Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5557/11.8TBSXL-A.L2-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
DIREITO DE REGRESSO
OBRIGAÇÃO CONJUNTA
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO PASSIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Os acórdãos uniformizadores de jurisprudência, criam “uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior ponderação” ou seja, afinal, uma jurisprudência de valor reforçado.

2. Assim, é de acatar a orientação definida pelo Ac. do STJ de 05/06/2012, que uniformizou jurisprudência no sentido de “[s]em embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.

3. Sendo a obrigação dos avalistas para com o avalizado uma obrigação solidária, o mesmo não pode dizer-se relativamente à relação que se estabelece entre os co avalistas entre si e por referência àquele que pagou integralmente. Sendo estas obrigações conjuntas, o litisconsórcio é voluntário e, se não estão presentes na acção todos os co avalistas que pagaram, esta só pode ser instaurada ou prosseguir quanto à quota-parte respeitante ao que pagou (artº 27 nº 1, 2ª parte do C.P.C.)

(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  
1. RELATÓRIO
JC e RC intentam a presente acção incidental cautelar de arresto contra “H Lda.”, “C Lda.”, U e M, pedindo que se decrete o arresto de bens dos requeridos, até perfazer o montante do crédito dos requerentes, que ascende a 538.363,72€.
Alegam, para fundamentar a sua pretensão, que a H Lda contraiu um empréstimo de 105.000,00€, em 25/01/2010, junto do M BCP (contrato nº …), que fez depender a sua concessão da subscrição pela 1ª requerida de uma livrança em branco, exigindo ainda que a livrança fosse avalizada  pelos requeridos U e M e por alguém que tivesse património suficiente para liquidar a dívida em situação de incumprimento, pelo que estes pediram aos requerentes que avalizassem a livrança, o que estes fizeram no intuito de ajudarem os seus familiares – a requerente é irmã da requerida.
Nos mesmos termos a 2ª requerida contraiu um empréstimo de 393.000,00€, em 03/02/2009, junto do M BCP (contrato nº .. e outro de 105.000,00€, em 28/01/2010, junto do M BCP (contrato nº .., tendo os requerentes, da mesma forma e por idênticas razões, aceite avalizar as respectivas livranças.
Os empréstimos foram pedidos em virtude das dificuldades económicas que as sociedades atravessavam.
As sociedades não cumpriram as obrigações relativas a esses contratos pelo que foram interpeladas, juntamente com os avalistas, para o efectivo e integral cumprimento, tendo o requerido Ulisses dito aos requerentes, a instâncias destes, que ia imediatamente regularizar a situação, o que não fez, pelo que os requerentes tiveram que assumir o pagamento em falta, liquidando o valor global de 538.363,72€.
O requerido U nada fez para resolver a situação, nem sequer indo ao banco, e deixou de atender as chamadas dos requerentes, furtando-se os 3º e 4º requeridos a qualquer contacto. As sociedades requeridas estão em situação económica difícil, com inúmeras dívidas, o mesmo acontecendo com os 3º e 4º requeridos, que têm dito a familiares e amigos que vão vender a única casa de que são proprietários e mudar-se para Angola.
Realizou-se o julgamento após o que se proferiu decisão que concluiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o presente procedimento cautelar e, em consequência:
1. decreto o arresto:
- do saldo e valor de qualquer conta de depósito, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário, acções ou quaisquer outros títulos e valores depositados que o requerido H possua junto do BCP conta n.º  e do BPI conta n.º, até perfazer o crédito dos requerentes relativo ao capital pago do empréstimo CLS nº .., no valor de 101.391,92 euros, 202.45 euros de imposto de selo e 535,94 euros selagem da livrança e juros no valor de €4.396,00, bem como os juros já vencidos no valor de 115,03 euros, à taxa de 6%, desde 07/09/2010 até 11/02/2011.
- do saldo e valor de qualquer conta de depósito, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário, acções ou quaisquer outros títulos e valores depositados que o requerido C possua junto do BCP conta n.º  e do BPI conta n.º, até perfazer o crédito dos requerentes relativo ao capital pago dos empréstimos CLS nº … e .…, no valor global de 396.675,97 euros, 589,53 euros de imposto de selo, 2070,12 euros de selagem da livrança e juros no valor de €11.160,00, bem como os juros já vencidos no valor de 292,02 euros, à taxa de 6%, desde 07/09/2010 até 11/02/2011.
- veículos automóveis de que os 1º e 2º requeridos sejam titulares;
- Direitos de crédito das 1.ª e 2.ª requeridas, nomeadamente dos créditos que as 1.ª e 2.ª requeridas detém sobre a sociedade comercial “S R”, com sede na Bélgica, devendo ser notificados os requerentes para indicarem a morada onde esta deverá ser notificada;
2. caso se frustre o arresto dos bens supra descritos ou aqueles se mostrem insuficientes determino o arresto dos bens dos 3º e 4º requeridos que abaixo se discriminam até perfazer metade do valor pago, ou seja, 258.714,49 euros:
a) saldos das contas bancárias dos requeridos junto da CGD, SA nib, conta n.º, junto do Banco ST, nib  ou do BCP, nib;
b) Saldo e valor de qualquer conta de depósito, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário, acções ou quaisquer outros títulos e valores depositados que os requeridos em qualquer Banco ou Instituição financeira a operar em Portugal, requerendo-se que, ao abrigo do artigo 861.º A do CPC, seja oficiado tal pedido ao Banco de Portugal, que por sua vez, procederá à sua difusão a cada instituição bancária ou financeira, devendo o saldo arrestado ficar indisponível desde a data do arresto;
c) Imóvel sito na, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de --a sob o n.º -- fracção B, freguesia de C--;
d) Todo o recheio do imóvel sito na, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de - sob o n.º --- fracção B, freguesia de C--;
e) Veículos automóveis de que os 3º e 4º requeridos sejam titulares;
f) 1/3 do vencimento da 4.ª requerida (professora – funcionária pública – Ministério da Educação);
g) Um terço da pensão de aposentação do 3.º requerido (militar da marinha – Caixa Geral de Aposentações);
h) Quinhão hereditário que a 4º requerida detém na herança aberta por óbito de falecido no dia 17 de Dezembro de 2008 e de, falecida no dia 22 de Outubro de 2010, devendo notificar-se os requerentes para informarem quem desempenha as funções de cabeça de casal;
Custas pelos requerentes – art. 453º, nº1 C.P.C.
Notifique.
Oportunamente cumpra o disposto no art. 385º, nº6 e 388º C.P.C.”
As sociedades requeridas e a requerida M apresentaram recurso desta decisão, recurso que não foi admitido, podendo ler-se no despacho respectivo, constante de fls. 983 do processo:
“(…) Sendo deduzida oposição ao procedimento cautelar, mesmo que só por um dos requeridos do mesmo, a decisão proferida não é recorrível,  só o sendo a decisão que vier a apreciar a matéria da oposição, decisão que, nos termos do disposto no art. 388º, nº2 do CPC, “constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida”. Assim, a decisão proferida em 2/3/2011 (fls. 102 a 113 dos autos) não é, de per so, recorrível, como resulta expressamente da referida norma: só da “segunda” decisão caberá recurso.
Pelo exposto, e ao abrigo do disposto no art. 388º, nº2 e 685º-C, nº2, alínea a), não admito o recurso interposto”.
Apresentada reclamação esta Relação manteve o despacho reclamado, conforme decisão de fls. 34 a 36 do apenso F.
O requerido U deduziu oposição concluindo que o arresto deve ser revogado, “devendo os requeridos e as testemunhas ser condenadas a pagar uma pesada multa, como litigantes de má fé, por terem mentido no processo de forma escandalosa e vergonhosa, numa indemnização a favor dos 3º e 4º requeridos, em valor nunca inferior a 1.000.000,00€” (sic).
