, por exemplo pela sua debilidade económica-financeira, incapacitante de suportar as despesas decorrentes da via arbitrai. Aliás, continua a não o fazer em sede de recurso, apenas fazendo alusão ao valor extremamente elevado da arbitragem.
G. Nos termos da Lei n° 62/2011 e em concreto do seu artigo 2°, o Tribunal Arbitral constituído no quadro da dita Lei pode e deve conhecer todos os pedidos que lhe sejam formulados por um titular de direitos de propriedade industrial sobre um medicamento de referência, fundado nesses direitos, desde que os oponha a quem pretenda comercializar medicamentos genéricos.
H. O referido segundo pedido da Demandante, aqui Recorrida, é, efetivamente, uma decorrência da causa de pedir nos presentes autos, a qual reside na ameaça de violação dos direitos emergentes da PT ... e do CCP 35 (amplamente provada) em virtude do pedido de obtenção de AIMs para medicamentos genéricos. Não apenas a proibição de transmissão das AIMs é perfeitamente justificada e decorre diretamente do pedido principal da Recorrida, como os factos que foram julgados provados sustentam plenamente tal proibição.
I. Também não existe qualquer motivo para que o Tribunal Arbitral fique amputado de um poder, como é o caso de poder aplicar uma sanção pecuniária compulsória destinada ao constrangimento do devedor a cumprir o que tiver sido determinado na sentença proferida.
Na sua apelação a apelante “C” – Laboratórios ..., S.A., apresentou alegações, que culminou com as seguintes conclusões:
1. Nos termos do acordo de transação celebrado entre a Demandante “A” CANADÁ INC., e a ora recorrente “C” — LABORATÓRIOS ..., S.A., homologado pelo Tribunal Arbitral em 25 de Novembro de 2012, a Recorrente reservou-se a faculdade de impugnar o valor atribuído à arbitragem.
2. A ação arbitral foi intentada pela Demandante ao abrigo do disposto nos art. 2.° e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12. de Dezembro, sendo-lhe aplicável a Lei n.° 31/86 de 29 de Agosto.
3. As partes não assinaram entre si qualquer convenção de arbitragem nem se pronunciaram acerca dos honorários dos árbitros e encargos da arbitragem, nem acerca da aplicação a tal matéria do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e suas tabelas anexas.
4. A adesão ao referido Regulamento resultou de opção, apenas, dos Senhores Árbitros, sem consulta prévia das partes nem ratificação pelas mesmas.
5. Cabia às Partes escolher o centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, cujo regulamento seria aplicável à presente arbitragem (n.º 8 do art. 3.º da mencionada Lei n.° 62/2011, de 12 de Dezembro).
6. "A remuneração dos árbitros e dos outros intervenientes no processo, …, deve ser fixada na convenção de arbitragem, ou em documento particular subscrito peias partes, a menos que resultem dos regulamentos de arbitragem escolhidos nos termos do art. .15.º" (art. 5.° da Lei n.° 31/86 de 29 de Agosto).
7. No presente caso, a remuneração dos árbitros e os encargos da arbitragem não foram fixados por acordo das partes nem resultam de Regulamento que as partes tenham escolhido.
8. Mas, mesmo considerando o Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e lndústria Portuguesa, os referidos honorários e encargos devem ser “fixados em função do .valor da arbitragem”, ou seja, "o valor correspondente ao pedido formulado pela Demandante” (art. 47.° nº 1 do Regulamento), valor que a Demandante não indicou.
9. A sanção pecuniária compulsória não integra o pedido formulado na ação, nada tendo a ver com “a utilidade imediata do pedido”, pelo que não poderá ser o valor de tal sanção a determinar o valor da causa.
10. O fim da sanção pecuniária compulsória não é o de indemnizar os danos sofridos pelo credor (Demandante) mas o de forçar o devedor (Demandada) a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência.
11. Os Senhores árbitros deliberaram, sem consulta das partes, fixar o valor da causa em 10.000.000,00€, recorrendo ao valor da sanção pecuniária compulsória, dele extraindo o entendimento que “as Demandadas poderiam ter lucros diários de 70 000,00€”.
12. Acontece que ainda que a natureza da sanção fosse diversa, a Demandante não demonstrou no seu R.I. quais as vendas anuais do medicamento de referência, qual o lucro associado à sua venda, qual a perda estimada de receitas e a sua relação com a entrada no mercado dos genéricos.
13. Não sendo o valor da ação determinável pela forma que os Senhores Árbitros utilizaram, nada nos autos permite concluir que o valor da ação é consideravelmente elevado, carecendo, portanto, de fundamento também a elevação. dos encargos da arbitragem pelo coeficiente de 1,5% que os Senhores Árbitros entenderam fixar.
14. Além disso, na sentença final o Tribunal Arbitral veio reduzir a sanção pecuniária compulsória de 70.000€ dia para 10,000€/dia, reconhecendo desta forma que os valores que serviram de critério à fixação do valor da causa não tinham qualquer aderência com. a realidade.
15. A tradução da redução operada na sanção pecuniária compulsória na douta sentença sempre implicaria uma correspondente alteração do valor da causa na proporção.
16. Ou seja, a revisão do valor da causa de € 10.000.000 para cerca de € 1.500.000 com a correspondente redução dos encargos da arbitragem, de acordo com o Regulamento do Centro de Arbitragem Comercial de Lisboa, para € 61.438,50.
17. Acresce que no caso específico da “C” a causa não revelou qualquer complexidade, uma vez que esta celebrou um acordo de transação com a Demandante.
.... Por sua vez, a arbitragem em causa — Proc. .../2012/.AHC/AP — é uma entre várias arbitragens com a mesma Demandante, o mesmo painel de árbitros sendo as matérias em discussão exatamente as mesmas.
19. Não obstante o exposto, a “C” entende que o valor a atribuir à ação arbitral em causa deveria corresponder à alçada do Tribunal da Relação, acrescido de um cêntimo (30.001€).
20. Trata-se do valor atribuído a ações de valor indeterminável e a prática dos tribunais (de comércio e administrativos) nos últimos anos apontava para esta solução.
21. A fixação unilateral do valor da causa significou a determinação dos honorários e encargos da arbitragem no valor de € 271.922,25.
22. Trata-se de um valor de honorários e encargos extraordinariamente elevado e injustificado, que compromete o direito de defesa das Demandadas e o princípio da absoluta igualdade de tratamento das partes consagrados quer na Lei da Arbitragem (art. 16.° alíneas a) e b) da Lei n.º 31/86 de 29 de Agosto), quer na própria CRP (art. 20.º).
23. Situação que, além do mais, é contrária à lei, dado que os honorários dos Árbitros e as despesas da arbitragem deviam ter sido fixados por acordo das partes e não o foram.
24. Assim, foi feita uma errada interpretação do disposto nos art. 3.º n.º 8 da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, art. 5.º da Lei 31/86. de 29 de Agosto e 305.º ,n.º 1 do CPC, os quais deveriam ter sido interpretados no sentido de que os honorários dos árbitros. e os encargos do processo deveriam ser fixados por acordo das partes e não por deliberação dos árbitros e que a sanção pecuniária compulsória não integra o pedido, não podendo ser o montante sugerido para a mesma a determinar o valor da causa.
25. Foram violadas as alíneas a) e b) da Lei da Arbitragem; Lei 31/86 de 29 de Agosto, e o art. 20.º da CRP.
A apelante terminou pedindo que o acórdão recorrido fosse parcialmente revogado e revogadas integralmente as decisões interlocutórias proferidas pelo Tribunal Arbitral.
Em relação a esta apelação não foram apresentadas contra-alegações.
Em relação ao seu recurso as apelantes Laboratórios “D”, S.A., e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A. apresentaram alegações em que formularam as seguintes conclusões:
1. A acção arbitral foi intentada pela Demandante nos termos dos artigos 2° e 3° da lei n° 62/2011, de 12 de Dezembro, sendo-lhe aplicável a Lei n° 31/86, de 29 de Agosto.
2. Nas arbitragens necessárias - em que as Partes não celebram previamente nenhum compromisso arbitral ou cláusula compromissória nem escolhem nenhum regulamento de centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado – e em geral nas arbitragens ad hoc, o critério, o quantum e a repartição dos encargos da arbitragem devem ser encontrados por consenso entre as Partes e entre estas e os Árbitros. É o que resulta do artigo 5° da Lei 31/86 e o que resultaria do artigo 17° da Lei 63/2011, caso fosse esta a norma aplicável.
3. Na presente arbitragem, os Árbitros não suscitaram o consenso das Partes quanto aos encargos da arbitragem e atribuíram-se a si próprios o "direito" de os fixar.
4. Na reunião de que resultou a acta de instalação do Tribunal, de 24 de Abril de 2011, os árbitros decidiram que à arbitragem fosse aplicado o Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Industria de Lisboa (adiante designado abreviadamente por Regulamento) e que os honorários e encargos da arbitragem fossem fixados de acordo com o Capítulo VI do Regulamento e seus anexos. O Presidente do Tribunal reservou para si o poder que ao Presidente do Centro de Arbitragem é atribuído pelo Regulamento de majorar os honorários dos árbitros em função da especial complexidade do litígio.
5. As Partes não estiveram presentes nem foram convidadas a participar na aludida reunião.
6. As Partes não assinaram entre si qualquer convenção de arbitragem, não se pronunciaram acerca dos honorários dos árbitros e encargos da arbitragem, nem escolheram nenhum regulamento de centro de arbitragem institucionalizada.
7. O Tribunal não indagou previamente do acordo das Partes quanto aos honorários dos árbitros e demais encargos de arbitragem nem a sua adesão ao Regulamento.
8. O Tribunal nem sequer fez depender essa decisão do acordo posterior das partes, expresso ou presumido, como havia feito quanto ao prazo da arbitragem (cfr. ponto 5 da referida Acta de Instalação).
9. A decisão violou, por isso, o disposto no artigo 5° da Lei 31/86.
10. Por despacho de 27 de Julho de 2012, o tribunal decidiu fixar o valor da causa em € 10.000.000,00.
11. O Tribunal fixou esse valor recorrendo ao valor da sanção pecuniária compulsória requerida pela Demandante, dele extraindo o entendimento que "as Demandadas poderiam ter lucros diários de € 70.000,00.”
12. No entanto, a Demandante, ora recorrida, não indicou na sua petição inicial o valor da causa nem alegou qualquer facto do qual se retire qual a utilidade económica imediata do pedido. A ora recorrida não indicou, por exemplo, o volume de negócios do medicamento de referência, a sua margem de lucro ou a perda estimada de receitas perante uma eventual comercialização dos genéricos a ele referidos.
13. Pelo contrário, a própria Demandante entende que o valor da causa "excede em muito o valor económico do processo" (cfr. requerimento da Demandante de 10 de Agosto de 2012).
14. Devia o Tribunal ter convidado a Demandada a indicar o valor que atribuía à causa (cfr. artigo 314° n° 3 do Código de Processo Civil). Não o fez.
15. Um valor peticionado para uma sanção pecuniária compulsória é algo totalmente desadequado à determinação da utilidade económica imediata do pedido. Sobretudo quando é o próprio tribunal a considera-lo iníquo e desajustado, pois veio a fixá-la na sentença final em € 10.000,00 por dia.
16. Entende a Recorrente que o valor a atribuir à acção arbitral em causa deve corresponder à alçada do Tribunal da Relação, acrescido de um cêntimo (€ 30.000,01), por se tratar de uma acção de valor indeterminável. A prática dos tribunais administrativos e judiciais tem adoptado pacificamente este critério em litígios relativos a AIM's de medicamentos genéricos. O mesmo critério tem sido adoptado na maioria das causas sujeitas a arbitragem necessária.
