Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18372/17.6T8LSB.L1-4
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTENCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
SECTOR PÚBLICO EMPRESARIAL DO ESTADO
NULIDADE DA CONTRATAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: O tribunal da 1.ª instância não estava na posse mínima dos elementos de facto e de direito que lhe permitissem decidir de imediato e na fase intermédia da presente ação (despacho saneador) a «exceção perentória da nulidade de contratação» arguida pela Ré.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:


O MINISTÉRIO PÚBLICO colocado junto do Tribunal do Trabalho de Lisboa, veio apresentar, em 14/08/2017, petição inicial relativa a ação declarativa de reconhecimento da existência de contrato de trabalho com processo especial regulada nos artigos 186.º-K e seguintes do Código do Processo do Trabalho, contra a BBB, SA, NIPC n.º (…) e com sede na (…) Lisboa, pedindo, com referência a (…), com o Cartão de Cidadão n.º (…) e residência (…), o seguinte:
«Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre "BBB" e (…), com início reportado a 3 de novembro de 2016.»
***

O Ministério Público alegou para o efeito o seguinte (fls. 44 e seguintes):
«1.– A Ré "BBB, SA ", adiante designada por empregadora e uma Sociedade Anónima que tem por objeto a prestação dos serviços públicos de radio e de televisão, nos termos das Leis da Radio e da Televisão e dos respetivos contratos de concessão, com o CAE (…)
EXPOSIÇÃO SUCINTA DA PRETENSAO E RESPECTIVOS FUNDAMENTOS - Art.º 186.º- L, n.º 1, do Cód. Proc. Trabalho
2.º– Na sequência de ação inspetiva da ACT realizada no dia 18.05.2017, nas instalações da “empregadora” sitas na (…), Lisboa, verifica-se relativamente a (…), com o número de identificação fiscal (…), número de beneficiário da segurança social (…), portador do cartão de cidadão n.º (…) e residente na (…) e já identificado nos autos e presente ação, adiante designado de "trabalhador", que o mesmo presta a sua atividade e exerce funções para a Ré nos seguintes termos e características,
3.º– No dia 18.05.2017, pelas 15h.00m, o trabalhador encontrava-se no local de trabalho supra referido, pertença da Ré, mais especificamente, no Departamento de Compras e Património, exercendo as funções de técnico administrativo. No momento da visita, encontrava-se a fazer adjudicações de serviço e posições de orçamentos de outros serviços, nomeadamente, da Direção de Produção;

I.–  O referido Departamento encontra-se nas instalações supra identificadas da Ré, as quais são propriedade da beneficiária da atividade;
O trabalhador (…),
II.– Utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes a beneficiária da atividade - computador, impressora, telefone fixo, material de escritório (ex: papel, canetas), trabalha, quando necessário, com o SAP, cujo proprietário da licença é a BBB e dispõe de mobiliário do seu local de trabalho - secretaria, cadeira com rodízios - pertencente a BBB;
III.– Exerce a sua atividade nas instalações da BBB, supra identificadas;
IV.– Utiliza o mail de serviço que lhe foi atribuído pela BBB - (…);
V.– Cumpre, por assim ter combinado com a sua coordenadora, responsável pela Área de Compras, (…), o horário de trabalho que efetuava quando era estagiário - 9h/17h, com intervalo de 1 hora para almoço, gozando 2 folgas por semana, coincidentes com o sábado e o domingo;
VI.– Esta obrigado ao dever de assiduidade sendo que, caso falte, terá que comunicar a sua ausência a (…), registando o tempo de trabalho com o cartão de acesso as instalações.
VII.– Trabalha com a colega (…), a qual exerce funções idênticas, embora esta esta mais experiente e lhe sejam reservadas algumas tarefas de maior complexidade,
VIII.– Trabalha em exclusividade para a BBB, com a qual celebrou contrato de prestação de serviços, encontrando-se em situação de dependência económica da mesma, para a sua subsistência, recebendo, como contrapartida da sua atividade, o valor mensal de 900€;
IX.– Exerce as funções que lhe são determinadas pela coordenadora, (…) e que consistem no seguinte: perante os pedidos efetuados por cada programa (área da Produção), referentes a aluguer de equipamentos ou catering, envia convite a potenciais fornecedores para apresentarem orçamentos, os quais receciona, hierarquiza em fungo do prego apresentado e direciona ao serviço que peticionou os produtos. Este, seleciona o que prefere, dando essa Indicação ao Departamento de Compras, que faz a adjudicação, também integrante dessas funções;
X.– Faz parte da estrutura orgânica da BBB — integra-se na estrutura hierárquica (tendo, como chefia direta, (…) e na equipa do Departamento de Compras, em cujas reuniões quinzenais participa, sendo-lhe distribuído o trabalho normalmente e de acordo com a sua experiência, sem distinga-o relativamente aos restantes colegas dos quadros da BBB e colmatando um défice de recursos humanos que se verificava na equipa;
XI.– Presta serviço para a BBB, de forma ininterrupta e a tempo inteiro, desde 3 de novembro de 2016, antecedido de estágio profissional.
XII.– Encontra-se inscrito nas Finanças e na Segurança Social na qualidade de trabalhador independente e a efetuar os respetivos descontos legais.

4.º– A ACT, perante os factos acima indicados que elencou, constatou a verificação de indícios de utilização indevida de contrato de prestação de serviços por parte da "empregadora".
5.º– Na verdade o trabalhador presta a sua atividade exerce funções e trabalha para a Ré nos termos e com as características descritas na factualidade indicada no art.º 3.º, da presente p.i e no auto de utilização indevida do contrato de prestação de serviços, em condições análogas ao contrato de trabalho junto aos autos e aqui dada por reproduzido
6.º– Nos termos do disposto no art.º 12.º n° 1 do C T., será de presumir a existência de um verdadeiro contrato de trabalho entre o trabalhador e a Ré "BBB, SA", dado que presta e exerce a sua atividade profissional, sujeito as ordens, instruções e orientações pela mesma emanadas, em locais de trabalho por aquela determinados, mediante a utilização de equipamentos e instrumentos de trabalho pertença daquela, sujeito a um horário de trabalho pela mesma determinado, e mediante o recebimento de uma quantia certa, paga mensalmente
7.º– Nos termos do disposto no art.º 15.º-A, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, na redação introduzida pela Lei n.º 63/2013 de 27 de Agosto, o ACT procedeu notificação da "empregadora" a fim de regularização da situação.
8.º– A "empregadora", notificada pela ACT, nos termos do citado art.º 15.º-A, n.º 1 do citado diploma legal, respondeu, conforme consta dos autos e sem considerar a relação descrita como uma relação laboral por tempo indeterminado.
9.º– Resulta dos factos acima expostos e indicados no art.º 3.º, da presente petição inicial que o trabalhador, a prestar a sua atividade e exercer funções ao serviço da Ré nos termos descritos, ininterruptamente, nas instalações e sede da mesma, no só cumpre um horário de trabalho fixado por aquela, como recebe ordens e diretivas da Ré, e dos seus supervisores, utilizando ainda os equipamentos e instrumentos de trabalho dessa mesma entidade, mediante uma retribuição mensal,
10.º– Pelo que a relação laboral em causa consubstancia um contrato de trabalho».
***

Tal petição inicial do Ministério Público fundou-se na Participação de Utilização indevida de contrato de prestação de serviços, sem data, elaborada por uma Inspetora da ACT e que se mostra junto a fls. 2 e seguintes dos autos.

