Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1471/11.5TVLSB.L1-7
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
ALTERAÇÃO DO PEDIDO
NULIDADE DE SENTENÇA
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
RESPONSABILIDADE CIVIL
PROPRIETÁRIO
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I–A venda do imóvel danificado com renúncia do novo proprietário ao direito de reparação levada a cabo na pendência da acção intentada pelo anterior proprietário onde se encontrava peticionada a condenação das rés na reparação dos danos sofridos em consequência da queda da empena do prédio contíguo, constitui circunstância superveniente impeditiva do reconhecimento do direito à reparação dos danos, conduzindo à extinção da instância por inutilidade, por carecer de fundamento a continuidade da lide.
II–A alteração do pedido inicial de reparação dos danos convolado para o pagamento de indemnização traduzida no prejuízo decorrente da redução do preço do imóvel em consequência do facto danoso é impeditiva da inutilidade superveniente do prosseguimento da presente acção.
III–A sentença que, indeferindo a alteração do pedido, fez prosseguir a acção e condenou a ré a reparar os danos produzidos no imóvel, encontra-se ferida de nulidade por condenar em objecto diverso do pedido.
IV–A atribuição de presunção de culpa ao proprietário ou possuidor do edifício ou obra que ruir prevista no artigo 492.º, do Código Civil, assenta na ideia de que não foram tomadas as medidas (quanto à construção e/ou conservação) necessárias a fim de evitar o dano.
V–A culpa presumida ínsita no referido preceito não dispensa a demonstração da ilicitude do acto, cujo ónus incumbe ao lesado.
VI–A natureza do facto ilícito em causa (falta de cumprimento dos deveres a observar na conservação do imóvel), permite que a sua demonstração seja feita por via de presunção judicial sempre que a causa do dano possa fazer concluir sobre a existência de defeito de conservação.
VII– O ruir de parte da empena de um imóvel, sem que tenha sido foi feita demonstração quanto à existência de qualquer causa estranha ao edifício que originasse a queda da parede, permite inferir, em termos de presunção de facto, a inadequada conservação do edifício por inacção por parte do respectivo proprietário, no caso, a ré.
VIII– Demonstrada a ilicitude do facto consubstanciada no defeito de conservação do imóvel e não tendo sido feita pela ré prova de que não houve culpa sua na produção do evento, não logrou a mesma em afastar a presunção de culpa que sobre si impendia, cabendo-lhe a responsabilidade pelos danos provocados no imóvel.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


Partes:
V (Autor/Recorrente/Recorrido)
G, LDA., A, LDA. e L, S.A (Rés/Recorridas/1ª Ré Recorrente)

Pedido:
Condenação solidária das Rés na reparação:
-dos danos causados no imóvel, propriedade do Autor, repondo-o no estado em que se encontrava antes da destruição do anexo e da respectiva placa;
-dos danos que ainda vierem a ocorrer em consequência dos causados no seu prédio, a liquidar em execução de sentença.
-de €5.000,00 a título de indemnização pelos danos morais sofridos.
Subsidiariamente (caso não seja possível a reparação):
Condenação solidária das Rés no pagamento:
-de €45.200,00 para proceder à reparação do imóvel reparação;

Fundamentos.

-Responsabilidade das Rés (a 1ª na qualidade de dona da obra, a 2ª como empreiteira e a 3ª por força do contrato de seguro de responsabilidade civil) pelos danos causados durante a execução de obras realizadas no prédio contíguo ao imóvel de sua propriedade, tendo a parte superior daquele edifício ruído, caindo a respectiva empena sobre a cobertura do anexo existente no seu prédio, destruindo-a e danificando a placa onde a mesma assentava.

Contestação.

A 1ª e 2ª Rés apresentaram contestação conjunta impugnando parte da factualidade articulada na petição, designadamente os danos invocados pelo Autor. Excepcionam a ilegitimidade da 2ª Ré, alegando que as referidas obras de reconstrução foram levadas a cabo pela A, Lda.. Defendendo que a responsabilidade por eventuais danos seria apenas da Ré Seguradora, concluem pela improcedência da acção.
A Ré Seguradora contestou impugnando a factualidade articulada pelo Autor, arguindo a limitação do capital segurado ao valor de €24 939,89 e a exclusão da cobertura do contrato de seguro por a queda da empena ter sido causada pela retirada da viga de suporte da mesma e por não terem sido realizados trabalhos de escoramento nem aplicados tirantes para obviar à queda da parede.

Na réplica o Autor requereu a intervenção provocada da A, Lda.., pronuncia-se no sentido da improcedência da excepção de ilegitimidade da 1ª Ré, mantendo o posicionamento assumido na petição.

Admitida a intervenção da A, Lda.., após citação, foi pela mesma apresentada contestação fazendo seus os articulados da 1ª Ré.

Foi realizada audiência preliminar no âmbito da qual o Autor, com fundamento na venda do imóvel e na redução do respectivo preço de venda em €30.000,00 em face dos danos nele causados com o ruir da empena do prédio da 1ª Ré, alterou o pedido, pedindo a condenação das Rés no pagamento €30.000,00, mantendo o pedido de danos não patrimoniais.

Por despacho de fls. 213 foi indeferida a alteração do pedido.

O Autor recorreu do referido despacho, tendo o requerimento de recurso sido indeferido por despacho de fls. 278.

Sentença.

Julgou a acção parcialmente procedente, condenando a 1ª Ré na reparação de todos os danos causados no imóvel propriedade do A., repondo-o no estado em que se encontrava antes da destruição do anexo e da placa, nomeadamente na demolição das paredes interiores do 1º andar, na limpeza do entulho da demolição, na limpeza dos escombros do prédio da 1ª Ré, na execução das divisórias em tijolo no 1º andar, com casa de banho, na colocação de barrotes para assentamento da chapa em lusalite, no reboco das empenas e das paredes interiores, na colocação de nova instalação eléctrica, na colocação de mosaicos no pavimento e azulejos nas paredes e de pinturas interiores e exteriores, na reparação da placa; absolveu-a do mais que lhe estava pedido.
Absolveu do pedido as restantes Rés e a Chamada.

Recurso da 1ª Ré (transcrição das conclusões)

