Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
76/17.1JGLSB-C.L1-9
Relator: LIGIA TROVÃO
Descritores: INQUÉRITO
DESPACHO DE CONCORDÂNCIA DO JIC
IRRECORRABILIDADE DO DESPACHO
ASSISTENTE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/02/2021
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDOS/ REJEITADOS
Sumário: É irrecorrivel a declaração/ despacho judicial de concordância com a decisão de suspensão provisória do processo ( art. 414º nº 2 do C.P.P. ) proferido pelo JIC em sede de inquérito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: DECISÃO SUMÁRIA

I RELATÓRIO
1.1 No âmbito do inquérito supra referenciado ( em que se investiga um crime de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art. 60 n0 1 da Lei n0 109/2009 de 15/09, na forma continuada ) e é arguido AA, o M0P0, entendendo que estavam reunidos todos os pressupostos previstos no art. 2810 n0 1 do C.P.P., encerrou-o com o despacho-proposta de suspensão provisória do processo nos termos do art. 2810 n0 1 do CPP pelo período de 1 ano e 6 meses, com a sujeição do arguido ao cumprimento de injunções.
Remetido o inquérito ao JIC ( arts. 2680 n0 1 f) e 2810 n0 1 do C.P.P. ), foi  proferido despacho de concordância com a decisão do M0P0.
*1.2 A Sport Lisboa e Benfica-Futebol, S.A.D., discordando dos referidos despachos do MP e do JIC, em requerimento dirigido ao JIC, invocou a nulidade de ambas as decisões nos termos do art. 1200 n0 2 b) e d), ou, no mínimo, a sua irregularidade nos termos do disposto no art. 1230 do C.P.P, por considerar que beneficia do estatuto de assistente e não lhe foi dada oportunidade de se pronunciar sobre o despacho-proposta do MP de suspensão provisória do processo e requerendo ainda: a) que se lhe reconheça a qualidade de assistente desde o momento em que

o NUIPC nº 2155/18.9T9LSB foi incorporado no presente NUIPC nº 76/17.1JGLSB e, b) a revogação da decisão que determinou a suspensão provisória do processo.
*1.3 O MP proferiu novo despacho, datado de 06/11/2020, esclarecendo que o NUIPC nº 2155/18.9T9LSB foi investigado com base numa certidão extraída do NUIPC nº 143/17.1JGLSB onde a requerente Sport Lisboa e Benfica-Futebol, S.A.D. efetivamente assumia a posição de assistente e que foi remetido para a fase de instrução; porém, esse estatuto processual da  requerente não se transmitiu ao NUIPC nº 2155/18.9T9LSB ( que tem objeto diverso daquele NUIPC 143/17.1JGLSB ) sendo ainda que a requerente, neste último inquérito ( nº 2155/18.9T9LSB ), foi notificada para juntar documentos, foi inquirida em 21/11/2018 e não formulou pedido de constituição de assistente nem se arrogou ter essa qualidade; mais decidiu que, na fase do inquérito, a análise e decisão sobre as invalidades suscitadas compete ao MP e, pelas razões supra expostas, indeferiu a nulidade e irregularidade invocadas, ordenando a remessa de cópia desta decisão ao JIC para conhecimento.
*
1.4 O JIC, tomando conhecimento da decisão do MP referida em 1.3, exarou despacho do seguinte teor:
Fls. 456 a 458 e 459-462: Tomei boa nota.
Já foi proferido despacho sobre a questão vertente.
Notifique o despacho/posição do MºPº constante daquele texto escrito e o presente ( via fax ).
Devolva, hoje, estes autos ao DCIAP.
Lx 20/11/2020 “.