Impugna os factos articulados no requerimento inicial e invoca, em síntese, que:
- O requerimento inicial não contém suficiente alegação de facto, pelo que a petição devia ter sido liminarmente indeferida, constituindo a omissão desse despacho uma nulidade, que expressamente invoca.
- Que, assim não se entendendo, devia ter improcedido o pedido, porquanto por trás deste arresto está o complexo de inferioridade, os afectos mal resolvidos e a inveja da requerente face ao curso superior da 4ª requerida, ao bom relacionamento do casal constituído pelos 3º e 4º requeridos e ainda da vivenda destes, com a qual os requerentes querem, a todo o custo, ficar.
- O requerente conhecia a situação económica das 1ª e 2ª requeridas, e fez empréstimos recentes à 2ª requerida para pagamento de salários.
- Houve negociações para resolver a situação financeira das 1ª e 2ª requeridas, que se goraram porque o requerente queria que se vendesse em garantia a vivenda dos 3º e 4º requeridos, o que estes não aceitaram, por ser ilegal.
- Impugna ainda os factos alegados pelos requerentes, alegando que os requeridos foram vexados na realização do arresto e que as dívidas da 1ª e 2ª requeridas foram contraídas na pendência da gerência do requerente.
O requerente JC formulou desistência do pedido – fls. 1238-1239 –, tendo a requerente R deduzido oposição, considerando que a desistência só produz efeito quanto a custas – fls. 1252.
Foram inquiridas as testemunhas arroladas [ [1] ].
Proferiu-se decisão, que concluiu nos seguintes termos:
 “Da arguida nulidade por não prolação de despacho de indeferimento liminar. Defende o requerido que existe nulidade processual, porquanto foi omitido um despacho de indeferimento liminar quando, a seu ver, a insuficiência dos factos alegados no requerimento inicial a isso impunha.
Cumpre apreciar e decidir:
Nos termos do disposto no art.º 201º, n.º 1 do CPC, “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
Apresentado requerimento inicial num procedimento cautelar, o juiz profere um despacho liminar (art.º 234º, n.º 4, alínea b) e 234º-A, n.º 1 do CPC) que pode ser de indeferimento liminar ou de prosseguimento do procedimento (mandando citar o requerido ou designando data para inquirição de testemunhas, quando decida dispensar a audiência prévia do requerido ou quando a lei não a permita, como no caso do arresto). Isto, sem prejuízo de poder proferir um despacho de aperfeiçoamento.
No caso dos autos, foi proferido um despacho em 16 de Fevereiro de 2011, designando data para a inquirição de testemunhas.
Ou seja, não foi omitido o acto que a lei prescreve, porquanto foi proferido um despacho liminar, que recebeu o procedimento e marcou data para a produção de prova testemunhal.
Logo, é manifesto que não se verifica qualquer nulidade, porquanto foi praticado o acto que a lei processual prescreve.
Do facto de o requerido discordar da decisão do Tribunal, considerando que, ao invés de ser marcada data para a inquirição das testemunhas, deveria ter sido proferido despacho de indeferimento liminar, não resulta qualquer nulidade, pois não houve omissão de qualquer acto que a lei prescreva. A lei não comina com nulidade a prolação de despacho de sentido diferente daquele que o requerido defende ser correcto. A discordância quanto ao teor do despacho proferido não gera nulidade.
Indefiro, consequentemente, o requerido.
*
Da inadmissibilidade do pedido de condenação de testemunhas como litigantes de má fé.
O requerido peticiona, a final da sua oposição, a condenação das testemunhas em multa, por litigância de má fé.
Todavia, resulta inequivocamente do art.º 456º, n.º 1 do CPC que só as partes podem ser condenadas como litigantes de má fé.
Consequentemente, indefiro liminarmente a peticionada condenação.
*
Da ilegitimidade do requerido para pedir indemnizações por litigância de má fé em nome da 4ª requerida, sua esposa.
O requerido peticiona ainda a condenação dos requerentes como litigantes de má fé no pagamento de uma indemnização a seu favor e da sua esposa, a 4ª requerida.
Todavia, o requerido não tem legitimidade para formular pedidos indemnizatórios em nome da sua esposa, co-requerida no procedimento, mas que não o acompanhou na dedução de oposição.
Assim, por não ter legitimidade para formular pedidos em nome da 4ª requerida, desde já indefiro liminarmente o requerido nessa parte.
*
Desistência do pedido
i)
Tendo o requerente JC, vindo desistir deste procedimento, por se tratar de direitos disponíveis e por ter legitimidade para o efeito, homologo por sentença a desistência do requerente.
Custas pelo requerente, na proporção de ¼ das custas devidas a final.
ii)
Quanto aos efeitos da desistência, resulta do artigo 298º, n.º 2 do Código de Processo Civil que a mesma apenas tem efeitos quanto a custas.
Dessa desistência não resulta a ilegitimidade da requerente, a qual existia ab initio, nem a inutilidade superveniente da lide que não é, aliás, efeito da ilegitimidade.
*
(…)
Pelo exposto:
a) Julgo improcedente a oposição deduzida pelo requerido U, mantendo o arresto decretado.
b) Julgo improcedente o pedido de condenação dos requerentes como litigantes de má fé.
Custas pelo 3º requerido, na proporção de ¾ (art.º 453º, n.º 1 do CPC).
Registe e notifique”.
Não se conformando, os requeridos U e M apelaram formulando as seguintes conclusões:
“(…)”
Foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª instância deu por assente a seguinte factualidade [ [2]  ]:
1. A 1.ª requerida é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços a sectores de engenharia técnicos e oficinais a indústria extractora e transformadora e a estaleiros; concepção, desenvolvimento e implementação de soluções tecnológicas de manutenção e conservação para estaleiros e indústria; manutenção e conservação de estruturas, infra-estruturas, sistemas associados à produção, suporte, apoio e periféricos de indústria, comércio e transportes, execução de actividade de metalomecânica, serralharia civil em tubagem e estruturas metálicas e não metálicas; elaboração de projectos de obras de construção civil, execução de novas edificações ou de quaisquer obras de construção civil, reconstrução, ampliação, alteração ou demolição de edificações e obras existentes – certidão do registo comercial apresentada como documento nº1.
2.O capital social da 1.ª requerida é no montante de € 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil euros) e está dividido em três quotas: uma no montante de € 43.750,00, de que é titular a sociedade, uma no montante de € 43.750,00, de que é titular o 3.º requerido e outra no montante de € 37.500,00 de que também é titular o 3.º requerido – certidão do registo comercial apresentada como documento nº1.
3. O 3.º requerido é o único gerente da 1.ª requerida - certidão do registo comercial apresentada como documento nº1.
4. A 2.ª requerida é uma sociedade comercial que se dedica à elaboração de projectos técnicos e construção civil, manutenções e remodelações de edifícios e instalações industriais e construção, manutenção e reparação de meios navais - certidão do registo comercial apresentada como documento nº2.
5. O capital social da 2.ª requerida é no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros) e está dividido em duas quotas, ambas no montante de € 2.500,00, sendo titular de ambas o 3.º requerido - certidão do registo comercial apresentada como documento nº2.
6. O 3.º requerido é o único gerente da 2.ª requerida – certidão do registo comercial apresentada como documento nº2.
7. As quotas das 1ª e 2ª requeridas foram adquiridas pelo 3º requerido no estado de casado com a 4ª requerida segundo o regime de comunhão de adquiridos – certidão do registo comercial apresentadas como documentos nº1 e 2.
8. No dia 25 de Janeiro de 2010 a 1ª requerida recorreu a um empréstimo bancário junto do M BCP, SA a que foi atribuído o CLS nº… – contrato apresentado como documento nº3.