A.Na pendência da atinente acção, o imóvel objecto de litígio saiu da esfera jurídica do Autor que, por escritura pública datada de 19.10.2012, lavrada no Cartório Notarial de C, o vendeu à sociedade A, Lda..
B.Deste facto foi dado conhecimento ao Tribunal a quo, na audiência preliminar, onde foi requerida a alteração ao pedido e admitida a junção de cópia da escritura de compra e venda, além de se encontrar registada a aquisição na conservatória do registo predial, como resulta da consulta da certidão predial.
C.“O art.º659.º n.º 3 do Código Processo Civil quando manda atender aos documentos juntos ao processo está, naturalmente, a reportar-se áqueles que fazem prova plena, nos termos do art.º 371º do CC – cfr. art. 437º do mesmo código...” – Ac. RC, de 23.1.1996: BMJ, 453.º569.
D.Devendo este facto ser considerado, oficiosamente, porquanto resulta da instrução e discussão da causa, conforme resulta dos art.ºs 5º, 611º, 412º e 413º, todos do CPC.
E.Ora, trata-se de um facto que impede, modifica ou extingue o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, nos termos do art.º 576º n.º 3 do CPC, e que importam a absolvição do pedido por se tratar de uma excepção peremptória.
F.Dispõe o art.º 608º n.º 2 do CPC que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham suscitado, sem prejuízo de algumas ficarem prejudicadas pela solução de outras. In fine, acrescenta que não deve ocupar-se de outras, a não ser que a lei lhe permita ou imponha o respectivo conhecimento oficioso.
G.Efectivamente, dispõe o artigo 611º n.º 1 do CPC “ Artigo 611.º Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes 1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
H.Segundo A. dos Reis (RLJ, 84.º - 6 e ss) o art.º 663º não pode ser aplicado por maneira a produzir alteração na causa de pedir. “O que há fundamentalmente no art.º 663º é uma regra de conteúdo substancial. Quando a lei diz – o tribunal deve tomar em consideração, no julgamento, os factos constitutivos ou extintivos do direito que se produzirem posteriormente à propositura da acção – dita um comando que há-de ser aplicado em conformidade com as disposições do direito substantivo reguladoras da relação jurídica litigiosa. Essas disposições é que nos hão-de dizer se o facto superveniente tem realmente as características de facto constitutivo ou de facto extintivo do direito feito valer pelo Autor. A Lei de processo só intervém para determinar: 1º Que o facto superveniente há-de conter na causa de pedir alegada pelo autor ou pelo réu; 2º Que esse facto há-de produzir-se até ao encerramento da discussão” (A. e lug. cits., pág. 10).
I.A mudança de propriedade ocorreu na pendência da acção;
J.A causa de pedir foi a queda de parte da empena do prédio, da R./Recorrente durante a execução das obras de recuperação do mesmos pela R. A Lda., sobre a cobertura do prédio do A., então proprietário;
K.E o pedido a reparação dos danos provocados.
L.No entanto resulta da referida escritura de compra e venda, junta a fls..., que o actual proprietário prescindiu da reparação dos danos existentes no referido prédio.
M.“A sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão...” Ac. STJ, de 3.11.1982: BMJ, 321.º-378.
N.Termos em que mais não fosse, a MM.ª Juiz a quo devia ter declarado extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. Sem conceder,
O.Foram, s.m.o., incorrectamente julgados os pontos constantes das respostas dadas aos quesitos sob os nrs. 3, 4, 7 e 9 do despacho saneador, ou seja, a matéria dada como provada sob os nrs.º 13, 14 e 17 da Fundamentação de Facto foi-o erradamente.
P.Pontos cujo probatório foi/vai, com efeito, todo no sentido de dar os mesmos como não provados. Na verdade,
Q.Resulta da certidão predial referente ao prédio da 1ª R./Recorrente – doc. 2 junto à p.i. - que esta adquiriu o referido prédio por escritura de 15 de Março de 2010 (assente sob B) e C) – Facto 2 e 3 da sentença);
R.Resulta da certidão predial referente ao então prédio do A. alegadamente danificado – doc. 1 junto à p.i. – certidão da polícia municipal junta em sede de audiência pelo A - certidões da câmara - docs. n.ºs 3 e 4 juntos ao Requerimento da A Lda Chamada, de 31.10.2013 – a descrição do prédio do A. como sendo um prédio urbano, composto de loja para habitação e três andares para habitação, sito na Rua com logradouro com tecto em lusalite fechado com portão para a Rua (Assente sob A) – Facto 1 da sentença).
S.Encontra-se provado sob o n.º 13º da B.I., Facto 18 da fundamentação da sentença que a R. G Lda. contratou a R. A Lda. em 20.07.2010 para a realização das obras de recuperação do prédio sua propriedade, em conformidade com o contrato entre ambos celebrado, junto a fls...
T.A Mma Juiz a quo na fundamentação da decisão de facto refere expressamente “... José, que foi quem acompanhou a negociação do contrato celebrado entre 1ª Ré e Chamada para a realização das obras, ... início das obras ..., constando aliás do contrato celebrado entre 1ª Ré e Chamada para o efeito estar prevista a entrada em obra em Agosto desse ano.”
U.Encontrando-se igualmente provado o teor do referido contrato, que por questões de economia processual aqui se dá por integralmente reproduzido,
V.De onde resulta tratar-se de uma obra a levar a cabo pela R./Chamada A Lda. “Chave na Mão” – cláusula 3ª – a obrigatoriedade de realização pela R./Chamada A Lda. de um seguro de responsabilidade civil para a obra em causa, desonerando a proprietária, R./Recorrente de toda e qualquer responsabilidade no que à execução de obra e manutenção do locado tange – Cláusula 9ª, n.º 6 do contrato de empreitada.
W.Como provado está que a R. A Lda., contratada para realização das obras de recuperação do prédio tinha o competente alvará para o efeito – resposta ao quesito 13º b.i. e Facto 18 da fundamentação da sentença – alvará juntos a fls... – tudo confirmado pelos depoimentos de HUMBERTO cujo depoimento da testemunha começou às 10:06 horas e terminou às 11:09 horas; JOSÉ, cujo depoimento da testemunha começou às 14:46 horas e terminou às 15:18 horas; P cujo depoimento da testemunha começou às 15:18 horas e terminou às 16:17 horas; MARIA, cujo depoimento da testemunha começou às 16:17 horas e terminou às 16:49 horas. Todas as sessões da audiência gravadas em 25.09.2013, nos termos do disposto no artigo 155º, do Código de Processo Civil, através do Sistema Habilus Media Studio e disponíveis em conformidade.
X.Provado está, igualmente, sob E), F), G), H), I) e J) da matéria assente, Factos 7, 8 e 9 da fundamentação da sentença, a celebração pela apólice nº , que a Sociedade A, Lda. transferiu para a L, S.A. a sua responsabilidade garantindo as indemnizações que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou lesões materiais, em consequência do exercício da sua actividade de empresa de construção civil.
Y.Resulta dos depoimentos das testemunhas HUMBERTO  cujo depoimento da testemunha começou às 10:06 horas e terminou às 11:09 horas e MARIA , cujo depoimento da testemunha começou às 16:17 horas e terminou às 16:49 horas, que na altura da queda da empena, se recordam de ter havido mau tempo, tendo a testemunha Humberto afirmado ter coincidido a noite da queda com uma noite de mau tempo, com rajadas fortes de vento. Efectivamente a Mma Juiz a quo na fundamentação da decisão de facto, expressamente refere “Por último refira-se que a própria testemunha afirmou ter a noite da queda coincidido com uma noite de mau tempo, com rajadas fortes de vento”
Z.Resulta do depoimento de JOSÉ , cujo depoimento da testemunha começou às 14:46 horas e terminou às 15:18 horas, que a obra de recuperação da Rua  do prédio da R./Recorrente foi a única por esta levada a cabo; e que tão só na qualidade de dono do prédio; que a mesma não tinha qualquer experiência em obras e por isso ter recorrido a empresa credenciada – a R. Lda.

AA.Sem prejuízo, pois, de toda a prova documental e bem assim testemunhal citada supra, nos termos da alínea a), do n.º 2, do art.º 640º do CPC, resulta da fundamentação de facto da decisão revidenda a seguinte factualidade:

j)“ Encontra-se registada a favor do Autor a propriedade do prédio urbano, composto de loja para habitação e três andares, sito na Rua, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número ”;
k)“O prédio do A. confronta, pelo seu lado nascente, sendo contíguo, com o prédio urbano constituído em propriedade horizontal, composto por cinco fracções autónomas, todas da propriedade da 1ª. R. G, LDA” – adquirido por escritura de 15.3.2010;
l)“Em 27 de Novembro de 2010, durante a execução das obras no prédio da 1ª. R., a parte superior do edifício em obras ruiu.”;
m)“Por acordo de vontade estipulado pela apólice nº 095/00930473/004, a Sociedade A, Lda. transferiu para a L, S.A. a sua responsabilidade garantindo as indemnizações que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou lesões materiais, em consequência do exercício da sua actividade de empresa de construção civil, nomeadamente: - pela execução dos trabalhos próprios da sua actividade....”;
n)“... J, que foi quem acompanhou a negociação do contrato celebrado entre 1ª Ré e Chamada para a realização das obras, ... início das obras, ... constando aliás do contrato celebrado entre 1ª Ré e Chamada para o efeito estar prevista a entrada em obra em Agosto desse ano.... decurso das obras do prédio da 1ª Ré...”;
o)“...Humberto... Por último refira-se que a própria testemunha afirmou ter a noite da queda coincidido com uma noite de mau tempo, com rajadas fortes de vento...” p) “... a testemunha Paulo, arquitecto que elaborou o projecto de alterações ao prédio da 1ª Ré...;
q)A resposta ao quesito 13 da B.I. e facto sob o n.º 18 da fundamentação da sentença: “A convicção do Tribunal fundou-se na análise do documento de fls. 140, contrato celebrado para o efeito entre 1ª Ré e Chamada” A 1ª R. contratou a A Lda., pessoa colectiva n.º , empresa com alvará para levar a cabo a referida obra de recuperação”;
r)“Ora para ilidir essa presunção incumbia à 1ª Ré fazer prova de factos que afastassem a respectiva culpa ou que demonstrassem que mesmo com a diligência devida não se teriam evitado os danos, o que não sucedeu no caso em apreciação. Pelo contrário, provado que durante a execução de obras – por intermédio de terceiro contratado para o efeito – no prédio propriedade da 1ª Ré a parte superior do mesmo caiu sobre a cobertura de anexo existente no prédio do Autor”.

CC.Com efeito, bem refere a Mma Juiz a quo, que nos termos do art.º 492º n.º 1 do C.C., o proprietário ou possuidor de edifício ou outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.

DD.Não houve culpa, no entanto, por parte da 1.ª Ré/recorrente, como se escorre de todo o probatório, concretamente o referido sob os pontos 25 a 35 do atinente recurso ou alíneas a) a i) do ponto 38.

EE.Por outro lado, como bem refere a Mma Juiz a quo na sua fundamentação para haver lugar à presunção de culpa do proprietário, é necessário provar que a ruína da obra foi devida a um vício de construção ou defeito de conservação, cuja prova cabe ao lesado.

FF.Essa prova, no entanto, não foi feita pelo A., nem tão pouco alegada.

GG.Entende, pois, a Ré/Recorrente não ser responsável por defeito de conservação, pois não violou o dever de conservação do imóvel.