17. Caso este Venerando Tribunal entenda que o montante da sanção pecuniária compulsória seja idóneo para a determinação da utilidade económica imediata do pedido — o que por raciocínio e vénia se coloca — então tal deveria ser determinado tendo em consideração, não o valor de € 70.000,00/dia, mas o valor de € 10.000,00/dia, que a final veio a ser fixado pelo tribunal recorrido.
18. Ao decidir como decidiu, o despacho de 27 de Outubro de 2012, confirmado pelos despachos datados de 29-08-2012 e de 18-08-2012, violou as regras legais aplicáveis para a determinação do valor da causa, maxime, artigo 305° do Código de Processo Civil.
19. Por despacho de 29 de Agosto de 2012, o Tribunal Arbitral decidiu qualificar a arbitragem como complexa para efeitos de majoração dos honorários os árbitros em 150%., por entender que a demanda arbitral era complexa e implicava a resolução de questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica e podiam implicar a análise combinada de questões de âmbito muito diverso.
20. As partes — sem excepção — opuseram-se a este entendimento.
21. Inicialmente, a presente arbitragem foi intentada em coligação contra cinco demandadas. No entanto, quanto a uma (“B”), o tribunal limitou-se a reconhecer a inutilidade superveniente da lide antes de iniciar o julgamento e discussão da causa. Quanto a outra (“C”), o tribunal homologou transação celebrada e comunicada ao Tribunal antes de proferida sentença final. Quanto a outra (Laboratórios “E”), o tribunal desconsiderou a contestação apresentada, eliminou os respectivos quesitos da base instrutória e impediu a respectiva produção de prova, por ausência de pagamento de preparos. Quanto às ora Recorridas, haviam informado atempadamente o tribunal de que não pretendiam contestar a acção, sujeitando-se por isso à cominação de não iniciar a exploração industrial ou comercial dos medicamentos genéricos na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados pela Recorrida nos termos do n° 2 do artigo 3º da Lei 62/2011.
22. Quanto às ora Recorridas, é evidente que o processo se não revestia de qualquer complexidade.
23. E quanto às demais demandadas, as vicissitudes posteriores acima referidas vieram a confirmar a ausência da decidida complexidade.
24. Como supra referido, quer na fixação dos honorários quer na decisão da sua majoração foi violado o disposto no artigo 5° da Lei 31/86.
25. Entendem as ora Recorrentes que este venerando Tribunal da Relação de Lisboa tem poderes para sindicar a decisão de 29 de Agosto de 2012, de qualificar a arbitragem como complexa para efeitos de majoração dos honorários os árbitros em 150%. O que se requer.
26. Após a notificação do pedido arbitral, as Recorrentes (i) informaram o Tribunal que não reconheciam a existência de um litígio entre as partes, que não pretendiam contestar a acção, que se sujeitavam à cominação de não iniciar a exploração industrial ou comercial dos medicamentos genéricos na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados pela Recorrida e (ii) requereram que o Tribunal proferisse decisão nos termos do n° 2 do artigo 3º da Lei 62/2011, prosseguindo o processo quanto às restantes demandadas.
27. No despacho de 29 de Agosto de 2012, o Tribunal Arbitral decidiu que o processo haveria de prosseguir contra as ora Recorrentes, sem considerar a omissão da contestação. E na sentença condenou as Recorridas a absterem-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o M... Sódico, enquanto a patente PT ... ou o CCP 35 se encontrarem em vigor, ou seja, até 17 de Agosto de 2014; e ainda, com vista a garantir o exercício das Demandantes, a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na petição, até à caducidade dos direitos ora exercidos. Condenou ainda as ora Recorrentes a pagar à Demandante, por cada dia de violação no cumprimento da condenação, a quantia de € 10,000,00 por dia, a título de sanção compulsória. E condenou cada uma das ora Recorrentes em 1/6 das custas.
28. Resulta dos n°s 2, 3 e 6 do artigo 3º da Lei 62/2011 que o processo arbitral só prossegue caso seja deduzida contestação. Não tendo sido deduzida contestação, deve o tribunal arbitrai limitar-se a notificar essa falta, por meios electrónicos, as partes, o INFARMED, 1. P., e o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, I. P..
29. A lei estabelece assim uma cominação que se traduz numa verdadeira inutilidade superveniente da lide, que não foi reconhecida pelo Tribunal, em violação dos n°s 2, 3 e 6 do artigo 3º da Lei 62/2011.
30. Não existindo violação efectiva nem receio de ameaça futura dos direitos de propriedade industrial da ora Recorrida, como consequência da declaração das Recorrentes de inexistência de litígio e de não dedução da contestação, resulta evidente que foi a Demandante que deu causa à acção.
31. A decisão arbitral, ao condenar cada uma das ora Recorridas em 1/3 das custas, violou o n° 1 do artigo 446 do Código de Processo Civil.
As apelantes terminaram pedindo que fosse proferido acórdão que revogasse parcialmente o acórdão recorrido e integralmente as decisões interlocutórias impugnadas.
Relativamente a esta apelação a demandante contra-alegou tendo redigido as seguintes conclusões:
A. Não pretende a Recorrida, na presente Alegação, discutir o valor atribuído à causa e o montante global dos honorários dos Exmos. Senhores Árbitros, ou ainda a elevação destes honorários, fundada na complexidade do processo, mas não pode deixar de discutir a responsabilidade que cabe às Recorrentes na repartição das custas do processo arbitral e o equívoco em que as Recorrentes incorrem no seu recurso ao defender que o Tribunal não deveria ter ordenado a prossecução dos autos após não dedução de contestação pelas Recorrentes.
B. É evidente que não há, nem teria de existir, qualquer convenção arbitral acordada entre as partes, uma vez que é a lei que impõe que, nos termos do disposto no artigo 2.° da Lei 62/2011, os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência, como é o caso dos medicamentos da Recorrida, e medicamentos genéricos, como é o caso dos medicamentos das Recorrentes “D” e “F”, ficam sujeitos a arbitragem necessária.
C. O objeto do presente litígio é, nos termos da Ata de Instalação do Tribunal Arbitral de 26 de abril de 2012, a eventual violação das patentes e certificados complementares de proteção, relativos à substância ativa "M...".
D. Se devidamente notificadas do teor de tal Ata, nada disseram, é porque se conformaram com as respetivas regras, designadamente quanto à existência de um litígio, quanto ao objeto do litígio e quanto ao regulamento subsidiariamente aplicável.
E. No artigo 1°, n.° 2 da Lei n.° 62/2011, consagra-se o efeito cominatório pleno da revelia do demandado (falta de contestação), no caso em que o pedido formulado seja, coincidentemente, o de condenação à não comercialização dos genéricos abrangidos pelo litígio, pelo que é indiscutível que as Demandantes não contestantes deveriam ser condenadas no primeiro dos pedidos formulados pela Recorrida na sua petição inicial.
F. Sucede que o âmbito de intervenção do Tribunal Arbitral não inclui apenas a decisão sobre se as Demandadas poderiam ou não iniciar a exploração industrial ou comercial dos seus medicamentos genéricos enquanto os direitos de propriedade industrial da Recorrida se mantivessem vigentes, pois, nos termos do disposto no artigo 2.° da Lei n.° 62/2011, a arbitragem abrange todos os litígios emergentes de direitos de propriedade industrial que estejam relacionados com medicamentos de referência e com medicamentos genéricos.
G. A falta de contestação tem, quanto a esses pedidos, os efeitos previstos no artigo 22.° do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Comercial, aplicável subsidiariamente ao presente processo, pelo que, quanto a tais pedidos, devem os autos prosseguir para sua apreciação de facto e de direito, aplicando-se quanto aos factos as regras sobre o ónus da prova que ao caso couberem.
H. A notificação ao INFARMED e ao INPI prevista no artigo 3.°, n.° 6 da Lei 62/2011 é um mero passo processual dentro da instância, i.e., o Tribunal arbitral pode dar logo nota ao INFARMED e ao INPI da não dedução de contestação e de seguida proferir decisão que o consagre; é que sendo deduzida contestação não haverá, de forma imediata, uma comunicação precisa a efetuar a esses dois órgãos porque dependerá da prova produzida.
I. As Recorrentes não têm razão quando defendem que os custos da arbitragem devem ser integralmente suportados pela Recorrida, por alegadamente aquelas não terem dado causa à ação arbitrai e não existir litígio entre a Recorrida e as Demandadas nem convenção arbitrai entre as partes.
J. A propositura da presente ação arbitral não correspondeu ao exercício de um direito potestativo, sendo irrelevante para esse propósito a circunstância de o pedido de AIM ser ou não um ato ilícito ou de existir ou não violação/ ameaça de violação dos direitos da Recorrida.
K. As Recorrentes são, quanto ao pedido principal e que fundamenta a instauração da presente ação arbitral, e aos restantes dois (que são uma consequência lógica daquele), parte vencida, pois a Recorrida apenas não obteve integral provimento quanto ao terceiro pedido, uma vez que o valor fixado a título de sanção pecuniária compulsória foi inferior ao valor peticionado.
L. Pelo que sempre haveria de ser, como foi, condenada no pagamento dos encargos da arbitragem; e, se não na sua totalidade, pelo menos na sua maioria.
M. Por outro lado, nem sequer é exato que não haja litígio entre as partes e que as Demandadas, designadamente a “D” e a “F”, não tenham, de forma alguma, dado causa à ação.
N. Não se verifica qualquer violação do artigo 446.º, n.º 1 do CPC, muito pelo contrário, pois foi o pedido das AlMs dos autos que desencadeou a propositura dos presentes autos arbitrais — pedido esse que, recorrendo à gráfica expressão do Professor Alberto dos Reis, corresponde à materialização do facto de que a ação emerge e que é imputável às Recorrentes.
A recorrida terminou afirmando que as decisões impugnadas não mereciam qualquer censura.
Na segunda apelação da demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. esta apresentou motivação em que formulou as seguintes conclusões:
1. A acção arbitral foi iniciada ao abrigo do disposto nos artigos 2º e 3º da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro, sendo-lhe aplicável a Lei n.º 31/86 de 29 de Agosto, atenta a data do seu início.
2. As Partes não assinaram entre si qualquer convenção de arbitragem, nem estiveram presentes na reunião de instalação do Tribunal Arbitral, pelo que, nenhuma das partes se pronunciou acerca dos honorários dos Árbitros e encargos da arbitragem, nem sobre a aplicação do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e suas tabelas anexas.
3. A adesão ao referido Regulamento resultou de opção, apenas, dos Senhores Árbitros, sem consulta prévia das partes, nem posterior ratificação pelas mesmas.
4. Além disso, as Partes não receberam o projecto da Acta de Instalação do tribunal arbitral para apreciação e aprovação; nem a versão definitiva da Acta de Instalação que lhes foi enviada foi acompanhada de qualquer pedido de ratificação; nem sequer da advertência de que, se nada dissessem, ficariam vinculados às obrigações para si emergentes da mesma Acta.
5. Logo, as Partes, em matéria de honorários dos Árbitros e encargos administrativos, não estão vinculados a cumprir as disposições do Regulamento do Centro da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.
6. Tendo em conta o disposto nos artigos 446, nº 1, 659º, n.º 4 do CPC e 29º n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais, conjugadamente com o n.º 7 do artigo 2º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, que estabelece a possibilidade de recurso para o Tribunal da Relação da decisão arbitral, a conta de liquidação de encargos no processo arbitral só deverá ser elaborada após o trânsito em julgado da decisão final, dado que foram interpostos recursos dessa decisão.
7. Logo, a liquidação dos encargos do processo arbitral é temporã, tendo tal extemporaneidade sido oportunamente suscitada pela ora recorrente e pela Demandada Laboratórios “D” e “F”, que requereram que a respectiva conta fosse considerada sem efeito.