A participação comunica o procedimento imputado à arguida (e aqui Ré), constatado no dia 18/5/2017 e que se traduzia no facto da mesma ter (…) ao seu serviço profissional, como técnico administrativo no Departamento de Compras e Património, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, quando a forma quotidiana como aquele desenvolvia a sua atividade indiciava a existência de uma relação de índole laboral, tendo sido levantado no dia 14/6/2017 e a abrigo do artigo 15.º-A, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14/9, o correspondente Auto de utilização indevida de contrato de prestação de serviços (fls. 23 e 24).

Notificada a arguida, veio a mesma apresentar os requerimentos de fls. 25 a 28 e de 31 a 43, onde, muito em síntese, pugnava pela natureza autónoma, entre diversos outros, do vínculo estabelecido com o referido técnico administrativo (…) e propunha uma ação de regularização das relações profissionais que pudessem ser reconduzidas à previsão do art.º 12.º do CT/2009, desde que tal seja consentido pela legislação especial já publicada (Lei do Orçamento para o ano de 2017, PREVPAP e Resolução do Conselho de Ministros n.º 33/2017, de 9/2) e ainda a publicar, em execução do aludido Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos precários na Administração Pública.

Houve diversas reuniões entre responsáveis da ali arguida e aqui Ré com a ACT para tentar encontrar uma via de solução consensual para as diversas situações encontradas na RTP e que fundaram o levantamento oportuno dos respetivos Autos e a posterior participação ao MP, conforme ressalta do teor das mensagens eletrónicas juntas aos autos e do próprio texto do segundo requerimento da empresa.  
      
A ACT, face a tal posição da BBB, SA, procedeu à participação ao Ministério Público do expediente junto a fls. 1 a 43, nos termos n.º 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. 
***

A Ré, na sequência do despacho judicial de fls. 51, foi citada a fls. 52 e 70 verso, por carta registada com Aviso de Receção e depois de requerer, com sucesso, a prorrogação do prazo para contestar (requerimento de fls. fls. 53 a 67 e despacho judicial de fls. 68), apresentou a contestação de fls. 71 a 118 + documentos de fls. 119 a 153, tendo suscitado as seguintes questões prévias de cariz material e formal:

I–Exceções e nulidades.

A–TÍTULO PRINCIPAL.

a)- «Limitações (proibições) à constituição de relações de trabalho subordinado com entidades do setor público empresarial» (artigos 3.º a 19.º do Ponto 1.1.1, a fls. 73 a 76);
b)- «Da impossibilidade da BBB reconhecer eventuais situações de trabalho dependente» (artigos 20.º a 26.º do Ponto 1.1.2, a fls. 76 e 77);
c)- «Da impossibilidade do Tribunal reconhecer eventuais situações de trabalho dependente celebradas pela BBB» (artigos 27.º a 30.º + 1.º do Ponto 1.1.3, a fls. 78 a 80);
d)- «Nulidade da Participação da ACT» (artigos 1.º e 2.º do Ponto 1.1, artigos 2.º a 32.º do Ponto 1.2, a fls. 80 a 84 e artigos 33.º a 46.º do Ponto 1.3, a fls. 85 a 87);
e)- «Nulidade da Ação de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho» (artigos 1.º e 2.º do Ponto 1.1 e 47.ºa 48.º do Ponto 1.4., a fls. 87 a 89);
f)- «Litispendência «especial» ou «atípica» e do risco de casos julgados opostos» (artigos 59.º a 80.º do Ponto 1.5, a fls. 89 a 93);
g)- «Extemporaneidade da participação da ACT» (artigos 81.º a 86.º do Ponto 1.6, a fls. 94 a 95);
h) «Suspensão da presente ação durante o PREVPAP» (artigos 87.º a 96.º do Ponto 1.7, a fls. 95 e 96).

II–A TÍTULO SUBSIDIÁRIO.

i)– «Violação do direito de defesa e da consequente invalidade da ação promovida pelo MP» (artigos 97.º a 113.º do Ponto 1.8, a fls. 96 a 99);

IIISUMÁRIO DOS DIVERSOS FUNDAMENTOS QUE IMPEDEM A PROSSECUÇÃO DA PRESENTE AÇÃO.

«(i) A Ré e uma empresa pública que integra o setor empresarial do Estado e está sujeita às limitações (proibições) do OE 2017 e respetivo Decreto de Execução Orçamental;
(ii) Nos termos do OE 2017 e respetivo Decreto de Execução Orçamental a contratação de trabalhadores encontra-se vedada, sem a necessária autorização governamental, a qual é requisito prévio e de validade a respetiva contratação;
(iii) A constituição, ab initio ou no âmbito da ação inspetiva, de relações de trabalho subordinado com a Ré sem a prévia obtenção da autorização governamental tem como consequência a assunção de uma relação jurídica nula e cuja invalidade é insuprível;
(iv) Não é possível regularizar os alegados vínculos precários através de uma decisão judicial proferida na presente ação da situação, porquanto tal sentença não é suficiente para suprir a nulidade decorrente da falta de autorização governamental;
(v) A falta de reconhecimento pela Ré da existência de eventuais situações de trabalho dependente não representou um ato livre e intencional da Ré, mas antes o cumprimento de uma estipulação legal;
(vi) A ACT sabia da limitação (proibição) de contratar aplicável a Ré e, mesmo assim, não se coibiu de notificar a BBB para regularizar uma situação que sabia ser ilegal e que representa atuação contra legem;
(vii) Na hierarquização dos deveres em colisão, a Ré satisfez aquele que tinha valor superior - cumprimento das disposições orçamentais -, estando, por este motivo, afastada qualquer ilicitude;
(viii) Enquanto os procedimentos do PREVPAP não estiverem finalizados é legalmente impossível à Ré reconhecer licitamente, por sua própria iniciativa e sem prévia autorização governamental, que a situação dos autos configura uma relação de trabalho dependente;
(ix) Com efeito, mesmo que a Ré reconheça que a situação dos autos poderá configurar um contrato de trabalho, não tem qualquer liberdade contratual para constituir/reconhecer uma relação laboral;
(x) Adicionalmente, durante o PREVPAP e na constância dos autos, está-se perante uma situação de litispendência especial ou atípica quanto ao pedido de reconhecimento pela Ré da existência de um contrato de trabalho com o Prestador, o que constitui uma exceção dilatória inominada que conduz absolvição da Ré da instância;
(xi) Caso assim não se entenda, impõe-se aguardar pelo parecer do CAB e homologação de tal parecer pelo Governo, sem o qual a presente ação não pode prosseguir os seus termos, sob pena de este Tribunal ser colocado na situação de reconhecer um contrato de trabalho nulo;
(xii) A Participação da ACT que deu início aos presentes autos, para além de inválida é também ela extemporânea, e esta circunstância representa uma invalidade formal da Participação que não pode ser descurada e impossibilita o Ministério Público de patrocinar a presente ação por falta de legitimidade para o efeito;
(xiii) O procedimento inspetivo cuja realização é pressuposto indispensável propositura da ação nos termos do artigo 186.°-K do CPT não é válida, dado que o mesmo foi conduzido com flagrante violação do direito de defesa da Ré e do princípio do contraditório.»

IVIMPUGNAÇÃO DE FACTO E DIREITO.

