Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7067/18.3T8LSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CONDOMÍNIO
PARTES COMUNS
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Sendo verdade que na propriedade horizontal existe um grupo organizado em que os condóminos concorrem para a formação a vontade do grupo, segundo as regras da colectividade e que o condomínio recolhe ou empresta das pessoas colectivas alguns instrumentos e age nas relações externas quer nas internas como sujeito diferente dos condóminos, não há uma ligação necessária entre a colegialidade e a personalidade jurídica, não se deduzindo a personificação do grupo da organização de base colegial, não obstante o condomínio ter uma vontade própria que é formada, manifestada e actuada por órgãos próprios (assembleia de condóminos e administração), este sistema de gestão faz com que os actos legalmente formados sejam plenamente eficazes para todos os elementos do grupo ainda que ausentes e estranhos ao procedimento de formação da vontade, mas qualquer condómino continua titular dos seus direitos na medida em que o método colectivo respeita apenas ao seu meio de exercício.
II- Independentemente de se considerar que na propriedade horizontal as partes comuns são instrumentais ou acessórias da propriedade singular de cada um dos condóminos sobre as fracções, independentemente de se considerar que existem titularidades principais ou acessórias ou uma única titularidade, independentemente de se considerar que em algumas situações o direito da propriedade singular sobre cada uma das fracções cede, no contexto da propriedade horizontal, perante o interesse colectivo, decorrente da forçada convivência entre os diversos condóminos que, das partes comuns, forçosamente, se têm de servir, parece-nos que não é possível construir dogmaticamente um conceito de direito real de gozo autónomo do direito de propriedade, já que os condóminos adquiriram, efectivamente, pelo contrato de compra e venda, o direito de propriedade sobre as fracções autónomas identificadas no respectivo título translativo do mesmo direito. Questão diferente é a de saber a posição do Condomínio e do Administrador face aos condóminos
III-A obrigação dos condóminos quanto ao pagamento das quotizações não é uma obrigação solidária antes uma obrigação conjunta. E é conjunta por uma outra razão e que se prende com a natureza jurídica do Condomínio. A ficção doutrinária de que o Condomínio é uma pessoa colectiva ou uma sociedade, não tem na letra da lei uma expressão mínima, mesmo até imperfeitamente expressa, nenhuma dificuldade existindo para que o legislador o dissesse expressamente, acresce que o art.ºs 12/e e o art.º 26 apenas atribuem personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal e circunscrito às acções que se inserem nos poderes do administrador.
IV- Sendo a obrigação de cada condómino quanto ao pagamento das respetivas quotizações e despesas uma obrigação conjunta, não actuando o Condomínio como credor antes, nas relações internas nessa parte como cobrador das receitas necessárias à realização das despesas nas partes comuns, que a lei a seu cargo impõe, a obrigação de reparação dos espelhos de água (mesmo aquele afecto ao uso exclsuivo da fracção da Autora) a cargo de todos os condóminos, parte comum, é uma obrigação sem prazo, da acta da AG de condóminos que aprovou o orçamento da despesas de reparação de espelhos de água não resulta sequer qualquer prazo para a realização das obras considerando que para a realização delas é necessário que exista dinheiro no fundo de reserva ( ou que se constitua mediante reforço), dinheiro esse que vem precisamente dos condóminos em razão das permilagens cujo pagamento a lei impõe e sem o qual não é possível realizar qualquer obra em partes comuns, essa interdependência das duas evidencia o sinalagma funcional e a inexistência de prazos diferentes para co cumprimento das duas obrigações tal como exigido pelo art.º 428 do Cciv.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.

I-RELATÓRIO

APELANTE/AUTORA: IMOMATH, S.A. (representada em juízo, juntamente com outras pela ilustre advogada AM… com escritório em Lisboa conforme instrumento de Procuração de13/12/2017 de fls. 49 v.º a qual substabelece sem reserva na pessoa da ilustre advogada CL…, com escritório na mesma morada conforme cópia do instrumento de procuração de 29/8/2018 de fls.128)
APELADO/RÉU: CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO MYTHOS (representado em juízo, juntamente com outro pelo ilustre advogado AF… com escritório em Lisboa conforme cópia do instrumento de procuração de 13/4/2015 de fls. 122 dos autos).
Valor da acção: 57.840,00 euros (despacho de 12/2/2019 de fls. 185 v.º)
I.1 Inconformada com o teor da sentença de 8/7/2019 dela apelou a Autora em cujas alegações em suma conclui:
1. O Tribunal proferiu a seguinte decisão condenatória : “condena-se o réu a proceder às obras de reabilitação do espelho de água existente no terraço de uso excluivo da fracção BF contra o simultâneo pagamento pela autora do valor da totalidade das quotizações de despesas comuns e de fundo de reserve do ano de 2017, bem como a quotização de despesas comuns e de fundo de comum de reserve do 1.º trimestre de 2018, no valor total de € 17.594,51; atendendo ao teor da contestação apresentada pelo réu e de todas as suas peças processuais subsequentes, em momento algum o mesmo formulou um pedido reconvencional de reclamação de quotizações de condomínio em atraso conforme resulta evidente quern a petição inicial apresentada em 26/3/2018, quer no articulado aperfeiçoado de fls 129 e seguintes, a Autora não peticionou a sua própria condenação em quotizações de condomínio, estando o Tribunal limitado pelo princípio do pedido, conforme plasmado também no art.º 609/1 do Código de Processo Civil; a patente desconformidade existente entre o teor da sentença do Tribunal a quo e o objecto do litígio, visto que à pretensão formulada pela Autora, o ora réu nada acrescentou ao objecto do litígio, em sede reconvencional, constitui uma nulidade que se torna mais evidente pela leitura do despacho saneador com a referência 385614327 do qual consta como objecto do litígio apurar se a ré incorre em responsabilidade por facto ilícito e culposo que a obrigue as obras e a indemnizar a autora e se a autora actuou em litigância de má fé, sendo por isso a sentença nula nos termos dos art.ºs 609/1 e 615/1/e ambos do Código de Processo Civil, na parte em que condena a Autora a liquidar quotizações ao réu. [Conclusões I a X]