9. O empréstimo requerido e concedido ascendeu à quantia de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros) - contrato apresentado como documento nº3.
10. Ficou acordado que o reembolso de capital e o pagamento de juros seria efectuado em prestações mensais e sucessivas, no valor aproximado de € 2.651,99, as quais se venciam a dia 25 de cada mês - contrato apresentado como documento nº3.
11. O Millennium BCP fez depender a concessão do empréstimo da subscrição, pela 1.ª requerida, de uma livrança em branco avalizada pelos requerentes e pelos 3º e 4º requeridos.
12. Os requerentes aceitaram avalizar a livrança.
13. A 1.ª requerida subscreveu uma livrança para garantia das obrigações emergentes desse contrato de empréstimo.
14. Os 3.º e 4.ª requeridos e os requerentes avalizaram a referida livrança.
15. No dia 3 de Fevereiro de 2009 a 2ª requerida recorreu a um empréstimo bancário junto do M BCP, SA a que foi atribuído o CLS nº .. - contrato apresentado como documento nº4.
16. O empréstimo requerido e concedido ascendeu à quantia de € 393.000,00 (trezentos e noventa e três mil euros) - contrato apresentado como documento nº4.
17. Ficou acordado que o reembolso de capital e o pagamento de juros seria efectuado em prestações mensais e sucessivas, no valor aproximado de € 9.075,81, as quais se venciam a dia 3 de cada mês - contrato apresentado como documento nº4.
18. O Millennium BCP fez depender a concessão do empréstimo da subscrição, pela 2.ª requerida, de uma livrança em branco avalizada pelos requerentes e pelos 3º e 4º requeridos.
19. Os requerentes aceitaram avalizar a livrança.
20. A 1.ª Requerida subscreveu uma livrança para garantia das obrigações emergentes desse contrato de empréstimo.
21. Os 3.º e 4.º requerido e os requerentes avalizaram a referida livrança.
22. No dia 28 de Janeiro de 2010, a 2ª requerida recorreu a novo um empréstimo bancário junto do M.. BCP, a que foi atribuído o CLS nº … – contrato apresentado como documento nº5.
23. O empréstimo requerido e concedido ascendeu à quantia de € 105.000,00 (cento e cinco mil euros) - contrato apresentado como documento nº5.
24. Ficou acordado que o reembolso de capital e o pagamento de juros seria efectuado em prestações mensais e sucessivas, no valor aproximado de € 2.650,15, as quais se venciam a dia 28 de cada mês - contrato apresentado como documento nº5.
25. O M… BCP fez depender a concessão do empréstimo da subscrição, pela 2.ª requerida, de uma livrança em branco avalizada pelos requerentes e pelos 3º e 4º requeridos.
26. Os requerentes aceitaram avalizar a livrança.
27. A 2.ª requerida subscreveu uma livrança para garantia das obrigações emergentes desse contrato de empréstimo.
28. Os 3.º e 4.ª requerido e os requerentes avalizaram a referida livrança.
29. A primeira e segunda requeridas não cumpriram pontualmente as prestações contratuais dos três contratos de empréstimo acima identificados.
30. O M… BCP interpelou as sociedades subscritoras, bem como os avalistas, para o efectivo e integral cumprimento.
31. No dia 14 de Abril de 2010, enviou a cada um dos requerentes duas cartas – documentos apresentados com os nºs 6, 7, 8 e 9.
32. As duas primeira referentes ao contrato de empréstimo CLS n.º 1.., ambas com o seguinte conteúdo:
(…)
33. As outras duas, referentes ao empréstimo CLS n.º 1.., ambas com o seguinte conteúdo:
(…)
34. Os requerentes contactaram o 3º requerido solicitando-lhe que procedesse ao pagamento da dívida ao M…BCP;
35. Aos pedidos dos requerentes o 3º requerido prometia proceder ao pagamento;
36. Apesar das promessas os requeridos não procederam ao pagamento dos valores em dívida respeitantes aos empréstimos concedidos à 2ª requerida.
37. O 3º requerido nem sequer se deslocou ao Banco, deixando de atender as chamadas dos requerentes.
38. No dia 16 de Agosto de 2010, o M… BCP enviou à requerente três cartas – documentos apresentados com os números 10, 11 e 12.
39. A primeira referente ao contrato de empréstimo CLS n.º 1.., com o seguinte conteúdo:
(…)
40. A segunda referente ao contrato de empréstimo CLS n.º 1…, com o seguinte conteúdo:
(…)
41. A terceira referente ao contrato de empréstimo CLS n.º 1…, com o seguinte conteúdo:
(…)
42. Face a estas comunicações do M..BCP e à inércia dos requeridos, os requerentes viram-se obrigados a renegociar os empréstimos das 1.ª e 2.ª requeridas com o M..BCP.
43. O M…BCP, antes de iniciar qualquer negociação, exigiu que os requerentes pagassem de imediato o valor dos juros de mora referentes aos contratos CLS n.º 1.., CLS … e CLS n.º ...
44. Pelo que, no dia 7 de Setembro de 2010, a requerente entregou o cheque n.º …, sacado sobre o BPI, no montante de € 4.396,00, para pagamento de juros relativos ao contrato CLS n.º ..– documento apresentado com o nº13.
45. No mesmo dia, a requerente entregou o cheque n.º …, sacado sobre o BPI, no montante de €11.160,00, para pagamento dos juros relativos aos contratos CLS n.º .. e CLS … – documento apresentado com o nº14.
46. À data do pagamento dos juros, o valor total em dívida referente aos contratos CLS n.º …, CLS n.º .. e CLS …, ascendia a €513.500,00 – documentos apresentados com os nºs 15 e 16.
47. No dia 30 de Outubro de 2010, os requerentes contraíram, em seu nome pessoal, junto da instituição bancária M…BCP, o empréstimo n.º …, no montante de € 513.500,00, para regularização das responsabilidades dos três contratos supra identificados – documentos apresentados com os nºs 15 e 16.
48. Após o pagamento dos empréstimos pelos requerentes o 3º requerido deixou de atender as chamadas telefónicas daqueles.
49. A 1º e 2º requeridas têm dívidas a fornecedores, à Segurança Social e aos seus trabalhadores.
50. A 1º e 2º requerida não têm património;
51. O 3º requerido afirmou que vai requerer a declaração de insolvência das 1º e 2º requeridas.
52. Também os 3º e 4º requeridos têm dívidas designadamente referentes às prestações das viaturas em que conduzem.
53. Os requerentes só conhecem como fazendo parte do património dos requeridos a casa em que estes residem.
54. Os 3.º e 4.ª requeridos são proprietários de um bem imóvel sito na, o qual se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial do S – documento apresentado com o nº17.
55. O referido imóvel está onerado com uma hipoteca voluntária a favor do Banco S..T..S.A. (Ap. 18 de 12-05-2008 convertida em definitiva pela Ap. 109 de 14-07-2008) – documento apresentado com o nº17.
56. Encontrando-se pendente o registo de nova hipoteca sobre o mesmo imóvel.
57. Os 3º e 4º requeridos têm dito a familiares e amigos que vão vender a casa e mudar-se para Angola.
58. Acrescentando que se não forem para A vendem a casa às filhas para a salvaguardar dos credores.
59. O 3º requerido fez transferências de quantias em dinheiro das contas da 1º e 2º requeridas para uma conta sua e para a conta da mulher de um funcionário da sociedade.
60. Outros credores têm procurado os requeridos para obter a cobrança dos seus créditos.
*
(da Oposição)
61. Até Abril de 2007, o requerente foi sócio e gerente das 1ª e 2ª requeridas (art.º 31º e documentos de fls. 40 a 50).
62. Os requerentes sempre tiveram conhecimento da situação patrimonial do requerido e esposa (art.º 13º).
63. Os requerentes e 3º e 4º requeridos mantiveram convívio familiar até momento não concretamente apurado, coincidente com o momento referido no facto 48. (art.º 15º).
64. O requerente tinha conhecimento da compleição económica das 1ª e 2ª requeridas, até ao momento em que renunciou à gerência das mesmas e cedeu as suas quotas, o que sucedeu em 16/4/2007 no que respeita à requerida H.. e em 25/1/2008, no que respeita à requerida Conject (art.º 32º).
65. As dificuldades financeiras da 2ª requerida resultam da devolução de letras subjacentes a crédito documentário no valor de 1.441.976,01€ (art.º 67º).
66. A 1ª requerida, devido à falta de aceite por parte de um cliente, teve de devolver ao BCP a quantia de 934.915,06€ por este adiantada (art.º 68º).

