Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2169/21.1T9CSC.L1-9
Relator: SIMONE ABRANTES DE ALMEIDA PEREIRA
Descritores: PROCESSO SUMARISSIMO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
DEVOLUÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO
DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
RECORRIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Recorribilidade das decisões interlocutórias em processo sumaríssimo:
I. A regra da irrecorribilidade das decisões nucleares [despacho de rejeição do requerimento do Ministério Público de aplicação de tal forma de processo e despacho final que procede à aplicação da sanção, que equivale, nos termos da lei, a sentença condenatória] proferidas em processo sumaríssimo não é aplicável às decisões interlocutórias.
II. Sendo questionável, a [in] congruência de tal opção legislativa, está vedada a possibilidade de aplicação analógica do artigo 395º, nº 4, nos termos conjugados dos artigos 4º do CPP e artigo 10º do Código Civil [ainda que seja discutível se estamos perante norma excepcional que não comporta aplicação analógica (artigo 11º do Código Civil) ou apenas perante uma norma especial].
III. Perante um processo judicial que se iniciou com forma de processo sumaríssima por o arguido ter paradeiro certo [o arguido é necessariamente ouvido antes de ser tomada a opção por esta forma de processo nos termos do artigo 392º e foi-lhe aplicada medida de coação de Termo de Identidade e Residência], deve o tribunal indagar junto das duas moradas disponíveis nos autos [a do pai do arguido e a indicada no TIR] se o arguido ali vive, ou se conhecem o seu paradeiro, ou onde o mesmo eventualmente trabalha. Só após tal diligência, que foi omitida e se afigura essencial ao cumprimento da notificação prevista no artigo 396º, nº 1, al. b) e nº 2 do CPP, se pode concluir pela inadequação da forma processual seguida e pela necessidade de reenvio para outra.
(da inteira responsabilidade da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
No processo nº 2169/21.1T9CSC que corre termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Cascais, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, o Ministério Público requereu, ao abrigo do artigo 392º do Código de Processo Penal, a aplicação de pena não privativa da liberdade, em processo sumaríssimo, ao arguido A, nos autos identificado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, nº 1 e 2, do DL 2/98, de 3 de Janeiro.
Por despacho judicial de 09.03.2022 foi determinada a autuação dos autos como processo sumaríssimo, recebido o requerimento apresentado pelo Ministério Público, pelos factos nele descritos, com o enquadramento jurídico e com as sanções penais propostas e determinada a notificação do arguido, através da autoridade policial competente, para, querendo, deduzir oposição às sanções propostas, no prazo de 15 dias.
Solicitada a notificação do arguido à autoridade policial, com referência à morada da Rua ...., Alcabideche, a mesma informou, por ofício junto aos autos em 10.05.2022, que “(…) nas deslocações efectuadas à morada…nunca foi possível estabelecer qualquer contacto com o visado. Contudo foi entregue um aviso ao pai do visado bem como foi deixado outro na caixa do correio (…)”.
 Por despacho judicial de 20.05.2022 foi determinado que a notificação do arguido fosse efectuada na morada indicada no Termo de Identidade e Residência, prestado a fls. 30 dos autos, sita na “Rua ..., Alcabideche”.
Por ofício junto aos autos em 25 de Julho de 2022, a autoridade policial informou não ter efectuado a notificação, por não ter sido possível estabelecer contacto com o notificando, tendo sido deixado aviso à “madrasta B”.
Nessa sequência, foi proferido despacho judicial, em 02.09.22, que considerou inviável a notificação pessoal do arguido do despacho de admissão do requerimento do Ministério Público e determinou a devolução dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.