2. Deve considerar-se provado por acordo entre as partes o facto alegado pelo recorrido no art.º 11.º da contestação e que a Autora não contrariou: “Quando em 19 de Dezembro de 2014 se realizou a Assembleia Extraordinária de condóminos cujo ponto dois da ordem de trabalahos era a apresnetação discussão e aprovação da rearação dos quarto espelhos de água do edifício, foi aprovado o orçamento da sociedade Castelhano & Ferreira, S.A. apenas na parte que previse a repatraçãoi e manutenção dos espelhos de água (cerca de 16.000,00€ acrescidos de IVA), excluindo-se a construção a cargo do réu do deck na área remanescente de cada terraço(…)”, facto esse que se deve aditar na redacção do facto 4 dado como provado. [Conclusões XI a XIII]
3. Quando existam prazos diferentes para as prestações, a excepção do não cumprimento prevista no art.º 428/1 do Código Civil só pode ser invocada por quem deva proceder ao seu cumprimento em segundo lugar e no caso concreto conforme document seis junto com a p.i. apresentada pela recorrente e o art.º 11.º da contestação do recorrido, no dia 19 de Novembro de 2014 foi realizada Assembleia Geral de Condóminos, na qual foi aprovado o orçamento para as obras de reparação e reabilitação dos espelhos de água, pelo que, a obrigação de reparação e manutenção do espelho de água da fracção in casu nasceu no momento da sua deliberação na AG de 19/11/2014, quanto às quotizações mencionadas pela sentença a quo no facto 15 da matéria de facto considerada provada e na respective condenação, essas obrigações apenas foram vencendo no decurso de 2017 e de 2018, respectivamente, ou seja, eram prestações devidas em momentos notoriamnete posterior, as obrigações do recorrente e do recorrente não são sinalagmáticas, sendo certo que, nem era temporalmente possível o seu cumprimento em simultâneo, dado que a aprovação das obras ocorreu em 2014 e as quotizações tiveram vencimento em 2017 e 2018, não sendo estas sequer exigíveis em 2014, não podendo o recorrido beneficiarse da excepção de não cumprimento quando lhe cabia o cumprimento da sua obrigação em primeiro lugar, pelo que deve o recorrido ser condenado a proceder às obras de reparação e de reabilitação do espelho de água existente no terraço de uso exclsuivo da fracção BF sem que seja imposto ao recorrnete o cumprimento de qualquer obrigação ao recorrido. [Conclusões XIV a XIX]
Termina pedindo a revogação da sentença que considere como facto provado que or orçamento para as obras de reparação e de reabilitação dos espelhos de água não só foi discutido mas também aprovado em Assembelia de Condóminos de 19 de Novembro de 2014, sendo a sentença considerada nula na parte em que condena a recorrente a liquidar a totalidade das quotizações de despesas comuns e de fundo comum de reserve do 1.º trimestre de 2018, no valor de €17.594,51 por condenar em objecto diverso do pedido e pela errónea interpretação efectuada ao art.º 428(1 do CCivil, mantendo-se a condenação do recorrido.
I.2 Em contra-alegações conclui o apelado réu em suma:
a) A sentença recorrida não impôs nenhuma condenação à Autora ora recorrente e muito menos a condenou a pagar ao ora recorrido aquele valor de 17.594,51 €, o único condenado pela sentença a quo foi o réu ora recorrido que foi condenado a realizer as obras de reabilitação do espelho de água no terraço de uso exclsuivo da fracção BF de que a Autora ora recorrnete é locatária e ao julgar a excepção de não cumprimento suscitada pelo Réu recorrido a sentença recorrido limitou o âmbito de aplicação da mesma, definiu até onde vai a excepção, até onde se pode valer o ora réu recorrido para não realizer as obras de reabilitação do espelho de água existente no terraço de uso exclsuivo da fracção BF de que a Autora ora recorrente é locatária, que foi condenado a executar, desde que a Autora, ora recorrente, pague ao Réu ora recorrido, a quantia de 17.954,51 euros correspondente à totalidade das quotizações de despesas comuns e de fundo comum de reserve do ano de 2017, bem como as quotização de despesas comuns e do fundo comum de reserva do 1.º trimestre do ano de 2018, o réu ora recorrido não se pode escusar a realizar as obras de reabilitação do espelho de água existente no terraço do uso exclsuivo dessa fracção, não obstante na presente data a dívida para com o réu ora recorrido ser bem superior àquele montante, pelo que a sentença a quo não condena em objecto diverso do pedido não violou o artº 609/1 do Código de Processo Civil, não é nula nos termos do art.º 615/1/e. [Conclusões 1 a 6]
b) Num edifício construído em propriedade horizontal, os condóminos são comproprietários das suas partes comuns, pelo que as despesas necessárias à conservação das mesmas e ao pagamento das despesas de interesse comum são pagas pelos mesmos (art.ºs 1420/1 e 1424/1 do CCiv) sendo impossível realizar essas despesas sem que os condóminos as paguem sem que estes facultem à Administração do Condomínio os meios financeiros para a realização desse fim, há uma relação de causa e efeito entre a cobrança das receitas do condomínio e a realização das despesas do mesmo, uma verdadeira relação sinalagmática, pelo que é manifesto que as obrigações da Autora recorrnete de pagamento das quotizações de despesas comuns e de fundo comum de reserve são sinalagmáticas com a obrigação do réu recorrido de realizar as obras de reabilitação do espelho de água existente no terraço de uso exclsuivo da fracção BF de que a Autora recorrente é locatária, tais obrigações não têm prazos de cumprimento, são permanentes, a partir do momento em que adquirem a propriedade das suas fracções autónomas os condóminos têm que permanentemente pagar todas as quotizações de despesas comuns e de fundo comum de reserva necessárias à realização das despesas de conservação das partes comuns e de interesse comum e a partir da constituição em propriedade horizontal entre outros, a Administração do Condomínio tem que realizar todos os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns, a partir do momento em que se verifique que os mesmos são necessários, a obrigação de realizar as obras de reabilitação do espelho de água em causa existe a partir do momento em que os condóminos verificaram que o mesmo nunca funcionou, tendo água estagnada, detritos e mosquitos e subsiste até que seja cumprida, a aprovação de um orçamento para a realização de despesas em 2014 não significa que a obrigação de realização das obras em causa nasceu nesse ano nem pode ser interpretada no sentido de que está limitado ao prazo de execução desse mesmo ano, a obrigação é anterior, para além do que estando nós em 2019, cinco anos depois da aprovação do orçamento, o mesmo está desactualizado pelo que já não tem qualquer relevância para o cumprimento da obrigação, a obrigação é permanente, tal como a obrigação de pagar todas as quotizações e despesas comuns de fundo comum de reserva a cargo dos condóminos pelo que as obrigações não têm prazos diferentes da obrigação da recorrida da realzaição das obras, tendo o Tribunal recorrido feito correcta aplicação do art.º 428/1 do Cciv .[Conclusões 7 a 15]
Termina pedindo a manutenção da decisão recorrida.