*1.5 A SLB, SAD interpôs recurso do despacho do JIC referido em 1.1 ( datado de 15/07/2020 ) por não lhe ter sido reconhecida a sua qualidade de assistente “desde o momento em que foi incorporado nos presentes autos o NUIPC 2155/18.9T9LSB, nascido de uma certidão do NUIPC 143/17.1JGLSB”, porque neste último, assume a qualidade de assistente, que no seu entendimento se transmitiu aos presentes autos e, em consequência, deve ser revogado o despacho  de concordância do JIC que concordou com a suspensão provisória do processo.
*
1.6 O recurso foi admitido.
*1.7 O Ministério Público veio apresentar resposta pugnando pela inadmissibilidade legal do recurso visto que a SLB SAD não tinha de ser previamente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 281º nº 1 a), do Código de Processo Penal, por não assumir a qualidade de assistente.
*1.8 Respondeu também o arguido AA pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
*1.9 No recurso interposto do despacho do JIC referido em 1.4 ( datado de 20/11/2020 ) a recorrente pretende a sua revogação e a substituição por outro que declare a sua nulidade ao abrigo do disposto no art. 120º nº 2 b) e d) do CPP ou, no mínimo, a sua irregularidade nos termos do art. 123º do mesmo Código, e, em consequência, seja revogada a decisão que determinou a suspensão provisória  do processo.
*

1.10 Este recurso também foi admitido.
*1.11 Na resposta, o MP suscitou: a) a questão prévia da litispendência, invocando de novo, em síntese, que a ofendida Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD “ já tinha recorrido do despacho judicial de 15 de Julho de 2020, que aceitou a proposta do Ministério Público de suspensão provisória do processo e da qual também resulta que o Sr. Juiz de Instrução igualmente não considerou a recorrente como tendo o estatuto de assistente nestes autos; b) a inadmissibilidade legal do recurso interposto porque a decisão da SPP pertence ao MP e tal decisão só pode ser impugnada dentro do controlo hierárquico interno do MP.
*
1.12 Respondeu ainda o arguido AA aderindo aos fundamentos contidos nas
conclusões do MP.
*
1.13 Foi cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do C.P.P.
*
1.14 A SLB-SAD apresentou resposta defendendo que inexiste situação de litispendência porque as questões colocadas no recurso interposto do despacho do JIC de 20/11/2020, pese embora conduzam ao mesmo desfecho ( invalidade e revogação da SPP ) são diversas: a violação das regras de competência do tribunal – art. 119º e) do CPP – porque o tribunal a quo reconheceu ao MP competência para decidir sobre a constituição de assistente; a competência do JIC para no decurso do inquérito declarar a invalidade de atos da competência do MP; a invalidade dos despachos do MP que determinou a aplicação ao arguido da SPP e do JIC de concordância com a proposta do MP. Quanto à admissibilidade do recurso considera

que a SLB-SAD é também ofendida no acesso criminoso pelo arguido AA a sistemas informáticos da propriedade e responsabilidade da SLB-SAD e com subsequente divulgação, também criminosa de dados informáticos e mensagens de correio eletrónico com origem no referido acesso criminoso; e que a sua qualidade de ofendida permanece em todos os NUIPC relativamente ao mesmo conjunto de factos e tipo criminal ( acesso ilegítimo ) que motivou a sua constituição como assistente no NUIPC 143/17.1JGLSB, e portanto também quanto ao NUIPC 2155/18.9T9LSB e 76/17.1JGLSB.
*
1.5 O arguido AA respondeu aderindo ao parecer do Exm0 Sr. Procurador Geral-Adjunto desta Relação.
*
II QUESTÃO PRÉVIA
- Da irrecorribilidade da declaração judicial de concordância com a decisão de suspensão provisória do processo ( art. 4140 n0 2 do C.P.P. );
*Nos termos do art. 4170 n0 6 b) do C.P.P. o relator profere decisão sumária sempre que o recurso dever ser rejeitado, por ser manifesta a sua improcedência e quando se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n0 2 do art. 4140 ( cfr. art. 4200 n0 1 b) ).
Encontrado-se identificados – cfr. art. 4200 n0 3 do CPP - o tribunal, o processo e os sujeitos, cumpre especificar sumariamente os fundamentos da decisão.
Conforme vem sendo afirmado pela jurisprudência dos Tribunais Superiores ( cfr. Acs. da R.L. de 18/03/2019 no proc. n0 2074/16.3T9LSB-A.L1-9 “ , da R.P. de 08/01/2016 no proc. n0 8215/15.0T9PRT-A.P1, da R.C. de 22/01/2014 no proc. n0