HH.Esse dever de agir resulta, de forma clara, do disposto no artigo 9º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, aprovado pelo decreto-lei nº 38382, de 07 de Agosto de 1951 e também, por identidade de razão, do disposto no artigo 1350º do Código Civil, absolutamente cumprido pela R/Recorrente, como resulta de todo o probatório, concretamente o referido sob os pontos 25 a 35 do atinente recurso ou alíneas a) a i) do ponto 38.

II.Com o início da empreitada é transferida a responsabilidade pelos danos ocorridos durante a execução da obra para o empreiteiro (R. A Lda.).

JJ.O empreiteiro era detentor de seguro de responsabilidade civil válido, com cobertura dos danos causados, conforme resulta do n.º 6 da cláusula 9.ª do contrato de empreitada – “A Segunda Outorgante nomeará um responsável pela segurança que supervisione todas as actividades na obra em questão, dos seus trabalhadores e subempreiteiros relativas ao trabalho em causa, havendo contratado um seguro de responsabilidade civil para a obra, desonerando totalmente a Primeira Outorgante de toda e qualquer responsabilidade no que à execução de obra e manutenção do locado tange.”.

KK.A queda da empena ocorreu com a empreitada em curso, a obra não se encontrava concluída nem aceite pelo dono da obra, a 1.ª Ré/Recorrente.

LL.No tocante ao vício ou defeito de construção, não foram alegados e por isso, igualmente, também não poderiam ser provados.

MM.De notar, repita-se, que a queda da empena ocorreu numa noite de fortes rajadas de vento, conforme resulta do depoimento testemunhal de HUMBERTO cujo depoimento da testemunha começou às 10:06 horas e terminou às 11:09 horas MARIA e de JORGE, cujo depoimento da testemunha começou às 16:17 horas e terminou às 16:49 horas.

NN.“(...) o proprietário ou possuidor só se exonera quando tiver agido sem culpa na escolha da pessoa encarregada da conservação e quando não tiver por outra forma concorrido culposamente para a produção do dano.(...)” - ( Vaz Serra, RLJ, 104.º-124).

OO.Ana M...T...F..., Responsabilidade civil pelos danos causados pela ruína de edifícios ou outras obras, em Novas Tendências de Responsabilidade Civil, 2007, ps. 85 a 145, que finaliza com o enunciado das seguintes conclusões: “1. O art.º 492º estabelece um regime de responsabilidade dependente de culpa, ainda que presumida, fundada na violação de deveres de diligência que devem ser observados na construção e na manutenção de edifícios ou outras obras.” (...)7. Em face da dificuldade sentida pelos lesados na prova da causa da ruína, existindo uma “prova de primeira aparência”, não contrariada por contraprova que torne duvidosa a prova oferecida, de que esta se deveu a vício de construção ou a um defeito de construção, deve dar-se este facto como provado; 8. Em caso de ruína de um edifício ou outra obra, perante o lesado, tanto pode responder o vigilante, de acordo com o disposto no art.º 493º, como os responsáveis, nos termos do art.º 492º, quer sejam, ou não, a mesma pessoa. 9. Quem não tem um poder de facto sobre uma coisa, tem menos possibilidade de diligênciar para que esta não cause danos a outrem. Por esta razão é que a responsabilidade é agravada com uma presunção de culpa, prevista no art.º 492º, ao prescindir da existência de uma relação material entre o responsável e a coisa, exige, em contrapartida, a prova de que a ruína se deveu a vício de construção ou a defeito de manutenção.”.

PP.“(...)Embora o art.º 492º do CC estabeleça uma presunção de culpa que favorece o lesado, tal presunção só funciona após a prova, do ónus do lesado, de o evento se ter ficado a dever a vício de construção ou defeito de conservação.” – (STJ, 6-2-1996: CJ/STJ, 1996, 1.º-77).

QQ.“O lesado apenas está dispensado de provar a culpa, mas não de provar o vício de construção ou de conservação. Com efeito, a finalidade do preceito é apenas a de inverter o ónus da prova da culpa, que impende sobre o lesado nos termos do artigo 487.º CC, mas não a de consagrar uma presunção de ilicitude que impusesse ao lesante a prova de que a ruína não se deveu a vício de construção ou defeito de conservação para se desonerar de responsabilidade” (cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 2011.09.27, Graça Araújo, www.dgsi.pt.jtrl, proc. 688/08.4TVLSB.L1).

RR.O A. não alegou que a empena ruiu devido a um vício de construção ou defeito de conservação, prova que cabe ao lesado. Aliás.

SS.Alegou e está assente que foi durante a execução de obras pela R. A Lda., com alvará e seguro de responsabilidade civil válidos que parte da empena cedeu para cima da cobertura do então seu imóvel. E,

TT.A Mma juiz a quo fundamentou a absolvição das restantes RR., como se, transcreve: “Efectivamente não foi demonstrado ao realizar as obras que a Chamada violou as regras da boa construção ou normas imperativas que regulamentam essa actividade, nem que agiu com dolo ou negligência grosseira no desenvolvimento dessa actividade pelo inexistindo presunção de culpa que a onere fica afastada a responsabilidade da Chamada com fundamento na prática de factos ilícitos e por conseguinte a da 3ª Ré para a qual a mesma transferiu através de contrato de seguro essa responsabilidade.”.

UU.Está/estava, portanto, s.m.o., demonstrada a falta de responsabilidade da 1.ª Ré/Recorrente pela reparação de quaisquer danos.

VV.Acresce que os únicos danos alegados pelo A. são os danos na cobertura do anexo (Assente sob F), ponto 6 da fundamentação de facto da sentença) e danos na placa causando infiltrações (quesitos 3 e 4 e pontos 13 e 14 da fundamentação de facto da sentença).

WW.Não foram alegados e por isso não poderiam ser dado como provados, sob o n.º 17 da fundamentação de facto, danos se não foi tão pouco alegada e demonstrada a existência de paredes interiores, de mosaicos, de tijoleiras, e de instalações eléctricas – confrontar certidão predial referente ao então prédio do A. alegadamente danificado – doc. 1 junto à p.i. – certidão da 35/40 polícia municipal junta em sede de audiência pelo A - certidões da câmara - docs. n.ºs 3 e 4 juntos ao Requerimento da A Lda Chamada, de 31.10.2013 – a descrição do prédio do A. como sendo um prédio urbano, composto de loja para habitação e três andares para habitação, sito na Rua com logradouro com tecto em lusalite fechado com portão para a Rua (Assente sob A) – Facto 1 da sentença); caderneta predial e demais documentação camarária e bem assim as fotos juntas em audiência de discussão e julgamento, tudo a fls..., de onde resulta que no local do sinistro, destinado a logradouro, se encontrava construída ilegalmente apenas uma garagem com tecto de lusalite e onde não se vê quaisquer quadros e ligações elétricas, divisória de WC e sanitários ou mosaicos de chão ou parede.

XX.Ao que acresce a absoluta falta de fidedignidade dos orçamentos apresentados pelo A., juntos a fls.., com a p.i, quer pela discrepância entre si (um de cerca de 12000€ e outro cerca de € 45000€) quer pela discrepância com os orçamentos juntos pela R. A Lda a fls..., com a Contestação (cerca de 3000€).

YY.Assim, quer pelos citados concretos meios de prova elencados, quer pela falta de alegação pelo A. de “bens” e ou danos nesses bens não poderia a Mma Juiz a quo haver dado como provado o vertido no ponto 17 da fundamentação da sentença.

ZZ.Ao fazê-lo a Mma juiz atentou contra o disposto nos anteriores art.ºs 264º e 664º, actual art.º 5º do CPC, pois que apenas se pode servir dos factos articulados pelas partes. 

AAA.Como produziu decisão nula, violadora do disposto na alínea e), do n.º 1, do art.º 615º do CPC. Efectivamente,

BBB.Foi alegado no art.º 10º e 15º da p.i. “...caiu sobre a cobertura do anexo...destruindo aquela cobertura e danificando a placa... ocorrem infiltrações no piso térreo) – assente sob F) e quesitado sob 3.º e 4.º; provado sob 6, 13 e 14 da fundamentação da sentença. E,

CCC.Mma Juiz a quo, sem alegação e prova de existência de tais “qualidades” do imóvel (pelo contrário, como resulta da documentação oficial de fls.., supra citada), sem alegação concreta de quaisquer danos para além de “danos na cobertura e placa” condena “... na reparação de todos os danos causados no imóvel propriedade da A., repondo-o no estado em que se encontrava antes da destruição do anexo e da placa, nomeadamente na demolição das paredes interiores do 1º andar, na limpeza do entulho da demolição, na limpeza dos escombros do prédio da 1ª Ré, na execução das divisórias em tijolo no 1º andar, com casa de banho, na colocação de barrotes para assentamento da chapa em lusalite, no reboco das empenas e das paredes interiores, na colocação de nova instalação eléctrica, na colocação de mosaicos no pavimento e azulejos nas paredes e de pinturas interiores e exteriores, na reparação da placa”.

