Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
291/18.0T8AGH.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/23/2018
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Nos tribunais de comarca onde não existe juízo de comércio, a competência para o processo especial de revitalização pertence aos juízos locais cíveis ou, na existência destes, aos juízos de competência genérica.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

1. A., Lda intentou processo especial de revitalização, indicando como valor da acção € 811 725,42.

2. Nomeado administrador judicial provisório, prosseguiram os autos com a sua ulterior tramitação legal, tendo sido suscitada oficiosamente a excepção dilatória de incompetência material e facultado o exercício do contraditório relativamente à mesma, o qual foi efectivado.

3. Foi proferido despacho fixando o valor da causa em € 811 725,42 e indeferindo a petição inicial por incompetência material.

4. Inconformada, a Requerente recorreu deste despacho, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
a) O despacho proferido nos autos à margem identificados declarou a incompetência material do Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo para a apreciação dos mesmos, concluindo pelo indeferimento da petição apresentada pela Recorrente;
b) Considerou o Mmo. Juiz do Tribunal a quo que a competência para a tramitação dos processos especiais de revitalização, nos termos do art. 130º, n.º 1, al. a) da LOSJ é, no presente caso, do Juízo de Competência Genérica de São Roque do Pico;
c) Entende o Tribunal a quo que os processos de insolvência ou os processos especiais de revitalização não correm nos Juízos Centrais;
d) Apenas compete às Secções da Instância Central Cível o conhecimento das acções cíveis de processo comum de valor superior a € 50.000,00;
e) Entendendo ainda aquela Instância Central que a matéria em causa não se encontra estatuída na previsão do n.º 1 do art.º 117.º LOSJ, por se tratar de forma de processo especial;
f) A RLOSJ, introduzida pelo DL 49/2014, de 27 de Março, criou o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores (art. 64º), não tendo criado, nenhuma secção de comércio (nem nas Instância Central, nem Local);
g) J. F. Salazar Casanova in Notas Breves Sobre a Lei da Organização do Sistema Judiciário, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73, Vol. II/III (Abril/Setembro – 2013), pág. 468 entende que “se não for criada no tribunal de instância central uma secção de comércio, a lei prescreve (art. 117.º/2) que para as causas que deviam correr na secção de comércio, se existisse, é extensivo o disposto no art. 117.º/1 que visa a competência da instância cível central. A secção cível estende a sua competência em razão da matéria para todas as causas que se deveriam tramitar na secção de comércio se esta existisse.”;
h) Existe um problema de interpretação da lei e nos termos do art. 9º do Código Civil é de presumir, na fixação do sentido e alcance da lei, “que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”;
i) Concatenadas as normas do n.º 1, com o n.º 2, do artigo 117º, da LOSJ, decorre que nas comarcas onde não haja secção de comércio, a competência da secção cível da instância central, para a preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50.000,00 é extensiva às ações que caibam às secções de comércio;
j) O referido n.º 2 do art. 117º, ao tornar extensivo o disposto “no número anterior” “às ações que caibam” às secções de comércio, não distingue entre ações cíveis com processo comum e ações cíveis com processo especial como, indubitavelmente, é o processo de insolvência e o processo de revitalização;
k) “Nenhuma razão se vislumbrando – para além do optado critério do valor da causa – para “ratear” – nas comarcas onde não exista secção de comércio – os processos que caberiam na competência daquela, caso existisse – e que tanto serão processos comuns como processos especiais – pela instância central e pela instância local, em função…da forma de processo;
l) A presente questão já foi alvo de vasta jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa que atribuiu a competência material às instâncias centrais, nomeadamente, Acórdão de 26-03-2015 no Proc. n.º 702/14.4T8PDL.L1-8 em que foi relatora a Desembargadora Catarina Arêlo Manso, Acórdão de 30-06-2015 no Proc. n.º 431/15.1T8PDL.L1-7 em que foi relator o Desembargador Orlando Nascimento, Acórdão de 07/04/2016 no Proc. n.º 35/16.1T8PDL.L1-2 em que foi relator o o Sr. Desembargador Ezaguy Martins, Acórdão de 12/04/2016 no Proc. n.º 507/15.5T8RGR.L1-7 em que foi relatora a Sra. Desembargadora Dina Monteiro, Acórdão de 02/06/2016 no Proc. n.º 2210/15.7T8PDL.L1-2 em que foi relator o Sr. Desembargador Ezaguy Martins, etc;
m) Portanto, a posição sustentada pela ora recorrida não é de forma alguma isolada encontrando respaldo tanto em doutrina como em jurisprudência variada do Tribunal da Relação de Lisboa, que já por diversas vezes se versou sobre a questão da competência material para o julgamento de acções especiais de insolvência e de revitalização na Região Autónoma dos Açores.
n) Podemos assim concluir que, nas comarcas em que não se encontrem instaladas as secções especializadas de comércio, a preparação e julgamento das ações que versem essa matéria – no caso, as do artigo 128.º da LOSJ – são da competência das secções cíveis da instância central, por imperativo do disposto no n.º 2 do artigo 117.º, da LOSJ e tendo presente o n.º 1, alínea d) desse mesmo preceito;
o) Andou mal pois o Tribunal a quo ao considerar que não tinha competência material para a apreciação dos presentes autos, por tal ser da competência da Instância Local Cível - por não se tratar de forma comum de processo mas sim de um processo com forma especial -, considerando que a norma do artigo 117º nº 2 é delimitada pelo critério material e pelo critério do valor;
p) Atento o exposto, deverá a douta decisão proferida e ora sindicada ser substituída, devendo este douto Tribunal ad quem proferir decisão que determine que o Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo é competente para o julgamento dos presentes autos de processo especial de revitalização;
q) Nos presentes autos já havia sido liminarmente deferida a petição inicial e logo, nunca em caso algum poderia a mesma ter sido indeferida, mas sim dado origem a absolvição da instância, nos termos do nº 1 do art. 99º do CPC”.