A Ré veio, finalmente, impugnar grande parte dos factos alegados pelo Ministério Público, assim como articular outros tantos que ilidem a presunção de laboralidade do artigo 12.º do C.T./2009 (artigos 61.º a 227.º), pugnando pela inexistência da relação de trabalho subordinado invocada pelo Ministério Público (artigos 115.º a 197.ª, a fls. 101 a 115), impugnando especificadamente os factos articulados pelo Ministério Público (artigos 198.º a 201.º, a fls. 115 e 116) e pedindo, em síntese, o seguinte:
«Termos em que:
a)– Devem as invocadas exceções ser julgadas procedentes e, em consequência, determinada a absolvição da Ré da instância;
b)– Caso assim não se entenda, deve ser determinada a suspensão da presente instancia ate a decisão final a produzir no âmbito do PREVPAP;
c)– Deve, em qualquer caso, ser a presente ação julgada improcedente, por não provada, e a Ré absolvida do pedido.»     
***

O Ministério Público, a fls. 161 e seguintes e na sequência do despacho que determinou a sua notificação para esse efeito (fls. 159), o que aconteceu a fls. 160, veio responder às diversas exceções arguidas pela Ré na sua contestação, tendo pugnado pela improcedência de todas elas (fls. 160 a 169).     
***

Foi então prolatado a fls. 172 a 188 e com data de 17/10/2017, despacho saneador, onde o juiz do processo decidiu, a final, o seguinte:
«Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, decide-se julgar procedente a exceção perentória da nulidade da contratação e, em consequência absolver a BBB, SA do pedido.
***
Sem custas por delas estar isento o Ministério Público (artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais).
Valor da causa: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Notifique.
Registe.»
***

O Tribunal do Trabalho de Lisboa fundou tal decisão na seguinte argumentação jurídica:
«Considerando o disposto no artigo 186.º-N Código do Código de Processo de Trabalho, tendo a Ré invocado várias exceções na sua contestação, passa a proferir-se o despacho saneador.
***

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierárquica.
***

Em sede de contestação invoca Ré – artigos 47.º a 58.º - que lhe é inaplicável a ação de reconhecimento de contrato de trabalho, dizendo que é uma empresa do sector empresarial público e, por isso, está sujeita a normas especiais de contratação que resultam designadamente das leis orçamentais e decretos de execução destas. Conclui que sempre lhe estaria vedado o reconhecimento de um vínculo de natureza laboral, pois para o fazer, está adstrita a procedimentos hoje definidos e prévia autorização governamental.

Notificado o Ministério Público, pronunciou-se pela improcedência da exceção.

A Lei n.º 107/2009 de 14.09, alterada pela Lei n.º 55/2017, de 17.07., aprovou o regime processual das contraordenações laborais e de segurança social.

Dispunha o artigo 15.º-A, na redação em vigor à data da visita inspetiva – 27.04.2017 - que, “1 – (C)aso o inspetor do trabalho verifique a existência de indícios de uma situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas ao contrato de trabalho, nos termos descritos no artigo 12º do Código de Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente. 2 – O procedimento é imediatamente arquivado no caso em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente mediante a apresentação do contrato ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral. 3 – Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público da área da residência do trabalhador, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração da ação, no prazo de 20 dias.”.

De acordo com o disposto no artigo 186.º-K, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, competirá, posteriormente ao Ministério Público, a instauração da ação, no prazo de vinte dias.

No caso e para o que releva, resultam dos autos os seguintes elementos:
No dia 18 de Maio de 2017, a ACT promoveu visita inspetiva na sede da Ré, tendo a inspetora autuante concluído que “a BBB está a utilizar indevidamente um contrato de prestação de serviços para titular uma verdadeira relação de trabalho subordinado com o referido trabalhador, desde 3 de Novembro de 2016”;
A ora Ré foi notificada nos termos e para os efeitos do artigo 15.º-A, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14.09., não tendo na sequência desta notificação, alegadamente regularizado a situação da alegada trabalhadora pelos fundamentos que constam da sua resposta.
A autoridade administrativa elaborou participação, remeteu-a ao Ministério Público, que intentou a presente ação.
Considerando estes elementos, não subsiste qualquer dúvida que o procedimento previsto no diploma legal foi cumprido sendo o Ministério Público a configurar a relação material controvertida como sendo de trabalho subordinado.
A lei não restringe o seu âmbito de aplicação a determinado tipo de empresas/entidades, mas abrange todas as situações em que supostamente se conclua por “uma falsa situação de trabalho de prestação de serviços”.

As demais questões suscitadas pela Ré nesta sede, repetidas vastas e exaustivamente ao longo da sua contestação, devem ser apreciadas em sede de mérito da ação.
Nestes termos e pelos fundamentos expostos e sem necessidade de ulteriores considerações, improcede a exceção de inaplicabilidade à Ré, da presente ação.
***

Da nulidade do processo:

Em sede de contestação, invoca a Ré, a nulidade da ação, alegando para o efeito que a participação da autoridade administrativa é inválida, por não existir um comportamento ilícito e culposo da sua parte, ter sido determinado a prática de um ato ilegal, por a participação da ACT ser extemporânea e por último, ter sido violado o seu direito de defesa.

Notificado o Ministério Público pronunciou-se o mesmo pela improcedência da invocada invalidade da participação da ACT.

Apreciando, os argumentos da Ré para fundamentar a referida ilegalidade, diremos que quer no âmbito desta ação, como do prévio procedimento administrativo, não está em causa a prática pela Ré de factos ilícitos ou culposos.

Com efeito, será em sede contraordenacional que tal atuação da ora Ré será apreciada, pois estamos aqui no âmbito de uma ação de simples apreciação pelo que cabe tão só aferir se os elementos trazidos aos autos, quando provados, conduzem ao reconhecimento de uma situação de trabalho subordinado como é peticionado.

Carece igualmente de fundamento o argumento da Ré, quando refere que a ACT determinou que praticasse um ato ilegal, pois, independentemente da análise substantiva dos argumentos trazidos quer ao procedimento administrativo como a esta ação, não pode a Ré querer impor à autoridade administrativa o assentimento à versão por si defendida.

Ainda que se possa discordar da análise feita, tal não conduz a qualquer invalidade. Á autoridade administrativa cabia ponderar e analisar os argumentos trazidos pela Ré ao procedimento mas não podemos concluir que o não acolhimento de tais argumentos torne inválido o procedimento.

A ponderação e interpretação da autoridade administrativa em sentido diverso dos argumentos trazidos pela ré aos autos não implicam a prática pela primeira de qualquer ato ilegal. Saber se esta interpretação, secundada pelo Ministério Público, é a correta e consentânea com a aplicação das normas que à mesma subjazem, é questão a decidir em sede de apreciação do mérito da ação.

No que concerne à extemporaneidade da participação da ACT, cingindo-se também aqui os argumentos da Ré empregadora ao facto da participação ter sido elaborada e participada ao tribunal em momento que o reconhecimento do contrato de trabalho por aquela e segundo a sua argumentação constituiria ato nulo, valem aqui os argumentos expendidos supra no sentido em que a decisão da autoridade administrativa se fundamentou em interpretação diversa quer dos factos como das disposições legais aplicáveis.

Por último e, não menos importante, invoca a Ré a violação do seu direito de defesa.

Sustenta a alegação vertida nos artigos 97.º a 113.º da sua contestação, em síntese, no seguinte:
Não ter sido prorrogado o prazo pela ACT, apesar de tal ter sido requerido com fundamento na sua notificação de mais de duzentos e quarenta autos para regularização da situação laboral ou para se pronunciar e,
Ter sido impedido o acesso a elementos que permitissem o contraditório, com fundamento num alegado segredo de justiça, inexistente no seu entendimento.

Como questão prévia, impõe-se referir que, no caso do procedimento administrativo prévio a esta ação o alegado direito de defesa encontra-se limitado às finalidades contidas na lei, a saber, regularizar a situação ou pronunciar-se sobre a mesma no prazo de dez dias sendo certo que a não ser regularizada a situação o procedimento sempre prosseguirá uma vez que será, em última instância, ao Ministério Público que caberá decidir se estão ou não preenchidos todos os requisitos para interpor a ação. A fase administrativa não culminará com qualquer decisão para a empregadora mas tão-somente com a remessa dos autos ao Ministério Público donde se pode concluir que o termo do procedimento administrativo não é passível de causar qualquer prejuízo à entidade empregadora.