I.3. Os Juízes-adjuntos tiveram vistos e nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento do recurso.
I.4. Questões a resolver:
a) Saber se a decisão recorrida é nula por ter condenado em objecto diverso do pedido.
b) Saber se deve ser alterada a decisão de facto constante do ponto 4 em razão de admissão por acordo dos factos alegados no art.º11 da contestação;
c) Saber se ocorreu na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do art.º 428 do Cciv
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
II.1. Deu o Tribunal recorrido como provados os seguintes factos cujo 4 vem impugnado na apelação:
1) A autora é locatária da fração autónoma designada pelas letras “BF”, correspondente ao escritório … no ….º andar, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Avenida …, Lote …, freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho e distrito de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número …, inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo …, composta por 6 (seis) lugares de estacionamento com os números 71 a 76, 1 (uma) arrecadação com o número 10 e, 4/101 um terraço com espelho de água, conforme consta do documento de fls. 7v./20 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
2) A autora, na qualidade de locatária, celebrou com a empresa Interway– Representações, S.A. um contrato de sublocação tendo por objeto a fração descrita em 1), pelo prazo de 3 (três) anos, com início em 01 de abril de 2014 e término em 31 de março de 2017, renovável automaticamente por períodos de 1 (um) ano, mediante o pagamento de uma renda mensal no valor de € 4.100,00 (quatro mil e cem euros), conforme consta do documento de fls. 20v./23 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
3) No art.º 2.º, n.º 2 do Regulamento do Condomínio do Edifício Mythos, consta o seguinte: “São partes comuns todas as descritas no artigo 1421.º do Código Civil, bem como, terraços e pátios que tenham acesso exclusivo pelas frações autónomas BD, BF, BI, BK, BM e BN nos termos do documento complementar à escritura de constituição da propriedade horizontal, as salas técnicas, e três instalações sanitárias, localizadas no piso 0, e uma no piso dois”, conforme consta do documento de fls. 24v./36 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
4) A reabilitação dos 4 (quatro) espelhos de água do prédio foi debatida em Assembleia Geral de Condóminos de 19 de novembro de 2014, tendo aí sido apresentada uma estimativa de custos, conforme consta do documento de fls. 37v./40 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
5) O réu enviou à autora, e esta recebeu, a mensagem eletrónica constante a fls. 48 dos autos, datada de 26.06.2015, cujo teor se dá por reproduzido e onde consta, para além do mais, “No seguimento das comunicações anteriores e em conformidade com o acordo entre as partes serve a presente para remeter para Vosso conhecimento carta formal de compromisso da administração do condomínio no prazo de 5 dias úteis após confirmação da liquidação da totalidade da dívida em proceder ao início dos trabalhos de reabilitação do espelho de água do piso 3 adjacente à fração autónoma da qual o Vosso Cliente é proprietário. (…)”.
6) O réu enviou à autora, e esta recebeu, a carta constante a fls. 48v. dos autos, datada de 26.06.2015, cujo teor se dá por reproduzido e onde consta, para além do mais, “(…). O Vosso Cliente deverá compreender que o não cumprimento das suas obrigações enquanto condómino, nomeadamente na ausência de pagamento de quotizações de despesas comuns faturadas, contribuiu para a não execução dos trabalhos adjudicados no âmbito da reabilitação dos espelhos de água, pois sem tesouraria para o efeito, não se avançou com os trabalhos que há muito podiam estar concluídos. (…)”..
7) O réu enviou à autora, e esta recebeu, a mensagem eletrónica constante a fls. 47v. dos autos, datada de 08.07.2015, cujo teor se dá por reproduzido e onde consta, para além do mais, “Serve a presente para dar conhecimento que iniciámos esta manhã os trabalhos de reabilitação dos espelhos de água nos pisos 2 e 6 em conformidade com a adjudicação efectuada. Os trabalhos têm a duração de 2 semanas, pelo que seria de todo favorável ter a oportunidade de executar os trabalhos previstos no espelho de água do piso 3, otimizando as equipas afetas à reparação. Como deverá compreender, temos todo o interesse na resolução desta questão ainda no decorrer do mês de julho. (…)”.
8) O réu procedeu à reabilitação dos espelhos de água do prédio à excepção da fração “BF”.
9) A autora procedeu à liquidação da dívida existente para com o condomínio referente aos anos de 2013, 2014, 2015 e 2016.
10) O réu tem conhecimento, desde a construção do prédio sito Avenida …, Lote …, em Lisboa, que o espelho de água localizado na fração “BF” nunca funcionou, tendo tido água estagnada, com detritos naturais e mosquitos.
11) O referido em 10) não permite a funcionários e clientes da sublocatária que frequentam a fração de usufruir da imagem do espelho de água.
12) A autora solicitou ao réu que procedesse à reparação e reabilitação do espelho de água referido em 10).
13) Os trabalhos de reparação do espelho de água do piso 3 ascendem a quantia que não foi possível apurar.
14) A autora apenas procedeu ao pagamento das quantias referidas em 9) em 11.03.2015, junho de 2017 e março de 2018.
15) A autora encontra-se devedora da totalidade das quotizações de despesas comuns e de fundo comum de reserva do ano de 2017, bem como a quotização de despesas comuns e de fundo de reserva do 1.º trimestre de 2018, no valor total de € 17.594,51.