148/13.1GCVIS.C1 e de 16/06/2015 no proc. nº 1/15.4GCSRT.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt ), a declaração de concordância do juiz na suspensão provisória do processo é um ato processual de natureza judicial, não decisório, que constitui o pressuposto formal, e substancial, da determinação do Ministério Público de suspensão provisória do processo nos termos do nº 1 do art. 281º do C.P.P. e, consequentemente, é irrecorrível.
No texto do Acórdão da R.L. de 18/03/2019 onde se cita Anabela Miranda Rodrigues, exarou-se que a verdadeira decisão de suspensão compete ao Ministério Público, sendo a concordância do JIC mera formalidade essencial, embora de conformação ( de controlo da legalidade ) daquela decisão ( do Ministério Público ), sendo esta última ( a decisão do Ministério Público ) que sinaliza o fim da relação jurídica processual penal que se estabelece entre o Estado e todos os diversos sujeitos processuais penais.
Na Doutrina, Maia Costa(1) ensina que “ a decisão de suspensão é da exclusiva responsabilidade do Ministério Público...cabendo ao juiz de instrução um papel somente fiscalizador da legalidade, ou seja, da verificação dos pressupostos legais da suspensão. Dentro desse âmbito, cabe-lhe pronuciar-se sobre os pressupostos formais da suspensão; e ainda sobre o cumprimento do nº 4 e, mais em geral, sobre a proporcionalidade das injunções e regras de conduta à conduta imputada ao arguido, embora já não sobre a adequação dos deveres seleccionados e do prazo estabelecido pelo Ministério Público às exigências preventivas. Não poderá fiscalizar a suficiência dos indícios “.
1 Cfr. Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pág. 986, nota 3.

Para o juiz exercer as suas funções neste particular, é imprescindível que o Ministério Público fixe os factos que considera indiciados(2) ( tal como sucede no caso destes autos, conforme se pode ler no despacho proferido em 14/07/2020 ), sem os quais não se poderá averiguar qual o crime em causa.
Também para Isabel Branco(3), “ a suspensão provisória do processo pressupõe, natural e logicamente, que se apure um conjunto de factos ( data, local, circunstâncias...) que constituem o objeto do processo, que estes factos constituam crime, qual a sua qualificação jurídico-penal e que eles assentem em provas claramente definidas. A fixação do objecto do processo, de modo sintético, mas claro, é, pois, uma decorrência da estrutura acusatória do processo constitucionalmente consagrada ( artigo 32º nº 5 da C.R.P. ), estrutura esta que por sua vez postula um princípio acusatório que implica matricialmente uma clara separação entre quem exerce a pretensão punitiva do Estado ( o MP, nos termos do art. 219º nº 1 da C.R.P. ) e quem julga ou exerce atividade judicantes ( juiz de instrução criminal – JIC – e juiz do julgamento ). A doutrina reconhece aquela imperiosa necessidade ( a onerar o MP, naturalmente ) de fixar um objeto do processo no despacho que «determina» ( art. 281º nº 1 do CPP ) a suspensão provisória do processo “(4) – negrito e sublinhado nossos.
Esta decisão do MP, da sua exclusiva responsabilidade, sendo uma manifestação do princípio do consenso ( embora esteja sujeita a pressupostos legalmente fixados, sendo obrigatória ) exige a concordância quer do arguido ( esta, sempre pessoal ), quer do assistente.
2 Neste sentido, cfr. Ac. da R.C. de 25/09/2013, no processo nº 120/13.1T3AGD-A.C1, acessível in www.dgsi.pt
3 Cfr. Considerações sobre a aplicação do Instituto da Suspensão Provisória do Processo, pág. 53, nota 6.
4 Apud Rosa Margarida Maia Alves Pinto in “Suspensão provisória do processo: questões controvertidas “, Julgar online, novembro de 2018.