Inconformado com o identificado despacho de 02.09.2022, vem o Ministério Público interpor recurso, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
1.
Os presentes autos tiveram início com a elaboração de auto de notícia, por factos ocorridos a 14 de março de 2021, tendo sido, na sequência, constituído na qualidade de arguido e submetido a termo de identidade e residência A, após convocatória para o efeito (fls. 20 a 23), no qual consta como morada, para efeitos de notificação: Rua ..., Alcabideche.
2.
O arguido compareceu na data para a qual foi notificado (fls. 24), foi acompanhado em tal por Defensora Oficiosa nomeada em tal acto, e foi ouvido em interrogatório, em conformidade com o despacho proferido a 19 de outubro de 2021 (fls. 14), sendo informado da possibilidade de aplicação do processo sumaríssimo, respectiva tramitação e esclarecido sobre o seu significado, o que o mesmo aceitou (como decorre do teor de fls. 27 dos autos, devidamente assinada pelo arguido).
3.
Elaborado requerimento em processo sumaríssimo (fls. 43 a 45, datado de 23 de fevereiro de 2022), foi o mesmo recebido por despacho de 9 de março de 2022, por não se considerarem verificadas quaisquer das situações previstas no artigo 395.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, e determinada a notificação ao arguido, em conformidade com o disposto no artigo 396.º do Código de Processo Penal.
4.
Em face disso, foi solicitado à GNR que procedesse à notificação do arguido, que, através dos ofícios de 10 de maio de 2022 (duas tentativas de notificação à mesma hora) e 25 de julho de 2022 (uma tentativa de notificação em horário diferente das efectuadas e identificadas no ofício de 10 de maio de 2022) veio dar conhecimento de que deixou convocatórias e avisos com pessoas terceiras, sem que tivesse sido possível notificar o arguido (ou sem que concluísse no sentido de que o arguido ali não reside).
5.
Junto o ofício de 25 de julho de 2022 (foi determinada a realização de nova notificação por determinação decorrente de despacho proferido a 20 de maio de 2022), e sem que os autos fossem ao Ministério Público, com vista a pronunciar-se sobre o seu teor, foi proferida a decisão que ora se põe em crise e que entendeu que ‘do ofício que antecede avulta a insusceptibilidade de notificação pessoal do arguido do despacho de admissão do requerimento do MP, tendente à aplicação de sanção em processo sumaríssimo.
Assim, apesar das diligências empreendidas, infrutíferas, não se nos afigura razoável nem cabido na ratio legis, que estes autos se mantenham a aguardar quiçá sine die, pelo resultado positivo daquela notificação (atendendo a que a aplicação do processo sumaríssimo se destina a tutelar situações de gravidade média a reduzida, de forma célere e ágil)’, determinando-se a consequente remessa dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual.
6.
Consideramos que tal decisão, por violadora do disposto nos artigos 392.º e 396.º, ambos do Código de Processo Penal, deve ser revogada e substituída por outra em conformidade com o entendimento que pugnamos.
7.
Sempre se dirá, antes de mais, que a decisão de que ora se recorra, não integrando a definição de despacho irrecorrível (artigos 395.º, n.º 4 e 397.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal), não deixará de ser passível de recurso, nos termos do artigo 399.º do Código de Processo Penal e em consonância com o próprio teor dos arestos invocados no referido despacho.
8.
O processo sumaríssimo, integrando as formas de processo especial, constitui uma forma de resolução do conflito penal quando não se mostre possível a aplicação da suspensão provisória do processo e se verifiquem os pressupostos previstos na lei, assim se privilegiando as soluções de consenso no tratamento dos casos de pequena e média criminalidade, como o caso dos presentes autos.