8. Requerimento que foi indeferido pelo douto despacho ora recorrido, o qual, no entender da ora Recorrente fez errada interpretação do disposto no artigo 2º, n.º 7 e no artigo 3º, n.º8 da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, do disposto no artigo 5º da Lei 31/86 de 29 deAgosto e o n.º 1 do artigo 29º do Regulamento das Custas Processuais, os quais deveriam ter sido interpretados no sentido de que a conta de liquidação dos encargos do processo arbitral só deverá ser elaborada após o trânsito em julgado da douta sentença arbitral.
A apelante terminou pedindo que se revogasse o despacho de 7 de janeiro de 2013 e se declarasse sem efeito a “liquidação de encargos da Arbitragem” efectuada em 13 de dezembro de 2012.
Como se disse supra, em relação a esta apelação não houve contra-alegações.
FUNDAMENTAÇÃO
As questões a apreciar nas supra referidas apelações, que irão ser apreciadas conjuntamente, são as seguintes: valor da ação e, consequentemente, dos honorários dos árbitros e encargos do processo; incompetência do tribunal arbitral para julgar o litígio no que diz respeito à demandada Laboratórios “E”; competência do tribunal arbitral para apreciar, em sede de exceção, a nulidade da patente; caducidade da arbitragem; falta de fundamentação da sentença final; condenação da demandada Laboratórios “E” no primeiro pedido formulado pela demandante; condenação na não transmissão a terceiros das AIMs relativas aos medicamentos genéricos; condenação em sanção pecuniária compulsória; responsabilidade das demandadas Laboratórios “D” S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A., nas custas da arbitragem; extemporaneidade da nota de liquidação de encargos da arbitragem.
Atendendo a que a decisão do tribunal arbitral quanto à matéria de facto não foi impugnada, nem há qualquer alteração a fazer nessa vertente, nessa parte remete-se para o acórdão arbitral (art.º 663.º n.º 6 do CPC), sem prejuízo dos aditamentos que se mostrarem pertinentes para a apreciação de cada uma das questões suscitadas nos recursos.
Primeira questão (valor da ação e, consequentemente, dos honorários dos árbitros e encargos do processo)
Na apreciação desta questão, além do factualismo narrado no Relatório supra, importa considerar que:
1. Na ata de instalação do tribunal arbitral, em que apenas participaram os juízes-árbitros, ficou consignado, no ponto 6, sob a epígrafe “Encargos de arbitragem”:
Em matéria de honorários dos Árbitros, e encargos administrativos, é aplicável o Capítulo VI do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, e suas tabelas anexas, cabendo ao Presidente do TA decidir sobre as matérias aí remetidas para o Presidente do Centro de Arbitragem.
As provisões para os honorários e encargos, a adiantar pelas Partes, serão fixadas logo que haja elementos indicadores do seu montante provável, reportado ao valor da causa, que será fixado pelo TA.”
2. A invenção constante da Patente da demandante representa um valor de vendas anuais do medicamento em Portugal de vinte milhões de euros (n.º 68 dos factos dados como provados pelo tribunal arbitral, em resposta ao art.º 51.º da base instrutória).
O Direito
A Lei n.º 62/2011, de 12.12, introduziu alterações ao Estatuto do Medicamento (aprovado pelo Dec.-Lei n.º 176/2006, de 30.8) e ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos (aprovado pelo Dec.-Lei n.º 48-A/2010, de 13.5) e criou um regime de arbitragem necessária para a resolução dos litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos.
No que concerne à resolução jurisdicional dos litígios e tendo em vista a mesma, introduziu-se no Estatuto do Medicamento o art.º 15.º-A, nos termos do qual o Infarmed deve publicitar na sua página eletrónica todos os pedidos de autorização, ou registo, de introdução no mercado de medicamentos genéricos, devendo a publicitação conter o nome do requerente da autorização de introdução no mercado, a data do pedido, a substância, dosagem e forma farmacêutica do medicamento e o medicamento de referência. A título de norma transitória, no art.º 9.º n.º 2 da Lei n.º 62/2011 determinou-se que o Infarmed deveria, no prazo de 30 dias após a entrada em vigor da lei, efetuar a publicitação referida no art.º 15.º-A, respeitante aos medicamentos para os quais ainda não tivesse sido proferida pelo menos uma das decisões de autorização de introdução no mercado, do preço de venda ao público ou de inclusão na comparticipação do Estado no preço dos medicamentos.
Por sua vez o art.º 2.º da Lei n.º 62/2011 determina que “os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência (…) e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou de certificados complementares de protecção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada.” E o interessado que pretenda invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos deste artigo deve fazê-lo no prazo de 30 dias a contar da dita publicitação, junto do tribunal arbitral institucionalizado ou efetuando pedido de submissão do litígio a arbitragem não institucionalizada (art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 62/2011).
A Lei n.º 62/2011 densifica o aludido regime de arbitragem necessária pela seguinte forma:
As provas deverão ser oferecidas pelas partes com os respetivos articulados (n.º 3 do citado art.º 3.º); após a apresentação da contestação será designada data para a audiência de produção da prova que haja de ser produzida oralmente (n.º 4 do art.º 3.º); a audiência deverá ter lugar no prazo máximo de 60 dias posteriores à apresentação da oposição (n.º 5 do art.º 3.º); da decisão arbitral caberá recurso para o Tribunal da Relação competente (n.º 7 do art.º 3.º). Em tudo o que não for expressamente contrariado pelo disposto nos aludidos números do art.º 3.º da Lei n.º 62/2011, será aplicável o regulamento do centro de arbitragem, institucionalizado ou não institucionalizado, escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime geral da arbitragem voluntária (n.º 8 do art.º 3.º). No n.º 2 do art.º 3.º ora em análise estipula-se que a não dedução de contestação à ação arbitral, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado genérico “não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direito de propriedade industrial invocados nos termos do n.º 1.
Este regime é justificado, na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 13/XII (que deu origem à Lei n.º 62/2011), através da constatação de que “tem vindo (…) a assistir-se a um vasto conjunto de litígios judiciais a respeito da concessão da autorização de introdução no mercado, da autorização do preço de venda ao público e da autorização da comparticipação do Estado no preço dos medicamentos relacionados com a subsistência de direitos de propriedade industrial a favor de outrem” e de que “no entanto, a questão de saber se existe, ou não, violação de direitos de propriedade industrial depende de sentença a proferir pelos tribunais”. Assim, a intenção do Governo foi “estabelecer um mecanismo alternativo de composição dos litígios que, num curto espaço de tempo, profira uma decisão de mérito quanto à existência, ou não, de violação dos direitos de propriedade industrial”, para isso instituindo o recurso à arbitragem necessária. A preocupação de celeridade é enfatizada na Exposição de Motivos, onde se pode ler que “ainda com o objectivo de promover a celeridade, estabelecem-se prazos para a instauração do processo e para a oposição, contados da publicitação pelo INFARMED, I. P., do pedido de autorização de introdução no mercado. (…). Adopta-se, ainda, uma tramitação consentânea com a preocupação de celeridade, com garantia pelo devido contraditório das partes, bem como o direito a uma instância de recurso, fixando-se o efeito meramente devolutivo do mesmo, de modo a manter os efeitos da decisão arbitral até à decisão que sobre o mesmo recair.”
O legislador impõe, pois, que os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos sejam sujeitos a arbitragem necessária. O recurso à arbitragem para a resolução de litígios nesta área não assenta, contrariamente à arbitragem voluntária, na vontade das partes, na autonomia privada. De todo o modo, naquilo que não é expressamente regulado no art.º 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12.12, a lei manda aplicar o regulamento do centro de arbitragem escolhido pelas partes e, subsidiariamente, o regime geral da arbitragem voluntária. Aliás, também o Código de Processo Civil estipula, quanto ao tribunal arbitral necessário, que em tudo o que não vai especialmente regulado observar-se-á, na parte aplicável, o disposto na lei da arbitragem voluntária (art.º 1528.º do CPC de 1961, art.º 1085.º do CPC de 2013).
In casu, as partes não escolheram qualquer regulamento de centro de arbitragem, tendo procedido à constituição de um tribunal arbitral ad hoc, composto por um árbitro designado pela demandante, um árbitro designado pelas demandadas e um árbitro escolhido pelos árbitros, que ficou a presidir ao tribunal arbitral.
A este processo não se aplica a atual Lei de Arbitragem Voluntária (NLAV), aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14.12, mas sim a anterior Lei de Arbitragem Voluntária (LAV), contida na Lei n.º 31/86, de 29.8, uma vez que o processo tendente à realização da arbitragem iniciou-se antes de 15.3.2012 e as partes não manifestaram a vontade de se aplicar ao caso a NLAV (cf. art.º 4.º n.º 2 da Lei n.º 63/2011).
O art.º 5.º da LAV, sob a epígrafe “encargos do processo”, estipula que “a remuneração dos árbitros e dos outros intervenientes no processo, bem como a sua repartição entre as partes deve ser fixada na convenção de arbitragem ou em documento posterior subscrito pelas partes, a menos que resultem dos regulamentos de arbitragem escolhidos nos termos do artigo 15.º
Na arbitragem necessária, que não assenta na vontade das partes, não existe convenção arbitral. Porém, se na lei que comina a arbitragem necessária nada for imposto em contrário, as partes poderão acordar quanto à remuneração dos árbitros e restantes encargos, seja quanto ao seu quantitativo ou quanto à forma de o determinar, seja quanto à repartição dos encargos entre elas, sendo certo que poderão remeter tal regulação para um regulamento de arbitragem.
Os árbitros, que não podem ser obrigados a aceitar o encargo, ou seja, que intervêm na arbitragem numa base voluntária (art.º 9.º n.º 1 da LAV), se tiverem conhecimento do acordado pelas partes e ainda assim aceitarem o encargo, sem reparo quanto à sua remuneração, ficarão obrigados ao assim estipulado.
Ou seja, nem as partes podem impor aos árbitros o montante da sua remuneração, nem os árbitros podem impô-la às partes (cfr. Manuel Pereira Barrocas, “Manual de Arbitragem”, Almedina, 2013, pág. 381; Luís Lima Pinheiro, “Arbitragem Transnacional, a determinação do estatuto da arbitragem”, Almedina, 2005, páginas 150 e 151, nota 421; Bernardo Reis, “O estatuto dos árbitros – alguns aspectos”, Themis, IX.16 (2009), pág. 14; João Luís Lopes dos Reis, “Questões de arbitragem ad hoc”, ROA, n.º 58, 1998, I vol., páginas 510 a 513). Que assim é resulta hoje claramente da atual Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14.12 – NLAV), em cujo art.º 17.º n.º 1 se estipula que “se as partes não tiverem regulado tal matéria na convenção de arbitragem, os honorários dos árbitros, o modo de reembolso das suas despesas e a forma de pagamento pelas partes de preparos por conta desses honorários e despesas devem ser objecto de acordo escrito entre as partes e os árbitros, concluídos antes da aceitação do último dos árbitros a ser designado.” Caso a matéria não tenha sido regulada na convenção de arbitragem (se tiver sido, os árbitros, conhecedores do teor da convenção, ao aceitarem a designação como árbitros aceitarão também o ali estabelecido) nem sobre ela tiver sido concluído qualquer acordo entre as partes e os árbitros, caberá aos árbitros fixar o montante dos seus honorários e despesas, mas as partes poderão sujeitar tal decisão à apreciação do tribunal estadual (n.º 3 do art.º 17.º da NLAV).
No caso dos autos, além de não haver convenção de arbitragem, não foi formalizado qualquer acordo entre as partes e os árbitros sobre os honorários e despesas destes.
