Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
137/22.5YHLSB.L1-PICRS
Relator: ANA MÓNICA MENDONÇA PAVÃO
Descritores: MARCAS
IMITAÇÃO
REGISTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: I. No exercício de comparação das marcas, devemos atender ao elemento dominante de cada marca, ao seu núcleo essencial, desvalorizando os pormenores, interessando sobretudo considerar aquilo que o consumidor (médio) retém de cada marca quando não a tem à sua frente, ou seja, a reminiscência que ficou na sua memória e que permite reconhecer o sinal quando o voltar a encontrar.
II. Não existindo semelhança gráfica e fonética do elemento verbal/nominativo de cada uma das marcas em confronto e sendo os sinais diferentes do ponto de vista conceptual, não existe possibilidade de confusão/associação entre os produtos/serviços que as marcas de cada uma das partes se destinam a assinalar, pelo que não se mostra preenchido o requisito de imitação de marca previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 238.º do Código da Propriedade Industrial e consequentemente, não se verifica o fundamento de recusa do registo previsto no art. 232º/1 b) do mesmo diploma legal.
(da responsabilidade da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
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I. RELATÓRIO
Ascential Group Limited veio interpor recurso judicial do despacho do Director do Departamento de Marcas, Desenhos e Modelos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), que concedeu o registo da marca nacional nº 664376,  requerido por Creative Lions Solutions, Lda., peticionando a revogação de tal despacho e a sua substituição por despacho que não conceda o registo da marca.
Alegou, em síntese, que a marca registanda é confundível com a marca da União Europeia (UE) nº 15457534 LIONS, prioritariamente registada em nome da recorrente.
Cumprido o artigo 42º do Código da Propriedade Intelectual (CPI), o INPI remeteu o processo administrativo.
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Foi proferida sentença no Tribunal da Propriedade Intelectual, que julgou procedente o recurso, revogando a decisão do INPI de 3/2/2022 que concedeu o registo da marca nº 664376.
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Inconformada com tal decisão, veio Creative Lions Solutions, Lda. dela interpôr recurso de apelação para este Tribunal da Relação, pugnando pela revogação da sentença recorrida, apresentando as seguintes conclusões [transcrição]:
1ª - O presente recurso incide sobre a decisão do tribunal a quo que concedeu provimento ao recurso interposto por “Ascential Group Limited” e determinou a revogação da decisão do INPI de 03/02/2022, publicada no BPI de 10/02/2022 que concedeu o registo da marca nacional nº 664376
2ª - O Tribunal a quo fez uma errada interpretação do direito aplicável ao considerar que no presente caso “haver imitação de marca registada” e ainda de existir a “possibilidade de ocorrer concorrência desleal, nos termos do artigo 232º, nº 1, al. h) com referência ao artigo 311º, nº 1, al. a) do CPI”.
3ª - Confrontado as marcas da recorrente e da recorrida, visualizando-as, lendo-as e relendo-as, ouvindo e reouvindo, o que nos fica da sua imagem-reprodução, quer visual, quer auditiva, é a de que não existe, entre ambas, semelhança gráfica e sonora, pois que o tipo de letra utilizado entre elas é diferente e os elementos figurativos ou desenhísticos da marca da recorrida conferem-lhe individualidade própria.
4ª - Na marca sobressai, com especial destaque, o primeiro elemento nominativo da marca (“Creative”), que se torna dominante nesta marca, e não “Lions”.
5ª - E conforme doutamente se entendeu no despacho impugnado, “…a dissemelhança que se verifica em relação aos restantes elementos que compõe os sinais, atribui um distância considerável entre os sinais, evitando assim, na nossa opinião, qualquer risco de confusão ou de associação necessária para que se considere preenchido o conceito jurídico de imitação”.
6ª - A marca da ora Recorrida é apenas nominativa, sendo que a palavra “Lions” é uma palavra vulgar que não pode ser apropriada por ninguém e o elemento comum às marcas (a palavra “Lions”) não se destaca no conjunto composto por vários vocábulos da marca da recorrida (CREATIVELIONS).
7ª - O conjunto dos sinais nominativos e gráficos da marca da ora Recorrente afasta o risco de que o consumidor seja levado a estabelecer um nexo identificativo com a marca da Recorrida. Muito menos que ambas terão uma proveniência comum.
8ª – A “possibilidade de concorrência desleal com base no registo do sinal registando” julgada verificada pelo tribunal a quo como fundamento da peticionada revogação do despacho do INPI carece de qualquer facto que a suporte!