16) O espelho de água do 3.º piso é um elemento decorativo e ocupa a quase totalidade do terraço do 3.º piso, sendo que quando for cheio de água ninguém poderá aceder e circular no referido terraço
II.2 Deu o Tribunal recorrido como não provados os seguintes factos:
A) No âmbito das negociações encetadas pela autora com a empresa Interway Representações, S.A. para a celebração do contrato de sublocação referido em
2) havia ficado acordado que o valor da renda mensal do imóvel em questão era de € 5.100,00 (cinco mil e cem euros). B) Por o espelho de água localizado no terraço da fração descrita em 1) não se encontrar a funcionar, a autora foi forçada a reduzir o valor da renda mensal em € 1.000,00 (mil euros), sendo certo que os representantes da empresa Interway – Representações, S.A. se encontravam na disponibilidade de liquidar o montante de € 5.100,00 (cinco mil e cem euros) caso o espelho de água se encontrasse em funcionamento.
C) O referido em 10) afecta a imagem da empresa sublocatária da autora.
D) Os trabalhos de reparação do espelho de água do piso 3 ascendem a €8.000,00, a que acresce o respectivo IVA, compreendendo os seguintes trabalhos: a) Limpeza cuidada dos detritos existentes nos espaços entre floreiras, verificação de estado de tela, com recolha dos resíduos para vazadouro; b) Retirada de toda a terra das floreiras, limpeza desta zona, verificação do estado da tela; c) Recolocação da terra retirada da zona das floreiras; d) Fornecimento e montagem de sistema de impermeabilização para floreiras; e) Fornecimento e montagem de sistema de impermeabilização para terraço
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 635, n.º 4, 639, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3. Saber se a decisão recorrida é nula por ter condenado em objecto diverso do pedido.
III.3.1. É do seguinte teor a decisão recorrida no segmento em causa: “…Julga-se a acção  parcialmente procedente e, em consequence, condena-se o réu a proceder às obras de reabilitação do espelho de água existente no terraço de uso exclsuivo da fracção “BF” de que a autora é locatária, contra o simultâneo pagamento pela autora do valor da totalidade das quotizações de despesas comuns e de fundo comum de reserva do ano de 2017, bem como a quotização de despesas comuns e de fundo do reserva do 1.º trimester do ano de 2018, no valor de €17,594,51 euros, absolvendo-se o réu de todos os restantes pedidos formulados…”. Como antecedente lógico desta condenação entre o mais consta: “…Alegou o réu que não procedeu ainda, à reabilitação do espelho de água existente no terraço de uso exclsuivo da fracção “BF” de que a Autora é locatária, uma vez que esta não procedeu ao pagamento das quotizações mensais de despesas comuns e de fundo comum de reserva do condomínio…a autora procedeu à liquidação da dívida existente para com o condomínio referente aos anos de 2013, 2014,2015, 2016 (facto 9) em 11/3/2015, Junho de 2017 e Março de 2018 (cfr facto n.º 14). Contudo resultou também provado que a autora encontra-se devedora da totalidade das quotizações de despesas comuns e de fundo comum de reserva do ano de 2016, bem como as quotizações de despesas comuns e de fundo de reserva do 1.º trimestre de 2018…a excepção de não cumprimento do contrato constitui um instituto legalmenyte previsto no Código Civil, enquanto meio de defesa que permite face ao incumprimento de uma obrigação de uma das partes de um contrato que a contraparte possa incumprir igualmente a sua obrigação, até que se verifique a execução do primeiro…considerando as obrigações de ambas as partes e o facto das obras a realizar constituirem a reabilitação de elemento decorativo em parte comum, mas de uso exclsuivo da fracção da autora, afigura-se-nos não merecer censura a atitude dos réus condomínio de se recusar a proceder à realização das referidas obras sem que a autora proce3da ao pagamento das quantias que tem em dívida para com o condomínio, reconhecendo-se a procedência da excepção de não cumprimento invocada pelo réu…a procedência de tal excepção não obsta ao conhecimento do mérito da presente acção, não devendo o réu ser absolviodo, sem mais, do pedido de condenação do memso na realziação das obras de reabilitação do espelho de água localziado no terraço…
III.3.2. Por despacho do relator de 11/11/2019 entendeu-se indispensável a pronúncia da Meritíssima Juíza do Tribunal recorrido sobre a nulidade, o que veio a ocorrer aos 4/12/2019, como decorre de fls. 355 despacho esse proferido por uma outra Meritísima Juíza que não a autora da sentença recorrida, no qual, em suma, se entende inexistr essa nulidade porque “…o réu defendeu-se invocando, além do mais, que a Autora deve ao réu diversas quotizações…sendo em grande parte responsável pelas dificuldades de tesouraria que o réu sempre atravessou que o impedem de cumprir com todas as suas obrigações de boa gestão das partes comuns. Esta defesa foi entendida na sentença como excepção de não cumprimento e a final face aos factos provados por considerar a excepção procedente, mas reconhecendo a obrigação do réu de realizar as obras de reabilitação, a acção foi judged parcialmente procedente…a Autora não pediu a sua própria condenação no pagamento das quotizações e nem o réu deduziu a reconvenção, todavia, a excepção invocada e como tal reconhecida permite a condenação condicional efectuada em termos análogos aos previstos no art.º 601, n.º 1 do C.P.C., não estando em causa uma condenação em objecto diverso (vedada pelo art.º 609, n.º 1 do C.P.C.)…a excepção dilatória de direitos material ou substantive é material porque fundada em razões de direito substantivo e é dilatória porque não exclui definitivamente o direitos do autor apenas o paralisa temporariamente. Discute-se na doutrina quais são os seus efeitos (se a absolvição do pedido ou a condenação a prestart em siimultêno, mas já não a mera condenação do réu comp parece pretender a Autora, pois isso equivaleria a não reconhecer a procedência da excepção), para determinada orientação a procedência da exceptio tem como efeito a condenação do réu a prestart ao mesmo tempo que o autor, aduzindo-se que a excepção é um meio de defesa destinado a assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo, pelo que a condenação do réu fica subordinada à condição do cumprimento por parte do autor…feito o cumprimento pelo autor, dispensa-se uma nova acção a pedir a condenação do réu, ficando desde logo o autor com uma sentença que o legitima a tornar efectiva a obrigação do réu (neste sentido o Ac RP de 28/11/2017, proferido no processo n.º 9394/15.2yiprt.p1…)”.