É certo que, tendo na ata de instalação do tribunal arbitral ficado consignado que “Em matéria de honorários dos Árbitros, e encargos administrativos, é aplicável o Capítulo VI do Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, e suas tabelas anexas, cabendo ao Presidente do TA decidir sobre as matérias aí remetidas para o Presidente do Centro de Arbitragem”, as partes, dela notificadas, nada vieram dizer. Mas também é certo que as partes não foram notificadas com a cominação de que, nada dizendo em contrário, ficariam obrigadas ao aí estipulado sobre encargos de arbitragem, e por outro lado nessa altura não havia qualquer previsão acerca da quantificação dos encargos que seriam devidos, o que impedia que as partes estivessem suficientemente esclarecidas acerca do alcance da notificação. E, conforme consta do Relatório supra, as partes manifestaram imediatamente a sua discordância assim que o tribunal arbitral proferiu a primeira decisão tendente à fixação do valor dos encargos devidos, ou seja, quando atribuiu à ação o valor de € 10 000 000,00 e anunciou a intenção de qualificar a arbitragem como complexa, a fim de elevar o montante dos honorários dos árbitros. Não se aplicando a estes autos a NLAV, estava vedada às partes (cremos) o imediato recurso à intervenção do tribunal estadual prevista no n.º 3 do art.º 17.º da LAV, devendo aquelas aguardar pela impugnação da decisão final, prevista no n.º 7 do art.º 3.º da Lei n.º 62/2011. Assim, a impugnação ora feita pelas apelantes das decisões do tribunal arbitral atinentes à fixação dos encargos da arbitragem é tempestiva e cabe a esta Relação apreciá-la.
A NLAV estipula, no art.º 17.º n.º 2, que na falta de acordo entre as partes e os árbitros, cabe a estes fixar o montante dos seus honorários e despesas, “tendo em conta a complexidade das questões decididas, o valor da causa e o tempo despendido ou a despender com o processo arbitral até à conclusão deste.”
Embora, como se disse, a NLAV não seja aplicável a estes autos, afigura-se-nos que os critérios aí indicados, na falta de norma legal aplicável que estipule em contrário, são os mais razoáveis e deverão ser os seguidos para a sindicação da fixação de encargos decorrente do decidido pelo tribunal arbitral. Sendo certo que nada obsta a que se levem em consideração, como referência indicativa, as tabelas anexas ao Regulamento de arbitragem aprovado em 2008 pelo Conselho do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, supra citado, atendendo até à influência que este Regulamento tem no âmbito da arbitragem voluntária no nosso país (vide, v.g., Mariana França Gouveia, “Curso de Resolução Alternativa de Litígios”, 2012, 2.ª edição, Almedina, páginas 104 e 105).
No que concerne ao valor da causa, a demandante não o indicou na petição inicial e as demandadas também não o fizeram nas suas contestações. Por outro lado, nos respetivos articulados (petição inicial e contestação) nenhuma das partes aduziu qualquer facto atinente aos proveitos económicos emergentes da exploração do medicamento ou da substância ativa a que o processo respeita. É certo que a demandante pediu que as demandadas fossem condenadas a pagar uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 70 000,00 por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que viesse a ser proferida nos termos do acima requerido. Porém, uma vez que a sanção pecuniária compulsória visa compelir o devedor a cumprir a sua obrigação (art.º 829.º-A do Código Civil), o seu montante necessariamente excederá em muito a vantagem que lhe adviria do incumprimento e nada tem a ver com o benefício económico que o credor retira do cumprimento, pelo que não pode ser adotado como referência da utilidade económica do pedido. Discorda-se, pois, do tribunal arbitral, quando no despacho de 27.7.2012 se socorreu do valor da sanção pecuniária compulsória peticionada pela demandante para fixar o valor da causa em € 10 000 000,00, assumindo o entendimento de que as demandadas poderiam ter lucros diários de € 70 000,00 com as vendas dos medicamentos, por ser esse o valor indicado pela demandante para a fixação da sanção pecuniária compulsória. Aliás, a demandante, notificada desse despacho, veio expressamente dizer nos autos que o valor da dita sanção pecuniária compulsória não correspondia ao valor dos lucros da demandante com a venda em Portugal do medicamento em causa nos autos e que o valor de € 10 000 000,00 fixado pelo tribunal arbitral excedia em muito o valor do interesse económico do processo.
De todo o modo, a própria apelante Laboratórios “E” veio aos autos dizer, em 8.8.2012, que a demandante teve receitas brutas, em vendas do medicamento cujo princípio ativo é objeto destes autos, de € 20 041 544,00 em 2010 e de € 19 210 457,00 em 2011. Admitindo, como afirmou a demandada Laboratórios “E”, que a tais valores corresponde uma receita líquida diária de € 40 327,40 (margem de 75%) e que se as demandadas obtivessem 50% do mercado não alcançariam lucros diários superiores a € 20 163,70, tal significaria perdas líquidas diárias, para a demandante, de € 20 163,70. Ou seja, a utilidade económica do pedido, à data da apresentação da petição inicial (01.6.2012), era, considerando que o CCP invocado caduca em 07.8.2014 e por conseguinte estão em causa cerca de dois anos de exploração em exclusivo do aludido medicamento, de cerca de € 14 719 501,00. Estes cálculos não divergem significativamente face ao dado como provado pelo tribunal arbitral, de que o medicamento em causa nos autos representa, em Portugal, vendas anuais de vinte milhões de euros.
Conclui-se, assim, que o valor atribuído à causa pelo tribunal arbitral (€ 10 000 000,00) não excede a utilidade económica do pedido.
De acordo com a tabela n.º 1 anexa ao supra mencionado Regulamento de Arbitragem, os honorários dos árbitros correspondentes ao valor de € 10 000 000,00 são de € 45 750,00 x 3 = € 137 250,00.
Trata-se, indubitavelmente, de um valor muito expressivo, cujo montante emerge automática e exclusivamente do elevado valor da ação. Ora, a aplicação de um coeficiente de correção (que, nos termos do n.º 4 do art.º 48.º do dito Regulamento, não pode exceder 1,5) para elevar os honorários dos árbitros só se justifica, a nosso ver (e reitera-se que apenas estamos a levar em consideração o aludido Regulamento a título indicativo), quando o baixo valor da arbitragem aponte para uma remuneração que esteja manifestamente aquém da dificuldade e da morosidade do trabalho imposto aos árbitros.
Por outro lado, se o objeto da causa for simples, não exigindo especiais conhecimentos nem grande reflexão, tal deverá necessariamente refletir-se no montante dos honorários, no sentido de uma redução.
Ora, a matéria objeto desta ação é complexa, pois algumas das demandadas alegaram que o respetivo medicamento era fabricado mediante processo técnico diferente do protegido pela patente (e respetivo CCP) invocada pela demandante, tendo alegado factos concretos e apresentado pareceres técnicos para sustentar o por si alegado, que levaram à elaboração de extensa base instrutória (146 quesitos), sobre a qual foram ouvidas oito testemunhas e foi apresentada extensa documentação e apresentados mais pareceres. Acrescem as exceções deduzidas, que obrigaram a despacho saneador que suscitou longo voto de vencido de um dos juízes-árbitros, e diversos incidentes atinentes às diferentes posições assumidas pelas demandadas no processo. A produção de prova realizou-se em duas sessões, no total de um dia e meio. Por outro lado, a decisão final foi significativamente simplificada pela desconsideração da contestação apresentada pela demandada Laboratórios “E” (por falta de pagamento de preparo) e pela demandada “C” (por ter chegado a acordo com a demandante, já após o termo da produção de prova). Ainda assim, o tribunal teve de se pronunciar sobre a totalidade dos pedidos, em extenso acórdão junto a fls 1635 a 1707, com declaração de voto de vencimento parcial de um dos senhores árbitros, constante a fls 1708 a fls 1742. Acresce que as partes escolheram para árbitros figuras de topo do panorama jurídico nacional, com obra publicada na área da propriedade intelectual (e não só), que por sua vez escolheram para presidente do tribunal arbitral pessoa com iguais pergaminhos, o que naturalmente terá de ser levado em consideração na fixação dos respetivos honorários.
Tudo ponderado, não cremos que exista entre o valor de honorários apontado pelo Regulamento e a complexidade do processo uma disparidade que justifique a aplicação de um fator de retificação para mais do valor dos honorários. Ou seja, o elevado valor da ação aponta, face ao Regulamento, para um montante de honorários que é adequado à complexidade do processo, sem necessidade de aplicação de um coeficiente ampliativo do valor dos honorários.
Em acórdão desta Relação, proferido em 03.10.2013 (processo 747/13.1.YRLSB.L1-8, consultável em www.dgsi.pt) numa arbitragem necessária com objeto idêntico ao destes autos, mas em que as demandadas não contestaram e o tribunal proferiu sentença sem necessidade de prolação de saneador nem de produção de prova, a Relação fixou os encargos da arbitragem em € 13 500,00, sendo € 4 000,00 para cada árbitro e € 1 500,00 para o secretário da arbitragem. No caso destes autos, o trabalho desenvolvido foi muitíssimo superior, pelo que se nos afigura adequada a fixação dos honorários dos senhores árbitros, na linha da tabela n.º 1 do Regulamento de Arbitragem supra referido, em € 137 250,00, acrescidos de € 580,00 a título de despesas de deslocação dos árbitros (cfr. liquidação a fls 1745) e € 15 200,00 a título de encargos administrativos (nos termos da Tabela n.º 2 do aludido Regulamento), devidos ao Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, mais o IVA que for devido.
Segunda questão (incompetência do tribunal arbitral para julgar o litígio no que diz respeito à demandada Laboratórios “E”)
Com relevo para esta questão, para além do que consta supra no Relatório, foi dado como provado no acórdão arbitral, que
(N.º 18 ) De acordo com a lista publicada na página electrónica oficial do Infarmed, a Demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A., requereu ao Infarmed as AIMs a seguir identificadas nos termos em que constam na mesma lista:

Data do pedidoDCISubstância ativaDosagemForma farmacêuticaMedicamento de referência
02-6-2009M...M... sódico4mgComprimido para mastigarS...
02-6-2009M...M... sódico5mgComprimido para mastigarS...
02-6-2009M...M... sódico10mgComprimido revestido por películaS...

(n.º 20) – As Autorizações de Introdução no Mercado (AIM) do genérico “M... “E”” foram concedidos à Demandada (Laboratórios “E”) em 28 de Dezembro de 2009.
(n.º 60) O Infarmed publicou um elevado número de AIMs relativamente às quais era concedido o reduzido prazo de trinta dias para reação contenciosa por parte dos titulares de direitos da propriedade industrial a ser violados pela respectiva comercialização.
(n.º 61) No caso de medicamentos genéricos contendo M... como princípio ativo, a lista publicada a 11.01.2012 continha 162 AIMs de genéricos pedidas ou já concedidas a 47 requerentes diferentes.
O Direito
A apelante Laboratórios “E” defende que, uma vez que as AIM referentes ao medicamento genérico objeto destes autos lhe foram concedidas antes da entrada em vigor da Lei n.º 62/2011, essa lei não lhe é aplicável, pelo que o tribunal arbitral não tem competência para julgar este litígio, sendo certo que a demandada e a demandante não celebraram entre si qualquer convenção arbitral.
Vejamos.