DDD.Condenou, pois, a Mma Juiz em quantidade superior ao alegado/peticionado, integrando para o efeito de facto a alegação do A., em violação do actual art.º 5º do CPC.

EEE.Termos em que se Requer a V. Exas., Venerandos Desembargadores, colhida que seja a argumentação expendida, a revogação da douta sentença revidenda, e em consequência produzam acórdão absolutório da aqui R.

Contra alegações do Autor (transcrição das conclusões).


1.Em 27 de Novembro de 2010, durante a execução das obras no prédio da 1.ª Ré., ora Recorrente, levadas a cabo pela 2.ª Ré e pela Chamada, parte superior do prédio de que aquela é proprietária ruiu, tendo caído sobre a cobertura do anexo do prédio do Recorrido, destruindo-a, danificando a placa onde assenta a mesma e causando os demais danos alegados e provados.
2.Em 01.07.2011, quando da apresentação da petição inicial, o Recorrido formulou o seguinte pedido: “Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência, serem as RR. condenadas a: a) Reparar os danos causados no prédio urbano do A. e a repô-lo no mesmo estado em que se encontrava antes da destruição do anexo e da placa do prédio propriedade do A.; b) Reparar os danos que ainda vierem a ocorrer em consequência dos danos causados no prédio do A, a liquidar em execução de sentença; c) Caso não se efectue a reparação, devem as RR. ser condenadas solidariamente, no pagamento da quantia de 45.200,00 Euros (quarenta e cinco mil e duzentos Euros), para que o A. possa proceder às obras de reparação necessárias; e, d) Pagar ao A. a quantia de 5.000,00 Euros (cinco mil Euros), a título de danos morais, e ainda as despesas judiciais que o A. tiver que efectuar, e) Que as RR. sejam condenadas no pagamento das custas, procuradoria e o que mais fôr devido nos termos da lei.”.
3.Após a abertura da Audiência Preliminar, a mandatária do Recorrido, pediu a palavra, que lhe foi concedida, e ditou para a acta o seguinte, que se transcreve: “Em 19-10-2012, no cartório notarial Dr. C foi celebrada a escritura de compra e venda do prédio propriedade do Autor, em apreço nos autos, conforme cópia da escritura que se junta. Face aos danos existentes no prédio o Autor e a sociedade compradora, A, Lda., acordaram em reduzir o preço do prédio em € 30.000,00, conforme consta da escritura a fls. 67. Face ao exposto e tendo em consideração que a causa de pedir se mantém a mesma ou seja que a redução do valor da venda resulta do dano causado pelas Rés G, Lda., A, Lda. e A, Lda., requer-se a Vª Exa. a alteração do pedido para pagamento da quantia de € 30.000,00, a título de indemnização ao Autor. O Autor mantém o pedido de pagamento dos danos morais formulado na alínea d), no montante de € 5.000,00. Pede deferimento.”.
4.A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, de seguida deu a palavra ao Ilustre Mandatário da R. Liberty Seguros, S.A., o qual, no uso da mesma, disse o seguinte, como se transcreve da Acta da Audiência Preliminar: “A Ré “L” não tem nada a opor nem a requerer.”.
5.Uma vez que, o Ilustre Mandatário das 1ª. (agora Recorrente) e da 2ª. RR, e da Interveniente Principal, ainda não se encontrava presente, tendo entretanto comparecido, terminada a selecção da matéria de facto, consta da Acta da Audiência Preliminar o seguinte: “Neste momento, conforme ordenado pela Mma. Juiz, foi então lido o requerimento formulado pela Ilustre Mandatária do Autor, ao Ilustre Mandatário das 1ª e 2ª Rés, que não se encontrava presente no início da audiência, tendo o mesmo requerido o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a requerida alteração, ao que a Mma. Juiz, proferiu o seguinte: DESPACHO Deferido. Notifique.”.
6.Ilustre Mandatário das 1ª. (ora Recorrente) e da 2ª. RR, e da Interveniente Principal não apresentou qualquer Oposição ao requerimento de alteração do pedido formulado pelo Recorrido, nem sequer se pronunciou no prazo concedido sobre o mesmo, pelo que tacitamente deu o seu acordo, entre outros, conforme os artigos 217º e 218º do Código Civil.
7.Constata-se assim, que a 3ª. R. L, S.A., na Audiência Preliminar, expressamente deu o seu acordo quanto à alteração do pedido formulado pelo Recorrido.
8.Verifica-se assim, que a 1ª. R. (aqui Recorrente) e a 2ª. R. e a Interveniente Principal, tacitamente deram igualmente o seu acordo quanto à alteração do pedido formulado pelo A., Recorrido, pois não se opuseram ao mesmo.
9.Face ao exposto, encontramo-nos perante uma alteração do pedido por acordo das partes, ao abrigo do disposto no artigo 272º. do CPC.
10.Não tem aplicação in casu o disposto no artigo 273º. nº. 2 do CPC, invocado pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, como disposição legal, de fundamento do seu douto despacho de indeferimento da alteração do pedido.
11.Acresce que, face ao pedido de alteração do pedido, nem sequer foi invocado existir qualquer inconveniente ou perturbação para a discussão e julgamento do pleito, o que de facto não existiu.
12.Assim, havendo acordo das partes, como in casu sucede, o pedido pode ser alterado em qualquer altura, em 1ª. ou 2ª. instância, como determina o artigo 272º. do CPC.
13.O Recorrido efectuou a venda do imóvel que sofreu os danos, pelo que, a reparação já não é possível, pois o imóvel saiu da sua esfera jurídica, sendo-lhe somente possível obter a reparação pelos danos causados, por via do pagamento de uma indemnização.
14.Indemnização aquela já pedida na alínea c) do pedido formulado na P.I..
15.Importa dar relevância, porque importante para a situação em apreço, ao nº. 3 do artigo 264º. do CPC, resultante do Anteprojecto da Comissão Varela, que se transcreve: “3 - Serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.”.
16.Importa ainda dar relevância ao disposto no artigo 663º. do CPC, que igualmente se transcreve: “ Artigo 663.º Atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes 1 - Sem prejuízo das restrições estabelecidas noutras disposições legais, nomeadamente quanto às condições em que pode ser alterada a causa de pedir, deve a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. 2 - Só são, porém, atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida. 3 - A circunstância de o facto jurídico relevante ter nascido ou se haver extinguido no decurso do processo é levada em conta para o efeito da condenação em custas, de acordo com o disposto no artigo 450.º ”.
17.Subsidiariamente, caso V. Exas. entendam que há falta de acordo das partes, implicando a aplicação do artigo 273º. do CPC, o que por dever de patrocínio se alega, sempre se dirá, que, no caso em apreço, não há propriamente uma alteração do pedido, mas sim uma redução do pedido, motivada por facto superveniente, pois o bem imóvel saiu da esfera jurídica do seu titular, o Recorrido.
18.Devido ao facto superveniente, o Recorrido deixou de ter interesse nos pedidos formulados nas alíneas a) e b) do pedido, mantendo-o no entanto nos restantes pedidos formulados, porque encontramo-nos perante um caso de responsabilidade civil, que causou danos graves e relevantes na esfera jurídica do Recorrido.
19.A entender-se desta forma, encontramo-nos, não perante uma alteração do pedido, mas sim perante uma redução do pedido formulado na alínea c) da P.I., sendo sempre possível ao Recorrido, reduzir o pedido.
20.De acordo com a melhor doutrina, o termo alteração do pedido, pode consistir numa ampliação, numa redução ou numa transformação/modificação, conforme o Prof. Lebre de Freitas, in CPC anotado, notas ao artigo 272º do CPC, que se transcreve: “(…) a ampliação é ainda uma modificação e esta pode ter-se por sinónima da alteração (cf. Castro Mendes, DPC cit., II, p. 423, distinguindo a alteração por redução, a alteração por ampliação e a alteração por transformação num pedido ou causa de pedir de outra natureza) e pode, tal como a redução, ser quantitativa (pede-se 100 quando se pediam apenas 50) ou qualitativa (pede-se uma coisa mais 100 quando se pedia apenas a coisa, ou baseia-se o pedido também em segunda causa de pedir).”.
21.Nos termos do anterior nº. 1 do artigo 271º. do CPC, actual nº. 1 do artigo 263º do CPC, o transmitente, ora Recorrido, continua a ter legitimidade para a causa, pelo que improcede a requerida excepção invocada pela Recorrente.
22.O A. ora Recorrido juntou aos autos, o que foi admitido, cópia da identificada escritura pública, tendo em consequência da celebração da mesma, desistido de dois dos pedidos formulados na petição inicial [aqueles sob as alíneas a) e b)], reduzido o pedido formulado sob a alínea c) para o montante de €30.000,00, e mantido os últimos deles [aqueles sob as alíneas d) e e)].
23.A venda do imóvel atingido com a derrocada impede, de facto, a sua reparação, já que o comprador do mesmo não tem nela interesse, reflectindo o preço da venda a desvalorização do imóvel em causa, tendo-se fixado para tanto o montante de €30.000,00, que foi deduzido.
24.A causa de pedir, que foram os danos sofridos pelo A. Recorrido mantém-se, mantendo-se igualmente a responsabilidade civil decorrente da prática de facto ilícito.
25.Da escritura pública resulta a exacta quantificação do dano sofrido pelo A. ora Recorrido.
26.A ruína da empena é um facto que indicia só por si o incumprimento dos deveres da Recorrente relativos à construção e, ou conservação do seu prédio.
27.Cabia à Recorrente demonstrar que não foi por culpa sua que ocorreu a derrocada da empena do seu prédio, que provocou os avultados danos ao prédio do Recorrido, não tendo logrado elidir a presunção de culpa que sobre ela recaía.
28.A R. Recorrente foi condenada na reparação dos danos descritos na petição inicial, sobre os quais até se pronunciou em sede de contestação, os quais vieram a integrar matéria assente e dados como provados em audiência de discussão e julgamento da causa, igualmente pela prova produzida pela Recorrente.
29.Não condenou pois a Meritíssima Juiz a quo em quantidade superior ao alegado/peticionado.