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos apelantes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 684º, nº 3 e 685º-A do C.P.C. [ [3] ], diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 664.
No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:
- da admissibilidade do requerimento de interposição de recurso por parte dos requeridos U e M; 
- do julgamento da matéria de facto;
- da verificação do justo receio de extravio de bens;
- do direito de regresso entre avalistas do mesmo avalizado;
- da excussão prévia dos bens das sociedades;
- da desistência do requerente do arresto: consequências;
- da litigância de má fé;
- da audição da testemunha José Gonçalves;
- da conformação da realização do arresto à decisão que o decretou.

2. A apelada questiona a admissibilidade do recurso interposto pelos requeridos U e M (cônjuges) invocando, por banda da apelante, que tendo a mesma interposto recurso da decisão que decretou o arresto não acompanhando, pois, a oposição deduzida pelo marido, também não pode agora acompanhá-lo no recurso.
Por outro lado, refere que o opoente U também não pode recorrer da decisão que manteve o arresto e julgou improcedente a oposição porquanto, configurando o caso em apreço uma hipótese de litisconsórcio necessário passivo, na alternatividade de procedimentos de impugnação que o art. 388 faculta, não podia deduzir oposição – nem, consequentemente, apelar –, desacompanhado da esposa.
Estamos perante um raciocínio em círculo, que não tem qualquer cabimento pela singela razão de que, como se expôs no relatório, o recurso interposto pela requerida M não foi admitido, exactamente em função da oposição apresentada pelo requerido U, tendo-se considerado no despacho em causa, que foi mantido por esta Relação, que só é passível de recurso a decisão que vier a seu proferida quanto à matéria da oposição.
Parece de cristalina evidência que a tese dos apelados conduziria a que os requeridos apelantes ficassem completamente desprovidos da faculdade de impugnar a decisão que manteve o arresto, o que não é aceitável, sendo certo que o caso em apreço nem sequer configura uma hipótese de litisconsórcio necessário, matéria a que adiante voltaremos – daí que, relativamente às sociedades avalizadas, releve o disposto no art. 683º, nº2.
A apelação interposta pelos apelados, sendo um deles ainda opoente é, pois, admissível.