No mesmo sentido, pronuncia-se Maia Costa(5), para o qual a concordância do juiz pese embora se trate de uma verdadeira decisão jurisdicional que incide sobre a verificação dos pressupostos formais e materiais, não constitui a decisão final do caso.
A decisão do Ministério Público de determinação da suspensão sem que estejam verificados os respetivos pressupostos formais, só é suscetível de impugnação, mediante reclamação hierárquica(6), pelo arguido ou pelo assistente ( já constituído, note-se ) desde que não lhe tenham dado a sua concordância, onde se inclui a situação em que assistente não foi notificado para se pronunciar quanto à decisão de suspensão nos termos do disposto na parte final da alínea a) do nº 1 do art. 281º do C.P.P.
Neste sentido, pronuncia-se João Conde Correia(7) dizendo que “ A decisão de suspensão provisória do processo, em conformidade com o disposto no nº 1, não é suscetível de impugnação ( nº 6 ). (...) Já não será assim, se não tiverem sido cumpridos aqueles requisitos...”; cfr. ainda no mesmo sentido, o Ac. o TRG, de 10/12/2007 publicado na CJ Ano XXXII, Tomo V, pág. 293(8), uma vez que reclamação hierárquica pode basear-se em quaisquer fundamentos relacionados com os pressupostos do instituto.
Desta forma, está sempre garantido um meio de impugnação da decisão do MP que seja proferida em desconformidade com o disposto no art. 281 º nº 1 do CPP, nomeadamente, por não ter ordenado a notificação do assistente para, manifestar o seu acordo ou desacordo.
5 Cfr. Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição revista, pág. 940.
6 Cfr. P. Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição atualizada, pág. 763.
7 Cfr. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo III, pág. 1108.
8 Citado por P. Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição atualizada pág. 763.

Para além do arguido, só o assistente pode e deve ser notificado, para informar se concorda ou discorda da aplicação da suspensão provisória do processo ( ressalvado o caso previsto no n0 7 do art. 2810 ).
Quem não for assistente no processo não tem que ser notificado para tal fim em momento anterior à sua determinação, onde se inclui o apenas denunciante com a faculdade de se constituir assistente ( mas não formulou
tal pedido ), atento o disposto no art. 2810 n0 1 a) do CPP(9); e, por maioria de razão, também não podem reclamar hierarquicamente da decisão do MP que eventualmente não cumpriu os requisitos formais previstos no n0 1 do art. 2810.
Questão diversa é a de saber se, no caso destes autos, a recorrente SLB-SAD, detém o estatuto processual de assistente.
Do exposto resulta que a rejeição do recurso ora interposto, atenta a irrecorribilidade do despacho do JIC datado de 15/07/2021, não viola quaisquer direitos do assistente de intervir no processo nos termos do disposto nos arts. 200 n0 s 1 e 4, 320 n0 7 e 2020 n0 2 todos da CRP nem daí resulta a invocada inconstitucional idade do disposto no art. 2810 n0 1 do C.P.P., que improcede.
Neste ponto, exarou-se no citado Ac. da R.L. de 18/03/2019 no proc. n0 2074/16.3 T 9 LSB-A.L 1-9, que “ É muito vasta a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre o direito ao recurso em processo penal, o qual constitui uma das mais relevantes garantias de defesa expressamente consagrada no art. 32º nº 1 da
9 Cfr. Ac. da R.P. de 19/11/2003, no processo nº 0240173 acessível in www.dgsi.pt:O termo assistente usado no artigo 281º do Código de Processo Penal de 1998 - suspensão provisória do processo - é sempre que em sentido rigoroso, não abrangendo a figura do ofendido com a possibilidade de se constituir assistente “.

