Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1257/09.7TBSCR.L1-6
Relator: TERESA SOARES
Descritores: NULIDADE DE NEGOCIO JURIDICIO
REGISTO PREDIAL
TERCEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - O disposto no artigo 291º do CC, ao regular as consequências decorrentes da nulidade ou anulação de negócio jurídico sobre imóveis, aplica-se apenas e tão-só nas relações entre o alienante e o adquirente, sendo que o conceito de “terceiro”, aludido neste preceito, não se confunde com o conceito restrito de “terceiro”, para efeitos de registo predial.
- O terceiro adquirente de boa fé plasmado no art.º 291.º apenas fica protegido da eficácia retroactiva da nulidade ou da anulabilidade de um negócio anterior àquele em que ele, terceiro, interveio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

AA- A..., e mulher, M..., doméstica, residentes em ...
RR- M... e marido L... (1.ºs),  M... (2.ª), F... e mulher, M... (3.ªs) e B... SA.(4.ª)

1. Os autores vieram propor a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, formulando os seguintes pedidos:
“A – Ser declarada nula e de nenhum efeito, ou pelo menos anulada, a escritura de justificação notarial e compra e venda lavrada em 21 de Março de 2003, de fls. 89 a 91 do Livro nº 11-A do Extinto Quarto Cartório Notarial do Funchal;
B – Ser declarada nula e de nenhum efeito, a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca lavrada em 23 de Fevereiro de 2005, de fls. 71 a 73 vº do Livro nº 91-A do Extinto Quarto Cartório Notarial do Funchal, pelo menos na parte atinente à venda do terreno e hipoteca do mesmo;
C – Ser ordenado o cancelamento de todo e qualquer registo lavrado na Conservatória do Registo Predial de Câmara de Lobos com base nas escrituras a que aludem as alíneas A e B supra, quanto a esta pelo menos na parte respeitante ao terreno e respectiva hipoteca;
D – serem os RR condenados a reconhecer que o terreno do prédio identificado no artº 11 deste articulado é parte do descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 494/301194 da freguesia de Gaula, do qual os AA são donos e legítimos possuidores;
E – Serem os RR F... e consorte M... condenados a restituir aos AA o terreno do prédio a que alude a alínea precedente livre e desocupado de pessoas e bens;
F – Subsidiariamente, para o caso de se entender que a restituição a que alude o pedido anterior é demasiado gravosa para os RR F... e consorte M..., serem os RR solidariamente  condenados a pagar aos AA a importância não inferior a 79 000,00 € (Setenta e nove mil euros) a título de indemnização pelo prejuízo sofrido”.
            Alegaram, em síntese, serem donos de um prédio inscrito na matriz sob os artigos 43, 43/1 e 43/3 da secção T e inscrito a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o número 00494 desde 30/11/1994; em 21/3/2003, os primeiros réus outorgaram uma escritura de justificação notarial e de compra e venda, na qual declararam ser donos da parcela do terreno dos autores, inscrita na matriz sob o artigo 43/1, e venderam tal parcela à segunda ré; os primeiros réus registaram a seu favor a parcela justificada, em 5/12/2003; a segunda ré registou a seu favor a aquisição da mesma parcela em 5/12/2003; a segunda ré construiu um prédio nessa parcela e vendeu-o aos terceiros réus em 23/2/2005; os terceiros réus registaram a aquisição desse prédio a seu favor em 3/3/2005; os terceiros réus constituíram a favor do quarto réu, uma hipoteca sobre tal prédio, registada em 3/3/2005; a escritura de justificação notarial mencionada é nula por falta de notificação dos titulares inscritos; a mesma escritura é ineficaz por serem falsas as declarações dos justificantes; o que torna os restantes negócios celebrados com base na mesma, ineficazes em relação aos autores.

            2. Contestaram
-Os primeiros réus alegando, além do mais, que não se aperceberam que tinham justificado o solo da parcela em questão, pois estavam convencidos de ter justificado unicamente as benfeitorias. O preço que receberam pela venda corresponde apenas às benfeitorias e não ao solo. Concluem pugnando pela improcedência da acção.
- Os demais réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção.

3. Os autores replicaram tendo ampliado o pedido nos seguintes termos: “se se entender que não procede nenhum dos fundamentos a que aludem as alíneas A e B do pedido inicial, deve então ser declarada a anulação da escritura de justificação notarial e compra e venda lavrada em 21 de Março de 2003, de fls. 89 a 91 do Livro nº 11-A do Extinto Quarto Cartório Notarial do Funchal com fundamento em erro dos RR M... e marido L..., justificantes e vendedores nessa mesma escritura, que atinge os motivos determinantes da vontade no que se refere ao objecto da justificação e do negócio de compra e venda”.