3. O apelante impugna o julgamento feito pela 1ª instância quanto à matéria de facto, alegando que se deram como indiciariamente provados e “não o deveriam ter sido”, os factos enunciados supra sob os números 8, 9, 11, 12, 15, 16, 18,19,20, 21, 22, 23, 25, 26, 34, 35, 36, 37, 42, 48, 50, 51, 52, 57, 58, 59 e 60. (…)
Quanto à factualidade enunciada sob o número 59º, não foi produzida prova com o mínimo de consistência quanto a essa matéria, sendo que se trata de afirmação vaga e conclusiva, inexistindo elementos que apontem sobre as aludidas “transferências”, em termos de valores, entidades bancárias, identificação das contas, datas das transferências…
Impõe-se, pois, a eliminação dessa factualidade da matéria considerada provada.
                                                          *
Em suma, admitindo-se que a prova, quanto a alguns factos, é muito mais consistente – números 34 a 37, 42, 48, 50, 51 e 60 – do que relativamente a outros – números 52, 57 e 58 –, entendemos que, exigindo a lei uma prova meramente indiciária no âmbito dos procedimentos cautelares, esses indícios existem (juízo de probabilidade e de verosimilhança), não podendo considerar-se, como os apelantes pretendem, que se verifica uma hipótese de ausência de prova, à excepção, como se disse, do facto enunciado sob o número 59.
Assim sendo, procedem em parte as conclusões de recurso, determinando-se a eliminação do número 59 da factualidade assente, no mais se mantendo a valoração probatória da primeira instância.

3. Impõe-se agora apreciar da verificação de um dos requisitos para o decretamento da providência, a saber, o justo receio da perda de garantia patrimonial.
O credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito, pode requerer o arresto de bens do devedor (art. 406º do C.P.C. e 619º do Cód. Civil), devendo o requerente do arresto deduzir “os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado” (art. 407º, nº1 do C.P.C. e 302º, nº1 do Cód. Civil), aceitando-se, como unanimemente se tem considerado, que “para a comprovação do justo receio da perda da garantia patrimonial não basta o receio subjectivo do credor, baseado em meras conjecturas, já que para ser justificado há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação” [ [4] ].
 “Para que haja justo receio de perda da garantia patrimonial basta que, com a expectativa da alienação de determinados bens ou a sua transferência para o estrangeiro, o devedor torne consideravelmente difícil a realização coactiva do crédito (…) ficando no seu património só com bens que, pela sua natureza, dificilmente encontrem comprador, numa venda judicial. Basta igualmente (…) que exista uma acentuada desproporção entre o montante do crédito e o valor do património do devedor, desde que este património seja facilmente ocultável” [ [5] ] [ [6] ]. 
No caso dos autos, da factualidade assente decorre que as sociedades requeridas não tem qualquer património susceptível de ser liquidado com vista a que sejam honrados os compromissos assumidos com os avalistas, situando-se notoriamente no limiar da insolvência – as testemunhas referiram que desde 2010 deixaram de ter qualquer actividade e até o opoente dá nota da situação financeiras das suas empresas.
Quanto aos requeridos (pessoas singulares), assumiram uma postura de inércia na resolução dos problemas, tendo conhecimento dos mesmos, furtando-se o requerido ao contacto, sendo que o único bem imóvel que a requerente lhes conhece está onerado com duas hipotecas, de valor globalmente significativo, sendo que uma eventual ida dos requeridos para o estrangeiro agravaria o risco da requerente não lograr obter a cobrança do seu crédito, desde logo porque pelo menos a requerida deixaria de auferir a remuneração pelo exercício de funções docentes, como agora acontece. Aliás, o processamento subsequente à decisão que decretou o arresto dá nota que, verdadeiramente, o único património consistente (livre de encargos) dos requeridos são o salário da requerida e a pensão do requerido.
Saliente-se que os argumentos que o apelante esgrimiu no articulado de oposição são no mínimo pouco convincentes – desde indicar-se que a requerente sempre teve “um complexo de inferioridade por não ter cursado no ensino superior, ao contrário do que aconteceu com a sua irmã”, a requerida, e que a requerente “sempre teve ciúmes da sua irmã pelo facto do requerido Ulisses e mulher terem tido sempre um excelente relacionamento conjugal”, chegando ao ponto de referir que o arresto foi requerido “com propósitos menos sérios” e que a “atitude maldosa” dos requerentes “filiou-se na pretensão que os Requerentes sempre demonstraram em adquirirem a vivenda do Requerido e esposa” –, sendo certo que o opoente não logrou fazer prova da grande maioria dos factos invocados no articulado da oposição, não tendo sido impugnada essa apreciação probatória.
Tudo em ordem a concluir que, ponderando o valor da dívida, qualquer credor de são critério, colocado na posição da requerente/apelada temeria, como esta, pela realização do seu direito (periculum in mora).
Improcedem, pois, as conclusões de recurso