9ª - Não há a possibilidade de os consumidores caírem no erro grosseiro de atribuírem os produtos e serviços que as marcas em questão se destinam a assinalar à mesma origem, ou que pensem que existam relações comerciais, económicas ou de organização entre a titular das marcas nacionais registadas e a titular da marca nacional registada em questão.
10ª - Conforme decisão proferida por esse Tribunal da Relação (Acórdão de 17/02/2015 – in www.dgsi.pt) -“Para que a concorrência desleal através de actos de confusão, constitua fundamento autónomo da recusa do registo, é forçoso que o recorrente recorra a fundamentos fácticos mais amplos do que os estritamente necessários para a aplicabilidade das normas da propriedade industrial. Só nessas circunstâncias e em função desses factos, é que fará sentido invocar subsidiariamente este autónomo fundamento de recusa de registo de marca”.
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A apelada Ascential Group Limited contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.
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Por decisão sumária proferida em 7/2/2023 foi julgada procedente a apelação, sendo revogada a sentença recorrida e confirmada a decisão de concessão da marca nacional nº 664376, na sequência do que a apelada Ascential Group Limited apresentou reclamação para a conferência.
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º/4 e 639º/1 do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir:
- Se existe fundamento para a recusa do registo da marca registanda, por existir risco de confusão/associação com o sinal de que é titular a apelada/ora reclamante e concorrência desleal.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos [transcrição]:
1. A recorrente é titular do registo de marca da UE nº 15457534 LIONS, solicitado em 20.05.2016 e concedido em 28.07.2017 para assinalar, designadamente “Serviços de publicidade, de marketing e de promoção; organização, realização e produção de exposições, espectáculos, conferências, feiras, apresentações, eventos e competições com fins comerciais, promocionais e” na classe 35 da Classificação de Nice.
2. Em 22.04.2021, a recorrida solicitou o registo de marca nacional nº 664376  para assinalar “serviços de publicidade, promocionais e de comercialização; serviços de publicidade, de promoção e de marketing; serviços de publicidade, de marketing e promocionais; serviços de publicidade, de marketing e de promoção” na classe 35 da Classificação de Nice, nos termos constantes de fls. 43-48 dos autos, que se dão por reproduzidos.
3. Em 9.08.2021, a recorrente apresentou junto do INPI reclamação contra o aludido pedido de registo de marca nº 664376  (ponto 2 do presente enunciado de factos), com fundamento em imitação da aludida marca da UE (ponto 1 do presente enunciado de factos) e concorrência desleal, nos termos constantes de fls. 49-57 dos autos, que se dão por reproduzidos.
4. Por decisão de 3.02.2022, publicada no BPI de 10.02.2022, o INPI decidiu indeferir a reclamação apresentada e conceder o registo da peticionada marca (ponto 2 do presente enunciado de factos), nos termos constantes de fls. 58-62 dos autos, que se dão por reproduzidos.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como flui das alegações de recurso, a ora apelante insurge-se contra o entendimento do Tribunal a quo ao considerar verificado o risco de confusão/ associação e concorrência desleal entre a marca registanda e a marca prioritária da titularidade da apelada/ora reclamante, pretendendo a revogação da sentença recorrida, que revogou a decisão do INPI de concessão do registo da marca nº 664376  .
Conclui a apelante, muito em síntese, que não existe entre as marcas em confronto semelhança gráfica e sonora, pois o tipo de letra utilizado é diferente e os elementos figurativos ou desenhísticos da marca da apelante conferem-lhe individualidade própria, sendo dominante na marca registanda o primeiro elemento nominativo (“Creative”) e não o segundo, “Lions”, o que afasta o risco de confusão com a marca recorrida. Mais alega que o sinal prioritário é apenas nominativo e a palavra “lions” é uma palavra vulgar.
A questão a dirimir prende-se, pois, com a análise do fundamento de recusa do registo da marca em causa nos autos, impondo-se um prévio enquadramento jurídico da matéria.
A protecção jurídica das marcas funda-se na idoneidade de tais sinais (distintivos de produtos e serviços) serem veículos de informação, permitindo que os adquirentes de produtos e serviços possam fazer escolhas aquisitivas informadas respeitantes às origens e aferir a manutenção ou cessação das qualidades constantes desses produtos e serviços.