4. O quarto réu e os terceiros réus treplicaram.

5. Foi proferido despacho saneador que admitiu a ampliação do pedido. Realizado o julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
I. Declaro parcialmente ineficaz a escritura de justificação notarial simultânea mencionada no parágrafo 24 da presente sentença;
II. Declaro que os primeiros réus e a segunda ré não adquiriram o direito de propriedade sobre o solo do prédio ai justificado e alienado;
III. Ordeno o cancelamento dos registos da aquisição do direito de propriedade sobre o solo do bem justificado, feitos com base na escritura mencionada no parágrafo 24 da presente sentença, a favor dos primeiros réus e da segunda ré, na ficha 01889/05122003 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz
IV. Condeno todos os réus a reconhecerem que o solo do terreno justificado na escritura acima mencionada é parte do prédio descrito na ficha 0494/301194 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz e que os autores são proprietários desse prédio que incluí o solo do prédio justificado
V. Ordeno o cancelamento do registo da aquisição pelos terceiros réus, na parte em que abrange a propriedade do solo do prédio justificado, e o cancelamento da inscrição da hipoteca a favor do quarto réu, na parte em que abrange a propriedade do solo do prédio justificado, constantes da ficha 01889/05122003 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz
VI. Absolvo os réus da restante parte do pedido.
VII. Após trânsito, comunique a presente decisão ao Cartório Notarial mencionado no parágrafo 24 e à Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, para execução do ordenado
VIII. Após trânsito, remeta certidão da presente sentença ao Ministério Público e ao órgão de tutela dos Serviços de Registo e do Notariado a quem cabe, respectivamente, apreciar se existiu violação dos artigos 97 do CN, e 99 do CN, 34 e 85 do CRP.