9.
No caso dos autos, como decorre claro e expresso do teor do despacho de fls. 14, a possibilidade da aplicação do processo sumaríssimo foi equacionada em momento prévio ao do interrogatório do arguido e este ouvido em declarações com essa finalidade e tendo de tal pleno conhecimento concordou com a sua aplicação (v. fls. 27).
10.
Do que decorre que, atendendo às circunstâncias e ao ilícito em causa, e sendo certo que não se mostra relevante ou constitui pressuposto, o arguido ‘assentiu’ com a referida forma processual e criou a expectativa sobre o resultado do processo e a possibilidade de poder não ser sujeito a julgamento.
11.
Claramente, e tendo por consideração a forma de processo em causa, os autos não podem aguardar pela realização de inúmeras tentativas, de forma indefinida, com vista a aguardar a notificação positiva do arguido.
12.
Mas a incompatibilidade que possa advir de tal número infinito de diligências, já não resulta quando se faça uma nova tentativa, se façam algumas diligências, consubstanciadas na junção aos autos de pesquisas efectuadas nas bases de dados ou se afira se efectivamente a tentativa de notificação se mostra correcta, o que claramente não ocorreu nos presentes autos.
13.
Efectivamente, para que exista ‘avultada insusceptibilidade de notificação pessoal do arguido’, têm, pelo menos, de ser realizadas as mais básicas e essenciais diligências – e não um sem fim delas – com vista a permitir a autoridade policial de efectivar a notificação solicitada, diligências que, por certo, teriam sido solicitadas caso os autos tivessem sido apresentados ao Ministério Público para se pronunciar quanto ao teor do ofício junto pela GNR.
14.
Ora, no caso dos autos verifica-se que, não só não foi tentada uma notificação diversificada ao arguido – em três tentativas de notificação, o OPC apresentou-se em duas delas à mesma hora , uma vez que a informação permitia concluir que o mesmo ali reside, como também não foram realizadas outras diligências – junção de elementos disponíveis através das bases de dados – com vista a apurar de outra morada de notificação, nomeadamente a profissional.
15.
Só após a realização de tais diligências, e resultando das mesmas frustrada a notificação, é que se poderia concluir pela insusceptibilidade de notificação. É esse o único entendimento que se coaduna com o disposto no artigo 392.º, n.º 2 do Código de Processo Penal e com o espírito do sistema, do qual decorre que cabe ao Tribunal ordenar a realização dos actos necessários à efectivação da notificação, entendidos os mesmos como essenciais à prossecução dos fins do processo penal.
16.
Assim, em face do exposto, deve a decisão judicial de que ora se recorre ser revogada, tendo por consideração todos os argumentos e fundamentos aduzidos, por se mostrar violadora dos artigos 392.º e 396.º do Código de Processo Penal e substituída por outra que determine a notificação do arguido na morada constante do termo de identidade e residência, com solicitação ao OPC para que se desloque à mesma em horas diversas, nos termos e para os efeitos no artigo 396.º do Código de Processo Penal e, caso a mesma não seja possível, serem apresentados os autos para promover pela realização de diligências pertinentes e não decorrendo das mesmas qualquer informação útil, ser nesse momento determinada a devolução dos autos ao Ministério Público, em concordância com o disposto no artigo 398.º do referido diploma legal.
Pelo exposto, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão judicial recorrida e substituindo-a por outra nos termos determinados, só assim se fazendo a esperada e costumada
JUSTIÇA!
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O recurso foi admitido por despacho proferido a 04.10.2022, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Pelo arguido não foi apresentada resposta.
 