Mas ainda que assim não se entendesse, em substância e pese embora o elevado número de notificações de que a Ré foi destinatária para se pronunciar, dir-se-á em concreto a Ré se pronunciou no prazo de dez dias, não se vislumbrando por isso a violação do alegado direito de defesa.

Nestes termos e pelos fundamentos, improcede a nulidade do processo.
***

O processo não enferma de nulidades que o invalidem no seu todo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias.
***

Da falta de legitimidade do Ministério Público:

Pese embora não autonomizada, alude a Ré na sua contestação à falta de legitimidade do Ministério Público, fundamentando-a na invalidade da participação da ACT e consequente nulidade do processo.
Consideramos que não estamos perante uma situação de falta de legitimidade e porque nos pronunciamos supra sobre a alegada invalidade, remetemos para os argumentos ali aduzidos, não podendo deixar de concluir que o Ministério Público tem legitimidade.
As partes são, pois, legitimas.
***

Da exceção da litispendência e caso julgado opostos:

Em sede de contestação, invoca a Ré a verificação de uma situação de litispendência que qualifica como “litispendência especial ou atípica” e do risco de “caso julgado opostos”.
Para o efeito, alude a Ré nos artigos 59.º a 86.º da sua contestação e, em síntese, que “no caso concreto, o prestador a que se reporta a presente ação submeteu-se ao PREVPAP, requerendo a avaliação da sua situação à CAB, tendo essa comissão solicitado à Ré a informação prevista no artigo 14.º do mesmo diploma (…), a que a Ré respondeu mediante o preenchimento da correspondente ficha (…) este programa visa regularizar os vínculos precários na Administração Pública e no sector empresarial do Estado (…)”, sendo que, “(…) o efeito pretendido pelo PREVPAP e pela ação de reconhecimento da existência do contrato de trabalho é exatamente o mesmo: regularizar situações em que a relação contratual vigente entre a Ré e a Prestadora equivale a uma relação laboral. Tal significa que presentemente estão em curso dois “procedimentos” distintos (um de cariz administrativo, que corre junto do programa PREVPAP e outro judicial, que corre nos presentes autos), assentes nos mesmos factos, e que visam a obtenção do mesmo resultado jurídico: reconhecimento de contrato de trabalho celebrado entre a Ré e o Prestador (…)” (…) “Mantendo-se ambos os “procedimentos” em curso em simultâneo, corre-se o risco de, por absurdo, obter decisões opostas por parte do Governo Português (com respaldo no parecer da CAB) e deste Tribunal (…).

Notificado o Ministério Público para, querendo, se pronunciar, pronunciou-se pela sua improcedência.

Nos termos do disposto nos artigos 580.º, n.º 1 e 581.º do CPC, as exceções da litispendência e do caso julgado pressupõem respetivamente a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso ou se aquela se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso.

E repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (art.º 581.º, n.º 2 do CPC).
Há identidade de pedido quando numa noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (art.º 581º, n.º 3, do CPC).

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (art.º 581.º, n.º 4 do CPC).

Da própria alegação da ré resulta que não estamos perante duas ações judiciais paralelas mas sim um procedimento administrativo. E tanto bastava para à luz dos conceitos jurídicos fixados concluirmos que não se verifique qualquer situação que se subsuma a uma situação de litispendência ainda que atípica ou que possa verificar-se caso julgado opostos.

Não vislumbramos como poderão resultar decisões contraditórias sendo que uma decisão judicial transitada em julgado beneficiará sempre da autoridade do caso julgado não podendo ser colocada em paralelo com uma decisão resultante de um procedimento administrativo.

Não estando perante duas ações judiciais soçobra desde logo, sem necessidade de ulteriores considerações, a exceção de litispendência e/ou caso julgado invocada pela Ré.

Nestes termos e fundamentos expostos, julgo improcedente as exceções da litispendência e/ou caso julgado.
***

Inexistem outras questões prévias ou exceções dilatórias que cumpra conhecer.
***

1.–
O Ministério Público propôs a presente ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho pedindo que seja declarada “a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre BBB, SA e (…), desde 3 de Novembro de 2016.

Notificada a Ré contestou alegando a proibição às entidades do sector público empresarial à constituição de relações de trabalho subordinado e, consequentemente a impossibilidade de reconhecer tais situações como está vedado ao Tribunal esse reconhecimento.

Ora, não estando o Tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito trazidas pelas partes (artigo 5.º, n.º 3, Código Processo Civil), compulsada a contestação, resulta que a defesa apresentada pela ré se fundamenta no facto de ser uma empresa do sector público do Estado e, por isso lhe estar vedada, por força da legislação orçamental, a celebração de contratos de trabalho sem autorização governamental, sob pena da invalidade desses mesmos contratos.

A Ré argumenta que desde 1 de Janeiro de 2013, por força da legislação orçamental, integrando o sector empresarial do Estado, está-lhe vedada a celebração de contratos de trabalho por depender esta de autorização governamental. A omissão dessa formalidade prévia comina o contrato de trabalho celebrado de nulidade originária e insuprível, prevalecendo as normas reguladoras da constituição dos referidos vínculos sobre as demais. Conclui que face a tais limitações/proibições não pode celebrar contratos de trabalho em violação de tais normativos.

A argumentação da Ré no sentido que sempre seriam nulos quaisquer vínculos contratuais de trabalho subordinado, constitui uma exceção que pretende impedir o efeito jurídico pretendido pelo Ministério Público e, que se passa a apreciar.

Considerando os articulados e, com interesse para a exceção, resultam provados por acordo ou documento os seguintes factos:
1– A BBB, SA é uma empresa pertencente ao sector público empresarial do Estado Português.
2– Em 21 de Outubro de 2016, BBB, SA e (…), subscreveram o acordo escrito por si designado por “contrato de prestação de serviços de apoio às aquisições de produtos e serviços técnicos da área de compras e património”, junto por cópia a fls. 11 a 14 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
3– A contratação de (…) e subscrição do acordo referido em 2, não foram precedidas de qualquer autorização governamental.
Analisemos.

O Decreto-Lei n.º 133/2013 de 03.10., regula o sector público empresarial do Estado.

De acordo com o que dispõe o artigo 17.º, n.º 1, daquele diploma, aos trabalhadores das empresas públicas aplica-se o regime jurídico do contrato de trabalho, com as exceções ali previstas, designadamente no artigo 18.º do mesmo diploma legal.

Contudo, às exceções ali previstas acrescem as que resultam das Leis do Orçamento do Estado, nomeadamente a que resulta para o ano de 2016, da Lei n.º 7-A/2016, de 30.03., que aprovou o orçamento para este ano.

Aqui chegados, importa trazer à colação as normas que impõem tais restrições.

Dispõe o artigo 28.º, da Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, sob a epígrafe

Contratação de novos trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas públicasque:
1 (A)s pessoas coletivas de direito público dotadas de independência e que possuam atribuições nas áreas da regulação, supervisão ou controlo, designadamente aquelas a que se refere a Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, e o n.º 3 do artigo 48º da lei – quadro dos institutos públicos, aprovada pela Lei n.º 3/2004, de 15 de janeiro, e que não se encontrem abrangidas pelo âmbito da aplicação do artigo 23.º da presente lei, apenas podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo, em situações excecionais, devidamente fundamentadas, nos termos do decreto-lei de execução orçamental.
2 – Durante o ano de 2016, as empresas públicas e as entidades públicas e as entidades públicas empresariais do sector publico empresariais apenas podem proceder ao recrutamento de trabalhadores para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado ou a termo, em situações excecionais, devidamente fundamentadas, nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental.
3 – São nulas as contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores.
De acordo com o disposto no artigo 30.º, do mesmo diploma legal, “(d)urante o ano de 2016, as empresas do sector público empresarial e suas participadas devem prosseguir uma política de ajustamento dos seus quadros de pessoal, adequando-os às efetivas necessidades de uma organização eficiente, apenas podendo ocorrer aumento dos encargos com pessoal, relativamente aos valores de 2015, corrigidos dos encargos decorrentes da reposição salarial, em situações excecionais, devidamente fundamentadas, nos termos do disposto no decreto-lei de execução orçamental.