Constituição. ( ... ) Como tem sido jurisprudencia constante do Tribunal... o núcleo essencial desta garantia constitucional coincide com o direito de recorrer de decisões condenatórias e de atos judiciais que, durante o processo, tenham como efeito a privação ou a restrição da liberdade ou de outros direitos fundamentais do arguido  ( ... ). Em suma, o “direito ao recurso”, como imperativo constitucional, consagrado no art. 32º nº 1 da Constituição, deve entender-se no quadro das «garantias de defesa» - só e quando estas garantias o exijam ( Acórdão nº 235/2010 (nº 9) ) “.
Concluindo, a decisão do JIC proferida em 15/07/2020 ( referida em 1.1 ) é irrecorrível – cfr. arts. 414 º nº 2 primeira parte, 420 º nº 1 a) e b) e 417 º nº 6 b), do C.P.P.
*III - Recurso interposto do despacho do JIC datado de 20/11/2020, referido em 1.4:
Questões a decidir
- da exceção dilatória da litispendência;
- da competência para decidir sobre a constituição de assistente;
Quanto ao ( segundo ) recurso interposto pela SLB-SAD do despacho do JIC datado de 20/11/2020 ( referido em 1.4 ) do seguinte teor: “ Fls. 456 a 458 e 459­462: Tomei boa nota. Já foi proferido despacho sobre a questão vertente. Notifique o despacho/posição do MºPº constante daquele texto escrito e o presente ( via fax ). Devolva, hoje, estes autos ao DCIAP. Lx 20/11/2020 “, efetivamente a causa de pedir é diversa, inexistindo uma situação de litispendência, como defende a recorrente, pese embora, à primeira vista, na procedência do requerido, segundo o entendimento da recorrente, pudesse conduzir ao mesmo efeito prático: a anulação

do despacho de concordância do JIC com a SPP por violação do disposto no art. 2810 n0 1 a), parte final do CPP.
Mas não é bem assim.
Na verdade, o que a recorrente requereu ao JIC e que mereceu o referido despacho de 20/11/2020, referido em 1.4, foi que reconhecesse e declarasse que a recorrente SLB-SAD tem a qualidade de assistente neste NUIPC 76/17.1JGLSB desde o momento em que neste inquérito foi incorporado o NUIPC n0 2155/18.9T9LSB que nasceu de uma certidão do NUIPC n0 143/17.1 JGLSB onde detinha a qualidade de assistente já antes de ordenada a referida extração da certidão que deu origem ao NUIPC 2155/18.9T9LSB.
Efetivamente, é da exclusiva competência do juiz a decisão de constituição de assistente, como decorre do disposto no nº 4 do art. 68 º e do art. 268 º nº 1 f) do C.P.P.
Decorre ainda do disposto nos arts. 2020 n0 2, 320 e 200 n0 1 da CRP e 170, 2680 n0 1 f), 2690 n0 1 f) e 1220 n0 3 do CPP, que o juiz de instrução é materialmente competente para, no decurso do inquérito, se pronunciar sobre todas as questões respeitantes a direitos, liberdades e garantias, e portanto para apreciar e decidir sobre nulidades ou irregularidades tempestivamente invocadas onde se suscite a violação de direitos, liberdades e garantias de arguidos e/ou eventuais ofendidos(10).
10 Cfr. neste sentido, Ac. da R.G. de 05/02/2018, no proc. nº 683/16.0PBGMR.G1, disponível in www.dgsi.pt