Recurso do Autor (transcrição das conclusões).


1.A douta sentença recorrida não tem qualquer efeito útil na ordem jurídica.
2.A douta sentença recorrida não produz efeitos na esfera jurídica do A. sendo inútil do ponto de vista da satisfação do pedido que formulou nos autos.
3.A causa de pedir convocada – danos sofridos no património – subsistirá ainda que transite em julgado a douta sentença recorrida.
4.A douta sentença recorrida ignorou a alteração da materialidade da relação jurídica controvertida, desconsiderando os factos jurídicos supervenientes que lhe foram feitos chegar em momento atendível e que têm influência sobre a existência ou conteúdo da mesma.
5.Ao desconsiderar a materialidade que o acordo tácito das partes, quanto à alteração do pedido, consubstanciou, a Meritíssima Juiz a quo produziu uma sentença nula.
6.A A. desistiu em tempo e sede própria dos pedidos formulados sob as alíneas a) e b) da sua petição inicial.
7.A A. pediu em tempo – através de alteração de pedido – a condenação das AA. no pagamento da quantia de €30.000,00 e no montante peticionado a título de danos morais
8.A douta sentença recorrida condenou pois a 1.ª Ré em objecto diverso do pedido, pelo que é nula em consequência do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do C. P. Civil.
9.A douta sentença recorrida deve ser substituída por outra que condene a 1.ª R. no pagamento de montante indemnizatório de €30.000,00 para ressarcimento dos danos por si sofridos, consubstanciados na perda de valor do bem à data da sua venda.

II-Apreciação do recurso.


Os factos:

O tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade:

1.Encontra-se registada a favor do Autor a propriedade do prédio urbano, composto de loja para habitação e três andares, sito na Rua , que torneja para a Rua , em Lisboa, freguesia de Santos-o-Velho, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número.
2.O prédio do A. confronta, pelo seu lado nascente, sendo contíguo, com o prédio urbano constituído em propriedade horizontal, composto por cinco fracções autónomas, todas da propriedade da 1ª. R. G, LDA.
3.As cinco fracções autónomas da 1ª R., designadas pelas letras A, B, C, D e E, correspondem ao rés-do-chão e quatro andares destinados a habitação, situando-se o prédio na mesma Rua , em Lisboa, freguesia de Santos-o-Velho, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º .
4.A 2ª. R. dedica-se, entre outras actividades, à construção civil.
5.Em 27 de Novembro de 2010, durante a execução das obras no prédio da 1ª. R., a parte superior do edifício em obras ruiu.
6.Ao ruir, parte da empena daquele prédio caiu sobre a cobertura do anexo do prédio do A., destruindo por completo aquela cobertura.