6. Desta decisão recorrem os 3.ºs e 4.º RR.
6.1.Os 3.ºs RR alegaram com as seguintes CONCLUSÕES 
A - Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls… proferida nos autos do processo à margem referenciado que condenou os réus ora Apelantes a reconhecerem que o solo do terreno justificado na escritura de justificação pelos 1ºs Réus, datada de 21/03/2033 é parte do prédio descrito na ficha 0494/301194 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz e que os autores são proprietários desse prédio que incluí o solo do prédio justificado, bem como ordenou o cancelamento do registo da aquisição pelos terceiros réus, na parte em que abrange a propriedade do solo do prédio justificado, e o cancelamento da inscrição da hipoteca a favor do quarto réu, na parte em que abrange a propriedade do solo do prédio justificado, constantes da ficha 01889/05122003 da Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz.”
B - Para tanto o Tribunal a quo alega, na parte em que aos ora Apelantes a douta sentença lhes afeta, que:
“93. A ordem cronológica dos negócios celebrados e dos respectivos registos, que tiveram por objecto a parcela de terreno em litígio, é a seguinte: em 30/11/1994 os autores registaram a seu favor a aquisição da parcela em questão (cf. documento de fls. 23 e 24); a escritura de justificação dessa parcela foi celebrada pelos primeiros réus em 21/3/2003; pela mesma escritura de 21/3/2003, os primeiros réus venderam a parcela de terreno à segunda ré; o direito de propriedade justificado foi registado a favor dos primeiros réus em 5/12/2003 mediante desanexação e abertura de uma nova ficha na qual não foi mencionada a inscrição anterior a favor dos autores (cf. documento de fls. 87 e 88); a segunda ré registou a aquisição desse direito em 5/12/2003, nessa nova ficha; em 23/2/2005 a segunda ré vendeu o prédio urbano (que construiu na parcela em litígio) aos terceiros réus (cf. factos provados mencionados nos parágrafos 31 a 34 supra); os terceiros réus registaram esta aquisição em 3/3/2005; na mesma data, em 3/3/2005, o quarto réu registou a hipoteca para garantia do mútuo concedido aos terceiros réus para aquisição do prédio urbano em questão; em 3/3/2005 a descrição do prédio na nova ficha passou ser de um prédio urbano composto por casa de habitação com área coberta de 88,25 m2 e logradouro com 308,75 m2, o que no total corresponde à área do terreno dos autores (cf. Documento 87 e 88); a presente acção foi proposta em 10/7/2009 (cf. fls. 109); a acção foi registada em 23/5/2013 (cf. fls. 534).
94. Uma vez que procedeu a impugnação parcial da justificação notarial simultânea, é forçoso concluir que a segunda ré vendeu aos terceiros réus o solo de uma parcela de terreno da qual não era dona. Trata-se de uma venda de bens alheios como próprios que é nula – artigo 892 do CC. Ou seja, os terceiros réus adquiriram o prédio em questão de quem não era dono (aquisição “a non domino”).”
C- De acordo com a, por certa, douta sentença os terceiros Réus para beneficiar
do disposto no artigo 291 nº 1 do CC, têm de provar que agiram de boa-fé – artigo 342 nº 2 do CC. “(..) Resulta do artigo 291 nº 3 que é considerado de boa-fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia sem culpa o vício do negócio nulo ou anulável. Impende sobre os terceiros réus o ónus de alegar e provar que ignoravam que a segunda ré não era a dona do terreno e que as declarações feitas na escritura de justificação não correspondiam à realidade. Os terceiros réus alegaram tal facto no artigo 6 da sua contestação.” (..) Não obstante, a correção já requerida na questão prévia o Tribunal a quo considerou que os Autores não alegaram especificadamente a má-fé dos Réus, e continua, “Acresce que o Conservador do Registo Predial ao desanexar a parcela de terreno em questão, abriu uma nova ficha na qual não reproduziu a inscrição anterior a favor dos autores, como parece impor o artigo 85 nº 2 do CRP. Destas circunstâncias, o Tribunal presume, de acordo com as regras gerais da experiência comum, que os terceiros réus estavam de boa-fé (artigo 349 do CC). E considera admitido por acordo este facto (artigo 607 nº 4 do CPC de 2013).”
D - De acordo com o Tribunal a quo “105. Os direitos dos terceiros réus não seriam porém reconhecidos se a presente acção tivesse sido proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio – artigo 291 nº 2 do CC. Ou seja, a acção deveria ter sido proposta e registada nos três anos posteriores a 23/2/2005, data em que a segunda ré vendeu o prédio aos terceiros réus. Ora, tal como já foi mencionado supra, a acção foi proposta em 10/7/2009 e registada em 23/5/2013, ou seja, quer num caso quer noutro, depois de ter terminado o prazo de três anos legalmente exigido. “
E - Contudo, o Tribunal a quo considera que “106. Não obstante o que acaba de ser dito, os terceiros réus não beneficiam do regime acima mencionado, previsto no artigo 291 do CC. Isto porque da análise dos documentos juntos e a seguir mencionados resulta que os autores gozam da prioridade do registo anterior. Na verdade, os autores registaram a aquisição da parcela em questão na ficha 00494 em 30/11/1994. Os efeitos do registo transferem-se por novo registo e extinguem-se por caducidade ou cancelamento – artigo 10 do CRP. Do confronto dos documentos juntos a fls. 23 a 24 e 87 a 88 resulta que não se verifica nenhuma dessas situações. Na verdade não se encontram averbados a caducidade nem a extinção do registo da aquisição dos autores na ficha inicial. Acresce que na nova ficha, pela qual foi desanexado o terreno em litígio, não é mencionada a inscrição anterior a favor dos autores, como impõe o artigo 85 nº 2 do CRP. Pelos motivos acima expostos, que estão na base da invalidade da escritura de justificação simultânea, não há transferência dos efeitos do registo por novo registo uma vez que o princípio da inscrição prévia a da continuidade das inscrições, previsto no artigo 34 do CRP, não foi integralmente observado. “