Conforme supra exposto, a Lei n.º 62/2011, que entrou em vigor em 17.12.2011, estipulou que os litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos ficavam sujeitos a arbitragem necessária. Paralelamente, a lei determinou que tal ação deveria ser proposta pelo interessado no prazo de 30 dias a contar da publicitação, pelo Infarmed, dos pedidos de AIM que alegadamente contendessem com os seus direitos de propriedade industrial. Transitoriamente, o art.º 9.º n.º 2 da Lei determinou que o Infarmed deveria publicitar os elementos referentes aos medicamentos “para os quais ainda não tenha sido proferida pelo menos uma das decisões de autorização de introdução no mercado, do preço de venda ao público ou de inclusão na comparticipação do Estado no preço dos medicamentos”, dispondo o interessado de 30 dias, a contar dessa publicitação, para invocar o seu direito de propriedade industrial nos termos dos artigos 2.º e 3.º da Lei (n.º 3 do art.º 9.º). Ou seja, a publicitação deveria abranger medicamentos em que faltasse pelo menos uma das decisões referidas, seja de AIM, seja de fixação de preço de venda ao público, seja de inclusão na comparticipação do Estado. Assim, o facto de haver AIM concedida não retiraria o medicamento da alçada da dita publicitação, contanto que faltasse uma das decisões subsequentes. Ora, o Infarmed incluiu os medicamentos da demandada Laboratórios “E” na dita lista, pelo que a demandante não teve outra solução se não instaurar a presente arbitragem contra a ora demandada. Se tal publicitação foi indevida, tal não foi alegado nem demonstrado.
Nada obsta, pois, à competência do tribunal arbitral para julgar o litígio entre a demandante e a demandada/apelante Laboratórios “E”.
Terceira questão (competência do tribunal arbitral para apreciar, em sede de exceção, a nulidade da patente)
Na sua contestação a demandada “C” alegou que a patente invocada pela demandante, PT ..., carecia de novidade e atividade inventiva, pelo que, “sem entrar em discussão acerca da tese da incompetência do TA para decretar a nulidade de uma patente” (sic), defendeu que o tribunal não estava inibido de apreciar a invalidade da patente, na medida em que a ausência das referidas características fariam cair por terra o objeto da presente ação e consequentemente todos os pedidos formulados pela demandante.
A demandante respondeu a esta questão pugnando, nomeadamente, pela falta de competência do tribunal arbitral para apreciar a nulidade da patente.
O tribunal arbitral proferiu decisão em que, por maioria, julgou-se incompetente, quanto à matéria, para apreciar a nulidade da dita patente.
A apelante/demandada Laboratórios “E” defende, na sua apelação, que uma vez que a demandada “C” suscitara a questão da nulidade da patente apenas no âmbito da sua defesa, sem pretender extravasar o âmbito da presente ação, o tribunal arbitral deveria ter apreciado essa questão, sem o que violou o direito de defesa da demandada.
Na sua contra-alegação, a demandante/apelada pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Vejamos.
A demandada/apelante tem, do seu lado, a opinião de um Sr. juiz-árbitro, que nessa matéria ficou vencido (Prof. ..., que tem reiterado esse entendimento noutras arbitragens, nomeadamente na que deu origem à apelação n.º 866/13.4YRLSB, julgada em 06.02.2014 por este mesmo coletivo, se bem que esse recurso não tenha abrangido esta vexata quaestio). Entendimento diferente foi defendido pelos Srs. juízes-árbitros O... ... e L... ... ... (assim como, na arbitragem que deu origem à apelação n.º 866/13.4YRLSB, supra referida, os Srs juízes árbitros J... ... ... e P... ... ...).
Como é sabido, uma patente de invenção é um título que confere um direito exclusivo de exploração de um invento (art.º 101.º n.º 1 do CPI), atribuindo-se ao respetivo titular, durante 20 anos a contar do respetivo pedido (art.º 99.º do CPI), no território nacional (art.º 101.º n.º 1 do CPI), o direito “de impedir a terceiros, sem o seu consentimento, o fabrico, a oferta, a armazenagem, a introdução no comércio ou a utilização de um produto objecto de patente, ou a importação ou posse do mesmo, para algum dos fins mencionados” (n.º 2 do art.º 101.º do CPI). Por sua vez o certificado complementar de proteção é um mecanismo de prorrogação do prazo de duração da patente, admitido para os medicamentos e para os produtos fitofarmacêuticos (artigos 115.º e 116.º do CPI e Regulamento n.º 469/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de maio de 2009, que codificou esta matéria, inicialmente regulada pelo Regulamento (CEE) n.º 1786/2, do Conselho, de 19 de julho de 1992).
As patentes serão concedidas - sem prejuízo de determinadas limitações -, para quaisquer invenções, em todos os domínios tecnológicos, desde que sejam novas, envolvam atividade inventiva e sejam suscetíveis de aplicação industrial (art.º 51.º n.º 1 do CPI).
A concessão de patente confere ao seu titular a presunção jurídica (ilidível) da ocorrência dos respetivos requisitos (art.º 4.º do CPI). Emanando de uma autoridade administrativa, no exercício de um poder público regulado pela lei, presume-se que o direito de propriedade industrial é válido até decisão em contrário do tribunal competente que declare nulo ou anule o respetivo registo (Código da Propriedade Industrial anotado, Coordenado por Jorge Campinos e Luís Couto Gonçalves, Almedina, 2010, pág. 91).
De entre os motivos de nulidade das patentes enunciados no art.º 113.º do CPI conta-se a falta de novidade, de atividade inventiva e de aplicação industrial (alínea a)).
A declaração de nulidade da patente só pode ser efetuada por tribunal judicial (art.º 35.º n.º 1 do CPI: “A declaração de nulidade ou a anulação podem resultar de decisão judicial”).
Para tal será instaurada ação pelo Ministério Público ou por qualquer interessado, devendo ser averbada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) a instauração da ação (art.º 30.º n.º 1 alínea d) e n.º 4 do art.º 35.º do CPI), devendo ser citados, para além do titular do direito registado contra quem a ação é proposta, todos os que, à data da publicação do dito averbamento, tenham requerido o averbamento de direitos derivados (art.º 35.º n.º 2 do CPI). Atualmente a competência para julgar tais ações cabe ao Tribunal da Propriedade Intelectual (art.º 89.º-A n.º 1 alínea c) da Lei n.º 3/99, de 13.01, após a alteração introduzida pela Lei n.º 46/2011, de 24.6). Quando a decisão definitiva transitar em julgado, a secretaria do tribunal remeterá ao INPI cópia para efeito da respetiva publicação e respetivo aviso no Boletim da Propriedade Industrial, bem como do respetivo averbamento (n.º 3 do art.º 35.º do CPI).
O aludido regime afasta, como é opinião generalizada, a possibilidade de os tribunais arbitrais, incluindo o tribunal arbitral necessário previsto na Lei n.º 62/2011, decretar, com efeitos erga omnes (v.g., na sequência de pedido reconvencional), a nulidade de uma patente.
A controvérsia circunscreve-se, assim, à possibilidade de o tribunal arbitral previsto na Lei n.º 62/2011 apreciar a validade de uma patente que tenha sido questionada apenas a título de exceção, para obstar à procedência do pedido, com efeito tão só inter partes.
Ora, a admissibilidade do reconhecimento da nulidade de uma patente (ou de outro direito de propriedade industrial) a título meramente incidental ou por via de exceção processual, mesmo perante um tribunal estadual, é duvidosa (no sentido da sua inadmissibilidade, vide Pedro de Sousa e Silva, Direito Industrial, 2011, Coimbra Editora, pág. 448).
É que, como realçam os defensores da tese propugnada, in casu, pelo tribunal recorrido, admitir que em sede incidental a parte ou partes demandadas possam ver reconhecido que a patente invocada pela demandante, devidamente registada, é afinal inválida, contendo-se os efeitos dessa constatação no âmbito da relação entre as partes, equivale, no caso de procedência da exceção, a autorizar a parte ou partes demandadas a explorarem com exclusividade, em conjunto com o titular da patente, o respetivo invento, utilizando em seu proveito um monopólio que o Estado concedera apenas ao titular da patente e que continuará a impor-se ao restante universo de possíveis concorrentes ou interessados. Tal põe em causa a transparência e a segurança jurídica visados pelo sistema público de atribuição de direitos de propriedade industrial e bem assim leva à estranha situação de, tendo em determinado caso sido reconhecido que não se justificava o exclusivo que fora excecionalmente concedido (restringindo-se a liberdade económica em atenção ao interesse público de recompensar o contributo social trazido pelo inventor com a invenção e de estimular o aparecimento de novas invenções), tal atribuição pública do exclusivo não só se manterá como passará a beneficiar outro ou outros particulares, sem controle dos restantes interessados nem publicitação dessa extensão do privilégio.
A criação de tal situação no âmbito de uma arbitragem, ou seja, no decurso de uma atividade jurisdicional exercida num ambiente privado, suscita ainda maiores dúvidas.
Na falta de disposição legal clara em sentido contrário, entendemos, pois, por estas razões sinteticamente expostas, ser de manter a decisão arbitral nesta parte.
As possibilidades de defesa das demandadas mantêm-se intactas, pois poderão requerer a declaração da nulidade da patente perante os tribunais judiciais, atualmente no Tribunal da Propriedade Intelectual.
Quarta questão (caducidade da arbitragem)
Relativamente a esta questão importa considerar o seguinte
Factualismo
1. Na ata de instalação do tribunal arbitral consignou-se, no ponto 5, sob a epígrafe “Prazo da arbitragem”, o seguinte:
Não havendo oposição das partes, em virtude da previsível complexidade do processo, indica-se como prazo para a decisão arbitral o de 12 (doze meses) podendo ser prorrogado por deliberação dos árbitros, com o acordo das Partes, caso a marcha do processo o justifique.”
2. O último árbitro foi designado em 16.4.2012.
O Direito
A apelante Laboratórios “E” entende que a arbitragem caducou, pois foi excedido o prazo de seis meses previsto na alínea c) do n.º 1 do art.º 4.º e no n.º 2 do art.º 19.º da LAV.
Vejamos.
Nos termos conjugados dos artigos 19.º e 4.º n.º 1, alínea c), da LAV, na falta de acordo das partes em contrário, a decisão da arbitragem deve ser proferida no prazo de seis meses, sob pena de caducidade da arbitragem e da convenção arbitral.
Ora, afigura-se-nos que a imposição do referido dies ad quem é justificável em situações de arbitragem voluntária, em que às partes resta a possibilidade de recorrerem à justiça estadual, mas não a situações como a dos autos, em que a lei impõe que o litígio seja julgado por arbitragem.
A celeridade com que o legislador pretende que os litígios visados pela Lei n.º 61/2011 sejam resolvidos não se compagina com a extinção da arbitragem e subsequente necessidade de instalação de novo tribunal arbitral, a ela se providenciando, antes e nomeadamente, com a imposição de um curto prazo de propositura da ação arbitral (art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 62/2011) e com a fixação de um prazo máximo de 60 dias, após a apresentação da oposição, para a realização da audiência de produção de prova (art. 3.º n.º 5).
Nesta parte improcede, pois, a apelação da Laboratórios “E”.
Quinta questão (falta de fundamentação da sentença final)
A apelante Laboratórios “E” alega que o acórdão arbitral carece de fundamentação de facto, violando o disposto no n.º 3 do art.º 23.º da Lei n.º 31/86, de 29.8 e n.º 2 do art.º 659.º do CPC. Isto porque na decisão arbitral o tribunal não indicou “quais os depoimentos e documentos que o impressionaram e em que medida, nem indicou e justificou aqueles que mais contribuíram para alicerçar a sua convicção e determinaram o sentido da decisão da matéria de facto que proferiu.”
Vejamos.
No n.º 3 do art.º 23.º da LAV estipula-se que “a decisão deve ser fundamentada.”
Por sua vez no n.º 2 do art.º 659.º do CPC (de 1961, em vigor à data da prolação da decisão recorrida) estipula-se que, na sentença, após se identificar as partes e o objeto do litígio e fixar-se as questões que ao tribunal cumpre solucionar, “seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.”