O regime jurídico das marcas promove a eficiência económica, ajudando os consumidores a evitar custos de pesquisa no mercado de produtos e serviços «marcados». Como ensina João Paulo Remédio Marques («Direito Europeu das patentes e marcas», Almedina, 2021, pág. 380/381), as marcas constituem uma ferramenta essencial para assegurar uma concorrência significativa entre os agentes económicos e uma melhor e livre escolha aquisitiva por parte dos consumidores.
Estatui o art. 210º do Código da Propriedade Industrial (aprovado pelo referido Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de Dezembro) que o registo da marca confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo dela para os produtos e serviços a que esta se destina. Confere ainda ao respectivo titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal semelhante em produtos ou serviços idênticos ou afins àqueles da marca registada, caso exista um risco de confusão ou associação (art. 249º do CPI).
A marca constitui, pois, o sinal distintivo que permite identificar o produto ou serviço proposto ao consumidor – é o sinal adequado a distinguir os produtos e serviços de uma determinada origem empresarial em face dos produtos e serviços dos demais (cf. art. 208º do CPI).
Das apontadas disposições normativas, conjugadas com o regime ínsito nos art.s 209º e 231º do CPI, extraímos os requisitos essenciais das marcas, ou seja, o carácter distintivo e a determinabilidade (vide Direito Industrial, Pedro Sousa e Silva, 2ª edição, Almedina, pág. 215), assim como as suas diversas funções, quer de indicação de proveniência (indicando a proveniência dos produtos ou serviços) e garantia de qualidade, quer publicitária.
De acordo com o disposto nos artigos 208º do CPI e 4º do Regulamento sobre a Marca da União Europeia (Regulamento EU 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho de 14 de Julho de 2017), a marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respetiva embalagem, entre outros; ou, actualmente, flexibilizado que foi o modo de representação dos sinais, por um sinal, ou conjunto de sinais que permita determinar de modo claro e preciso, o objecto da protecção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
Corolário do princípio da liberdade na composição das marcas, o leque de sinais – exemplificativo – é amplo, abarcando além dos tradicionais (nominativos, figurativos e mistos), outras representações (v.g. marcas multimédia, hologramas), desde que aptas a distinguir os produtos ou serviços provenientes de uma empresa dos de outras.
O conceito legal de marca assenta, pois, na capacidade distintiva.
Complementando o disposto no citado art. 208º, o art. 209º do mesmo diploma procede a uma delimitação negativa, concretizando a falta de capacidade distintiva nas proibições aí elencadas.
A alínea a) do mencionado art. 209º reporta-se às marcas desprovidas de qualquer sinal distintivo, enquanto que as alíneas c) e d) dizem respeito aos sinais meramente descritivos e usuais, respectivamente. Em qualquer dos casos estamos perante motivos absolutos de recusa do registo, previstos no art. 231º alíneas b) e c) do CPI, o que se justifica por razões do sistema concorrencial.
Sendo as marcas sinais distintivos, o mínimo que se pode exigir é que efectivamente se distingam umas das outras, dentro do universo dos produtos  ou serviços a que respeitam, o que se reflecte na definição de imitação constante do art. 238º do CPI, sendo proibida a reprodução ou imitação, total ou parcial, da marca anteriormente registada e constituindo a confundibilidade fundamento ou motivo (relativo) de recusa do registo (art. 232º/1 b) do CPI).
Como estatui o citado art. 238º/1 do CPI, constituem requisitos (cumulativos) da figura de “imitação ou usurpação” a prioridade da marca registada [alínea a)], a identidade ou afinidade entre os bens a que se reportam as marcas em consideração [alínea b)] e a existência de semelhança gráfica, fonética, figurativa ou outra de molde a suscitar a fácil indução do consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação entre a marca ulterior e a marca anterior [alínea c)].
Do quadro legal nacional, em consonância com a Directiva (EU) 2015/2436 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/12/2015 (cf. designadamente Considerando 16 e art. 5º), resulta claramente que o que a lei quer evitar é que as marcas gerem um risco de confusão nos consumidores (destinatários da informação que o sinal distintivo pretende veicular) ou um risco de associação com marca anteriormente registada.        
Donde, os parâmetros a apreciar no juízo comparativo são o elemento visual, o elemento fonético e o elemento conceptual.