F - Deste modo, entende o Tribunal a quo que “107. Assim, os autores continuam a gozar da prioridade do registo inscrito a seu favor na ficha 00494, em 30/11/1994 no que se refere ao direito de propriedade do solo do prédio justificado.
Nos termos do artigo 6 nº 1 do CRP: “O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e, dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes”.”
G – Entendem os Recorrentes, com o devido respeito, que se imponha na presente situação uma decisão diversa da que foi proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que no seu entendimento não pode o princípio da prioridade do registo (artigo 6º do Código do Registo Predial) prevalecer sobre o direito de propriedade inscrito a favor dos terceiros réus, uma vez que estes são terceiros de boa fé nos termos conjugados dos artigos 291º do Código Civil e 17º nº 2 do Código do registo Predial e diga-se que de acordo com o artigo 334º do CC, na presente ação o exercício do direito dos Autores contra o direito adquirido pelos Apelantes excede os limites impostos pela boa fé.
H - No entender dos Recorrentes, salvo o devido respeito, que é muito, o Tribunal a quo não fez a interpretação mais correta aquando da aplicação do Direito.
I - Os Recorrentes adquiririam o prédio registado sob o nº 1889/20031205 da freguesia de Santa Cruz, à pessoa que à data figurava no registo predial como sendo a respetiva titular, preenchendo todos os requisitos legais para beneficiar da proteção conferida pela fé pública inerente ao registo predial.
J - Existiu efetivamente uma aquisição tabular operada a favor dos terceiros Réus ora recorrentes.
K - Qualquer terceiro poderia confiar na verdade declarada na ficha predial, isto é, confiar nos termos do artigo 7º do Código do Registo Predial que o direito existia tal como o registo o revelava e ainda em que ele pertencia a quem estava inscrito como seu titular.
L - Os Apelantes ignoravam que a segunda Ré não era dona do terreno e que as declarações feitas pelos primeiros réus na escritura de justificação não correspondiam à realidade.
M - Deste modo, ainda que a escritura de justificação outorgada pelos primeiros Réus em 21/03/2003 seja parcialmente nula no que se refere ao solo do terreno, tal não poderá afetar o direito de propriedade dos Terceiros Réus , atento o disposto nos artigos 5º nº 1 e 17º n2 do Código do Registo Predial, uma vez que são terceiros de boa fé.
N - Por força do nº 2 do artigo 17º do Código do Registo Predial, a declaração de nulidade da escritura de justificação na parte em que a mesma se refere à aquisição do direito de propriedade do solo da parcela de terreno em litigio, nunca poderá implicar o cancelamento do registo de aquisição a favor dos Terceiros Réus, na medida em que se verificam todos os requisitos exigidos pela disposição mencionada: - aquisição do direito, a título oneroso, de boa fé e ainda prioridade do registo relativamente ao registo da ação de nulidade.
O - Os terceiros Réus adquirentes nos termos daquelas disposições legais, (artigo 291º do CC e 17º nº 2 do CRP) deverão ficar assim protegidos pelo registo público.
P - Repare-se que os Apelantes agiriam e atuaram com base no que o registo predial publicitava, desconhecendo que o registo padecia de algum vício. Adquiriram o seu direito da pessoa que à data figurava no registo predial como sendo a respetiva titular, confiando na fé - pública inerente ao registo predial.
Q - Os dados com que se confrontaram no registo lhes anunciavam que o direito pertencia à 2ª Ré M..., que foi quem, através de escritura de compra e venda, lhes transmitiu o prédio.
R – Os Apelantes devido à sua boa- fé e confiança que depositaram no registo público não podem ficar sujeitos a sofrer o grave prejuízo resultante de ficarem sem o solo onde se encontra implantada a sua moradia, sendo que quando efetuaram a compra do prédio à 2º Ré, compraram já o prédio urbano composto por casa de habitação, incluindo o respetivo solo, pelo que não podem os Autores ficar prejudicados com a sua casa destinada a habitação implantada sobre solo que não lhes pertence, pois aquando da escritura de compra e venda outorgada em 23/02/2005 e aquisição essa registada através da inscrição Ap. 14/03032005, os mesmos compraram um único bem imóvel, nunca tendo cogitado sequer na hipótese de existirem duas realidades distintas, por um lado o solo e por outro a benfeitoria urbana e que o solo não era propriedade dos 2ºs Réus, pelo que deverá ser mantido o registo a favor dos Apelantes, não ficando estes prejudicados no direito que adquiriram a título oneroso.
S – Na presente situação deverá seguir-se o entendimento que o Professor Oliveira Ascensão denomina por “aquisição pelo registo”, em que o terceiro de boa fé recebe na sua esfera jurídica um direito que se torna inquestionável, face à fé pública do registo e à norma expressa do artigo 17º nº 2 do Código do Registo Predial.
T - Ou seja, entendem os Apelantes que o registo de aquisição a seu favor deverá prevalecer, caso contrário, o registo e a fé pública inerente ao mesmo está desprovido de qualquer utilidade, sendo o resultado da inutilidade do registo uma insegurança jurídica insustentável, e prejudicial aos adquirentes que adquirem com base no mesmo.