Por seu turno o decreto-lei de execução orçamental – DL n.º 18/2016, de 13.04. – impôs no seu artigo 94.º, sob a epígrafe “Contratação de novos trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas do sector empresarial do Estado
o seguinte:
1– Durante o ano de 2016, os membros do Governo responsáveis pelo sector de atividade podem autorizar o recrutamento de trabalhadores, por pessoas coletivas de direito público e empresas do sector empresarial do Estado, para a constituição de vínculos de emprego por tempo indeterminado, ou a termo, em situações excecionais, fundamentadas na existência de relevante interesse público no recrutamento, ponderada a carência dos recursos humanos, bem como a evolução global dos mesmos, fixando, caso a caso, o número máximo de trabalhadores a recrutar e desde que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
a)- Seja imprescindível o recrutamento, tendo em vista assegurar o cumprimento das obrigações de prestação de serviço público legalmente estabelecidas;
b)- Seja impossível satisfazer as necessidades de pessoal por recurso pessoal que já se encontra colocado, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, em situação de requalificação ou ao abrigo de outros instrumentos de mobilidade;
c)- Seja demonstrado que os encargos com os recrutamentos em causa estão previstos nos orçamentos dos serviços a que respeitam;
d)- Cumprimento, pontual e integral, dos deveres de informação previstos na Lei n.º 57/2011, de 28 de Novembro, alterada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.”

2 – As empresas públicas e as entidades públicas empresariais do Estado apenas podem proceder ao recrutamento de trabalhadores a que se refere o número supra caso se encontrem verificadas as circunstâncias e os requisitos cumulativos mencionados no mesmo.
3 Para efeitos da autorização prevista no n.º 1, os respetivos órgãos de direção ou de administração enviam aos membros do Governo responsáveis pelo sector de atividade os elementos comprovativos da verificação dos requisitos ali previstos, os quais são remetidos ao membro do Governo responsável pela área das finanças.
4– São nulas as contratações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores.
5– O disposto no presente artigo prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias. (…).”

Do regime legal aqui traçado, retira-se que, no que ora aqui releva, no ano de 2016, as empresas públicas e entidades públicas do sector empresarial do Estado, apenas podiam celebrar contratos de trabalho, quer por tempo indeterminado, como a termo, após autorização do Governo para o efeito e desde que estivessem verificados, cumulativamente, os requisitos enunciados no artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 18/2016, de 13.04., sob pena de nulidade do próprio ato de contratação, sobrepondo-se tais normas a todas as outras normas legais, incluindo, as normas contidas no Código de Trabalho.

Nos anos de 2013, 2014 e 2015, já se encontrava consagrado idêntico regime legal quanto aos requisitos para a celebração de contratos de trabalho por estas entidades e respetiva cominação de nulidade para a sua violação (artigo 62.º da Lei n.º 66-B/2012, de 21.12., artigo 58.º da Lei n.º 83-C/2013 e artigo 58.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31.12.). Para o ano de 2017 com a Lei n.º 42/2016, de 28.12., que aprovou o Orçamento de Estado para este ano (artigos 42.º e 43.º) manteve-se o mesmo regime legal para o ano em causa.

No caso, pretende o Ministério Público mediante esta ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, com a inerente declaração, entre (…) e a BBB, desde 03 de Novembro de 2016.

Da factualidade assente resulta que a contratação de (…) e a subscrição do acordo referido supra entre este e a ré, empresa pertencente ao sector empresarial do Estado não foram precedidos de qualquer autorização governamental.

Desta forma e, ainda que provados todos os factos alegados pelo Ministério Público e, perante os mesmos, concluísse o Tribunal estarmos perante um contrato de trabalho por tempo indeterminado (ao invés da alegada qualificação de “contrato de prestação de serviços” atribuída pelas partes que o subscreveram), sempre estaria aquele, por força dos preceitos legais citados, ferido de nulidade quanto ao seu ato constitutivo, pois está assente que não foi o mesmo precedido da necessária e prévia autorização governamental.

Deste modo, a pretensão do Ministério Público nunca poderia vir a proceder uma vez que a contratação de (…) pela BBB, SA, a configurar-se como uma relação de trabalho por tempo indeterminado, por contrariar normas legais imperativas dada a natureza da entidade contratante, sempre seria nula ab initio.

Acresce que o artigo 94.º, n.º 5, da Lei de Execução Orçamental afasta as normas gerais que regem o contrato individual de trabalho, designadamente a norma contida no artigo 122.º, n.º 1, do Código de Trabalho, uma vez que tal como ali se estatui, prevalece aquela sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.

Sem prejuízo, sempre se dirá que o artigo 122.º, n.º 1, do Código de Trabalho tem como fim ressalvar os efeitos jurídicos decorrentes da execução do contrato mas nunca o de “converter” em válido um vínculo que, desde a sua génese, se apresentaria como nulo.

A presente ação especial, de simples apreciação, esgota-se no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho o que ressalta quer da interpretação literal como do projeto lei que esteve na origem e debates que precederam a Lei n.º 63/2013, de 27.08.

Por último, concluímos que a única interpretação possível é que o Estado legislador, ao fazer prevalecer o estatuído no artigo 94.º da Lei de Execução Orçamental sobre todas as outras normas gerais ou especiais contrárias ao mesmo, pretendeu de forma inequívoca afastar o regime legal decorrente da Lei n.º 63/2013, de 27.08., para o período temporal para ao qual vigora e, designadamente, para o sector empresarial do Estado, pois desde 2013 que adotou a posição legislativa de impor limitações/proibições à celebração de contratos de trabalho quer por tempo indeterminado como a termo naquele sector.

Nestes termos, impõe-se julgar procedente a exceção perentória da nulidade da contratação e, consequentemente absolver a ré do pedido - artigos 576.º, n.º 1 e 3, 579.º e 595.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo de Trabalho.»
***

O ilustre magistrado do Ministério Público, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 189 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 324 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
***

O Apelante Ministério Público apresentou, a fls. 191 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:

“1– Para julgar procedente a exceção perentória da nulidade da contratação o julgador estribou-se nos regimes da Leis de Orçamento de Estado vigentes desde 2013 em diante e até 2017 (Cfr. arts.º 94.º do Dec.-Lei 18/2016, de 13-4).
2– A interpretação do sentido e alcance de tais preceitos legais não comportam o afastamento do regime da invalidade do contrato de trabalho previsto nos arts. 121.º, 122.º e segs. do Código do Trabalho.
3– Aliás não se vislumbra como é que este regime de invalidade colida com o preceituado nas Leis de orçamento de Estado atrás referidas.
4– E o regime dos arts. 121.º e segs do C. do Trabalho estabelece os efeitos da invalidade de contrato de trabalho.
5– O regime da nulidade da contratação, quando tal relação é nula ab initio e se veio a prolongar no tempo, não pode apagar os seus efeitos da realidade jurídica e material.
6– Uma tal interpretação não é comportada pela letra e espírito de tais normas orçamentais.
7– E violaria as normas constitucionais que consagram o direito ao trabalho e à segurança no emprego – arts. 53.º e 58.º, da Constituição da República Portuguesa.
8– E permitiria dar cobertura a uma fuga ao direito do Trabalho e a uma manipulação abusiva da qualificação do contrato e de contornar os preceitos laborais.
9– É a fuga à relação de trabalho que a Constituição da República Portuguesa veda nos seus princípios fundamentais.
10– A jurisprudência da S.T. de Justiça tem vindo a entender em vários acórdãos que, em caso de nulidade da contratação, é de aplicar o regime da invalidade do contrato de trabalho previsto nos arts. 121.º e segs, do C. do Trabalho.
11– A orientação jurisprudencial atrás referida aponta em sentido diferente da tese seguida na sentença recorrida.
12– Isto é, no sentido de não afastar a aplicação ao caso em apreço nos autos do regime dos arts. 121.º, 122.º e segs do Código do Trabalho, não obstante a nulidade do contrato de trabalho.
13– Por conseguinte a exceção da nulidade da contratação deverá ser julgada improcedente por não provada.
14– Em consequência deverá designar-se dia para a audiência de julgamento.
15– Pois a ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho não tem em vista a discussão do procedimento a seguir pela Ré para a contratação de um trabalhador.
16– Esta ação tem por finalidade o discutir a natureza do vínculo entre o trabalhador e a Ré a fim de apurar se o mesmo configura um contrato de trabalho ou não.
17– Não se mostra vedado ao Tribunal o reconhecimento da existência de uma relação laboral entre a Ré e o trabalhador de harmonia com o disposto no art.º 17.º, do Dec.-Lei n.º 133/2013, de 3-10 e art.º 40.º, dos estatutos da Ré.
18– Impunha-se apurar o início da relação laboral em face das provas produzidas em audiência, pois daí poderia resultar a não aplicação ao caso em apreço das limitações de contratação vigentes a partir do ano de 2013.
19– Assim deverá revogar-se a sentença na parte em que julgou procedente a exceção perentória da nulidade da contratação e ordenar-se o prosseguimento da ação, designando-se dia para a audiência de julgamento.
20– As normas das citadas leis orçamentais e atrás referidas, interpretadas no sentido vertido na sentença recorrida, mostram-se feridas do vício da inconstitucionalidade, que aqui se suscita, dado violarem o disposto nos arts 53.º, 58.ºe 59.º, da Constituição da República Portuguesa.
21– Foi violado o disposto nos arts. 121.º e 122.º e segs do Código do Trabalho, 53.º, 58.º e 59.º da C. R. Portuguesa e art.º186.º,-N, do C.P. do Trabalho.
22– Normativos que devem ser interpretados e aplicados com o sentido e alcance sustentado no presente recurso. V.ª Ex.ªs Farão, no entanto, a Costumada Justiça!”
***

A Ré apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 199 e seguintes):

«I.– A sentença Recorrida decidiu corretamente, ao concluir pela ocorrência da exceção de nulidade da contratação que conduz à absolvição do pedido, pois no caso concreto, não é legalmente admissível reconhecer a existência de um contrato de trabalho celebrado com a Recorrida nem fixar a data de início da produção dos respetivos efeitos. Assim o impede a lei, que expressamente comina a nulidade, originária e insuprível, de contratos de trabalho celebrados pela Recorrida sem obtenção da prévia obtenção de autorização governamental, sendo que uma decisão judicial nunca seria suficiente para suprir tal nulidade.
II.– Trata-se, aliás, da solução que tem sido seguida na generalidade das sentenças que têm julgado pleitos em tudo idênticos ao presente.
III.– A posição sustentada pelo Recorrente revela-se totalmente improcedente, desde logo porque assenta numa contradição insanável face ao fito declarativo da presente ação, a qual não tem por desiderato o estabelecimento de quaisquer efeitos decorrentes do reconhecimento de um vínculo de natureza laboral, esgotando, ao invés, o seu efeito útil no tal reconhecimento, ou não, de uma relação de natureza laboral.
IV.– Improcedem, de igual modo, as questões suscitadas pelo Recorrente relativamente à inconstitucionalidade da interpretação da norma (e até da norma em si) que decreta a nulidade da contratação de trabalhadores pelo Sector Empresarial do Estado, pois para além de não terem sido suscitadas perante o Tribunal a quo, esta solução não ofende, de forma alguma, nenhuma das dimensões em que se materializa o direito à segurança no emprego consagrado na Lei Fundamental.
V.– A legislação em vigor impede o que o Recorrente pretende. Servindo a presente ação para declarar a existência de um contrato trabalho e fixar a data da constituição da relação laboral por ele instituída (não visando, de todo, fixar ou sequer esclarecer quais os efeitos que devem ser associados à declaração de existência de um contrato de trabalho), não pode a mesma ter como resultado declarar que existe um contrato que a lei expressamente estabelece ser nulo, que, como tal, conduziria à imediata cessação do vínculo contratual e não à regularização da situação.
VI.– Não tem cabimento invocar o entendimento seguido pelos Tribunais superiores quanto à aplicação do regime de invalidade do Código do Trabalho, já que tal entendimento foi afirmado no contexto de ações com processo comum, sendo ainda descabida a ideia de que cabia ao Tribunal apurar a não aplicação à situação em apreço das limitações impostas à Recorrida.
VII.– A regularização das situações de errado enquadramento contratual de vínculos estabelecidos com empresas do sector empresarial do Estado, onde se inclui a Recorrida, só pode ser obtida através do PREVPAP, sendo precisamente para essas situações que tal programa foi estabelecido.
VIII.– Foi o próprio Estado que, tendo instituído limitações à admissão de trabalhadores por empresas do sector empresarial público, criou o PREVPAP, ou seja, um mecanismo destinado a regularizar as situações de errado enquadramento contratual existentes no seu próprio seio e, por essa via, assegurar a regularização dessas situações, a qual não pode ser obtida pelos meios comuns, dada a nulidade dos contratos de trabalho celebrados sem prévia autorização governamental.
IX.– Em face de tudo o que antecede, não se compreende qual o interesse que, no entendimento do Recorrente, deve ser acautelado e que subjaz e justifica a continuação da presente lide, na medida em que através desta jamais se logrará a regularização da situação contratual em apreço, sendo que o próprio Estado, que o Recorrente representa, tem propositada e especificamente em curso um mecanismo que visa avaliar e regularizar essa mesma situação.
Nestes termos, e nos demais que doutamente se suprirão, devem as conclusões do recurso ser julgadas improcedentes, mantendo-se integralmente a Sentença a quo, dessa forma fazendo a costumeira JUSTIÇA!»
***

O colaborador (…) não requereu a sua intervenção processual nos autos, não tendo, nessa medida e por tal motivo, apresentadas contra-alegações dentro do prazo legal.
***

Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II–OS FACTOS.

1– A BBB, SA é uma empresa pertencente ao sector público empresarial do Estado Português.
2– Em 21 de Outubro de 2016, BBB, SA e (…), subscreveram o acordo escrito por si designado por “contrato de prestação de serviços de apoio às aquisições de produtos e serviços técnicos da área de compras e património”, junto por cópia a fls. 11 a 14e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
3– A contratação de (…) e subscrição do acordo referido em 2, não foram precedidas de qualquer autorização governamental.

III–OS FACTOS E O DIREITO.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 639.º e 635.º n.º 4, ambos do Novo Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608.º n.º 2 do NCPC).
***

A–REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS.