4. Consideram os apelantes que “[n]ão invocando nem provando a requerente, aqui recorrida, como lhe competia (art.º 342º, n.º 1, do Cód. Civil), qualquer facto de que pudesse resultar diferença entre os avalistas quanto à sua quota de responsabilidade, nem de que pudesse resultar que só o 3.º e 4.ª requeridos seriam responsáveis, teria de se concluir que, nas relações entre eles, os quatro avalistas comparticipavam em partes iguais na dívida, pelo que a requerente não poderia pedir aos requeridos, em via de regresso, mais do que uma quarta parte do total que pagara, ou seja, € 128.375,00” – conclusão VII.
A alegação remete-nos para questão sobejamente discutida na doutrina e jurisprudência e prende-se com a delimitação do regime jurídico do direito de regresso entre avalistas do mesmo avalizado, parecendo-nos ultrapassado esse diferendo em face do acórdão do STJ nº 7/2012, de 05/06/2012 [ [7] ], que uniformizou jurisprudência nos termos seguintes:
“Sem embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.
Podendo ler-se na fundamentação desse aresto o seguinte:
“Mais incisiva é CAROLINA CUNHA, em “Letras e Livranças - Paradigmas Actuais e Recompreensão do Regime”, págs. 309 e 310, para quem importa afastar “o risco de equívocos graves” emergentes da passagem pela norma do art. 650.º do Código Civil, de modo que, “sendo os co-avalistas obrigados solidários”, não existem motivos para “a disciplina das respectivas relações internas se afastar do regime traçado no Código Civil para a solidariedade passiva”. Assevera ainda que “do ponto de vista da construção jurídica, tal não impede que continue a preferir-se a linha recta que conduz do art. 47.º L. U. ao regime das obrigações solidárias plasmados nos artigos 512.º e seguintes do Código Civil” (pág. 307). 
Remetidos para o direito comum no que concerne às relações internas entre os diversos avalistas, por falta de regulamentação do direito de regresso na L. U., não se descortinam motivos que, por uma ou outra das vias, afastem a aplicabilidade do regime estabelecido para as obrigações solidárias, o que, em regra, se traduzirá na admissibilidade do direito de regresso e na distribuição da responsabilidade de acordo com a presunção que decorre do art. 516.º do Código Civil, sem prejuízo do funcionamento da liberdade contratual que pode levar a que, ao abrigo do disposto no art. 405.º do Código Civil, se estabeleçam acordos quer sobre a existência e condicionalismo do direito de regresso, quer sobre a repartição da responsabilidade.
É este o resultado que se extrai do já citado Acórdão deste Supremo Tribunal, de 13-7-2010, onde se concluiu que “o avalista que pagou ao tomador da livrança, em quantia superior à que lhe competia, por força do regime da solidariedade passiva, no âmbito das relações externas, perante o credor, tem direito de reaver dos restantes avalistas, no domínio das relações internas, com base no direito de regresso, a parte que a cada um destes compete, que se presume ser igual para todos, nas relações entre os devedores solidários”.
Sustentada também em razões de justiça, esta mesma solução assoma no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24-3-2004, proferido no âmbito do processo nº 643/2003 (www.tribunalconstitucional.pt), em cuja fundamentação se refere que, “sendo vários os co-avalistas, todos eles garantindo o pagamento da dívida, não se explicaria que, a final, só um ou alguns viessem a ter de suportar a totalidade da dívida e que aos outros co-avalistas nenhum pagamento pudesse ser exigido. Razões de justiça relativa sempre militariam na distribuição do encargo entre todos os co-avalistas”.
Em suma, na ausência de regulamentação da matéria na L. U. e sem embargo de convenção mediante a qual os avalistas regulem o exercício do direito de regresso,(…) este segue o regime prescrito para as obrigações solidárias”.
Se bem que esta decisão não seja vinculativa – ao contrário do que acontecia com os assentos, que fixavam doutrina com força obrigatória geral, nos termos do art. 2º do Cód. Civil, entretanto revogado pelo art. 4.º do Decreto-Lei n.º 329/A/95 de 12 de Dezembro –, “cria uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior ponderação” [ [8] ] particularmente para as instâncias que não o próprio STJ, como se intui do disposto no art.678º, nº2,  alínea c). Saliente-se que a reforma do regime dos recursos introduzida pelo Dec. Lei 303/2007, de 24/08 introduziu um novo recurso, a saber, recurso para o pleno das secções cíveis para uniformização de jurisprudência, nos termos dos arts.763 e seguintes ou seja, afinal, uma jurisprudência de valor reforçado. Temos, pois, entendido, que enquanto se mantiver o quadro legal no âmbito do qual foi proferido o acórdão uniformizador, e salvo razões muito ponderosas que se evidenciem no caso concreto – num quadro que, diríamos, é de excepção –, os tribunais inferiores devem seguir a orientação assim definida pelo tribunal que na estrutura judiciária portuguesa é o tribunal de cúpula: assim se salvaguardam exigências de certeza e segurança jurídicas, valores essenciais num estado de direito e que, por isso, cumpre preservar, obviando, no entanto, ao enquistamento do pensamento jurídico [ [9] ] [ [10] ].
Acrescente-se que, no caso, se trata de questão menor em face dos termos em que a decisão que decretou o arresto delimitou a responsabilidade dos requeridos.
Vejamos.
No requerimento inicial os requerentes pediram que se decrete o arresto “até perfazer o montante do crédito dos requerentes, o qual ascende a €538.363,73,calculado da seguinte forma (…)”.
Na decisão recorrida depois de se decretar o arresto em bens das sociedades decretou-se o arresto em bens dos requeridos apelantes (pessoas singulares) apenas “até perfazer metade do valor pago, ou seja, 258.714,49 euros”.
Saliente-se que esse valor corresponde exactamente a metade da soma dos montantes parcelares indicados relativamente às sociedades – (101.391,92€ + 202.45€ +535,94€ + 4.396,00€ + 115,03 € + 396.675,97€ + 589,53 € + 2070,12 € + 11.160,00€ + 292,02€ = 517.428,98€ ) : 2 = 258.714,49€ –, que até é inferior ao valor do pedido (538.363,72€), sendo que os requerentes (à data), se conformaram com essa decisão.
Em suma, como resulta da decisão recorrida, a primeira instância restringiu a responsabilidade dos apelantes à respectiva quota parte – nos termos indicados pelos apelantes e sem prejuízo da questão, diferente, de aferir essa responsabilidade em face da desistência do pedido feita em momento muito posterior pelo requerente, questão a que infra aludiremos –, por confronto com a responsabilidade das sociedades requeridas.
Ou seja, a decisão que decretou o arresto, proferida em Março de 2011 – que depois de produzida a prova oferecida pelo opoente foi mantida – acolheu, nessa parte, a tese dos apelantes. Assim, pode ler-se na decisão:
“Além da acção cambiária o co-avalista que paga uma livrança tem ainda acção não cambiária para os outros avalistas da mesma pessoa, para com eles repartir a parte não cobrada, nos termos do art. 77º e 32º, ao devedor principal.
Os art.s 77º e 32º LULL não regulam porém as relações que possam surgir entre o avalista que paga “voluntariamente” uma livrança e os outros avalistas que também sejam garantes do seu pagamento, uma vez que entre eles não se estabelecem relações cambiárias mas sim de direito comum, devendo aplicar-se por analogia as normas respeitantes à fiança e às relações existentes entre diversos devedores solidários, designadamente, os art.s 650º e 524º CC.
Assim, tendo ficado indiciariamente provado que os requerentes procederam ao pagamento da dívida ao Banco e que também os 3º e 4º requeridos haviam garantido o seu pagamento, através de aval prestado em livrança que veio a ser preenchida pelo Banco, têm os requerentes direito de regresso sobre estes últimos mas apenas na parte não cobrada ao devedor principal, cujo património deve ser previamente excutido, que aqueles hajam pago além da garantia prestada que se presume ser igual à dos 3º e 4º requeridos, ou seja, metade”.
Questão diferente é saber se o arresto foi concretamente efectuado em conformidade com a decisão que o decretou, mas a essa matéria se aludirá noutra sede.

