Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
512/09.0TCSNT-A.L1-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
PREÇO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1 - Frustrando-se a venda por propostas em carta fechada por ausência de propostas, a venda por negociação particular não está sujeita ao limite de 70% previsto no art. 889/2 CPC.
2 - Carece de autorização do Tribunal a venda por negociação particular de bem penhorado em acção executiva, por valor inferior ao valor base do bem.(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

         B…, S.A. instaurou execução para pagamento de quantia certa - € 88.690,63 - contra G… e M…, apresentando como título executivo dois contratos de empréstimo.

Alegou, em síntese, ter celebrado dois contratos de empréstimo, por escritura pública, em 27/5/2005, na sequência dos quais entregou a G… as quantias de € 58.000,00 e   € 14.500,00.

Para garantia dos dois contratos, G… constitui a favor do exequente Banco duas hipotecas voluntárias sobre a fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente ao 3º andar esq., do prédio urbano sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de A… sob o nº 000 e inscrito na matriz predial urbana, sob o art. 000.

A fracção foi penhorada, em 1/3/2010.

Em 8/2/2011, realizou-se a diligência de abertura de propostas em carta fechada para venda do imóvel penhorado, tendo como valor base € 144.697,82, correspondente ao valor mínimo de € 80.288,47.

Face à inexistência de propostas de compra foi determinada a venda por negociação particular, nos termos dos arts. 895 e 904 CPC.

Em 21/2/2011, o exequente apresentou, junto do encarregado da venda, proposta de compra do imóvel, oferecendo como dispensa de depósito, nos termos do art. 887 CPC, o preço de € 52.700,00.

O agente de execução, em cumprimento das formalidades legais, em 19/4/2011, notificou as partes para, no prazo de 10 dias, declararem se se opunham à aceitação da proposta de compra e venda apresentada pelo exequente, uma vez que a proposta apresentada era inferior ao valor mínimo fixado para a venda por propostas em carta fechada.

As partes não manifestaram qualquer discordância.

Em 4/8/2011, e face à inexistência de outras propostas de compra, foi proferida pelo agente de execução a decisão da venda do imóvel ao exequente pelo preço oferecido, tendo as partes sido notificadas da decisão.

Na sequência da decisão o exequente procedeu ao cumprimento das obrigações fiscais inerentes ao acto da compra e, em 24/4/2012, foi outorgada a escritura de compra e venda do imóvel.

         Após efectivação da escritura de compra e venda foram os autos conclusos ao Sr. Juiz que, por despacho datado de 27/11/2013, decidiu dar sem efeito a venda efectuada com fundamento no facto do Sr. Agente de Execução, à revelia das normas legais, mormente os arts. 875 a 878 CPC, sem ter suscitado a intervenção do Tribunal, ter procedido à venda do imóvel ao exequente, por valor inferior ao mínimo fixado para efeitos de venda por propostas em carta fechada, sem qualquer justificação da razão ou critério que presidiu à venda efectuada – fls. 30 a 37.

Inconformado, o exequente apelou, tendo alegado e formulado as conclusões que se transcrevem:

1. O recorrente instaurou os presentes autos de execução para pagamento de quantia certa contra G… e M… peticionando o pagamento da quantia de € 88.690,63, decorrente do não cumprimento dos dois contratos de empréstimo celebrados por escritura pública em 27/05/2005.

2. Para garantia do cumprimento dos referidos contratos de empréstimo, foram constituídas a favor do recorrente duas hipotecas voluntárias sobre a fracção autónoma designada pela letra "H", correspondente ao 3º andar esquerdo, do prédio urbano sito na Rua …, descrito na Conservatória do Registo Predial de A… sob o n.000, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 00.

3. Em 1/3/2010, foi penhora a sobredita fracção.

4. Em 8/2/2011, realizou-se a diligência de abertura de propostas em carta fechada para venda do imóvel penhorado, para a qual se fixou o valor a anunciar para a venda de € 80.288,47.

5. Face à inexistência de propostas de compra, foi determinada a venda do imóvel por negociação particular nos termos do art. 895 e 904 CPC.

6. Em 21/02/2011, o recorrente apresentou proposta de compra do referido imóvel, pelo preço de € 52.700,00.

7. O agente de execução, em cumprimento das formalidades legais impostas, em 19/04/2011, notificou as partes para, no prazo de 10 dias, declararem se se opunham à aceitação da proposta de compra apresentada pelo recorrente, uma vez que a proposta de compra apresentada era inferior ao valor mínimo inicialmente fixado para a venda por propostas em carta fechada.

8. As partes não manifestaram a sua discordância à venda do imóvel ao recorrente, nem suscitaram qualquer questão relativamente ao preço oferecido.

9. Daí que, em 04/08/2011, e perante a inexistência de outras propostas de compra, o agente de execução tenha proferido decisão de venda do imóvel ao recorrente pelo preço por este oferecido.

10. Na mesma data, o agente de execução juntou ao processo a decisão de venda do imóvel ao recorrente e os comprovativos de notificação da decisão às partes, sem que, novamente tenha sido manifestada pelas partes qualquer discordância à decisão de venda proferida pelo agente de execução.