III.3.3. Incontestada nesta apelação com força de caso julgado (art.º 635/5), a condenação do réu a efectuar as obras de reabilitação do espelho de água existente no terraço de uso exclusivo da fracção “BF” de que a Autora é locatária, donde a inevitável conclusão de que mesmo a proceder a excepção do não cumprimento (o que se analisará a seguir), nunca o réu Condomínio poderia ser absolvido do pedido como conserquência da procedência da excepção, sem que dessa forma se estivesse a violar o caso julgado formado em torno da condenação. A Autora pediu na acção com base no instituto da responsabilidade civil, entre o mais, a condenação do condomínio na realização das mencionadas obras do espelho de água existente no terraço de uso exclusivo da fracção da Autora e obviamente não pediu a sua própria condenação no pagamento das quotizações que reconhecer estarem em atraso desde logo na p.i.. Na contestação inicial o réu não formula qualquer pedido reconvencional alega nos art.ºs 31 a 36 e 48 que a Autora é em grande parte responsável pelas dificuldades de conseguir honrar os seus compromissos de cumprir em todas as suas obrigações de boa gestão das partes comuns por que à excepção dos pagamentos efectuados em 11/3/2015, 3/2/2017 e 23/11/2017, pelos valores indicados, a Autora deve ao réu a totalidade das quotizações e despesas comuns de reserva do ano de 2017, bem como a quotização de despesas comuns e de fundo comum de reserva do primeiro trimestre do ano de 2018 no valor de 17.594,51 euros, não havendo nenhuma fundamento legal para o réu ser condenado a reparar e impermeabilizar o espelho de água do terraço da Autora enquanto esta não estiver em dia com o pagamento da totalidade das quotizações e despesas referidas. Ou seja, muito embora não tenha sido formulado expressamente um pedido condenatório, existe na alegação do réu um pedido indirecto e uma implícita defesa por excepção que a Meritíssima Juíza qualificou de excepção de não cumprimento e concluiu pela condenação do modo que o fez.
III.3.4. Admitindo que a excepção de não cumprimento procede como se entendeu na decisão recorrida- e é alvo de impugnação no recurso e que a seguir se analisará-, poderá haver uma condenação na realização das mencionadas obras pelo Condomínio contra o pagamento em simultâneo das quotizações por parte da Autora? Aparentemente a decisão parece condicionar a realização da prestação e facto a cargo do réu ao oferecimento simultâneo do pagamento das quotizações em dívida pela Autora ao condomínio o que nos remete para a possibilidade de uma condição condicional que a nível do Supremo tem vindo a ser negada (por todos o Ac do STJ de 7/4/2011 relatado por Lopes do Rego, proferido no processo 419/06.3 TCFUN.L1S1 negação que se retira da redacção do art.º 621 (antigo art.º 673), segundo o qual “se a parte decaiu por não estar verificada uma condição…por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique…o facto se pratique” o que transposto para o caso que nos ocupa, sendo procedente a excepção do não cumprimento por parte do réu, a consequência teria de ser a absolvição do pedido, ainda que temporária. Reitera-se o que acima se disse, ou seja, admitida a procedência da excepção não é já possível, sem ofensa do caso julgado formado, absolver o Condomínio da prestação a seu cargo importa na sentença recorrida. Discute-se na doutrina e na jurisprudência, os efeitos da procedência da excepção: absolvição do pedido (como se sustenta na apelação) ou condenação a prestar em simultâneo (como sustenta a decisão recorrida).
III.3.5. Para determinada orientação, a procedência da “exceptio” tem como efeito a condenação do réu a prestar ao mesmo tempo que o autor, argumentando-se que a excepção é um meio de defesa destinado a assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo, pelo que a condenação do réu fica subordinada à condição de cumprimento por parte do autor. Uma vez feito o cumprimento pelo autor, dispensa-se uma nova acção a pedir a condenação do réu, ficando desde logo o autor com uma sentença que o legitima a tornar efectiva a obrigação do réu; a aplicação analógica do art.662 do CPC (cf. Vaz Serra, in “A Excepção do Contrato Não Cumprido”, B.M.J. nº 67, pg. 33 e ss.).
III.3.6. Para Calvão da Silva (in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pg. 335), “se é verdade que, em virtude das excepções materiais dilatórias, o direito do autor não existe ou não é exercitável no momento em que a decisão é proferida, por falta de algum requisito material, mas pode vir a existir ou a ser exercitável mais tarde”, parece que a “exceptio non adimpleti contractus” não deve obstar ao conhecimento do mérito da acção. “O Juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indirecto pedido de cumprimento” co-envolto na arguição da “exceptio” e salvaguarda do equilíbrio contratual”.
III.3.7. Na jurisprudência a título de exemplo, o Acórdão do S.T.J. de 26/10/2010, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/6/2008, Acórdão da Relação de Coimbra de 13/9/2011 da Relação do Porto de 28/11/2017, no processo 9394/125.2yiptrt, relatado por Graça Mira todos disponíveis na “internet” em www.dgsi.pt.
III.3.8. Outra tese aponta no sentido de que a procedência da “exceptio” implica a absolvição (temporária) do pedido, porque a lei não permite a condenação condicional, sendo que inexiste caso julgado quanto à posterior acção (cf. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, pg. 80 e ss.).
III.3.9. Neste sentido, escreve Miguel Mesquita (in “Reconvenção e Excepção no Processo Civil”, pg. 95): “Afastada no nosso sistema, como resulta do art.º 673º, a figura da condenação condicional, o tribunal não deve, uma vez provada a “exceptio non adimpleti contractus”, condenar o réu a cumprir a prestação se e quando o autor realizar a correspondente contraprestação. Ficando o juiz convencido de que também o autor se encontra em falta, deverá proferir uma sentença absolvendo temporariamente o réu do pedido”.
III.3.10 A nível jurisprudencial, entre outros os Acórdãos do S.T.J. de 30/9/2010, e o Acórdão da Relação do Porto de 30/1/2012, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt.
III.3.11. Não sendo a questão líquida, sem escamotear a natureza da condição (embora de verificação simultânea) implícita na condenação dir-se-á, atendendo muito justamente à circunstância de ter transitado em julgado a decisão no segmento da condenação do Réu na realização da prestação de facto a seu cargo por força da lei, e à natureza das obrigações dos condóminos no que ao pagamento das quotizações concerne, designadamente a interdependência funcional que se justifica a condenação nos moldes efectuados em cumprimento simultâneo o que de algum modo uma interpretação extensiva do art.º 610/2/a consente (cfr neste sentido o Ac RC de 13/9/2011, relatado por Teles Pereira, no processo 458/07.7btnd.c1 disponível no sítio www.dgsi.pt) e, por isso, entende-se que não existe aqui a nulidade da condenação em objecto diverso do pedido pelo que a comprovação da excepção implica, não absolvição do pedido, mas a condenação em simultâneo.