Acresce que a comparação entre sinais se deve fazer através de uma impressão de conjunto, sem dissecação de pormenores, considerando-se que o consumidor médio apreende normalmente uma marca como um todo e não procede a uma análise das diferentes particularidades (vide Acordãos do TJ da EU de 11/11/1997 – Sabel.Puma, C-251/95, Col. p. I-6191; de 22/06/1999 – Lloyd Schuhfabrik, C-342/97, Col.p.-3819 e do TPI (TG) de 22/10/2003 – Asterix. T311/01).
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Importa transpôr para o caso vertente as considerações supra expostas.
São os seguintes os sinais em confronto:
Marca registanda (da apelante):

Marca prioritária (da apelada):   LIONS
Não é posto em causa, atenta a factualidade provada, o decidido e a motivação recursória, que se mostram in casu verificados os dois primeiros requisitos enunciados no art. 238º/1 alíneas a) e b), ou seja, a prioridade da marca da apelada (marca da UE nº 15457534, registada anteriormente) e a identidade dos serviços assinalados pelas marcas em presença.
Assim, tal como considerou o tribunal de 1ª instância, a análise deve limitar-se à verificação do requisito da alínea c) do mencionado preceito legal.
Olhando para os sinais em confronto, é inequívoco que ambos têm como elemento comum o termo «lions», sendo a marca prioritária uma marca verbal/nominativa, ou seja, apenas constituída por elementos verbais, enquanto que a marca registanda é um sinal misto, composto, além do elemento verbal, por um elemento figurativo ou desenhístico.
Tal como defende a apelante, entendemos que o elemento “creative” é o elemento dominante na marca registanda, que permite distingui-la da marca prioritária, refutando-se, pois, a ideia de que o elemento dominante em cada uma das marcas é o elemento comum «lions».
Assim, não subscrevemos o juízo do tribunal de 1ª instância, segundo o qual “ambos os sinais partilham o mesmo vocábulo característico, distintivo e substancial ‘LIONS’, sendo o restante elemento verbal registando constituído pelo adjectivo ‘creative’ (‘criativos’ em português), sem particular força distintiva na medida em que descreve características dos serviços de marketing e publicidade assinalados, por natureza criativos, na medida em que envolvem uma certa criatividade para surpreender e atrair a atenção do consumidor dos produtos/serviços publicitados”.
Não obstante o elemento comum aos dois sinais (“lions” ou “leões” em português), afigura-se que não é esse elemento que os destrinça, até porque se trata de um termo vulgar, de uso comum, com pouca força distintiva.
Nesta linha, concordamos com o relatório de exame do INPI (cf. ref citius 480788), onde se pode ler, na parte mais relevante, que:
«(…) apesar de verificarmos algumas semelhanças sobretudo a reprodução da expressão “LIONS”, contudo, na nossa opinião, a dissemelhança que se verifica em relação aos restantes elementos que compõem os sinais, atribui uma distância considerável entre os sinais, evitando assim (…) qualquer risco de confusão ou associação para que se considere preenchido o conceito de imitação.
Conforme tem sido reconhecido pela doutrina e jurisprudência, é necessário existir entre os sinais uma semelhança qualificada, uma vez que «(…) nem sempre que existem semelhanças há imitação. Esta pressupõe condições especiais nessas semelhanças, condições que se caracterizam afinal pelo risco de confusão (Prof. Gabriel Pinto Coelho in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 93, nº 3/67)”
Do ponto de vista gráfico, fonético e concetual, os sinais em confronto, considerados no seu todo, como se impõe, não são suscetíveis de confusão, sobretudo fácil. Neste sentido, verificamos que o sinal registando composto por um conjunto misto que agrega a expressão  , em comparação com as marcas registadas, acima representadas, apresentam entre eles diferenças acentuadas.»
(sublinhado nosso)
Assim, procedendo-se a análise de conjunto dos sinais em confronto, consideramos que as diferenças entre si são muito mais expressivas do que as semelhanças, tanto do ponto de vista gráfico e fonético, como conceptual, o que permite afastar o risco de confusão/associação.
Concretamente, o vocábulo «creativelions» que compõe a marca registanda determina que o sinal seja pronunciado de forma diversa e em número de sílabas diverso da marca “LIONS”, existindo entre eles uma dissemelhança visual (v.g. o tipo de letra utilizado é diferente) e fonética assinalável, que é reforçado pelo elemento figurativo ou desenhístico que integra a marca registanda e lhe confere uma individualidade própria.