7.Por acordo de vontade estipulado pela apólice nº , a Sociedade A, Lda. transferiu para a L, S.A. a sua responsabilidade garantindo as indemnizações que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou lesões materiais, em consequência do exercício da sua actividade de empresa de construção civil, nomeadamente:
-pela execução dos trabalhos próprios da sua actividade;
-pela utilização das máquinas necessárias a sua actividade; - pelos actos ou omissões do segurado, seus administradores, gerentes, empregados, assalariados ou mandatários, quando ao seu serviço e no desempenho das missões que lhes forem confiadas;
-pelas instalações, locais ou terrenos utilizados pelo segurado para o exercício da sua actividade e dos quais o segurado seja proprietário, arrendatário ou usufrutuário;
-por incêndio ou explosão originados pelo desenvolvimento da sua actividade; até ao limite de 20% do capital contratado na garantia.
8.Consta das Condições Gerais da apólice acima referida um artigo com a epígrafe “Exclusões” e a seguinte redacção: “Para além das exclusões constantes das condições gerais da apólice ficam igualmente excluídos: - os danos causados às próprias obras objecto da actividade do segurado; - os danos causados às máquinas, equipamentos, veículos ou materiais que se encontrem em poder do segurado para sua utilização; - os danos causados aos bens de que o segurado ou as pessoas por quem ele é civilmente responsável são proprietários ou locatários, incluindo os bens em regime de leasing ou ALD; - os danos resultantes da inobservância das disposições legais e camarárias relativos à execução dos trabalhos bem como as medidas de segurança que a lei ou a natureza dos mesmos exija; - os danos decorrentes da utilização pelo segurado de processos e/ou materiais que derivem de técnicas novas ou não normalizadas; - os danos cuja ocorrência seja altamente previsível ou de que se aceitou a eventualidade da sua ocorrência, ao escolher-se um certo modo de trabalho, na intenção de reduzir o custo ou o prazo de execução; - os danos resultantes de desabamento, desprendimentos, abalos ou desnivelamentos de terrenos provocados por trabalhos de bate-estacas ou quaisquer outros factos alheios à actividade do segurado; - os danos que tenham por base o não cumprimento de obrigações contratuais, tais como a inexecução, total ou parcial, dos trabalhos, o não funcionamento ou funcionamento deficiente dos mesmos ou o não cumprimento de prazos de entrega; - os danos resultantes da responsabilidade que possa ser imputável ao segurado pelas obras realizadas, uma vez terminadas. Salvo convenção expressa em contrário nestas condições particulares, ficam igualmente excluídos do âmbito de cobertura do presente contrato: - os danos resultantes de trabalhos de derrube ou demolição; - os danos resultantes da utilização de explosivos; - os danos causados a cabos, condutas ou canalizações subterrâneas de qualquer tipo; - os danos causados a bens propriedade do dono da obra, existentes nos locais onde decorrem os trabalhos objecto do seguro; - os danos causados a edifícios, terrenos, construções e/ou estruturas propriedade de terceiros, adjacentes aos locais onde decorrem os trabalhos objecto do seguro; - os danos causados a quaisquer empreiteiros, sub-empreiteiros ou fornecedores que trabalhem conjuntamente com o segurado na execução de quaisquer trabalhos e/ou fornecimentos; - os danos causados a terceiros pelas pessoas singulares ou colectivas subcontratadas pelo segurado; - os danos resultantes da construção de edifícios com mais de 5 pisos de cota positiva.”
9.Consta das Condições Gerais da apólice acima referida uma cláusula com o nº 40 e a seguinte redacção: “Cláusula 40 - danos a bens adjacentes (propriedade de terceiros) Pela presente cláusula especial fica convencionado que, em complemento aos termos, condições e exclusões da apólice, a L indemnizará, até ao limite estipulado nestas condições particulares, as perdas ou danos causados aos bens, edifícios, terrenos, construções e/ou estruturas contíguas ou adjacentes ao local onde decorrem os trabalhos objecto do seguro e que sejam uma consequência directa desses mesmos trabalhos, desde que, antes do início dos mesmos, o segurado tenha adoptado todas as medidas de segurança necessárias. Ficam no entanto excluídos do âmbito desta garantia: -as despesas efectuadas com a adopção de quaisquer medidas adicionais de segurança ou protecção que se revelem necessárias durante a execução dos trabalhos, as quais deverão ser realizadas por iniciativa e encargo do segurado; - as perdas ou danos resultantes de trabalhos de recalçamento, escavações ou outros envolvendo elementos de suporte no subsolo, excepto na medida em que tais danos comprometam a estabilidade ou a segurança, ou que provoquem o colapso parcial ou total dos bens, edifícios ou estruturas; - as perdas ou danos resultantes de fendas, fissuras, assentamentos, deformações ou outros acontecimentos que não comprometam a estabilidade e segurança dos bens, edifícios ou estruturas; - as perdas ou danos resultantes de infiltrações ou presença de humidade na medida em que não ponham em causa a salubridade dos edifícios.”.
10.Consta da apólice referida em 7º uma franquia de 10% da indemnização, com o mínimo de € 500,00.
11.A Chamada A Lda. deu início às obras de reconstrução do prédio urbano propriedade da 1ª Ré.
12.Pelo menos desde 11/2/2011 existiam andaimes na via pública ocupando toda a fachada principal do imóvel propriedade da 1ª Ré.
13.O facto referido em 6º danificou a placa, onde assenta a referida cobertura.
14.Em consequência dos danos causados na placa ocorreram infiltrações no piso térreo.
15.O A. solicitou ao Sr. A um orçamento para a execução dos trabalhos de reparação dos danos causados no seu prédio, o qual tem o valor total de 45.200,00 Euros.
16.O A. solicitou um segundo orçamento para a execução dos trabalhos de reparação dos danos causados no seu prédio que lhe foi entregue pelo Sr. J, sendo o orçamento no valor de 12.830,00 Euros.
17.Os trabalhos considerados necessários para a reparação dos danos consistem nomeadamente na demolição das paredes interiores do 1º andar, na limpeza do entulho da demolição, na limpeza dos escombros do prédio da 1ª Ré, na execução das divisórias em tijolo no 1º andar, com casa de banho, na colocação de barrotes para assentamento da chapa em lusalite, no reboco das empenas e das paredes interiores, na colocação de nova instalação eléctrica, na colocação de mosaicos no pavimento e azulejos nas paredes e de pinturas interiores e exteriores, na reparação da placa.
18.A 1ª R. contratou a A Lda., pessoa colectiva n.º, empresa com alvará para levar a cabo a referida obra de recuperação.
Com interesse para a apreciação do objecto do recurso, atento o teor dos documentos de fls. 195/201 juntos dos autos e tendo presente o acordo das partes, resulta ainda demonstrado nos autos:
19.Na audiência preliminar realizada em 23-01-2013, o Autor ditou o seguinte requerimento: “Em 19-10-2012, no cartório notarial Dr. C foi celebrada a escritura de compra e venda do prédio propriedade do Autor, em apreço nos autos, conforme cópia da escritura que se junta. Face aos danos existentes no prédio o Autor e a sociedade compradora, A, Lda., acordaram em reduzir o preço do prédio em €30.000,00, conforme consta da escritura a fls. 67. Face ao exposto e tendo em consideração que a causa de pedir se mantém a mesma ou seja que a redução do valor da venda resulta do dano causado pelas Rés G Lda., A, Lda. e A, Lda., requer-se a Vª Exa. a alteração do pedido para pagamento da quantia de € 30.000,00, a título de indemnização ao Autor. O Autor mantém o pedido de pagamento dos danos morais formulado na alínea d), no montante de € 5.000,00. Pede deferimento.”;
20.A Ré Seguradora declarou nada ter a opor ao requerido;
21.Não se encontrando presente o Mandatário das 1ª e 2ª Rés e da Interveniente, o tribunal a quo ordenou a junção da escritura pública e determinou que os autos aguardassem o decurso do prazo para o exercício do contraditório em face da ausência do ilustre Mandatário; após, proferiu saneador, fixou os factos assentes e elaborou a Base Instrutória;
22.Tendo comparecido o ilustre Mandatário das Rés e da Interveniente durante a referida diligência (terminada a selecção da matéria de facto) foi-lhe lido o requerimento do Autor tendo o mesmo requerido a concessão do prazo de dez dias para se pronunciar sobre a pretendida alteração, o que lhe foi deferido;
23.Após o decurso do referido prazo, as Rés nada disseram/ou requereram nos autos; 
24.Por despacho de 19-02-2013 e com fundamento no n.º2 do artigo 273.º do CPC, foi indeferida a alteração do pedido com fundamento de que a mesma apenas poder ter lugar na réplica.
25.Por escritura pública celebrada em 19-10-2012, o Autor vendeu a A, Lda. o prédio, sua propriedade, pelo preço de €145.000,00, o qual resulta de ter sido acordado “Face aos danos existentes no prédio dele primeiro outorgante, causados por ter caído parte da empena do prédio confinante, que se encontrava em obras, atrás identificados, ele primeiro outorgante e a sociedade representada da segunda outorgante, acordaram em reduzir o preço do prédio ora transmitido em trinta mil Euros”;
26.Encontra-se exarado na mesma escritura “Que corre termos na Terceira Secção, da Quinta Vara Cível do Tribunal Judicial de Lisboa, a acção de processo ordinário com o número 1471/11.5TVLSB, proposta por ele primeiro outorgante contra G, Lda., A, Lda. e L, SA, sendo interveniente a sociedade A, Lda.., por em vinte e sete de Novembro de dois mil e dez, durante a execução de obras no prédio confinante, ter ruído a parte superior do edifício em obras, caindo parte da empena daquele prédio sobre a cobertura do anexo do prédio atrás identificado, destruindo por completo aquela cobertura do anexo do prédio dele primeiro outorgante e danificando a placa onde assenta a referida cobertura. (…) Que ele primeiro outorgante e após a celebração da presente escritura irá prosseguir com a acção de processo ordinário com o número 1471/11.5TVLSB, com vista a ser ressarcido dos prejuízos sofridos.”.

O direito.

Questões suscitadas nos recursos (delimitadas pelo teor das conclusões do recurso e na ausência de aspectos de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil).
1.Inutilidade superveniente da lide (recurso da Ré)
2.Nulidade da sentença (recurso do Autor e da Ré)
3.Impugnação da matéria de facto (recurso da Ré)
4.Responsabilidade da Ré pelos danos (recurso da Ré)
              
1.Inutilidade superveniente da lide (recurso da Ré).

Pretende a Ré que seja declarada a inutilidade superveniente da lide sustentando-se, fundamentalmente, no seguinte raciocínio:

-encontrar-se documentado no processo (escritura pública datada de 19.10.2012) que na pendência da acção ocorreu a mudança da propriedade do imóvel objecto de litígio (transmitida pelo Autor à sociedade A, Lda.);
-constituir a causa de pedir da acção a queda de parte da empena do prédio da Ré (durante a execução das obras de recuperação pela Ré A Lda.) sobre a cobertura do prédio do Autor; o pedido, a reparação dos danos provocados pela referida queda;
-ter o actual proprietário do imóvel prescindido da reparação dos danos existentes no imóvel;
-impor-se ao julgador considerar na sentença os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito produzidos posteriormente à propositura da acção (factos supervenientes);
-ter sido indeferida a alteração do pedido requerida pelo Autor em audiência preliminar.
A questão colocada pela Ré, reportada aos efeitos da transmissão do direito de propriedade do imóvel na apreciação de mérito da causa (conhecimento da pretensão do Autor), assume acuidade no presente caso perante a “renúncia” ao direito de indemnização por parte do novo proprietário (porquanto na escritura de compra e venda ficou acordado que o prosseguimento da presente acção iria ser feito pelo transmitente para ressarcimento dos prejuízos sofridos.).

Vejamos.

Através da presente acção o Autor accionou as Rés responsabilizando-as pela produção dos danos por si suportados, invocando a qualidade de proprietário do imóvel danificado. Nesse sentido, deduziu pedido de reparação dos danos sofridos.

Resulta dos autos que, em 19.10.2012, o Autor procedeu à venda do referido imóvel, tendo ficado declarado na escritura o acordo em reduzir o preço do prédio em €30.000,00 face aos danos existentes no imóvel por efeito da queda da parte da empena do prédio confinante.

De tal situação (com requerimento de junção do referido acto notarial, deferido pelo tribunal a quo) o Autor informou os autos (no início da audiência preliminar realizada, ocorrida em 23-01-2013) requerendo, nesse sentido, a alteração do pedido inicialmente formulado, alteração indeferida pelo tribunal a quo, que proferiu sentença ignorando realidades que lhe cabia conhecer, desde logo porque comprometedoras da viabilidade da decisão proferida: a venda do imóvel e a renúncia do novo proprietário ao direito de reparação dos danos.

Não oferece qualquer dúvida de que a venda do referido imóvel é impeditiva da condenação das Rés na reparação do mesmo por a tal se opor a própria vontade do adquirente do direito de propriedade sobre o prédio. Por conseguinte, caso o Autor não tivesse vindo aos autos invocar, em sucedâneo da sua inicial pretensão, pedido indemnizatório (que se consubstancia como compensatório da “perda” do respectivo direito à reparação dos danos produzidos no imóvel) traduzido no prejuízo decorrente da redução do preço do imóvel em consequência do facto danoso, estar-se-ia perante a verificação de um evento superveniente – renúncia do adquirente do imóvel ao direito de reparação –, que impossibilitaria o reconhecimento desse direito (de reparação dos danos) e, nessa medida, careceria de fundamento a continuidade da lide, conduzindo à extinção da instância por inutilidade.