III.4. Saber se deve ser alterada a decisão de facto constante do ponto 4 em razão de admissão por acordo dos factos alegados no art.º 11 da contestação
III.4.1. No art.º 11.º da contestação o réu Condomínio alega que em 19/11/2014 na AG Extraordinária foi aprovado o orçamento da sociedade Castelhano & Ferreira apenas na parte que previa a reparação e manutenção dos espelhos de água cerca de 16 mil eureos+IVA excluindo-se a construção a cargo do réu do deck na área remanescente de cada terraço, com referência ao doc 6 da p.i que não foi objecto de contestação, pelo que o que se coloca é a questão de saber se naquele documento e em face da alegação quer do que consta da p.i. no art.º 7 onde a Autora alega que nessa AG foi apresentada uma estimativa de custos ou se como diz o Condomínio Réu essa estimativa ou orçamento foi efectivamente aprovado. O documento de fls. 37v.º/40 corporiza a acta n.º 4 referente à “quarta assembleia geral do condomínio- Extraordinária” do condomínio réu realizada no dia 19/11/2014, o ponto 2 da ordem de trabalhos relative à “Apresentação, discussão e aprovação da reparação dos quatro espelhos de água do edifício” deles consta entre o mais que “…a Administração deu nota que a estimativa para a reabilitação dos quatro espelhos de água do edifício ronda os 16.000,00€ cerca de  quatro mil euros por espelho de água. Dado que um dos espelhos de água já está reparado o custo é menor mas terá o Condómino Maurício & Martinho comparticiar na sua permilagem as obras de reabilitação dos espelhos de água, caso venha a ser deliberada a sua execução….2- Aprovação da execução a sua expensas, do deck exterior nos espelhos de água dos pisos 3 e 6 caso os condóminos assim o requeiram, em conformidade com os requisites definidos pela Adminstração, as responsabilidades e deveres supra tendo sido aprovado com os votos da unanimidade das fracções presnetes (665,78)…”. Por conseguinte tudo indica que o alegado pelo réu no seu art.º 11 da contestação se verifica, o que se adita ao ponto 4, que passa a ter a seguinte redacção:
4: A reabilitação dos 4 (quatro) espelhos de água do prédio foi debatida em Assembleia Geral de Condóminos de 19 de novembro de 2014, tendo aí sido apresentada uma estimativa de custos e aprovado o orçamento apenas na parte que previa a reparação e manutenção dos espelhos de água (cerca de 16.000,00€ acrescidos de IVA), excluindo-se a construção a cargo do réu do Deck na área remanescente a cada terraço.
III.5 Saber se ocorreu na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do art.º 428 do Cciv
III.5.1. Entendeu-se em suma na decisão recorrida que:
  • Sendo o terraço onde se encontram os espelhos de água parte comum do prédio, a sua reparação compete ao condomínio que, aliás, em assembleia geral de condóminos já deliberou a reabilitação dos espelhos de água existentes no prédio (facto n.º 4) tendo até já procedidos à reabilitação dos espelhos de água do prédio à excepção da fracção “BF” (facto n.º 8)…o mesmo não está em funcionamento (facto n.º 10) e que a autora já solicitou ao réu a reparação e reabilitação do espelho de água. (facto n.º 12)
  • A autora encontra-se devedora da totalidade das quotizações de despesas comuns e de fundo comum de reserva do ano de 2017 bem como da quotização de despesas comuns e de reserva do 1.º trimestre de 2018 no valor de 17.594,51. (facto n.º 15)
  • A excepção de não cumprimento tanto vale para a falta integral de cumprimento como para o cumprimento parcial ou defeituoso, os pressupostros da excepção de não cumprimento são a existência de um contrato bilateral a não existência de cumprimento prévio por parte do contraente que invoca a excepção o não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação, não contrariedade à boa fé, como realça José João Abrantes A Excepção de não cumprimento do contrato, 1986, págs. 39 e ss e é realçado no ACSTJ de 11/12/1984 a excepção é o meio de assegurar o cumprimento simultâneo de obrigações sinalagmáticas interdependentes.
  • Considerando a obrigação do réu condomínio de proceder à reabilitação dos espelhos de água existentes no terraço que constitui parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal e a obrigação da autora como locatária da fracção do condomínio e o pagamento das quotizações não merece censura a actuação do condomínio réu em recusar-se a realizar as referidas obras sem que autora em simultâneo proceda ao pagamento das quantias que tem em dívida para com o condomínio, reconhecendo-se a procedência da excepção de não cumprimento invocada pelo réu.
    III.5.2. Discordando, diz a apelante Autora que a obrigação de reparação e manutenção do espelho de água da fracção nasceu no momento da deliberação da AG de 19/11/2014, quanto às quotizações mencionadas na sentença no ponto 15 da matéria de facto provada e na respectiva condenação essas obrigações apenas se foram vencendo no decurso de 2017 e de 2018 ou seja eram prestações que se foram vencendo no decurso do ano de 2017 e de 2018, prestações devidas em momento posterior àquele, as obrigações do recorrnete e do recorrido não são sinalagmáticas dado que a aprovação das obras de reparação e de reabilitação dos ditos espelhos de água ocorreu em 2014 e as quotizações in casu tiveram vencimento em 2017 e 2018 não sendo sequer exigíveis em 2014, não podendo o réu beneficiar da excepção. O Réu, em contra-alegações, sustenta em suma que num edifício constituído em propriedade horizontal os condóminos são comproprietários das partes comuns pelo que as despesas necessárias à conservação das mesmas e ao pagamento das despesas de interesse comum são pagas pelos condóminos nos termos dos art.ºs 1420/1 e 1424/1 do Cciv, a Adminstração do Condomínio é um mero órgão representativo dos condóminos que em seu nome cobra receitas e  efectua despesas comuns exige dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas realiza os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns nos termos dos art.ºs 1430/1, 14376/d e) e f) do Cciv, a recorrnete nunca pôs em causa a validade das deliberações das assembleias de condóminos que aprovaram os orçamentos do condomínio e a sua repartição por cada uma das fracções de igual modo o recorrido nunca pôs em causa  a realização das obras de reabilitação do espelho de água existente no terraço de uso exclsuivo da fracção BF mas para a realziação das obras é necessário que todos e cada um dos condóminos habilitem a Adminstração do Condomínio com meios financeiros suficientes para esse efeito sendo impossível realizar as despesas necessárias à conservação das partes comuns se que os condóminos as paguem havendo uma relação de causa e efeito entre a cobrança das receitas do condomínio e a realização das despesas, uma verdadeira relação sinalagmática; a recorrente confunde a aprovação e um orçamento para a realização de despesas em 2014 para dizer que a obrigação de realizar as obras de reabilitação do espelho de água existente no terraço em causa nasceu nesse ano e está limitada ao prazo de execução do mesmo ano, não é assim a obrigação do réu é permanente tal como o é a obrigação de pagamento das quotizações a cargo da Autora.