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da instância da presente ação ter-se iniciado em 14/08/2017 (na sequência de uma primeira fase, de índole administrativa, que foi iniciada e tramitada na e pela ACT, tendo a participação da infração constante do Auto de Utilização Indevida do contrato de prestação de serviços de 14/6/2017 (por referência a factos constatados em inspeção realizada no dia 18/5/2017) dado entrada nos serviços do Ministério Público em 09/8/2017, vindo a petição inicial a ser apresentada depois no dia 14/8/2017) ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10 [[1]] e depois pela Lei n.º 63/2013, que se tornaram juridicamente efetivas no dia 1 de Setembro de 2013 (cfr. artigo 6.º de tal diploma legal).
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, que ocorreu no dia 1/9/2013.
Será, portanto e essencialmente, com os regimes legais decorrentes da atual redação do Código do Processo do Trabalho e do Novo Código de Processo Civil como pano de fundo adjetivo, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de Apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011, Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, com início de vigência a 1 de Janeiro de 2013, Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, com início de vigência a 1 de Setembro de 2013 e Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, com início de vigência a 2 de Outubro de 2014 –, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data. 
    
B–OBJETO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

A única questão que se suscita no quadro do presente recurso de Apelação é a seguinte: podia o Tribunal do Trabalho de Lisboa, logo em sede de despacho saneador, absolver a Ré BBB, SA do pedido contra ela formulado pelo Ministério Público [[2]] com fundamento na nulidade da contratação que a mesma estabeleceu com (…)?
A nossa resposta é negativa, pois entendemos que o tribunal da 1.ª instância não estava na posse mínima dos elementos de facto e de direito que lhe permitissem decidir de imediato e na fase intermédia da presente ação, tal matéria de mérito, sendo certo, por outro lado, que diversas dúvidas se suscitam relativamente à invalidade originária do negócio jurídico firmado entre a Ré e (…), quer no que toca à possibilidade do seu conhecimento e declaração no âmbito desta ação especial, como no que respeita a diversos aspetos de cariz substantivo.   
                      
C–DESPACHO SANEADOR E OPORTUNIDADE DA DECISÃO DE MÉRITO.
 
Salvo melhor opinião, o despacho saneador/sentença que aqui é alvo de impugnação judicial incorre, desde logo e à partida, num vício lógico de raciocínio que importa analisar e que se traduz no seguinte: no juízo que aí se faz parte-se de um pressuposto que ainda está por demonstrar, ou seja, não obstante a posição da Ré no sentido da negação da natureza laboral à relação profissional estabelecida entre ela e o técnico administrativo (…), o Tribunal do Trabalho de Lisboa aceita ou pelo menos admite, sem ter produzido, previamente e para o efeito, qualquer prova por declarações ou por testemunhas [[3]], que o dito vínculo jurídico se radica na figura do contrato de trabalho e não na alternativa avançada pela aqui Apelada e que tem suporte documental mínimo no documento intitulado «Contrato de Prestação de Serviços», pois só assim se compreende a referência ao regime do artigo 122.º do CT/2009, que assim é mencionado para depois ser expressamente afastado pela alegada legislação especial que o derroga (que, convirá dizê-lo, só estabelece restrições aos vínculos laborais efetivos ou a termo).
Ora, tal assunção da natureza laboral do contrato em causa como dado adquirido (ou, pelo menos, pressuposto) está manifestamente em contraposição aos factos controvertidos que existem no processo e que carecem de prova, sendo que a ordem natural da tramitação destes autos – por mais trabalhosa e morosa que se possa revelar – é a de, desde que inexista qualquer outro obstáctulo de cariz adjetivo ou substantivo que a tal se oponha, realizar a Audiência Final e depois exarar na sentença final a fundamentação de facto e direito que se entender adequada à factualidade alegada e que foi ou não provada, em função das normas jurídicas aplicáveis.
Caso o MP não logre integrar os elementos mínimos típicos da presunção de laboralidade do artigo 12.º do CT/2009, de maneira a fazer funcionar a presunção legal aí contida ou caso a Ré consiga ilidir a mesma, colocando em crise a conclusão que o legislador permite ao julgador dessa presunção extrair, tal significa o afastamento da natureza de contrato de trabalho da relação profissional entre Ré e o referido colaborador (chamemos-lhe assim) (…) e, nessa medida, a imediata improcedência da ação, sem necessidade de apreciar depois a questão da sua nulidade e das consequências jurídicas dela derivadas.
Em jeito de remate deste ponto, dir-se-á ainda o seguinte: a absolvição da Apelada, num quadro processual em que, efetivamente, não sabemos, juridicamente, que tipo de vínculo profissional liga a Ré ao técnico administrativo (…), cria uma situação sui generis, pois estamos face ao encerramento de um litígio que, verdadeiramente, não conheceu uma resposta ou solução objetiva e inequívoca por parte do julgador, ficando sem se saber se a relação em causa é laboral ou não e, nessa medida, se é realmente nula ou não (sem qualquer quebra de respeito pelo autor do saneador/sentença, há aqui um «suponhamos» que não é judicialmente admissível em termos de justiça do caso concreto)[[4]].

Importa, por outro lado, contestar uma conclusão que é feita na fundamentação da aludida decisão e que consiste no seguinte:

«Deste modo, a pretensão do Ministério Público nunca poderia vir a proceder uma vez que a contratação de (…) pela BBB, SA, a configurar-se como uma relação de trabalho por tempo indeterminado, por contrariar normas legais imperativas dada a natureza da entidade contratante, sempre seria nula ab initio.
Acresce que o artigo 94.º, n.º 5, da Lei de Execução Orçamental afasta as normas gerais que regem o contrato individual de trabalho, designadamente a norma contida no artigo 122.º, n.º 1, do Código de Trabalho, uma vez que tal como ali se estatui, prevalece aquela sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.
Sem prejuízo, sempre se dirá que o artigo 122.º, n.º 1, do Código de Trabalho tem como fim ressalvar os efeitos jurídicos decorrentes da execução do contrato mas nunca o de “converter” em válido um vínculo que, desde a sua génese, se apresentaria como nulo.
A presente ação especial, de simples apreciação, esgota-se no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho o que ressalta quer da interpretação literal como do projeto lei que esteve na origem e debates que precederam a Lei n.º 63/2013, de 27.08.»
Ora, salvo melhor opinião – e deixando para outras e eventuais instâncias recursórias a análise da problemática da exclusão do regime da invalidade do contrato de trabalho por parte dos diplomas legais nesse despacho identificados -, não se nos afigura que a circunstância do Ministério Público ter pedido o reconhecimento de um vínculo laboral efetivo impeça o Tribunal do Trabalho de Lisboa de declarar um cenário diverso e de impacto material e jurídico menor ou inferior ao pretendido pelo Autor, desde que ainda caiba dentro da causa de pedir alegada pelo mesmo e do pedido dela decorrente (quem pode o mais, pode o menos).
A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não persegue apenas a criação no mundo do direito de vínculos dessa índole por tempo indeterminado mas também de outro cariz, como é o caso de uma relação de trabalho nula (também não se nos afigura impossível de conceber a «conversão» de um falso contrato de prestação de serviços num contrato de trabalho a termo certo ou incerto, desde que o referido documento satisfaça os requisitos formais e substantivos legalmente exigidos).
Dir-se-á, aliás, que a ARECT, no combate à fraude e ao falso trabalho independente, engloba também as obrigações tributárias incumpridas, como é o das contribuições devidas à Segurança Social (cf. artigo 186.º, número 9 do CPT, na redação que foi introduzida pela Lei n.º 55/2017, de 17/7), caso fique provado o vínculo laboral (independentemente da sua natureza).
Convirá ainda realçar que um contrato de trabalho inválido é, por força dos artigos 121.º a 125.º do CT/2009, um contrato de trabalho durante o tempo da sua execução e até ser arguida e reconhecida a sua nulidade ou anulabilidade, sem prejuízo da possibilidade da sua convalidação, nos termos do já citado artigo 125.º (convalidação aliás admitida, em tese, pela Ré, com base na futura execução do PREVPAP - Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos precários na Administração Pública e que pode ser carreada para os autos nos termos dos artigos 611.º do NCPC).
Mesmo que se entenda, como faz o despacho saneador recorrido, que o regime especial da nulidade do contrato de trabalho previsto nos aludidos artigos 121.º a 125.º do CT/2009 não pode ser invocado no cenário jurídico-profissional deste autos, um contrato declarado nulo ao abrigo do regime comum que se mostra contido nos artigos 285.º e seguintes do Código Civil não significa a sua inexistência jurídica mas antes uma modificação da sua configuração legal e dos efeitos negociais que, numa situação de validade e normalidade, seriam aquele assacáveis (v. g., artigo 289.º), o que, face à índole particular, pessoal, continuada, permanente da relação profissional estabelecida, pode obrigar, eventualmente, o juiz da ARECT a uma postura diversa da adotada nestes autos (simples declaração da nulidade e liminar absolvição da Ré do pedido).
É que, não obstante se aplicar, por força da tese sustentada pelo despacho recorrido, o regime comum das invalidades dos negócios jurídicos, tal não retira conteúdo, textura ou complexidade à pressuposta relação laboral dos autos, conforme antecipada pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa, continuando a colocar-se ao intérprete e aplicador do direito as mesmas perplexidades e dificuldades que justificaram a construção e consagração do regime especial de invalidade do contrato de trabalho (artigos 121.º a 125.º do CT/2009) [[5]].
Tudo isso sem prejuízo da necessária compatibilização de tais interpretação e aplicação jurídica do regime comum da nulidade ao vínculo (supostamente laboral) dos autos com os princípios e valores constitucionais que protegem, designadamente, o direito ao trabalho e proíbem o despedimento sem justa causa (artigos 58.º, número 1 e 53.º da CRP).
Fazendo uma síntese do que acima se deixou explanado, não concordamos que se possa decidir, de imediato e na fase do despacho saneador recorrido, pela procedência ou improcedência da nulidade do (eventual) contrato de trabalho firmado entre a BBB e o seu colaborador (…) pois tal decisão é extemporânea, por prematura, dado inexistirem nos autos elementos de facto que consintam, desde já, a mesma.