Todavia, não podendo ser ignorada a modificação da pretensão inicial do Autor (a qual, ao invés do entendido pelo tribunal recorrido, sempre terá de ser considerada como tendo merecido o acordo - ainda que tácito - das Rés, porquanto a ela não se opuseram), atento o disposto no artigo 272.º, do CPC a considerar, não ocorrendo fundamento para que não se admita a alteração do pedido deduzida pelo Autor, a reformulação da sua pretensão, evitou a eventual inutilidade superveniente do prosseguimento da presente acção, pelo que falecem as conclusões (A a N) do recurso da Ré.

2.Nulidade da sentença (recurso do Autor e recurso da Ré).

-do Autor.

Imputa o Recorrente o vício de nulidade à sentença recorrida com fundamento em desconsideração de factos supervenientes relevantes e na condenação em objecto diverso do pedido.
Há que lhe dar razão apenas no que se refere a este último fundamento.
Com efeito, no que se refere à alegada desconsideração de factualidade superveniente relevante - alteração da titularidade do imóvel na pendência da acção e alteração do pedido -, eventualmente passível de poder integrar nulidade da sentença por omissão de pronúncia, a sua verificação evidencia-se, no caso, não como vício da sentença (porquanto o tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão), mas integrando uma situação de erro de julgamento (a atendibilidade do referido factualismo teve por subjacente a inadmissibilidade da alteração do pedido e a não apresentação de articulado superveniente).
No que se refere à condenação em objecto diverso do pedido (alínea e) do n.º1 do artigo 615.º, do CPC) ocorre, efectivamente a alegada nulidade da sentença. Com efeito, na sequência do supra referido (em 1.), cabia ao tribunal a quo ter admitido a alteração do pedido e, nessa medida, conhecer da pretensão indemnizatória do Autor. Não o tendo feito e ao condenar a Ré na reparação nos danos do imóvel, a sentença condenou em objecto diverso do pedido encontrando-se, por isso, ferida de nulidade.
Consequentemente, procedendo a apelação do Autor, declara-se nula a sentença proferida, cabendo a este tribunal o conhecimento da pretensão do Autor (cfr. artigo 665.º, n.º1, do CPC).

-Da Ré.

Defende a Apelante a nulidade da sentença imputando-lhe os vícios subsumíveis às alíneas c) e e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por:
a) a factualidade provada e respectiva fundamentação conduzirem à absolvição da Ré;
b) a condenação na reparação ultrapassar os danos alegados e provados.
Carece de razão.
Ao invés do considerado pela Ré, as falhas apontadas à decisão proferida não se configuram no âmbito das “nulidades” de sentença, porquanto se situam ao nível do erro de julgamento (quer da matéria de facto, quer da subsunção jurídica dos factos ao direito).

3.Impugnação da matéria de facto (recurso da Ré).

Segundo a Apelante a sua discordância quanto à decisão recorrida incide em dois aspectos:
-aos danos sofridos no imóvel pela queda de parte da empena;
-à ausência de culpa sua relativamente à referida queda.
Considera, por isso, ter sido incorrectamente julgada a factualidade constante dos artigos 3.º, 4.º, 7.º e 9.º da base instrutória (n.ºs 13, 14 e 17 dos factos provados constantes da sentença), pugnando no sentido da mesma ser considerada não provada, apoiando-se em prova documental (certidão do registo predial referente ao prédio do Autor, contrato de prestação de serviços celebrado entre si e a Ré A, Lda., orçamentos, fotografias juntas em audiência de julgamento) e fazendo ainda referência ao teor dos depoimentos de Humberto, Maria e José.
A matéria fáctica objecto do desacordo da Apelante (O facto referido em 6º danificou a placa, onde assenta a referida cobertura; Em consequência dos danos causados na placa ocorreram infiltrações no piso térreo; Os trabalhos considerados necessários para a reparação dos danos consistem nomeadamente na demolição das paredes interiores do 1º andar, na limpeza do entulho da demolição, na limpeza dos escombros do prédio da 1ª Ré, na execução das divisórias em tijolo no 1º andar, com casa de banho, na colocação de barrotes para assentamento da chapa em lusalite, no reboco das empenas e das paredes interiores, na colocação de nova instalação eléctrica, na colocação de mosaicos no pavimento e azulejos nas paredes e de pinturas interiores e exteriores, na reparação da placa.) reporta-se apenas aos danos sofridos pelo imóvel em consequência da queda de parte da empena do prédio contíguo ao do Autor, porquanto, relativamente à questão da culpa na produção do evento danoso, a Ré põe somente em causa a conclusão retirada pelo tribunal a quo em sede de subsunção jurídica dos factos, tecendo referência ao facto das testemunhas Humberto e Maria terem afirmado que na altura em que ocorreu a queda da empena estava mau tempo com rajadas fortes de vento.

Defende a Recorrente que os danos apurados não só extravasam o que nesse sentido havia sido alegado pelo Autor (circunscritos ao tecto em lusalite e à placa), como se mostram infirmados pelos documentos juntos ao processo através dos quais se conclui que no local do sinistro apenas se encontra construída, ilegalmente, uma garagem com tecto de lusalite, onde não se vê quaisquer quadros e ligações elétricas, divisória de WC e sanitários ou mosaicos de chão ou parede.

Carece de razão.

A evocada ausência de alegação dos danos mostra-se infirmada em face do teor dos artigos 10.º, 11.º, 15.º, 20.º e 23.º, da petição (cfr. artigos 14.º a 16.º da contestação), sendo que a matéria em causa foi inserida na base instrutória (artigos 3.º, 4.º, 7.º e 9.º) não tendo a mesma merecido qualquer objecção pelas partes, designadamente por parte da aqui Recorrente.

Do despacho de fundamentação das respostas à base instrutória resulta que o tribunal a quo sustentou a sua convicção relativamente à referida matéria no depoimento da testemunha Humberto referindo a esse respeito “engenheiro civil que por conta Ré L efectuou vistoria ao prédio do Autor em 4/1/2011 verificando a queda nesse prédio de elementos de construção do prédio da 1ª Ré. A mencionada testemunha referiu que no prédio do Autor estavam danificados a cobertura, o quadro e instalação eléctrica, uma casa-de-banho, elementos da habitação, e existiam fissuras na laje e infiltrações pela entrada de água pela cobertura. Embora não conseguisse recordar tudo o que observou na altura a testemunha depôs de forma clara, precisa e rigorosa, tendo o cuidado de sublinhar que a sua inspecção foi meramente visual, não tendo feito análises ao estado da estrutura do prédio do A. nem se tendo deslocado ao prédio da 1ª Ré ou vistoriado/analisado este. A testemunha pronunciou-se sobre os trabalhos necessários à reparação do que observou, descrevendo de forma pormenorizada aqueles que considerou necessários para o efeito, ressalvando só poder pronunciar-se sobre valor desses trabalhos depois de realização de cálculos considerando preços e quantidades de materiais. A testemunha analisou ainda os orçamentos de fls. 36, 37 e 93 a 94, considerando que o último não contemplava as obras necessárias à reparação do que observou, mesmo considerando que seria possível reparar a placa.(…)”.

Resulta do citado despacho que durante tal depoimento, que foi considerado claro, preciso e rigoroso, a testemunha foi confrontada com os orçamentos juntos aos autos a fls. 36, 37 e 93 a 94, tendo sido esclarecido que este último não contemplava as obras necessárias às reparações dos danos que havia observado.

Evidencia-se, pois, que os elementos indicados pela Recorrente (que a mesma se limita a aludir de forma genérica e sem justificar ou tecer qualquer análise crítica aos mesmos por forma a fundamentar a sua discordância relativamente à demais prova produzida no processo, designadamente o depoimento da testemunha em que o tribunal recorrido fez sustentar a sua convicção) não permitem abalar a convicção do tribunal a quo, pelo que carece de cabimento a pretendida alteração das respostas dadas aos citados artigos da base instrutória.

Quanto ao mais, conforme já salientado, embora a Recorrente tenha feito referência ao depoimento de testemunhas, estruturou o recurso cingindo-o à discordância quanto à conclusão que o tribunal a quo retirou relativamente à imputação da culpa do evento danoso, aspecto que se mostra estranho à questão da alteração da matéria de facto.

Com efeito, a Recorrente limita-se a fazer realçar que o tribunal a quo não atendeu a determinado aspecto referenciado pelas testemunhas Humberto e Maria (cfr. n.ºs 33, 34 e 49, das alegações), sem indicar o(s) facto(s) reputado(s) de mal julgado(s), optando por defender que os elementos do processo (designadamente por recurso ao depoimento de testemunhas ouvidas) levavam a uma conclusão diversa em termos de (não) atribuição da culpa na produção do evento danoso – cfr. conclusões DD, EE,FF, MM, QQ, RR.