5. Raciocínio similar se impõe quanto à pretendida excussão prévia dos bens das sociedades.
Efectivamente, quer em sede de fundamentação jurídica, a que supra se aludiu, quer na sua parte dispositiva, a decisão proferida já reflecte essa exigência, tanto assim que se determinou o arresto de bens dos apelantes, 3º e 4º requeridos, apenas “caso se frustre o arresto dos bens supra descritos ou aqueles se mostrem insuficientes” [ [11] ], com referência aos bens das sociedades.
Acrescente-se que a concretização do arresto obedeceu a esse comando porquanto, como resulta do processo e já se salientou, são notoriamente insuficientes os bens das sociedades que foram arrestados – saldos bancários de 3,98€, 464,16€ e de 313,79€ –, sendo certo que os elementos constantes do processo não evidenciam a existência de outros bens nem os apelantes disso deram conta nos autos, podendo obviamente fazê-lo tanto mais que o apelante é gerente das sociedades.

6. Por último, importa agora aferir se a desistência (do pedido) formulada pelo requerente João Correia tem reflexos no processo, alterando o juízo valorativo efectuado em termos de fixação da medida da responsabilidade dos apelantes.
Perante essa desistência, que a primeira instância homologou, e na falta de alegação pelos requerentes (marido e mulher) quanto à medida do pagamento realizado por cada um deles, na linha do que se considerou no acórdão uniformizador de jurisprudência a que supra aludimos e nos termos do art. 516º do Cód. Civil impunha-se considerar ser idêntica a participação dos cônjuges, com a consequente redução do montante peticionado.
É que, sendo a obrigação dos avalistas para com o avalizado uma obrigação solidária, o mesmo não pode dizer-se relativamente à relação que se estabelece entre os co avalistas entre si e por referência àquele que pagou integralmente. Sendo estas obrigações conjuntas, o litisconsórcio é voluntário e, se não estão presentes na acção todos os co avalistas que pagaram, esta só pode ser instaurada ou prosseguir quanto à quota-parte respeitante ao que pagou (artº 27 nº 1, 2ª parte).
Ocorreu, pois, erro de julgamento na parte em que a primeira instância considerou que a desistência só surtia efeito quanto a custas, remetendo para o art. 298º, nº2, impondo-se limitar a responsabilidade dos apelantes à quota- parte da requerente RC.
Na tese dos apelantes e nesta linha de raciocínio, os quatro avalistas comparticipavam em partes iguais na dívida, pelo que a requerente não poderia pedir aos requeridos, em via de regresso, mais do que uma quarta parte do total que pagou, ou seja, € 128.375,00 – conclusão VII.
Vejamos, então, do acerto desse montante.
Esse valor corresponde à quarta parte de 513.500,00€, que é apenas um dos montantes parcelares pagos, olvidando os apelantes os demais valores, que se mostram reflectidos nos números 44 a 47 dos factos provados.
Assim, ponderando os valores pagos (513.500,00€ + 11.160,00€ + 4.396,00€ = 529.056,00€) a quota-parte da responsabilidade dos apelantes perante a requerente RC seria de 132.264,00€.
No entanto, a decisão recorrida tomou como ponto de referência para os apelantes os valores indicados sob o nº 1 da parte dispositiva, relativamente às sociedades requeridas, fazendo-se corresponder a quota-parte dos apelantes, no valor de 258.714,49€, como já se aludiu, a metade daquela verba global, tendo-se a requerente conformado com o valor assim fixado – que é ligeiramente inferior ao que resultaria dos pagamentos feitos.
Pelo que, sob pena de reformatio in pejus, deve dar-se continuidade a essa linha de raciocínio e fixar agora a responsabilidade dos apelantes perante a requerente RC no valor de 129.357,24€, tendo em conta a desistência do requente marido (258.714,49€: 2 = 129.357,24€).
Nessa parte procede, pois, a apelação.

7. Os apelantes insistem na condenação da requerente como litigante de má fé sem qualquer razão porquanto é evidente que, em face dos factos provados, não se mostram verificados os requisitos previstos no art. 456º.
Por outro lado, os efeitos que os apelantes pretendem assacar à desistência do requerente marido são inaceitáveis, sendo a requerente livre de prosseguir o processo desacompanhada daquele – não há entre os co avalistas requerentes (marido e mulher) constrangimentos recíprocos –, sendo certo que, como já se assinalou, o opoente não logrou provar a factualidade invocada no requerimento de oposição e que seria pertinentes nesta sede.