    III.5.3. A primeira questão que se coloca é a de saber qual a relação entre o Condomínio e os Condóminos. Há sobre esta matéria quatro orientações. Uma primeira que procura sublinhar a proximidade entre a propriedade horizontal e certos entes de natureza colectiva, como por exemplo Henriques Mesquita (a Propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES, 23, 1976) que sublinha a proximidade do regime das sociedades e em sentido semelhante Pinto Duarte (Curso de Direitos Reais 2017, 125) que sublinhando a personalidade judiciária e uma certa organicidade do condomínio configura-o em certas situações como um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos; uma segunda que acentua a proximidade entre a compropriedade e a propriedade horizontal, Cunha Gonçalves (Tratado de Direito Civil, vol. X, 1930, pp 283 e ss) fala inicialmente em compropriedade horizontal pro indiviso de todos os proprietários com inerente restrição da propriedade plena aplicável ao espaço habitável de cada andar e mais tarde designando-a por propriedade horizontal ou por andares insiste na natureza da compropriedade (Da Propriedade e da Posse, 1952), também Mota Pinto reconhece o concurso de dois direitos o da propriedade plena sobre as partes privativas e o da compropriedade sobre as partes comuns, advogando a natureza dualista da propriedade horizontal (Direitos Reais, Coimbra, 1972, pp 273-274); uma terceira orientação que defende uma propriedade especial, conjugando ainda a propriedade singular e a compropriedade sustenta a primacial importância da primeira em detrimento do relevo a atribuir à segunda que desempenha uma função instrumental e de permitir propriedades separadas em prédios colectivos (Oliveira Ascensão, Direito Civil: Reais, 5.ª edição Coimbra, 1993, pág. 464), a defender essa mesma propriedade especial também Rui Pinto Duarte (Propriedade Horizontal Código Civil Anotado, Coimbra, 2017. Pp 232); uma quarta orientação que defende a autonomia do direito do condomínio ou propriedade horizontal que julga insuficientes os institutos da propriedade e da compropriedade para explicar o condomínio na sua completude (Henrique de Mesquita, obra citada, pá. 148), também Ribeiro Mendes (A Propriedade Horizontal no Código Civil de 1966, RDOA 30, 1970, pág. 63) a defender a natureza do direito do condomínio como um direito real complexo incindível contrapondo à óptica dualista referida. Sufragando esta natureza de direito real complexo, muito embora partindo de pressupostos diferenciados Menezes Cordeiro (Direitos Reais, 1979, vol. II, pp 910-1). No sentido de uma verdadeira autonomia do direito do condomínio Carvalho Fernandes procura evidenciar as diferenças mais significativas entre a compropriedade e o regime de contitularidade das partes comuns por um lado e a propriedade e a titularidade das fracções autónomas por outro (Lições de Direitos Reais, 6.ª edição Lisboa, 2009, pp 399 e ss). Menezes Leitão depois de criticar a teoria do condomínio enquanto pessoa colectiva, a teoria da compropriedade, a teoria dualista e a teoria que prefigura a existência do direito real complexo anuncia aderir à teoria do direito real típico (Direitos Reais, Coimbra, 6.ª edição, 2017, pp. 314-5); Sandra Passinhas, sem negar que haja uma propriedade e uma compropriedade, refere que a junção dos dois cria algo de diferente impondo restrições mútuas a utilização pelos condóminos de coisas comuns, está sujeita a uma regulação heterogénea e organizada de modo a possibilitar e a melhorar a utilização das fracções autónomas, a assembleia de condóminos delibera sobre as fracções autónomas para salvaguardar a coexistência em comum, na propriedade horizontal não existem titularidades principais nem acessórias existe uma única titularidade (A Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal, 2.ª edição, Coimbra 2002,  pp 160 e ss); no sentido de considerar a propriedade horizontal um direito real novo e complexo manifestaram-se originariamente os Acs do STJ de 19/12/1985, BMJ, 352/357 e da RPorto de 20/12/1993, in Cª Jª 1993, IV, págs. 25 e ss. Também se defende, na esteira da doutrina italiana, que o condomínio só se apreende verdadeiramente após total autonomia, a completa separação da propriedade que o desvirtua, não podendo a sua natureza jurídica ser reconduzida a uma propriedade especial, desde logo atendendo ao relevo que é atribuído no regime legal às partes comuns, mas que ao invés de o reconduzir à compropriedade, justifica-se uma terceira via, um direito real típico, propondo até a alteração ao nome para direito real de condomínio.[2]
    III.5.4. Independentemente de se considerar que na propriedade horizontal as partes comuns são instrumentais ou acessórias da propriedade singular de cada um dos condóminos sobre as fracções, independentemente de se considerar que existem titularidades principais ou acessórias ou uma única titularidade, independentemente de se considerar que em algumas situações o direito da propriedade singular sobre cada uma das fracções cede, no contexto da propriedade horizontal, perante o interesse colectivo, decorrente da forçada convivência entre os diversos condóminos que, das partes comuns, forçosamente, se têm de servir, parece-nos que não é possível construir dogmaticamente um conceito de direito real de gozo autónomo do direito de propriedade, já que os condóminos adquiriram, efectivamente, pelo contrato de compra e venda, o direito de propriedade sobre as fracções autónomas identificadas no respectivo título translativo do mesmo direito. Questão diferente é a de saber a posição do Condomínio e do Administrador face aos condóminos.