Remetidos os autos a este Tribunal da Relação de Lisboa, pelo Ex.º. Procurador-Geral Adjunto foi lavrado parecer, no qual declara aderir à argumentação expendida pelo Ministério Público em 1ª instância, pugnando pela revogação da decisão recorrida.

Cumprido o preceituado no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o artigo 419º do Código de Processo Penal, cumpre decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso (cf. art.º 412.º e 417.º do Cód. Proc. Penal e, entre outros, Acórdão do STJ de 29.01.2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1, 5ª Secção).
Assim, atentas as conclusões do recorrente, cumpre apreciar:
a) Questão prévia relativa à admissibilidade do recurso;
b) [In] conformidade legal do despacho que determina a devolução dos autos ao Ministério Público para tramitação sob outra forma processual apenas com base na informação da autoridade policial de que não foi possível proceder à notificação pessoal do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 396º, nº 2 do Código de Processo Penal [notificação para deduzir, querendo, oposição à sanção proposta].
Delimitado o objecto do recurso e mostrando-se descrito no relatório da presente decisão, todo o processado constante dos autos, impõe-se apreciar.

A) Teor do despacho recorrido:
«Do ofício que antecede avulta a insusceptibilidade de notificação pessoal do arguido do despacho de admissão do requerimento do MP, tendente à aplicação de sanção em processo sumaríssimo.
Assim, apesar das diligências empreendidas, infrutíferas, não se nos afigura razoável nem cabido na ratio legis, que estes autos se mantenham a aguardar quiçá sine die, pelo resultado positivo daquela notificação (atendendo a que a aplicação do processo sumaríssimo se destina a tutelar situações de gravidade média a reduzida, de forma célere e ágil).
Neste sentido vide Ac. TRG de 06.09.2004, proc. 1276/04-2 e Ac. TRP de 17.12.2008, proc. 5898/08 - 4/8.
Em consequência, solicite ao OPC a devolução dos mandados de notificação sem cumprimento e, nos termos do art.º 398.º do CPP, devolva ao MP para tramitação sob outra forma processual.».
                                                  
B) Apreciação dos fundamentos de recurso:

Questão prévia – admissibilidade do recurso:
O Ministério Público, não obstante ter interposto o recurso em apreciação pressupondo a recorribilidade do despacho em causa, suscitou a questão da admissibilidade do mesmo, como questão prévia.
Reitera-se aqui a posição assumida pelo relator, em sede de exame preliminar, quanto à recorribilidade do despacho em causa, não obstante a regra da irrecorribilidade das decisões proferidas em processo sumaríssimo.
Como sabemos, o processo sumaríssimo corresponde a uma das formas especiais de processo previstas no Código de processo Penal, regulada nos artigos 392º a 398º, que, a par do processo sumário e abreviado, foi consagrado com o objectivo [entre outros – preâmbulo do D.L. 87/87, de 17 de Fevereiro] de implementar um sistema processual simplificado e desburocratizado, direcionado à denominada pequena e média criminalidade [artigo 392º], com o fim último de alcançar eficácia e celeridade.
Reflectindo tal desiderato, o seu regime processual prevê consideráveis desvios às regras gerais do processo comum, nomeadamente em matéria de recorribilidade das decisões nele proferidas, consagrando, expressamente no nº 4 do artigo 395º, ser irrecorrível o despacho de rejeição do requerimento do Ministério Público de aplicação de tal forma de processo e, no nº 2 do artigo 397º, ser igualmente insusceptível de recurso ordinário o despacho final que procede à aplicação da sanção, que equivale, nos termos da lei, a sentença condenatória.
Pese embora o legislador tenha consagrado para duas fases nucleares do processo sumaríssimo, a irrecorribilidade das correspondentes decisões, não consagrou, com carácter geral para esta forma de processo, a inadmissibilidade de recurso das decisões interlocutórias. Sendo questionável, a [in] congruência de tal opção, afigura-se estar vedada a possibilidade de aplicação analógica do artigo 395º, nº 4, nos termos conjugados dos artigos 4º do CPP e artigo 10º do Código Civil [ainda que seja discutível se estamos perante norma excepcional que não comporta aplicação analógica (artigo 11º do Código Civil) ou apenas perante uma norma especial]. Tal norma respeita à [in] verificação dos requisitos legais de que depende a admissibilidade da forma de processo sumaríssimo e consequentemente do início da fase jurisdicional do processo. O despacho interlocutório recorrido respeita ao fim do processo sumaríssimo, depois de iniciado, e antes da decisão final prevista para tal fase.
Por conseguinte, afigurando-se não ser uma situação análoga, nem estamos perante um despacho de expediente [põe fim à forma processual com que o processo judicial se iniciou], impõe-se concluir ser o despacho em causa é recorrível, nos termos gerais dos artigos 399º e 400º do Código de Processo Penal, pelo que se conhece do recurso[1].
Conformidade legal do despacho com com regime processual aplicável:
Como se infere da argumentação expendida na motivação e conclusões recursórias [conclusão 11], a discordância relativamente ao despacho recorrido não se reporta à [im] possibilidade de por fim à forma de processo sumaríssimo e determinar o reenvio do processo para outra forma processual, por causa superveniente à verificação inicial dos seus requisitos, mas tão só à oportunidade, que o recorrente considera prematura, de tal remessa para outra forma.
O despacho recorrido insere-se na fase, prevista no artigo 396º, de notificação do arguido para deduzir oposição à aplicação da sanção, não se suscitando dúvidas de que o processo não poderá avançar para a fase seguinte [fase decisória] sem que seja obtida, por via de notificação e com as formalidades exigentes previstas no nº 2, a aceitação do arguido em relação ao requerimento previsto no artigo 395º do CPP. Tal exigência decorre do necessário consenso em que assenta esta forma do processo e que a distingue das demais [concordância do juiz, arguido e Ministério Público e/ou assistente].  
No caso dos autos o Tribunal a quo, na sequência da primeira tentativa de notificação do arguido [porquanto a anteriormente realizada foi remetida pela secretaria para uma morada que não é a constante do TIR, prestado a fls. 30], cujo resultado foi o de não notificação por não ter sido possível estabelecer contacto com o notificando, tendo sido deixado aviso à “madrasta B”[conforme ofício da autoridade policial de 25 de Julho de 2022],  considerou ser definitivamente inviável a notificação pessoal do arguido e a manutenção da forma do processo, tendo determinado o seu reenvio ao Ministério Público para seguir sob outra forma processual.
Não deixando de acolher as considerações vertidas no despacho recorrido relativamente aos princípios de celeridade que enformam esta forma processual, incompatíveis com o eternizar de diligências de localização do paradeiro do arguido, não podemos acompanhar o juízo de “insusceptibilidade de notificação pessoal” que formulou apenas com base na informação da autoridade policial que o suporta.
Como bem refere o recorrente, a autoridade policial não indagou [podendo e devendo] junto da pessoa a quem entregou o aviso, que se identificou como sendo madrasta do arguido, se aquele ali vivia ou ali viveu e entretanto deixou de viver.
Estamos perante um processo judicial que se iniciou com forma de processo sumaríssima por o arguido ter paradeiro certo [o arguido é necessariamente ouvido antes de ser tomada a opção por esta forma de processo nos termos do artigo 392º e foi-lhe aplicada medida de coação de Termo de Identidade e Residência], pelo que se afigura da mais elementar diligência indagar junto das duas moradas disponíveis nos autos [a do pai do arguido e a indicada no TIR] se o arguido ali vive ou se conhecem o seu paradeiro ou onde o mesmo eventualmente trabalha. Só após tal diligência, que foi omitida e se afigura essencial ao cumprimento da notificação prevista no artigo 396º, nº 1, al. b) e nº 2 do CPP, se pode concluir pela inadequação da forma processual seguida e pela necessidade de reenvio para outra, sob pena de se poder contribuir, por essa via, para a nulidade prevista no artigo 120º, nº 2 al. a) do CPP.
Por conseguinte, temos que concluir estarmos perante uma irregularidade processual que se impõe reparar [artigo 123º, nº 2 do CPP], devendo o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que determine a averiguação do paradeiro do arguido, nomeadamente se deixou de viver na morada por si indicada no TIR.

O recurso merece provimento.

III- DISPOSITIVO
Pelo exposto, acordam os Juízes que integram a 9ª secção deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, revogando-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que determine as diligências necessárias para o apuramento de que o arguido tem paradeiro incerto.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 23 de Fevereiro de 2023
(Texto elaborado pela relatora e revisto, integralmente, pelas signatárias)
Simone Abrantes de Almeida Pereira
Lídia Renata Goulart Whytton da Terra
Maria José Cortes

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[1] Neste sentido V. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14.12.2011, publicado in www.dgsi.pt [processo 2842/10.0 TAGDM.P1]