Dado que a Apelante, ao pugnar pela extracção de uma certa conclusão jurídico/fáctica, não se insurgiu relativamente a determinado e concreto ponto de facto (não pedindo qualquer alteração da decisão de facto nesse sentido), não é possível considerar que a sua pretensão de recurso integre a decisão de facto.

Cabe pois manter a matéria de facto provada decidida pelo tribunal a quo, improcedendo, nesta parte, as conclusões do recurso da Ré. 

4.Responsabilidade da Ré pelos danos (recurso da Ré)

A condenação da Recorrente na reparação dos danos decorrentes da queda de parte da empena do prédio sua propriedade e a absolvição das demais Rés decidida na sentença mostra-se sustentada na responsabilidade civil, ao abrigo do disposto no artigo 492.º, do Código Civil, de acordo com a seguinte ordem de argumentos:
-nos termos do artigo 492.º, do Código Civil, o proprietário ou possuidor de edifício ou de outra obra que ruir, no todo ou em parte, por vício de construção ou defeito de conservação, responde pelos danos causados, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos;
-está-se perante uma modalidade de responsabilidade civil por factos ilícitos na qual se estabeleceu uma presunção de culpa do proprietário de edifício ou de outra obra;
-sobre o lesado incumbe a prova dos requisitos exigidos pelo artigo 483º , nº 1 , do Código Civil, excepto no que respeita à culpa do lesante, que se presume, ocorrendo, por isso, inversão do ónus de prova da culpa;
-tendo ficado apurado que a parte superior da empena do prédio propriedade da 1ª Ré caiu sobre a cobertura de anexo existente no prédio do Autor provocando danos, há que concluir que os danos apurados foram consequência da ruína e queda de parte daquele prédio;
-não tendo ficado provado que os danos tivessem sido causados pela execução das obras realizadas pela Chamada  e/ou pela colocação de andaimes e não tendo sido demonstrado que ao realizar tais obras a Chamada tenha violado as regras da boa construção ou normas imperativas que regulamentam essa actividade, nem que tenha agido com dolo ou negligência grosseira no desenvolvimento dessa actividade, nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada;
-impendendo sobre a 1ª Ré, enquanto proprietária do imóvel a presunção de culpa, cabia-lhe demonstrar factualidade que afastasse a respectiva culpa, ou que demonstrasse que mesmo com a diligência devida não se teriam evitado os danos ocorridos;
Rebela-se a Ré quanto a esta decisão pugnando pela sua não responsabilização pelos danos ocorridos no imóvel, sustentando a seguinte argumentação:
-encontra-se provado que foi durante a execução de obras pela Ré A, Lda. que parte da empena do seu imóvel cedeu para cima da cobertura do prédio (na altura) pertencente ao Autor;
-a presunção de culpa estabelecida pelo artigo 492.º, do Código Civil, só funciona após a demonstração, pelo lesado, de que o evento se ficou a dever a vício de construção ou defeito de conservação;
-o Autor não alegou nem demonstrou que a referida empena ruiu por vício de construção ou defeito de conservação.

A argumentação da Recorrente ao sustentar a sua não responsabilização pelas consequências da queda da empena do imóvel de que é proprietária, aludindo à circunstância de ter sido provado que foi durante a execução de obras pela Ré A, Lda. que parte da empena do seu imóvel cedeu para cima da cobertura do prédio do Autor, querendo significar uma eventual responsabilização daquela sociedade radicada na realização das obras que estavam a decorrer, não pode deixar de carecer de fundamento uma vez que apenas resultou provado a circunstância do evento danoso ter ocorrido aquando do decorrer as obras; não que tenha sido causado pela realização das mesmas.

Nesse sentido e tal como se encontra salientado na sentença recorrida, não ficou demonstrado (nem sequer foi alegado) que o evento danoso foi causado por violação de quaisquer regras de boa construção ou atinentes à regulamentação da referida actividade nem por dolo ou erro na execução das referidas obras. Consequentemente, não pode deixar de improceder a argumentação da Ré nesse sentido.

Igualmente carece a Recorrente de razão no que toca à invocada inexistência de demonstração de vício de construção ou defeito de conservação e à consequente inexistência de culpa na produção do evento danoso, conforme passaremos a justificar.

A pretensão do Autor (quer o inicial pedido de reparação dos danos, quer o pedido de indemnização posteriormente deduzido) nesta acção encontra-se assente na ocorrência de um sinistro envolvendo o prédio da Recorrente, que se traduziu no ruir de parte da respectiva empena que caiu sobre o imóvel contíguo, na altura, propriedade do Autor, provocando danos no mesmo.

A demonstração de que os estragos ocorridos no imóvel do Autor foram causados pela queda da empena mostra-se incontornável nos autos.

A questão que se coloca é a de saber se tal ocorrência pressupõe ou revela inadequada conservação do imóvel por parte do respectivo proprietário.

Vejamos.

Não há dúvida de que a situação danosa ocorrida na fracção propriedade do Autor encontra-se perspectivada na responsabilização extracontratual da Ré, cuja cláusula geral se encontra estabelecida no artigo 483.º, do Código Civil, que faz depender a constituição da obrigação de indemnizar da existência de conduta do agente que represente: violação de um dever jurídico; lhe seja censurável e que tenha provocado dano.

Na averiguação dos pressupostos condicionantes da obrigação de indemnizar – facto, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano – o enquadramento da situação no disposto no artigo 492.º, n.º1, do Código Civil, isto é, a atribuição de presunção de culpa ao proprietário ou possuidor do edifício ou obra que ruir, não pode deixar de assentar na ideia de que não foram tomadas as medidas (quanto à construção e/ou conservação) necessárias a fim de evitar o dano.

E se é certo que se mostra pacífico que a situação de culpa presumida não dispensa a demonstração da ilicitude do acto, a questão que se prende com o ónus de prova da ilicitude tem vindo a assumir posições algo dissonantes.

O entendimento quase unânime na doutrina e na jurisprudência é de que incumbe ao lesado o ónus de provar o vício de construção ou defeito de conservação. Todavia, as particularidades inerentes a essa demonstração por parte do lesado (salientadas por aqueles que consideram ser ao responsável pela construção ou conservação que se impõe demonstrar que não foi por sua culpa que ocorreu a ruína do edifício ou obra), mostram-se acolhidas no posicionamento que defende que a natureza do facto ilícito em causa (falta de cumprimento dos deveres a observar na construção ou na conservação do imóvel), permite que a sua demonstração seja feita por via de presunção judicial sempre que a causa do dano possa fazer concluir sobre a existência de defeito de conservação .

Como faz sublinhar o supra citado acórdão da Relação de Lisboa de 29-11-2007, tratam-se de casos em que através de presunção judicial seja permitido inferir a vetustez do edifício ou obra, a carecer de conservação, a partir do próprio dano ocorrido como sucede quando se dá o ruir de obra.

Não podemos deixar de aderir a tal entendimento tendo presente que quer as obras quer os edifícios reportados no artigo 492.º, do Código Civil, são passíveis de causar danos, encontrando-se, nessa medida, sujeitos à necessária prevenção a qual pressupõe a sua manutenção e tem por subjacente uma adequada vigilância a cargo do respectivo proprietário ou possuidor ou sobre aquele que tiver assumido por lei ou negócio jurídico tal dever de conservação.

Revertendo tais considerações para a situação sob análise, há que concluir que a ocorrência em causa – o ruir de parte da empena do imóvel – permite inferir, em termos de presunção de facto, a inadequada conservação do edifício por inacção por parte do respectivo proprietário, isto é, pela Ré, aqui Recorrente. Encontra-se por isso demonstrada a ilicitude do facto consubstanciada no defeito de conservação do edifício.

Assim sendo, dado que não foi feita demonstração quanto à existência de qualquer causa estranha ao edifício que originasse a queda da parede, uma vez que a Ré não fez prova de que não houve culpa sua na produção do evento, não logrou a mesma em afastar a presunção de culpa que sobre si impendia; nessa medida, é responsável pelos danos provocados com a referida queda da empena no imóvel que pertencia ao Autor.

Consequentemente, atendendo à alteração do pedido, encontrando-se demonstrado que por efeito dos estragos verificados no imóvel ocasionados pela queda da empena, o Autor reduziu o preço de venda do prédio em €30.000,00, cabe à Ré ressarci-lo, em conformidade, no montante peticionado.

III–Decisão.

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação da Ré e procedente a apelação do Autor pelo que declaram nula a sentença na parte em que condenou a Ré no pedido de reparação dos danos e, consequentemente, julgando a acção parcialmente procedente, condenam a Ré G, Lda. a pagar ao Autor o montante indemnizatório de €30.000,00 (trinta mil euros).
Custas da apelação a cargo da Ré, mantendo-se a condenação em custas da acção nos termos decididos na sentença.



Lisboa, 20 de Setembro de 2016



Graça Amaral
Orlando Nascimento
Alziro Cardoso