No acórdão arbitral constam os factos dados como provados e, bem assim, a correspondente apreciação à luz do direito.
No que concerne à justificação da decisão sobre a matéria de facto, ela não tem de figurar na decisão final, pelo que a sua omissão, apontada pela apelante, não constitui qualquer vício. Aliás, tal justificação consta na resposta dada pelo tribunal à base instrutória, a fls 1634 dos autos, de que as partes foram notificadas.
Improcede, pois, também este segmento da apelação.
Sexta questão (condenação da demandada Laboratórios “E” no primeiro pedido formulado pela demandante)
Relativamente a esta questão importa atentar no seguinte
Factualismo
1. Antes da realização da audiência de julgamento as partes foram notificadas para efetuar o pagamento de preparos, no montante de € 73 574,60 a cargo da demandante e € 18 393,65 a cargo de cada uma das demandadas “C” – Laboratórios ..., S.A., Laboratórios “D”, S.A., Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A..
2. Só a demandante e a demandada “C” pagaram os respetivos preparos.
3. No início da audiência de prova, em 24.9.2012, o tribunal arbitral determinou a inatendibilidade da defesa apresentada no processo pela demandada Laboratórios “E”, eliminando-se os quesitos 52.º a 72.º da base instrutória, por falta do pagamento de preparos.
O Direito
Nesta parte da sua apelação a demandada Laboratórios “E” alega que a defesa que apresentou para obviar à sua condenação no primeiro pedido deduzido pela “A” (que as demandadas fossem condenadas a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio ativo o M... Sódico identificados nos artigos 75.º a 79.º da petição, enquanto a patente PT ... ou o CCP 35 se encontrarem em vigor, ou seja, até 17.8.2014) não foi atendida porque a demandada não pagou os preparos que lhe foram exigidos. Ora, diz a demandada, esta não pagou os aludidos preparos porque os mesmos não foram fixados com o acordo das partes e o montante exigido era injustificado e extraordinariamente elevado. Assim, foi irremediavelmente comprometido o direito de defesa da demandada e o princípio da absoluta igualdade de tratamento das partes, consagrados quer na lei de arbitragem (art.º 16.º alíneas a) e b) da Lei n.º 31/86), quer na Constituição da República Portuguesa (art.º 20.º), o que implicaria a anulação da decisão recorrida, nos termos do art.º 27.º da Lei n.º 31/86.
Vejamos.
Nos termos do art.º 16.º da LAV, “os trâmites processuais da arbitragem deverão respeitar os seguintes princípios fundamentais:
a) As partes serão tratadas com absoluta igualdade;
b) O demandado será citado para se defender;
(…)”
O art.º 20.º da CRP consagra o acesso ao direito e a tutela jurisdicional efetiva, mediante processo equitativo.
O art.º 27.º da LAV comina com a anulabilidade a sentença arbitral, além de outras razões, quando no processo tenha havido violação dos princípios referidos no art.º 16.º
In casu, não lobrigamos que tenha ocorrido violação do princípio da igualdade. A exigência do pagamento de preparos atingiu todas as partes que permaneciam no processo, sendo certo que à ora apelante não foi exigido mais do que aos outros sujeitos processuais.
No que concerne à violação do direito à defesa:
A exigência do pagamento adiantado das despesas com a atividade jurisdicional é comum nos tribunais, não constituindo em si obstáculo ao exercício da defesa, sendo certo que esse pagamento será tido em consideração na liquidação definitiva do que for devido. A circunstância, apontada pela apelante, de os preparos reclamados serem muito superiores aos que são ou seriam exigidos nos tribunais estaduais, nada tem de surpreendente ou de ilegal: as custas judiciais não correspondem ao valor real das despesas de funcionamento dos tribunais estaduais, os quais dependem em grande medida do erário público. O mesmo não sucede com as arbitragens, necessárias ou voluntárias, que são realizadas por tribunais particulares, constituídos ad hoc ou institucionalizados, que não são apoiados pelo erário público e dependem, por conseguinte, do pagamento dos respetivos utentes, ou seja, das partes respetivas.
É certo que se os preparos exigidos tiverem um valor incomportável para a parte, de forma que esta se veja impedida de exercer em plenitude os seus direitos processuais, o acesso à justiça ficará afetado, em termos tão mais gravosos quanto, como é o caso, a parte se viu compelida a litigar num tribunal arbitral não com base na sua vontade mas por determinação legal.
Porém, a verdade é que a demandada/apelante Laboratórios “E” não alegou nem provou nenhum facto que demonstrasse que não lhe era possível pagar os preparos reclamados, ou seja, não demonstrou que a omissão de pagamento não se deveu tão só à ponderação de que os benefícios trazidos com a sustentação da sua defesa não justificavam o adiantamento dos ditos montantes - sem que a demandada estivesse impossibilitada, se o considerasse necessário para a sua defesa, de os pagar.
Conclui-se, assim, pela improcedência também desta parte da apelação da demandada Laboratórios “E”.
Sétima questão (condenação na não transmissão a terceiros das AIMs relativas aos medicamentos genéricos)
Tal como fora peticionado pela demandante, o tribunal arbitral condenou as demandadas a não transmitirem a terceiros as AIMs identificadas na petição inicial, até à caducidade dos direitos ora exercidos.
A apelante/demandada Laboratórios “E” rebela-se contra tal condenação, que entende não ter base legal e, de resto, suscitou a discordância de um dos Sr. Juízes-árbitros (Prof. ...), que nesta parte também ficou vencido.
Ora, entendemos que, efetivamente, não existe base legal para a condenação ora sindicada.
A introdução no mercado nacional de medicamentos para uso humano está sujeita a autorização por parte do Infarmed, a qual depende do preenchimento de requisitos atinentes à qualidade, segurança e eficácia terapêuticas do medicamento, tendo como objetivo essencial a proteção da saúde pública (cfr. art.º 14.º do Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano - sinteticamente, Estatuto do Medicamento, EM -, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 176/2006, de 30.8, com alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 182/2009, de 07.8, Dec.-Lei n.º 64/2010, de 09.6, Dec.-Lei n.º 106-A/2010, de 01.10, Lei n.º 25/2011, de 16.6, Lei n.º 62/2011, de 12.12, Lei n.º 11/2012, de 08.3, Dec.-Lei n.º 20/2013, de 14.02 e Dec.-Lei n.º 128/2013, de 05.9).
Nos termos do art.º 3.º, n.º 1, alínea ii) do EM, medicamento de referência é um “medicamento que foi autorizado com base em documentação completa, incluindo resultados de ensaios farmacêuticos, pré-clínicos e clínicos.” Medicamento genérico é, na definição enunciada na alínea oo) do citado n.º 1 do art.º 3.º do EM, um “medicamento com a mesma composição qualitativa e quantitativa em substâncias ativas, a mesma forma farmacêutica e cuja bioequivalência com o medicamento de referência haja sido demonstrada por estudos de biodisponibilidade apropriados”.
Os medicamentos genéricos, produzidos e comercializados sem necessidade da realização, em boa parte, dos demorados e onerosos estudos e ensaios prévios que antecederam os medicamentos de referência (cfr. Remédio Marques, “Medicamentos versus Patentes”, Coimbra Editora, 2008, páginas 25 a 27; art.º 19.º n.º 1 do EM), podem ser colocados à disposição do consumidor a preços significativamente mais baixos do que os medicamentos de referência, o que torna a sua entrada no mercado questão de interesse público, maxime pelas poupanças que proporcionam aos serviços nacionais de saúde (matéria realçada no Relatório Final do Inquérito da Comissão Europeia ao Sector Farmacêutico, datado de 08.7.2009, de que se pode ler uma síntese, em língua portuguesa, em http://ec.europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/communication_pt.pdf; a totalidade do Relatório, em língua inglesa, é consultável em http://ec.europa.eu/competition/sectors/pharmaceuticals/inquiry/staff_working_paper_part1.pdf).
A efetiva entrada no mercado dos medicamentos genéricos pressupõe que as patentes respeitantes aos medicamentos de referência tenham expirado. Entretanto, atendendo a que o processo de concessão da AIM do genérico (e bem assim a fixação do seu preço e a atribuição de eventual comparticipação do Estado no preço) pode ser moroso, as empresas produtoras de genéricos procuram iniciar esse processo antes da caducidade da ou das ditas patentes, de forma a poderem concretizar a colocação do genérico no mercado imediatamente a seguir ao levantamento do exclusivo conferido pela patente à empresa produtora do medicamento de referência.
A apresentação do pedido de autorização de introdução no mercado de medicamentos genéricos respeitantes a medicamentos de referência com patentes ainda em vigor, por vezes ainda com anos de vigência pela frente, pode desencadear a reação dos laboratórios dos medicamentos de referência, que invocam, seja diretamente junto das autoridades administrativas responsáveis pela concessão da AIM do genérico (ou, subsequentemente, pela fixação do preço de venda ao público do medicamento e pela eventual atribuição de comparticipação do Estado no preço de tais medicamentos), seja junto dos tribunais, que tal pedido consubstancia violação ou ameaça de violação dos seus direitos de propriedade industrial. Esse fenómeno ganhou dimensão relevante em Portugal, merecendo até menção especial por parte da Comissão Europeia, no supra mencionado Relatório Final do Inquérito ao Setor Farmacêutico (parágrafo 888 – página 319 – e parágrafo 917 – página 331). Essa atitude por parte das empresas dos medicamentos de referência conseguia paralisar o processo de obtenção de AIM ou da subsequente fixação do preço ou da comparticipação, seja por decisão unilateral da autoridade administrativa, seja por força de decisão dos tribunais (em particular os tribunais administrativos), até que a questão fosse definitivamente dirimida ou, mesmo, até que cessasse o monopólio conferido pela patente (vide o referido Relatório da Comissão, locais citados, e ainda Maria José Costeira e Maria Teresa Garcia Freitas, “A tutela cautelar das patentes de medicamentos: aspectos práticos”, Julgar n.º 8, 2009, pág. 119 e seguintes; Remédio Marques, “Medicamentos versus patentes”, citado, páginas 11 a 13; Remédio Marques, “Licença de medicamento – as interconexões entre a propriedade industrial e a regulação administrativa no sector dos medicamentos”, in Themis, XI.20/21, 2011, pág. 19 e seguintes, maxime páginas 82 a 87).
A admissão de que a atribuição da AIM e a subsequente tramitação administrativa necessária à entrada no mercado de medicamentos genéricos podia ser alvo de interferências decorrentes de alegada necessidade de proteção de direitos de propriedade industrial (mais precisamente, direitos emergentes de patentes), a que a autoridade administrativa (em especial o Infarmed) teria de atender, parecia afrontar o regime previsto no Estatuto do Medicamento e na Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 06.11.2001, que aprovou o código comunitário dos medicamentos para uso humano, e bem assim na Directiva 2004/27/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31.3.2004, que alterou a Directiva 2001/83/CE com o objetivo de incrementar a comercialização de medicamentos genéricos, na medida em que nesses instrumentos jurídicos em parte alguma se fazia depender a concessão de autorização de introdução do medicamento no mercado da inexistência de direitos de patente vigentes que pudessem ser por ela afetados, omissão essa que deveria ser tida como intencional (vide, neste sentido, Maria José Costeira e Maria Teresa Garcia Freitas, estudo citado, páginas 133 a 136; também defendendo a dita destrinça entre a concessão de AIM e a eventual violação de patentes, vide o supra citado Relatório da Comissão Europeia acerca do Mercado Farmacêutico, páginas 130 e 131, onde se considera que o denominado “patent linkage”, ou seja, a pretensão de conexão entre a concessão de AIM ou de qualquer aprovação administrativa de um medicamento genérico e o estado da patente do medicamento de referência, é contrária à legislação comunitária, nomeadamente face ao disposto no art.º 126.º da já citada Directiva n.º 2001/83/EC, que estabelece que “a autorização de introdução no mercado apenas pode ser recusada, suspensa ou revogada pelas razões enumeradas na presente directiva” e ao disposto no Regulamento (CE) n.º 726/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.3.2004, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 1901/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12.12.2006, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e de fiscalização de medicamentos para uso humano e veterinário e que institui uma Agência Europeia de Medicamentos, em cujo n.º 2 do art.º 81.º se estipula que “uma autorização de introdução no mercado de um medicamento em conformidade com o presente regulamento só pode ser concedida, recusada, alterada, suspensa, retirada ou revogada em conformidade com os procedimentos e pelas razões previstas no presente regulamento”).