11. O Tribunal a quo também não se pronunciou sobre a pretensa nulidade da venda, que agora conclui não existir, volvidos mais de 2 anos sobre a data da decisão da venda, declarar sem efeito a venda com os fundamentos alegados.

12. A decisão proferida pelo Tribunal a quo não merece, com o devido respeito, qualquer acolhimento.

13. Cumpre referir que a proposta de compra foi apresentada pelo recorrente em venda por negociação particular, determinada após a frustração da venda do imóvel por propostas em carta fechada, e foi também no âmbito desta negociação particular que o imóvel foi adquirido pelo recorrente.

14. É entendimento unanimemente aceite que o legislador não pretendeu estender às vendas por negociação particular o formalismo e o regime regra da fixação do valor mínimo das vendas por propostas em carta fechada, tal como previsto no art. 889/2 C.P.C.

15. É, nesta medida, que os art. 904 e 905 CPC, na redacção anterior, não fazem qualquer referência a um valor mínimo para venda.

16. O legislador assim o decidiu justamente para se obter o que não foi possível no regime regra: a venda do bem.

17. In casu, que não foram preteridas quaisquer formalidades legais pelo agente de execução, que actuou em estrito cumprimento das normas legais aplicáveis à venda por negociação particular, proferindo uma decisão de venda depois de ouvidas as partes sobre a única proposta de compra apresentada.

18. A venda efectuada ao recorrente não está ferida de qualquer nulidade e a decisão de venda proferida pelo agente de execução é o acto idóneo a produzir os efeitos jurídicos atinentes à transmissão do imóvel por esta via.

19. Nestes temos, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo constante do despacho proferido a 27/11/2013 e substituída por outra que considere válida e eficaz a venda realizada nos autos.

20. Assim, deve o recurso ser provido, revogando-se o despacho recorrido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

           Foram colhidos os vistos.

           Os factos com interesse para a decisão constam do relatado supra. 

           A questão a resolver no recurso, em face das conclusões do apelante, que delimitam, como é regra, o objecto do recurso, é a de saber se a compra e venda do imóvel efectuada por negociação particular, pelo Sr. Agente de Execução, por valor inferior ao limite estatuído (limite mínimo) aquando da venda por propostas em carta fechada, sem prévio conhecimento do tribunal, é ou não válida.

           Vejamos, então:

A venda por negociação particular é uma das modalidades de venda extra-judicial prevista no processo executivo através da qual se visa a satisfação do interesse do credor, proporcionando-lhe a cobrança dos seus créditos que mediante a alienação dos bens penhorados, se transferem para o respectivo produto – art. 886 d) CPC.

A esta modalidade de venda são aplicáveis as disposições gerais a que aludem os arts. 886 a 887 e 904 a 905 CPC.

In casu, designado dia para a abertura de propostas (venda de propostas em carta fechada) para a venda do imóvel penhorado, tendo como valor base € 144.697,82, correspondente ao valor mínimo de € 80.288,47 (70%), ex vi art. 889/2 CPC, a venda frustrou-se por ausência de proponentes.

Consequentemente, foi ordenada a venda por negociação particular por frustração da venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes – arts. 895 e 904 d) CPC. 

       Da leitura destes preceitos ressalta que a venda por negociação particular, decorrente da frustração da venda por propostas em carta fechada, não está sujeita ao limite de 70% fixado no art. 889/2 CPC, para esta modalidade de venda.

       No entanto, tal venda terá de ser autorizada pelo tribunal.

       Na verdade, “Se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução corresponde ao valor de mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente da execução é encarregado da venda … lhe coubesse baixar o valor base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva o poder … de autorizar a venda por preço inferior ao valor base” – cfr. Lebre de Freitas, in CPC Anot, 3º - 602, Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução – 270 e Ac. RL de 6/11/2013, relator António Valente, in www.dgsi.pt.

        Ora, no caso em questão, o Sr. Agente de Execução procedeu à venda por negociação particular, do imóvel penhorado, por valor inferior ao fixado para a venda em propostas em carta fechada (valor mínimo), sem ter dado conhecimento ao tribunal.

Assim, havendo omissão de pronúncia do tribunal sobre o valor/montante da venda e respectiva autorização (valor inferior ao valor base do bem), por tal questão não lhe ter sido colocada pelo    Sr. Agente de Execução, a venda efectuada carece de eficácia jurídica.

Na verdade, a venda efectuada naquelas condições – valor inferior ao preço base estipulado (limite mínimo) para a venda por propostas em carta fechada à revelia do controle jurisdicional, que assegure a defesa dos interesses do executado e dos demais credores ou interessados – traduz-se num mero acto material, inidóneo para produzir efeitos jurídicos e insusceptível de qualquer eficácia jurídica – cfr. Ac. RL de 26/11/2002, in www.dgsi.pt.

Destarte, bem andou o Sr. Juiz ao dar sem efeito a venda em questão.

Concluindo:

1 - Frustrando-se a venda por propostas em carta fechada por ausência de propostas, a venda por negociação particular não está sujeita ao limite de 70% previsto no art. 889/2 CPC.

2 - Carece de autorização do Tribunal a venda por negociação particular de bem penhorado em acção executiva, por valor inferior ao valor base do bem.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

           Lisboa, 25 de setembro de 2014

(Carla Mendes)

(Octávia Viegas)

(Rui da Ponte Gomes)