5. Não foram apresentadas contra-alegações.
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II. QUESTÕES A DECIDIR

Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões a decidir são:
- determinar se o Juízo Central Cível de Angra do Heroísmo é competente para o processo especial de revitalização;
- determinar se esta incompetência, a existir, levaria ao indeferimento liminar da petição inicial.

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III. APRECIAÇÃO DO RECURSO

No presente processo especial de revitalização, ao qual foi fixado o valor de € 811.725,42, entendeu o Juízo Central Cível e Criminal de Angra do Heroísmo não ser competente para a sua apreciação, por o mesmo não se integrar na sua competência material.
Cumpre apreciar e decidir.

Com a reforma judiciária operada pela Lei Orgânica do Sistema Judiciário (LOSJ), aprovada pela Lei 62/2013, de 26 de Agosto, o território nacional passou a estar dividido em 23 comarcas, correspondendo cada uma destas comarcas a um tribunal, os quais se desdobram em juízos, que podem ser de competência especializada, de competência genérica e de proximidade.
No que se refere aos presentes autos, importa referir que, estando perante um processo especial de revitalização, encontra-se a competência para estas acções previstas no art. 128º, nº 1, al. a) da LOSJ, sendo a mesma atribuída aos juízos de comércio.
Todavia, oferece a situação dos autos uma particularidade.
Com efeito, o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, com sede em Ponta Delgada e com a área territorial referente aos municípios de Angra do Heroísmo, Calheta, Corvo, Horta, Lagoa, Lajes das Flores, Lajes do Pico, Madalena, Nordeste, Ponta Delgada, Povoação, Praia da Vitória, Ribeira Grande, Santa Cruz da Graciosa, Santa Cruz das Flores, São Roque do Pico, Velas, Vila do Porto e Vila Franca do Campo, é constituído por Juízos de competência especializada cível e criminal (locais e centrais), Juízo de instrução criminal, Juízo de família e menores e Juízo do trabalho, Juízos de competência genérica e Juízos de Proximidade, não dispondo, por isso, a Comarca dos Açores de Juízo de Comércio, cfr. arts. 64º, al. a) e 66º do Regulamento da LOSJ (DL 49/2014, de 27 de Março).
Face à composição do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, a questão que ora se coloca é determinar a quem deve ser atribuída a competência material para a preparação e o julgamento das acções que deveriam pertencer aos juízos de competência especializada do comércio.
Entende a decisão recorrida que “atendendo a que inexiste tribunal de comércio (não tendo, por isso, aplicação o disposto no art. 128.º, da LOSJ), a referência do art. 117.º, n.º 2, da LOSJ, não pode, senão, deixar de ser a de conferir competência ao juízo central apenas para as acções declarativas, executivas e respectivos procedimentos cautelares de valor superior a € 50.000,00 e que, em princípio, seriam da competência do tribunal de comércio e que, por via da inexistência do mesmo nesta circunscrição territorial, serão da competência do juízo central”, o que redunda na incompetência dos juízos centrais cíveis para a tramitação de processos da competência do juízo de comércio, sendo antes competentes os juízos locais.
Ao invés, a apelante defende que “nas comarcas em que não se encontrem instaladas as secções especializadas de comércio, a preparação e julgamento das ações que versem essa matéria – no caso, as do artigo 128.º da LOSJ – são da competência das secções cíveis da instância central, por imperativo do disposto no n.º 2 do artigo 117.º, da LOSJ e tendo presente o n.º 1, alínea d) desse mesmo preceito”.