Por outro lado, não vislumbramos semelhanças do ponto de vista conceptual, atendendo ao significado da palavra “creative” (criativo, imaginativo, inventivo, inovador) que para o sector dos serviços assinalados pela marca registanda (publicidade, promoção e marketing) não deixa de poder ser considerada fantasiosa, associada ao elemento desenhístico que assume uma posição cimeira no sinal (estando colocado acima do elemento verbal) e relevante no conjunto da imagem visualizada pelo consumidor. Diversamente, a palavra comum “LIONS” (leões) não sendo uma expressão de fantasia, mas antes de uma expressão comummente usada, não assume forte carácter arbitrário ou distintivo.
Diferindo, pois, gráfica, fonética, figurativa e conceptualmente, inexiste semelhança relevante, que induza facilmente em erro ou confusão o consumidor ou compreenda o risco de associação com a marca prioritária.
As dissemelhanças notadas permitem concluir por um forte elemento de distância, surgindo o sinal registando dotado de idoneidade distintiva que permite distanciamento perante o consumidor médio, por forma a afastar um juízo associativo ou relacional face ao sinal prioritário.
Como refere Goméz Segade[1], “a maior ou menor força distintiva de um sinal não só é absolutamente decisiva para que possa eventualmente gozar de maior ou menor proteção, mas também desempenha um papel extremamente importante para determinar se há ou não risco de confusão ou associação. Parece claro que quanto menor o poder distintivo de um sinal, menor é a possibilidade de risco de associação por parte dos consumidores na acepção do artigo 6.º, n.º 2, da Lei da Concorrência Desleal”.
Com efeito, enquanto, «no caso das marcas fortes – assim designadas porque não apresentam referência conceitual ao produto ou ao serviço que distinguem ou não fazem parte do património semântico comum (marcas arbitrárias e de fantasia, respectivamente) – só uma diferença tipo poderá afastar o juízo de imitação», já «no caso das marcas débeis – compostas por meras alterações morfológicas do nome do produto ou serviço (marcas expressivas) ou, ainda, por expressões ou figuras integrantes da linguagem ou património comum – uma pequena variação poderá ser suficiente para que o juízo de confusão seja afastado»[2].
Assim, uma vez que a semelhança visual e fonética existente no elemento nominativo comum entre as marcas em confronto resulta da utilização de uma palavra apenas, que não sendo uma expressão de fantasia, mas antes de uma expressão comummente usada, não assume pois forte carácter arbitrário ou distintivo, não pode concluir-se da verificação dessa única semelhança, que ao deparar-se com produtos ou serviços comercializados mediante a marca concedida à ora apelante, o consumidor vá confundir os produtos ou serviços que a mesma assinala com os que recorda sob a marca da apelada. Entre as marcas verificam-se diferenças nítidas, diferenças essas que não permitem ao consumidor médio a confusão necessária para se poder considerar a marca registanda uma imitação da marca anterior da recorrida, não se mostrando preenchidos os requisitos previstos no art. 238º do CPI.
Por último, importa referir que, não ocorrendo risco de confusão de marcas também não ocorre aquele outro risco de associação inerente à concorrência desleal, não se encontrando verificados os pressupostos previstos no artigo 311º/1 alínea a) do Código da Propriedade Industrial.
Concluímos pela procedência do recurso e consequente revogação da sentença recorrida e confirmação da decisão de concessão da marca registanda, proferida pelo INPI.
Pelos motivos antecedentes, improcede a reclamação, com a consequente confirmação da decisão sumária que julgou o recurso procedente, revogando-se a decisão do TPI e confirmando-se a decisão do INPI de concessão da marca registanda nº 664376.
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V. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente revogar a sentença recorrida e confirmar a decisão de concessão da marca nacional nº 664376   , proferida pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial.
Custas pela apelada (artigo 527º/1 e 2 do CPC)
Registe e notifique.
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Lisboa, 10 de Maio de 2023
Ana Mónica C. Mendonça Pavão
Rute Lopes
Carlos M. G. de Melo Marinho
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[1] “FUERZA DISTINTIVA Y «SECONDARY MEANING» EN EL DERECHO DE LOS SIGNOS DISTINTIVOS”, in Cuadernos de Derecho y Comercio, ISSN 1575-4812, Nº 16, 1995, p. 180
[2] LUÍS COUTO GONÇALVES in “Manual de Direito Industrial – Propriedade Industrial e Concorrência Desleal” Almedina, Coimbra, 8ª Edição, 2019, p. 212, nota 492.