D–INVALIDADE DO VÍNCULO PROFISSIONAL DOS AUTOS E SEU CONHECIMENTO.

A problemática do reconhecimento e da declaração da nulidade é, contudo, mais complexa do que se expôs no ponto anterior, quer numa perspetiva meramente adjetiva, quer de um ponto vista material, indo-se enunciar meramente tais questões, por não ser aqui o momento e o local próprio para as apreciar e decidir.
Podemos perguntar, no primeiro plano referido (formal), se, atendendo ao objeto da ARECT (artigos 186.º-K a 186.º-R do CPT), será possível ao juiz do processo declarar, na sentença final, a nulidade do contrato de trabalho que venha a reconhecer no termo da instrução dos autos - face a todos os factos dados como assentes e não assentes, documentos que os complementam e ao direito a eles aplicável - ou se, ao invés, tal declaração não implica a ultrapassagem dos limites legais e consentidos do referido objeto.
Dando de barato essa possibilidade de o juiz reconhecer a dita nulidade do contrato de trabalho e sem prejuízo das questões já anteriormente afloradas, para o caso de o Tribunal do Trabalho concluir pela verificação de uma relação de trabalho - aplicação ou não a tal invalidade do regime dos artigos 121.º a 125.º do CT/2009 e sua conformidade constitucional – há ainda que ponderar, a um nível substantivo, se a RTP, na sua qualidade de empresa pública, está igualmente sujeita aos mesmos princípios e restrições de que o Estado/Administração Pública (v.g., acesso ao emprego público por via de concurso ou procedimento prévio [[6]]) e, no caso afirmativo, se tal invocação não pode ser configurada como uma situação de abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), na modalidade de venire contra factum proprium.        
A existir efetivamente uma relação laboral, não se terá de imputar a verificação de tal nulidade em exclusivo, à BBB – por caber a ela a responsabilidade do pedido prévio de autorização - e também, individual e institucionalmente, aos seus dirigentes, dado as referidas regras imperativas e de interesse e ordem pública, são determinadas não apenas para o colaborador (…) mas também e em primeira linha para a Ré e os seus administradores?
São um conjunto de questões que denunciam a complexidade e a dificuldade de apreciação do pleito dos autos e reforçam o que acima já se deixou sustentado: a extemporaneidade da decisão tomada pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa no que concerne à referida «nulidade de contratação».

E–CONCLUSÃO.

Sendo assim, este recurso de Apelação, pelos motivos expostos, tem de ser julgado procedente, com a revogação do despacho saneador na parte que julgou procedente a referida «exceção perentória de nulidade de contratação» e absolveu a Ré BBB, SA do pedido contra ela formulado pelo Ministério Público, dado o conhecimento da mesma só poder ocorrer na fase da sentença e após a realização da Audiência de Discussão e Julgamento, determinando-se assim o normal prosseguimento dos autos, nos moldes expostos. 
              
IV–DECISÃO.

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 663.º do Novo Código de Processo Civil, acorda-se, neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto por MINISTÉRIO PÚBLICO, revogando-se, nessa medida, a decisão recorrida e ordenando-se a normal e subsequente tramitação dos autos, nos moldes acima expostos.                          
*
Custas a cargo da Ré – artigo 527.º, n.º 1 do Novo Código do Processo Civil.

Registe e notifique.



Lisboa, 21 de dezembro de 2017 
    

(José Eduardo Sapateiro)
(Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)


[1]Que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
[2]E que, recorde-se, é o seguinte:
«Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre "BBB, SA" e (…), com início reportado a 3 de novembro de 2016.»
[3]Sendo certo que o MP arrolou prova dessa natureza, conforme resulta de fls. 50, o que já não aconteceu com a Ré que não identifica qualquer testemunha na sua contestação, limitando-se, no seu Ponto 4 (PROVA), a afirmar o seguinte:
«4.1 Testemunhas
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186.º-N, n.º3 do CPT, as testemunhas serão apresentadas na audiência de julgamento».                
[4]Não se depreenda do que se deixou exposto no texto do presente Aresto que não admitimos que possam ser apreciadas e julgadas, em definitivo, nulidades ou exceções perentórias invocadas pelas partes ou de conhecimento oficioso pelo julgador, sem que esteja previamente apurado e definido o tipo contratual em presença.
Não é essa a nossa posição, pois factos extintivos como, por exemplo, a prescrição ou a caducidade, consentem a sua imediata análise e reconhecimento judicial, ainda que não esteja demonstrada nos autos a natureza jurídico-laboral do figurino negocial em litígio no processo.
Pensamos que, atendendo ao objeto da AERCT e aos termos em que o conflito emergente desta ação se acha delineado pelas partes, impõe-se produzir a prova testemunhal arrolada pelo Ministério Público em Audiência Final e, na sequência da mesma, da documentação junta e do acordo e confissão da Ré, julgar de mérito o pleito em questão.       
[5]Cf., aliás, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, “Teoria Geral do Direito Civil”, 5.ª Edição, 2008, Almedina, páginas 735 e seguintes, acerca dos «Valores negativos dos atos e negócios jurídicos», que englobam, a inexistência, a nulidade, a anulabilidade e a ineficácia jurídicas.
[6]E que no plano estritamente constitucional, entra em concorrência ou conflito com outros valores e princípios constitucionais, como os dos artigos 53.º e 58.º, número 1, da CRP.