Com interesse para a presente questão, importa, antes de mais, relembrar o quadro legislativo aplicável.
Assim, nos termos do art. 117º, nº 1 da LOSJ, “compete aos juízos centrais cíveis:
· A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a (euro) 50 000,00;
· Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a (euro) 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
· Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
· Exercer as demais competências conferidas por lei”.
Por seu turno, o nº 2 deste artigo refere que “Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às ações que caibam a esses juízos”.
Importa também trazer à colação o disposto no art. 130º, nº da LOSJ, segundo o qual “Os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial, tal como definida em decreto-lei, quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada”.
Face a estas normas, e não estando expressamente prevista a situação na lei, qual será então o tribunal competente para a tramitação de processo especial de revitalização, quando estamos perante a inexistência de juízos de comércio numa determinada comarca.
A questão em análise foi já objecto de várias decisões nos tribunais e de discussões doutrinárias, podendo referir-se a existência de três teses relativamente a esta matéria.
A primeira, que defende que os juízos centrais cíveis têm competência para todas as acções previstas no artigo 128º da LOSJ, sejam acções comuns ou processos especiais, quando o seu valor seja superior a € 50 000,00 – vide neste sentido, decisões proferidas pelo Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de conflitos de competência, designadamente, de 01/12/2014 (Proc. 70/14.4T8PDL.L1-1) e de 30/06/2015 (Proc. 431/15.1T8PDL.L1-7), in www.dgsi.pt.
Outra orientação entende que, face ao disposto no art. 117º, nº 1 e nº 2, al. d) do art. 117º da LOSJ, a competência em discussão pertence aos juízos centrais cíveis – vide neste sentido, Salazar Casanova, Notas breve sobre a Lei de Organização do Sistema Judiciário, ROA, Ano 73, nº 2/3 (2013), p. 469 e ainda Ac. R.L. de 26/03/2015 (Proc. 702/14.4T8PDL.L1-8), in www.dgsi.pt.
Existe ainda um terceiro entendimento, segundo o qual a tramitação dos processos da competência dos juízos de comércio é sempre da competência dos juízos locais, seja qual for o valor da causa – vide neste sentido, António A. Vieira Cura, Curso de Organização Judiciária, 2ª ed., 213 e 222, bem como Acs. R.E. de 15/01/2015 (Proc. 469/14.6TBTG-A.E1), de 12/03/2015 (Proc 206/11.7TBPTG-M.E1), Decisão do Vice-Presidente do TRE de 30/01/2015 (Proc. 163/14.8T8BJA.E1), Ac. R.L. de 19/03/2015 (Proc. 1016/14.5T8PDL.L1-6) e Ac. RL de 22/06/2017 (Proc. 548/17.8T8PDL.L1-2), in www.dgsi.pt.
Parece-nos ser esta a solução que vai de encontro ao espírito da reforma judiciária operada pela LOSJ.
Com a reforma de 2014 pretendeu o legislador efectivar o princípio da especialização de matérias a todo o território nacional. Como se refere no preâmbulo do DL 49/2014, de 27 de Março (Regulamento da LOSJ), “a presente reforma visa melhorar o funcionamento do sistema judicial e alcançar uma prestação de justiça de qualidade, apostando-se, para isso, fortemente na especialização, dotando todo o território nacional de jurisdições especializadas, pretendendo-se, assim, proporcionar uma resposta judicial ainda mais flexível e mais próxima das populações”.
Por forma a dar corpo a essa especialização, optou o legislador por delimitar a competência dos juízos centrais cíveis através de um duplo critério: o da matéria (acções declarativas cíveis de processo comum) e o do valor (valor superior a € 50 000,00).
Por forma a sedimentar este critério, optou também o legislador por explicitar os casos em que essa competência seria alargada, a saber:
. as acções executivas de valor superior a € 50 000,00 (quando não exista juízo de execução);
- os procedimentos cautelares a que correspondam acções da sua competência;
- as acções que caibam aos juízos de comércio, nas comarcas onde estes não existam.
Considerando o teor do nº 1, al. a) do citado art. 117º, e ponderando as regras gerais de interpretação das leis ínsitas no art. 9º do CC, temos de entender que o legislador pretendeu afastar dos juízos centrais cíveis todas as acções declarativas comuns de valor inferior a € 50 000,00 e ainda todas as acções especiais.
Isto é, pretendeu-se limitar a competência dos juízos centrais cíveis quer em função do valor, quer em função da matéria, aqui se incluindo as acções declarativas comuns, seja as que decorrem deste preceito, seja aquelas que seriam acções comuns da competência dos juízos de comércio, caso existissem, e indicando, expressamente, as acções executivas e procedimentos cautelares como única excepção a esta regra.
Acresce que optou também o legislador por consagrar a competência residual dos juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica (cfr. art. 130º já citado), o que determina que nunca se cairia num vazio legal com esta interpretação, sendo estes os competentes para todas as acções especiais não expressamente atribuídas a outro juízo especializado.
Em abono desta tese, surge também o elemento histórico, como vem referido na decisão recorrida, porquanto era este o regime anteriormente vigente, embora com diferenças na estrutura judiciária.
No caso dos autos, e uma vez que estamos perante uma acção especial, é competente para a sua tramitação o juízo local ou genérico do município onde a requerida tem sede, não o sendo o juízo central cível e criminal de Angra do Heroísmo, como bem decidiu o tribunal recorrido.
Consequentemente, aquele juízo é materialmente incompetente para a tramitação dos presentes autos, verificando-se, assim, a existência de uma excepção dilatória, a qual é de conhecimento oficioso (cfr. arts. 577º, al. a) e 578º, ambos do CPC), que acarreta a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar, nos termos do art. 99º, nº 1 do CPC.
Ora, no caso dos autos, e face à alegação da apelante de que não poderia o tribunal recorrido ter indeferido liminarmente a petição inicial, porquanto a mesma já havia sido liminarmente deferida, impõe-se relembrar que o processo especial de revitalização (PER) é um processo dirigido àqueles devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que são susceptíveis de recuperação, destinando a promover negociações com os credores com vista à aprovação de um plano de recuperação, conferindo-lhe a possibilidade de continuar a exercer a sua actividade económica, e assim, evitar a insolvência.
Sem pretender entrar em considerações sobre a tramitação deste processo especial, sempre se dirá que o despacho inicial a proferir será, em regra, o despacho de nomeação de administrador provisório, o que se verificou nos presentes autos.
Todavia, este despacho inicial não decide totalmente o processo do ponto de vista do seu prosseguimento, pelo que podia ainda ser apreciada a competência material e proferido despacho liminar de indeferimento.
Diga-se que, mesmo que assim não fosse, a decisão final seria a de absolvição da instância e não a de prosseguimento dos autos, como parece pretender a apelante.
Concluindo, entende-se serem os juízos centrais cíveis incompetentes para o presente processo especial de revitalização, como bem decidiu o tribunal recorrido, sendo correcta a forma como o tribunal apreciou tal questão, improcedendo, assim, a apelação.

IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 23 de Outubro de 2018

Ana Rodrigues da Silva

Micaela Sousa

Maria Amélia Ribeiro  (com voto de vencido)

Declaração de voto de vencido

1. Julgaria procedente a apelação e revogaria a decisão, já que entre as posições jurisprudenciais sobre este tema em que há, de facto, divergências, adiro à posição que sustenta que: “Nas comarcas em que não se encontrem instaladas as secções especializadas de comércio, a preparação e julgamento das ações que versem essa matéria – no caso, as do artigo 128.º da LOSJ – são da competência das secções cíveis da instância central, por imperativo do disposto no n.º 2 do artigo 117.º, da LOSJ e tendo presente o n.º 1, alínea d) desse mesmo preceito”[1].

Com efeito,

2.1 Importa, antes de mais, ter em conta que:
- Estamos no âmbito de um processo de revitalização,
-  cujo valor foi fixado em € 811 725,42.
- O ROSJOFTJ (DL 49/2014, de 27 de Março, criou o Tribunal Judicial da Comarca dos Açores (art. 64º), mas não criou qualquer secção de comércio - nem nas Instância Central nem Local).
 
2.2 Nos termos do artigo 128.º da LOSJ, compete às secções de comércio preparar e julgar os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização cuja matéria seja comercial (nem sequer se colocando a questão da relevância do valor da acção, em virtude de este ter sido fixado muito acima de 50.000€).
2.3 Numa interpretação integrada e teleológica do convocado artigo 117.º, n.sº 1 e 2 da LOSJ (artigo 9.º CC.a apontar para a “unidade do sistema jurídico”), tendo em atenção a preocupação do legislador na colocação de Magistrados mais experientes nos lugares em que se exige uma preparação técnica mais aprofundada, como decorre do disposto no artigo 183.º da LOSJ, face à disposição citada, afigura-se-nos ser de concluir que a competência para conhecer do presente caso pertence “à secção cível da instância central”,  já que estamos perante uma comarca em que não existe secção de comércio.
2.4 Assim sendo, numa perspectiva teleológica e de unidade de sistema, entendo que a remissão constante do n.º 1 do artigo 117.º da LOSJ terá, neste caso de ser articulada com alínea d) do mesmo preceito.
           
3. Face ao que fica exposto, acolheria a pretensão do apelante e revogaria a decisão recorrida, declarando as secções cíveis da instância central competentes para a preparação e julgamento deste processo de revitalização.

[1] Neste sentido se pronunciaram os Ac RL nas apelações 702-14.4T8PDL.L1-8, de 26.03.2015, relatado pela Excelentíssima Desembargadora Maria Catarina Manso e 507/15.5T8RGR.L1-7, de 12-04-2016, relatado pela Excelentíssima Desembargadora Dina Monteiro.