O denominado patent linkage (ligação, ou tentativa de ligação, entre a inexistência de lesão de direitos protegidos por patentes e a concessão de AIM a genéricos, fixação dos seus preços e determinação da comparticipação dos preços pelo Estado) levava, como se disse, a que as empresas de medicamentos de referência obtivessem, após a caducidade da patente de um determinado medicamento, o prolongamento, de facto, da situação de monopólio na exploração desse medicamento, fruto do atraso verificado no processo administrativo de aprovação do medicamento genérico.
Foi para obviar a esta situação que a Lei n.º 62/2011, de 12.12, introduziu alterações ao Estatuto do Medicamento e ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos (aprovado pelo Dec.-Lei n.º 48-A/2010, de 13.5) e criou um regime de arbitragem necessária para a resolução dos litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos.
Quanto às modificações introduzidas no Estatuto do Medicamento:
a) Alterou-se a redação do n.º 8 do art.º 19.º, passando aí a incluir-se a concessão de autorização de introdução no mercado entre as situações que, nos termos desse número, “não são contrárias aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos”;
b) No art.º 25.º, atinente aos motivos de indeferimento do requerimento de autorização de introdução no mercado, passou a afirmar-se expressamente que “o pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial” (n.º 2);
c) No art.º 179.º, respeitante à suspensão, revogação ou alteração de autorização ou registo concedido ao abrigo do diploma, passou a prever-se expressamente que “A autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial” (n.º 2);
d) Aditou-se o art.º 23.º-A, em cujo n.º 1 se declara que “A concessão pelo INFARMED, I.P., de uma autorização, ou registo, de introdução no mercado de um medicamento de uso humano, bem como o procedimento administrativo que àquela conduz, têm exclusivamente por objeto a apreciação da qualidade, segurança e eficácia do medicamento” e em cujo n.º 2 se determina que “O procedimento administrativo referido no número anterior não tem por objeto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial”.
Às três primeiras alterações ao Estatuto do Medicamento supra referidas foi expressamente atribuída natureza interpretativa (n.º 1 do art.º 9.º da Lei n.º 62/2011).
Ao regime geral das comparticipações do Estado no preço dos medicamentos, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 48-A/2010, de 13.5, foi aditado o art.º 2.º-A, onde expressamente se declara que o pedido que visa a obtenção de inclusão do medicamento na comparticipação não pode ser indeferido com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial, que a decisão a proferir sobre a inclusão ou exclusão de medicamento na comparticipação não tem por objeto a apreciação da existência de eventuais direitos de propriedade industrial, não é contrária aos direitos relativos a patentes ou a certificados complementares de protecção de medicamentos e não pode ser alterada, suspensa ou revogada com fundamento na existência de eventuais direitos de propriedade industrial.
No art.º 8.º da Lei n.º 62/2011 preveem-se normas idênticas às do supra referido art.º 2.º-A quanto à decisão de autorização do preço de venda ao público de medicamentos e ao respetivo pedido.
A estes dois artigos ora referidos também foi atribuída natureza interpretativa (n.º 1 do art.º 9.º da Lei n.º 62/2011).
Como se disse supra, a Lei n.º 62/2011 emergiu da Proposta de Lei n.º 13/XII, de 01.9.2011, em cuja Exposição de Motivos se alude ao Relatório do Inquérito da Comissão Europeia ao Sector Farmacêutico supra mencionado e, apelando para as recomendações da Comissão Europeia e salientando o facto de a jurisprudência nacional ter vindo a entender que “os direitos de propriedade industrial podem ser afectados pela concessão das autorizações de introdução no mercado, do preço de venda ao público e da comparticipação do Estado no preço dos medicamentos”, anuncia-se o propósito de estabelecer “a compatibilização que se considera adequada desses direitos com outros de idêntica relevância, como é o caso do direito à saúde e ao acesso a medicamentos a custos comportáveis, bem como dos direitos dos consumidores.
Ora, tendo o legislador assumido que a concessão de autorização de introdução de um genérico no mercado não constitui, por si, violação da patente que proteja substância, processo de fabrico ou utilização implicada nesse medicamento, não se inserindo em nenhuma das atuações proibidas pela norma do art.º 101.º n.º 2 do CPI (“fabrico”, “oferta”, “armazenagem”, “introdução no comércio”, “utilização”, “importação” ou “posse para alguns dos fins atrás mencionados”), não se vê que a transmissão dessa autorização corporize alguma das aludidas atuações tidas pelo legislador como violadoras do exclusivo concedido pela patente. A AIM é uma posição ativa na esfera jurídica das demandadas, um bem com valor económico, e que, segundo a regra geral, está no comércio jurídico, pode ser alvo de negócios, embora mediante autorização do Infarmed (art.º 37.º do EM). Por outro lado, a decisão jurisdicional condenatória correspondente ao primeiro pedido formulado nesta ação impor-se-á ao transmissário da AIM por ela afetada, constituindo quanto a ele caso julgado material, nos termos dos artigos 671.º e 498.º do CPC de 1961 (artigos 619.º e 581.º do CPC de 2013) pois o adquirente tem a mesma qualidade jurídica do transmitente, sendo igualmente exequível a decisão transitada contra o adquirente, ex vi art.º 56.º n.º 1 e art.º 57.º do CPC de 1961 (artigos 54.º e 55.º do CPC de 2013).
Entende-se, pois, que a dita proibição de transmissão da AIM não deve subsistir (posição idêntica à aqui assumida foi tomada por esta Relação, nos acórdãos de 12.12.2013, processo 617/13.3YRLSB-6, e de 07.11.2013, processo 854/13.0YRLSB-6).
Oitava questão (fixação de sanção pecuniária compulsória)
Na decisão recorrida (com voto de vencido do Juiz-árbitro Prof. ...) condenou-se as demandadas no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de violação no cumprimento da condenação, da quantia diária de € 10 000,00.
A apelante/demandada Laboratórios “E” impugnou também esta condenação, que entende extravasar a competência do tribunal arbitral e não se justificar, por não existir violação atual ou ameaça de violação iminente do direito de patente ou certificado complementar relativo à substância ativa.
O Dec.-Lei n.º 262/83, de 16.6, introduziu no nosso ordenamento jurídico, através do aditamento ao Código Civil do art.º 829.º-A, a sanção pecuniária compulsória. Assim, nos termos do n.º 1 do art.º 829.º-A, “nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.”
Quanto à medida da sanção, “será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar” (n.º 2 do art.º 829.º-A). O seu montante destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado (n.º 3 do art.º 829.º-A).
Trata-se, conforme consta no preâmbulo do Dec.-Lei n.º 262/83, de uma medida que “visa uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
O tribunal arbitral é um verdadeiro tribunal, como tal reconhecido na Constituição da República Portuguesa (art.º 209.º n.º 2 da CRP). No caso dos autos, é até um tribunal emanado da vontade legislativa. Embora o tribunal arbitral seja composto de juízes “leigos” e a sua estrutura organizativa, institucionalizada ou formada ad hoc, seja privada, as suas decisões têm natureza jurisdicional e têm eficácia idêntica às do tribunal estadual (n.º 7 do art.º 42.º da Lei n.º 63/2011, de 14.12). Como tal, aplicam-se-lhe as razões de salvaguarda do prestígio da justiça e de respaldo dos interesses do credor que presidem à sanção pecuniária compulsória, não havendo razões para recusar aos tribunais arbitrais em geral e ao dos autos em particular, competência para aplicar tais sanções, uma vez que estejam reunidos os seus pressupostos.
Quanto à aplicação da sanção pecuniária compulsória em concreto.
A letra do art.º 829.º-A do Código Civil não exclui uma interpretação que permita a aplicação automática da sanção pecuniária compulsória, a requerimento do credor, obtida que seja a condenação do devedor no cumprimento de uma prestação de facto infungível. Porém, esta Relação tem, em casos idênticos aos destes autos, adoptado posição mais restritiva, aliás na linha da que é propugnada no voto de vencido da decisão recorrida nestes autos.
Salienta-se que “não é indiferente à condenação em sanção (pecuniária) compulsória o cumprimento ou incumprimento da obrigação pelo devedor. De facto é o incumprimento da obrigação fixada o elemento essencial para se determinar se tem ou não lugar a sanção pecuniária, pois sem incumprimento não há lugar a sanção. Portanto, a correcta interpretação da norma em análise parece passar pela consideração que só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovada a prática de factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença ou de factos que tornem provável o seu incumprimento” (acórdão de 12.12.2013, processo 617/13.3YRLSB-6; no mesmo sentido, vide acórdãos de 07.11.2013, processo 854/13.0YRLSB-6 e de 03.10.2013, processo 747/13.1YRLSB.L1-8). Ou seja, a cominação de sanção pecuniária compulsória pressupõe uma violação atual ou iminente da obrigação. Como se defende no supra referido voto de vencido, a sanção pecuniária compulsória “há-de resultar de um incumprimento actual (ou iminência de incumprimento) alegado pela Demandante e verificado pelo tribunal. Como salienta o Prof. Calvão da Silva, “sempre que a violação da obrigação negativa possa continuar ou ser repetida, impõe-se que a sentença condene o devedor a cumpri-la no futuro, ordenando-lhe que cesse e/ou não renove a sua infração””. Para tal, é necessária uma ponderação de fundo, não sendo admissível que a condenação do devedor no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória seja aplicada de forma automática, sem que estejam efetivamente provadas circunstâncias que determinem a existência de sério risco de prática de infração. Sob pena de a força dissuasora e precetiva da justiça, expressa na sanção pecuniária compulsória, ser mobilizada sem verdadeira causa, que, por não se manifestar, não fornece sequer os elementos necessários à graduação da sanção.
In casu, nada se mostra provado que fundamente a convicção de que o direito da demandante está prestes a ser violado, ou é essa a intenção das demandadas. Nenhuma delas manifestou esse propósito, sendo certo que as demandadas “D” e “F” expressamente anunciaram que não contestavam o direito invocado pela demandante, conformando-se com a cominação prevista no n.º 2 do art.º 3.º da Lei n.º 62/2011. No que concerne à apelante/demandada Laboratórios “E”, apenas se provou que lhe foi concedido AIM relativamente a genéricos que contêm a substância fabricada pelo processo protegido pelo CCP invocado pela demandante, mas nada mais, ou seja, não se provou qualquer facto preparativo da colocação no mercado do dito genérico, em data anterior à da caducidade do CCP, sendo certo que a apelante nega tal propósito.
Entendemos, assim, que nesta parte a apelação da Laboratórios “E” merece acolhimento.
Nona questão (responsabilidade das demandadas Laboratórios “D” S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A., nas custas da arbitragem)
Em relação a esta questão importa ter em consideração o seguinte factualismo:
1. Em 02.7.2012 as demandadas Laboratórios “D”, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A. vieram aos autos declarar que não pretendiam contestar a demanda arbitral, pelo que, não existindo litígio entre a demandante e as ora demandadas nem convenção arbitral para o dirimir, deveriam os custos da arbitragem ser suportados integralmente pela demandante, por a ela ter dado causa.