No entanto, do despacho recorrido datado de 20/11/2020, retira-se que o JIC, na senda de alguma doutrina(11) e jurisprudência(12), entendeu que a competência para a apreciação de invalidades cometidas no decurso da fase processual do inquérito compete à autoridade judiciária que preside
a essa fase processual(13) - o MP – sem que tivesse proferido qualquer decisão sobre a questão concreta que lhe foi colocada: o reconhecimento do estatuto de assistente por parte da SLB-SAD, da sua exclusiva competência.
11 Cfr. P. Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal..., 4ª edição atualizada, págs. 314 e 315;
12 Cfr. entre outros, o Ac. da R.G. de 25/05/2020 no proc. nº 95/19.3JAPRT-C.G1; Ac. da R.P. de 26/02/2014 no proc. nº 9585/11.5TDPRT.P1, disponíveis in www.dgsi.pt
13 Sem embargo, na senda de outra jurisprudência no mesmo sentido, perfilha-se do entendimento vertido no recentíssimo Ac. da R.L. de 06/10/2021 no proc. nº 68/18. 3 JELSB-A.L1-3, disponível in www.dgsi.pt segundo o qual, A garantia constitucional do acesso a um processo justo e equitativo consagrada no artº 20º nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, densifica-se em várias regras de que se destacam o direito à igualdade de armas e de tratamento, no processo, sendo proibidas todas as diferenças de tratamento arbitrárias, a proibição da indefesa e a garantia do direito ao contraditório, o direito à fundamentação das decisões, o direito à decisão em prazo razoável, o direito de conhecimento dos dados do processo, o direito à prova e o direito a um processo orientado para a prossecução da justiça material. Neste equilíbrio nem sempre fácil de conseguir, parece que a melhor solução para o assegurar será o de considerar que, enquanto durar o inquérito, tanto o Ministério Público, como o Juiz de instrução criminal têm competência para declarar nulidades ou irregularidades de atos processuais, desde que estes se integrem, nas respetivas esferas de competências. Assim, quando estejam em causa, atos da competência reservada do Juiz de instrução criminal – os que devam ser por ele praticados, previstos no art. 268º do CPP e os que devam ser por ele autorizados, enumerados no art. 269º do CPP, a arguição de nulidades ou irregularidades carece da apreciação e decisão judiciais.
Fora, deste contexto, o juiz de instrução criminal não é hierarquicamente competente para anular despachos do MP, embora tenha o poder/dever de aferir se as questões que vão sendo suscitadas no decurso do inquérito colidem ou não com direitos fundamentais dos sujeitos processuais envolvidos, atento o seu papel garantístico e a circunstância de a enumeração de atos da sua competência exclusiva contida nos citados arts. 268º e 269º do CPP não ser taxativa, não ficando, pois, vinculado a qualquer juízo que haja sido feito pelo Mº. Pº. nessa matéria.
Em contrapartida, tratando-se de acto respeitante ao inquérito, cuja direção cabe exclusivamente ao Mº Público (artº 219º da CRP), fora do âmbito das competências acometidas ao JIC, terá de ser o Mº. Pº., a decidir se, no decurso desta fase, um acto processual é ou não é inexistente, nulo ou irregular, e desse despacho caberá então reclamação para o respetivo superior hierárquico que decidirá de forma definitiva, para a fase do inquérito, mas sem prejuízo da sua reapreciação judicial, nas fases seguintes do processo “ – negrito nosso.

Note-se que no despacho de encerramento do inquérito em que determina a suspensão provisória do processo, o MP exarou que “ Não há assistente constituído “.
O despacho de concordância do JIC foi proferido nesse pressuposto.
E sucede ainda que a recorrente SLB-SAD a partir da notificação do despacho proferido pelo MP no NUIPC 2155/18.9T9LSB, datado de 19/09/2018, em resposta a um pedido seu formulado em 13/09/2018, foi esclarecida sobre qual era o objeto da investigação neste novo inquérito ( nascido do NUIPC 143/17.1JGLSB ) e, por via disso, ficou a conhecer da  sua existência, tendo respondido ( em 13/09/2018 ) à solicitação do MP para juntar todos os "printscreen" demonstrativos da publicação, num blog, das listagens e passwords dos seus colaboradores, o que fez.
Todavia, até 14/07/2020, data em que o MP encerrou o presente NUIPC 76/17.1JGLSB ( onde foi incorporado aquele NUIPC 2155/18.9T9LSB ), a SLB-SAD nada requereu: não pediu em momento nenhum a consulta do NUIPC 2155/18.9T9LSB depois de terminado o segredo de justiça determinado pelo MP e validado pelo JIC, ou sequer requereu a sua constituição como assistente ou, pelo menos, que fosse reconhecido que o seu estatuto de assistente já adquirido naquele NUIPC 143/17.1JGLSB ( em momento anterior ao despacho que ordenou a extração de certidão que foi registada e distribuída como NUIPC 2155/18.9T9LSB ) se transmitiu automaticamente para o NUIPC 2155/18.9T9LSB e deste para o presente NUIPC 76/17.1JGLSB.
Na verdade, independentemente de se saber se a SLB-SAD é ou não titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação imputada pelo MP ao arguido AA e, por via disso, se tem ou não legitimidade para se