8. Os apelantes invocam ainda a nulidade decorrente da “não audição da testemunha José Gonçalves”, seguramente por lapso, porventura decorrente do processamento do texto de anteriores alegações apresentadas no processo. É que, como à evidência decorre dos autos, na sequência de recurso interposto do despacho que indeferiu a audição dessa testemunha, que esta Relação julgou procedente, procedeu-se a essa audição o que conduziu, aliás, à prolação de nova decisão, exactamente aquela ora em análise – a determinação de audição da testemunha acarretou a anulação do processado posterior.

9. Procedendo parcialmente o recurso dos apelantes, impõe-se que o arresto seja concretizado em função dos valores agora fixados.
Nomeadamente, o arresto de 1/3 da remuneração auferida pelos apelantes foi determinado para garantia de valor superior àquele agora fixado, impondo-se a correspondente limitação, com a consequente indicação às entidades que processam o vencimento/pensão competindo ainda que, previamente, se proceda ao cômputo dos valores já depositados nos autos.
Sendo que também não se alcança o fundamento para que se tenha procedido ao arresto do imóvel propriedade dos requeridos para garantia de valor muito superior ao determinado na decisão recorrida. É que o arresto que incidiu sobre o bem imóvel sito no P (casa dos requeridos), a que alude a certidão da CRP junta aos autos mostra-se inscrito como garantindo o pagamento da quantia de 538.3673,72€, sem qualquer fundamento mesmo ponderando os termos da decisão recorrida.
Impõe-se, pois, que no tribunal a quo se atente que o arresto deve ser efectuado nos precisos termos em que é ordenado.
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Conclusões:
1. Os acórdãos uniformizadores de jurisprudência, criam “uma jurisprudência qualificada, mais persuasiva e, portanto, a merecer uma maior ponderação” ou seja, afinal, uma jurisprudência de valor reforçado.

2. Assim, é de acatar a orientação definida pelo Ac. do STJ de 05/06/2012, que uniformizou jurisprudência no sentido de “[s]em embargo de convenção em contrário, há direito de regresso entre os avalistas do mesmo avalizado numa livrança, o qual segue o regime previsto para as obrigações solidárias”.

3. Sendo a obrigação dos avalistas para com o avalizado uma obrigação solidária, o mesmo não pode dizer-se relativamente à relação que se estabelece entre os co avalistas entre si e por referência àquele que pagou integralmente. Sendo estas obrigações conjuntas, o litisconsórcio é voluntário e, se não estão presentes na acção todos os co avalistas que pagaram, esta só pode ser instaurada ou prosseguir quanto à quota-parte respeitante ao que pagou (artº 27 nº 1, 2ª parte do C.P.C.)
                                                        *
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação pelo que, revogando em parte a decisão recorrida, decide-se manter o arresto decretado quanto aos bens dos requeridos U e M mas apenas até perfazer o valor de 129.357,24€, tendo em conta a desistência do requente marido.
Mais se determina que o arresto deve ser concretizado nos moldes supra indicados em 9.
No mais mantém-se a decisão.
Custas pela requerente/apelada e requeridos/apelantes, na proporção do vencimento.
Notifique.
Lisboa, 18 de Março de 2014
                                      
Isabel Fonseca
                                       
Maria Adelaide Domingos
                                                              Eurico José Marques dos Reis                                      

[1] Depois de proferidos dois acórdãos por esta Relação, o último dos quais em 11/07/2013, por esta 1ª secção, na sequência de reclamação julgada procedente (apenso I), acórdão que determinou a inquirição da testemunha José Gonçalves.
[2] Sublinha-se a factualidade que vai ser objecto de alteração por esta Relação.
[3] O novo Cód. de Processo Civil, aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, não é aplicável aos autos atenta a data de instauração do procedimento cautelar (2011) e o disposto no art. 7º, nº2 da referida Lei.
[4] Ac. RC de 10/02/2009, processo:390/08.7TBSRT.C1 (Relator: Isaías Pádua), acessível in www.dgsi.pt.

[5] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol.I, Coimbra Editora, Coimbra, 3ª edição, 1982, p.60. Cfr. ainda Lebre de Freitas Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, Coimbra, 2ª edição, p. 125-126.

[6] Almeida Costa aludindo ao fundado receio do credor perder a garantia patrimonial refere que “[n]omeadamente será o caso de temer uma próxima situação deficitária do património do devedor, ou uma sonegação ou ocultação de bens que impossibilite ou dificulte a realização objectiva do crédito (Direito das Obrigações,11ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2008, p. 876).
[7] Publicado no DR 1ª série de 17/06/2012.   
[8] Ac. STJ de 14/05/2009, proferido no processo 218/09.OYFLSB (Relator: Sebastião Póvoas), acessível in www.dgsi.pt.
[9] Sobre o valor da jurisprudência uniformizadora do STJ depois da reforma processual civil de 95/96 e dando conta das duas posições que se foram delineando a esse propósito (uma que vai no sentido a que aderimos, outra que atribui à jurisprudência assim fixada carácter vinculativo), vide Baltazar Coelho, Algumas Notas Sobre o Julgamento Ampliado da Revista e do Agravo, CJ (STJ) de 1997, T.I, pp. 25-32 e Isabel Alexandre, Problemas Recentes da Uniformização da Jurisprudência em Processo Civil, ROA, Ano 60, Janeiro de 2000, T.I, pp.154-160;
No sentido que propugnamos cfr., entre outros, Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp.122 e 123 e Teixeira de Sousa, Os Recursos no Cód. do Processo Civil Revisto, Lex, Lisboa, 1997, p. 556; vide, ainda, para além do ac. supra referido, os acs. R.C. de 26/06/2007, proferido no proc. nº 1061/06.4TBAGD.C1 (Relator: Ferreira de Barros) e desta RG de 14/05/2009, proferido no proc. nº 2691/07.2TJLSB.G1 (Relatora: Rosa Tching), acessíveis in www.dgsi.pt.

[10] Segue-se o que se escreveu no acórdão da RG de 29/03/2011, proferido no processo 1336/08.8.TBFLG, em que fui relatora, acessível in www.dgsi.pt.

[11] Sublinhado nosso.