    III.5.5. Estatui o art.º 1430 do CCiv que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador a quem incumbe entre outras funções a de cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns (alínea d) do art.º 1436 do CCiv) e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (art.º 143ª, alínea f) do CCiv) em consonância com a obrigação constante do art.º 1424/1 do Cciv. Na lição de Antunes Varela[3] dizem-se conjuntas as obrigações plurais cuja prestação é efectuada globalmente mas em que a cada um dos sujeitos compete apenas uma parte do débito ou do crédito comum, sendo a obrigação plural a conjunção constitui o regime-regra visto a solidariedade tanto do lado activo como do passivo só existe se for determinada pela lei ou estipulada pelos interessados (art.º 513 do CCiv); diversamente, na obrigação solidária (art.º 512/1 do CCiv), pelo lado passivo, o credor pode exigir a prestação integral de qualquer dos devedores e a prestação efectuada por um destes os libera a todos perante o credor comum, ou seja o dever da prestação integral recai sobre qualquer dos devedores, extinguindo-se o crédito do credor pela prestação efectuada por qualquer deles, isto nas relações externas, enquanto que nas relações internas porque cada um dos obrigados solidários apenas deve uma quota ou parte do crédito comum, o devedor que tiver pago a totalidade tem o direito de regresso contra cada um dos condevedores pela quotas respectiva. A obrigação dos condóminos perante os credores e a obrigação do pagamento das quotizações não é uma obrigação solidária antes uma obrigação conjunta. E é conjunta por uma outra razão e que se prende com a natureza jurídica do Condomínio. A ficção doutrinária de que o Condomínio é uma pessoa colectiva ou uma sociedade, não tem na letra da lei uma expressão mínima, mesmo até imperfeitamente expressa, nenhuma dificuldade existindo para que o legislador o dissesse expressamente, acresce que o art.ºs 12/e e o art.º 26 apenas atribuem personalidade judiciária ao condomínio resultante da propriedade horizontal e circunscrito às acções que se inserem nos poderes do administrador. Sendo verdade que na propriedade horizontal existe um grupo organizado em que os condóminos concorrem para a formação a vontade do grupo segundo as regras da colectividade e que o condomínio recolhe ou empresta das pessoas colectivas alguns instrumentos e age nas relações externas quer nas internas como sujeito diferente dos condóminos, não há uma ligação necessária entre a colegialidade e a personalidade jurídica, não se deduzindo a personificação do grupo da organização de base colegial, não obstante o condomínio ter uma vontade própria que é formada, manifestada e actuada por órgãos próprios (assembleia de condóminos e administração), este sistema de gestão faz com que os actos legalmente formados sejam plenamente eficazes para todos os elementos do grupo ainda que ausentes e estranhos ao procedimento de formação da vontade, mas qualquer condómino continua titular dos seus direitos na medida em que o método colectivo respeita apenas ao seu meio de exercício.
    III.5.6. Concordamos com Sandra Passinhas quando afirma que muitos aspectos do regime do condomínio (entre eles se contando o fundo comum de reserva do art.º 4 do DL 268/94), não tendo o Condomínio personalidade jurídica deve aplicar-se no que não for incompatível o regime das associações sem personalidade jurídica reguladas nos art.ºs 195 e 196 do CCiv e subsidiariamente às disposições legais que disciplinam as associações, desde logo no tocante às dívidas pelas obrigações validamente assumidas em nome da associação a responsabilidade em primeiro lugar do fundo comum (art.º 198 do CCiv) e na sua falta e insuficiência o património daquele que tiver contraído as obrigações, na falta ou insuficiência do fundo comum, responde o património daquele que tiver contraído as obrigações[4]; supomos que a regra da solidariedade subsidiária prevista na parte final do n.º 1, do art.º 198, do Cciv, cede perante a regras do art.º 1424/1, do CCiv, segundo a qual cada um dos proprietários das fracções autónomas  e condómino responde pelo valor dos encargos com as partes comuns na proporção do valor da sua permilagem, de resto como acima se disse. Sendo por isso a obrigação de cada condómino quanto ao pagamento das respetivas quotizações e despesas uma obrigação conjunta na já referida acepção, não actuando o Condomínio como credor antes, nas relações internas nessa parte como cobrador das receitas necessárias à realização das despesas nas partes comuns que a lei a seu cargo impõe. A obrigação de reparação dos espelhos de água a cargo de todos os condóminos, parte comum, embora afecta ao uso exclusivo das fracções no modo referido é uma obrigação sem prazo, da mencionada acta não resulta sequer qualquer prazo para a realização das obras até porque para a realização delas é necessário que exista dinheiro no fundo de reserva (ou que se constitua mediante reforço), dinheiro esse que vem precisamente dos condóminos em razão das permilagens cujo pagamento a lei impõe e sem o qual não é possível realizar qualquer obra em partes comuns. Essa interdependência das duas evidencia o sinalagma funcional e a inexistência de prazos diferentes para co cumprimento das duas obrigações tal como exigido pelo art.º 428 do Cciv
    IV-DECISÃO
    Tudo visto acordam os juízes em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
    Regime da responsabilidade quanto a custas; as custas são da responsabilidade da apelante que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2)

    Lxa., 23/01/2020  
    João Miguel Mourão Vaz Gomes
    Jorge Leal
    Nelson Borges Carneiro
    _______________________________________________________
    [1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/6, entrado em vigor a 1/9/2013,  atento o disposto no art.º 5 da referida lei, a circunstância da acção ter sido distribuída ao Juiz 14 Local Cível de Lisboa da Comarca de Lisboa em, 26/3/2018, transitando depois aos 26/3/2019 para o Juiz16 Central Cível do mesmo Tribunal e a decisão ser de 8/7/209.
    [2] BONIFÁCO RAMOS, José Luís, in Manual de Direitos Reais, 2017, AAFDL Editora, págs. 395/398
    [3] ANTUNES VARELA, João de Matos, “Das Obrigações em Geral” Coimbra 1972, 2.ª edição, Almedina, vol. I, págs. 603 e ss
    [4] SANDRA PASSINHAS, obra citada págs. 174/185