2. A demandante respondeu, na ocasião, defendendo que essas demandadas deveriam ser condenadas no primeiro pedido e o processo deveria prosseguir para apreciação dos demais pedidos formulados. Mais defendeu que os custos da arbitragem deviam ser integralmente suportados pelas demandadas não contestantes, na parte que proporcionalmente lhes competisse pelo seu integral decaimento.
3. Em 27.7.2012 o tribunal arbitral, sem se pronunciar sobre o requerimento das demandadas “D” e “F”, fixou o valor da causa em € 10 000 000,00 e ordenou que as partes fossem ouvidas acerca da qualificação da causa como complexa.
4. Em 29.8.2012 foi proferido despacho saneador, no qual o tribunal arbitral julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecer e decidir a exceção de nulidade da patente, fixou a matéria assente e elaborou base instrutória.
5. Ainda em 29.8.2012 foi proferido despacho em que se decidiu elevar os encargos de arbitragem pelo coeficiente de 1,5, relegou-se para final a determinação da responsabilidade das partes nas custas, decidiu-se que o processo teria de seguir em relação a todas as demandadas e determinou-se que as partes fossem notificadas para liquidar os preparos previstos no Capítulo VI do Regulamento de Arbitragem.
6. Nesse despacho, a continuação da ação em relação às partes que a não contestaram foi assim justificada:
A falta de apresentação da contestação não implica, no entanto, a exclusão dessas demandadas do processo arbitral. Conforme resulta expressamente do art. 35º, nº 2, da actual Lei de Arbitragem Voluntária, e já era entendimento em face da Lei 31/86, verificada a falta de contestação “o tribunal arbitral prossegue o processo arbitral, sem considerar esta omissão, em si mesma, como uma aceitação das alegações da demandante.
Este entendimento em nada é alterado pelo art. 3º nº 2 da Lei 62/2011, uma vez que, em face da mesma, a falta da contestação apenas impede a exploração industrial ou comercial do medicamento genérico, nada tendo a ver com os outros pedidos que foram formulados pela Demandante, como a não transmissão a terceiros das AIM e a sanção pecuniária compulsória. Em relação a esses pedidos, naturalmente que o processo terá que continuar em relação a todas as Demandadas.”
7. Em 18.9.2012 o tribunal arbitral declarou a inutilidade superveniente da lide em relação à demandada “B”, condenando-a em 5% das custas do processo e, consequentemente, determinou a redução dos honorários já fixados aos árbitros, em 20%.
8. Em 25.11.2012 o tribunal arbitral proferiu sentença homologatória de acordo celebrado entre a demandante e a demandada “C”, condenando e absolvendo a demandante e a demandada nos seus precisos termos e condenando a demandada nas custas do processo, na proporção de 25% do total dos encargos do processo.
9. No acórdão arbitral as partes foram condenadas, quanto aos 70% de responsabilidade nas custas ainda não atribuídos, em 1/3 a cargo da demandante, 1/3 a cargo da Laboratórios “E” e 1/6 a cargo de cada uma das demandadas “D” e “F”.
O Direito
A LAV não contém norma cominativa de efeitos relativos à falta de contestação em arbitragem. A NLAV, por sua vez, estipula que, ressalvada convenção em contrário das partes, se o demandado não apresentar a sua contestação, o processo arbitral prosseguirá, não podendo o tribunal arbitral considerar aquela omissão, por si mesma, como uma aceitação das alegações do demandante.
Contudo, haverá que levar em consideração o que em especial estiver consignado na lei. No caso dos autos trata-se de arbitragem necessária em que a lei estabelece que se o demandado não apresentar contestação, “o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do n.º 1” (n.º 2 do art.º 3.º), e essa falta de contestação será notificada às partes, ao Infarmed e ao INPI, o qual procederá à sua publicitação no Boletim da Propriedade Industrial (n.º 6 do art.º 3.º). Porém, o tribunal não deverá limitar-se a extinguir a instância, antes deverá proferir sentença condenatória a fim de o credor ficar munido de um título executivo, para o caso de incumprimento (art.º 46.º n.º 1 al. a) e art.º 48.º n.º 2 do CPC de 1961, art.º 703.º n.º 1 alínea a) e 705.º n.º 2 do CPC de 2013). Por outro lado, a ação continha outros pedidos, sobre os quais não houve declaração confessória e em relação aos quais sempre teria de se produzir prova, pois existiam outras demandadas, que deduziram contestação. Por isso, cremos que justificadamente, o tribunal arbitral decidiu manter a instância em relação às demandadas “D” e “F”.
No que concerne à responsabilidade das demandadas não contestantes, cremos, à semelhança do ajuizado por esta Relação no já supracitado acórdão de 07.11.2013, processo 854/13.0YRLSB-6, que a sua ação (das demandadas) de requerer AIM de um medicamente genérico respeitante a direitos de propriedade industrial em vigor deu causa à ação, pois a demandante viu-se obrigada a instaurar a arbitragem para não perder os seus direitos perante as demandadas, atento o disposto no art.º 3.º n.º 1 da Lei n.º 62/2011.
A proporção de responsabilidade nas custas atribuída pelo tribunal arbitral a cada uma das demandadas “D” e “F” (1/6 de 70%, ou seja, metade da responsabilidade nas custas atribuída à demandante e metade da atribuída à Laboratórios “E”) afigura-se-nos adequada.
Assim, as apelantes/demandadas “D” e “F” terão parcial ganho de causa, no recurso, na medida em que esta Relação fixou os encargos em valores inferiores aos resultantes da decisão da Relação (do acórdão do tribunal arbitral emergiam encargos no valor total de € 164 700,00 de honorários para os árbitros, € 580,00 de deslocações dos árbitros e € 15 200,00 de encargos administrativos (mais IVA) e esta Relação fixou tais encargos em € 137 250,00 de honorários, € 580,00 de despesas de deslocação e € 15 200,00 de encargos administrativos).
Décima questão (extemporaneidade da nota de liquidação de encargos da arbitragem)
Proferida que foi a decisão arbitral final, em 14.12.2012 os serviços do Centro de Arbitragem Comercial da Associação de Comércio de Lisboa enviaram às partes liquidação dos encargos de arbitragem, conforme fls 1745 a 1747.
A demandadas Laboratórios “E”, “D” e “F” requereram que essa conta fosse dada sem efeito, por a sentença arbitral ainda não ter transitado em julgado.
O tribunal arbitral indeferiu tal requerimento.
A demandada Laboratórios “E” apelou desse despacho de indeferimento do dito requerimento.
Vejamos.
Conforme se disse no despacho recorrido, “a existência de recurso da decisão em nada altera o facto de haver que liquidar os encargos da arbitragem após a extinção da mesma. Efectivamente, o recurso da sentença corresponde a uma fase judicial do processo, que obedece a regras e encargos distintos dos do processo arbitral.” De facto, assim é. E uma vez que o recurso da decisão arbitral tem apenas efeito devolutivo, ou seja, não tem efeito suspensivo da decisão (art.º 3.º n.º 7 da Lei n.º 62/2011), nada obstava a que fosse de imediata efetuada a liquidação do devido a título de encargos da arbitragem (sem prejuízo dos efeitos de eventual alteração, por esta Relação, em sede de recurso, da decisão arbitral quanto a custas).
A demandante Laboratórios “E” decai, pois, quanto a esta apelação.


DECISÃO

Pelo exposto:
1.º Julga-se a primeira apelação da demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A., a apelação da demandada “C” - Laboratórios ..., S.A. e a apelação das demandadas Laboratórios “D”, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A., parcialmente procedentes e consequentemente:
a) Revoga-se a decisão arbitral final na parte em que se condenou as demandadas Laboratórios “D”, S.A., Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. e “F” – Produtos Farmacêuticos, S.A. a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas na petição inicial e, bem assim, se condenou cada uma das referidas demandadas a pagar à demandante, por cada dia de violação no cumprimento da condenação, a quantia de € 10,000,00 (dez mil euros) por dia, a título de sanção pecuniária compulsória e, em sua substituição, absolve-se as demandadas de tais pedidos;
b) Revoga-se o despacho proferido pelo tribunal arbitral em 29.8.2012, na parte em que qualificou o processo de complexo para o efeito de elevação dos honorários dos árbitros e determinou a aplicação do coeficiente de 1,5 para tal elevação, e em sua substituição, fixa-se os encargos da arbitragem pela seguinte forma: € 137 250,00 (cento e trinta e sete mil duzentos e cinquenta euros) a título de honorários dos juízes-árbitros, € 580,00 (quinhentos e oitenta euros) a título de despesas de deslocação dos árbitros e € 15 200,00 (quinze mil e duzentos euros) a título de encargos administrativos, devidos ao Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, tudo acrescido do IVA que for devido;
c) No mais, mantêm-se as decisões recorridas;
2.º Julga-se improcedente a segunda apelação da demandada Laboratórios “E” – Indústria Farmacêutica, S.A. e consequentemente mantém-se o despacho recorrido.
Em virtude do decaimento da demandante no que concerne à condenação das demandadas remanescentes na proibição de transmissão a terceiros das AIMs e no pagamento de sanção pecuniária compulsória, altera-se a proporção da responsabilidade pelas custas da demandante e das demandadas Laboratórios “E”, “D” e “F”, na instância arbitral, que será, em relação aos 70% remanescentes dos encargos devidos na instância arbitral, 50% a cargo da demandante, 25% a cargo da Laboratórios “E” e 12,5% a cargo de cada uma das demandadas “D” e “F”.
As custas da 1.ª apelação da demandada Laboratórios “E” serão a cargo da apelada/demandante e da apelante, na proporção de 1/3 pela apelada/demandante e 2/3 pela apelante/demandada (pois o ganho da apelante a nível de custas não foi muito relevante e o ganho a nível da condenação quanto ao fundo da ação, que impugnara na totalidade, se limitou a vertentes dependentes e acessórias do pedido principal, que era o primeiro pedido – art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC de 2013, art.º 446.º n.ºs 1 e 2 do CPC de 1961).
As custas da apelação das demandadas “D” e “F” serão a cargo da apelada/demandante e das apelantes, na proporção de 2/10 pela apelada e 4/10 por cada uma das apelantes/demandadas;
As custas da apelação da demandada “C” serão a cargo da apelada/demandante e da apelante, na proporção de 2/10 pela apelada e 8/10 pela apelante;
As custas da segunda apelação da demandada Laboratórios “E” serão a cargo da apelante.
Fixa-se o valor da primeira apelação da demandada Laboratórios “E” em € 10 000 000,00 correspondente à impugnação da totalidade da condenação de que foi alvo na instância arbitral – artigo 305.º do CPC de 1961 (art.º 296.º do CPC de 2013) e art.º 12.º n.º 2, do RCP.
Fixa-se o valor da apelação das demandadas “D” e “F” em € 51 809,64 (valor das custas que lhes haviam sido imputadas na instância arbitral e de que apelaram).
Fixa-se o valor da apelação da demandada “C” em € 55 497,60 (valor das custas que lhe haviam sido imputadas na instância arbitral e de que apelou).
Fixa-se o valor da segunda apelação da demandada Laboratórios “E” em € 51 809,65 (valor das custas que lhe haviam sido imputadas na instância arbitral e contra cuja liquidação imediata apelou).
Todas as taxas de justiça devidas pelas apelações serão calculadas de acordo com a coluna B da Tabela I do RCP (art.º 7.º n.º 2 do RCP).
Notifique este acórdão, além das partes, aos senhores juízes-árbitros, ao Centro de Arbitragem Comercial da Associação Comercial de Lisboa, ao Infarmed e ao INPI.

Lisboa, 13.02.2014

Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
Eduardo José Oliveira Azevedo