constituir assistente ou se aquele estatuto de assistente se transmitiu automaticamente aos presentes autos por ser a SLB-SAD também ofendida com a prática dos factos que constituem o objeto do presente inquérito, a recorrente nada  requereu enquanto a investigação no NUIPC 76/17.1JGLSB esteve a decorrer e até  14/07/2020, data em que o MP determina a suspensão provisória do processo.
Com efeito, a situação em que se encontra a SLB-SAD é idêntica à do ofendido  com a faculdade de se constituir assistente, que, na pendência do inquérito, não o  veio requerer; de qualquer forma, acrescenta-se, o ente coletivo SLB-SAD não pode ser considerado «vítima » dos crimes imputados ao arguido AA nestes autos, como alega, porque nos termos do art. 67º-A nº 1 a) subalínea i) e da Lei nº 130/2015 de 15/10 que aprovou o Estatuto da Vítima, o conceito e o estatuto de «vitíma» estão reservados apenas para as pessoas singulares.
Por sua vez o JIC ao remeter para o despacho do MP datado de 06/11/2020,  referido em 1.3, que entendeu que no NUIPC 2155/18.9T9LSB a recorrente  não detém o estatuto processual de assistente, nem o requereu ou se  arrogou detê-lo, apenas ficou a conhecer qual era a posição do MP sobre essa  concreta questão.
De facto, nos termos da lei, quanto a um qualquer pedido de constituição de assistente, o MP tem apenas um direito a pronunciar-se ( à semelhança do arguido ) como decorre do disposto no n0 4 do art. 680 do CPP : “
O juiz, depois de dar ao Ministério Público e ao arguido a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento, decide por despacho, que é logo notificado àqueles “.

Considerar que nesse pronunciamento, o MP também decide, sobre uma requerida constituição de assistente ou decide ( como no caso destes autos ) pelo não reconhecimento desse estatuto processual ao requerente que o detinha no inquérito inicial e que, em seu entender, não se transferiu automaticamente desse inquérito para o processo separado, viola frontalmente o disposto nos arts. 680 n0 4 e 2680 n0 1 f) do CPP.
Impunha-se, por isso, na procedência deste segundo recurso interposto pela recorrente SLB-SAD, a revogação do despacho do JIC datado de 20/11/2020 e a sua substituição por outro que conhecesse o pedido formulado pela recorrente.
Todavia, em face do acima decidido sobre a irrecorribilidade do despacho de concordância do JIC com a SPP determinada pelo MP - seria ato inútil remeter de novo os autos ao JIC para se proferir decisão nos termos do art. 680 n0 4, parte final do CPP, sobre o pedido formulado pela SLB-SAD.
A prática de atos inúteis no processo é proibida – cfr. art. 1300 do CPC aplicável ex vi do art. 40 do CPP.
Termos em que se decide rejeitar os recursos interpostos pela SLB-SAD – cfr. arts. 4140 n0 2, 4170 n0 6 b) e 4200 n0 1 b) todos do CPP.
*
III DECISÃO SUMÁRIA
Pelo exposto, decide-se a rejeição dos recursos interpostos, o que ora se determina ( cfr. arts. 4140 n0 2, 4170 n0 6 b) e 4200 n0 1 b) todos do C.P.P.).
Condena-se a recorrente no pagamento de quantia que se fixa em 5 ( cinco ) UC`s ( cfr. art. 4200 n0 3 do CPP ).

Registe e notifique.

Lisboa, 02/11/2021
Lígia Trovão