            6.2. O 4.º R alegou com as seguintes CONCLUSÕES
A. No caso dos autos e no que se refere ao Apelante B..., todos os pressupostos exigidos pelo artigo 291.º do Código Civil para garantia e salvaguarda do direito real de garantia do apelante B... verificam-se, pelo que a eventual nulidade da escritura de justificação notarial e compra e venda celebrada em 21 de Março de 2003 (na parte da propriedade do solo da parcela de terreno em litígio) não pode ser invocada contra o Apelante B..., na sua qualidade de terceiro adquirente de boa fé.
B. A declaração de nulidade, nos termos do artigo 289.º do Código Civil, tem efeitos retroactivos e restitutivos que não se limitam às partes do negócio declarado nulo, mas que se estendem, também, aos terceiros adquirentes.
C. A aplicação em singelo desta norma legal coloca em causa os princípios basilares da segurança e da estabilidade jurídicas, pelo que a prudência e a necessidade da certeza e segurança nas relações jurídicas impõe que se faça uma aplicação cuidadosa da norma supra.
D. Nesse sentido, vide o que ensina o Professor Heinrich Ewald Horster, no Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano 12.º, Tomo III,  páginas 13 – 21, em que claramente diz que “(...) a aplicação incontida das regras do artigo 289.º, n.º 1 [do Código Civil] pode trazer grandes inconvenientes para a segurança e estabilidade do trafico jurídico, nomeadamente no que toca à atribuição de bens. (...)”.
E. É num contexto de protecção de um terceiro de boa fé que adquire os direitos conexos ao negócio declarado nulo que surge o artigo 291.º do Código Civil; o qual visa atenuar os efeitos do citado artigo 289.º do mesmo diploma.
F. Nos termos do citado artigo 291.º, a declaração de nulidade de um negócio jurídico não produz efeitos relativamente ao terceiro adquirente que, de boa fé, haja adquirido, a titulo oneroso, imóvel e que o registo de tal aquisição seja anterior ao registo da acção de nulidade.
G. Como refere, no aludido parecer, o Professor Heinrich Ewald Horster “(...) o artigo 291.º é uma norma de excepção em relação ao regime regra do artigo 289.º. (...) É neste conflito de interesses que o artigo 291.º, em atenção às necessidades de estabilidade do trafico jurídico no que respeita à atribuição de bens, procura estabelecer um justo equilíbrio. Por isso, pode ficar protegido unicamente um adquirente a título oneroso que estiver de boa fé.” (sublinhado nosso).
H. O caso sub júdice – como reconhece aliás a sentença proferida pelo Tribunal a quo - preenche cumulativamente os requisitos do artigo 291.º do Código Civil, pelo que a aquisição do imóvel em causa nos presentes autos pelos Réus F... e M... e a respectiva constituição de hipoteca a favor do Apelante B... não fica afectada por declaração de nulidade da escritura de justificação notarial na parte relativa ao direito de propriedade.
I. Porém e erroneamente considera, na parte relativa à propriedade do solo, que o regime do artigo 291.º do Código Civil de que beneficiam os indicados F... e M... e o Banco B... cede perante a prioridade de registo anterior, nos termos previstos nos artigos 10.º, 85.º, n.º 2 e 34.º todos do Código de Registo Predial. Não é assim que sucede.
J. No caso dos autos, a tutela dos direitos quer deste Banco, quer daqueles referidos réus deve resultar (prevalecendo) do disposto no indicado artigo 291.º do Código Civil e do disposto no artigo 17.º n.º 2 do Código do Registo Predial.
K. Estas normas tutelam direitos de terceiros que adquiriam de quem não tinha legitimidade para alienar, por motivo de vício substantivo ou de registo, que inquina a situação jurídica do alienante e, por força das mesmas, se pode verificar uma aquisição tabular. Que é exactamente o caso dos autos.
L. E também por força do n.º 2 do referido artigo 17.º - cujo requisitos também todos se verificam - a declaração de nulidade da escritura pública de justificação notarial na parte relativa à aquisição da propriedade do solo da parcela de terreno em litígio nos autos não poderá – face à boa fé provada do Banco B... – não pode implicar o cancelamento do registo de hipoteca deste Banco.
M. Beneficia, por isso, o Apelante B..., porque observados os requisitos do artigo 291.ºdo Código Civil, da protecção legal conferido pelo referenciado preceito.
N. Como beneficia também, porque observados os requisitos do artigo 17.º n.º 2 do Código do Registo Predial, da denominada aquisição pelo registo, como bem ensina o Professor Antunes Varela.
O. É, pois e em consequência, válida e eficaz a hipoteca constituída sobre o solo da parcela de terreno em apreço nos presentes autos destinada a assegurar o empréstimo feito aos Réus F... e M..., sendo, portanto, inoponível ao Apelante B... a eventual declaração de nulidade do negócio (na parte em que diga respeito à propriedade do solo) dos Réus M... e L... (a já identificada escritura de justificação notarial celebrada em 21 de Março de 2003), tudo com as legais consequências sob pena de violação dos indicados artigos 291.º do Código Civil e 17.º, n.º 2 do Código do Registo Predial.

7. Os AA contra-alegaram defendendo a manutenção da decisão.

8. Nada obsta ao conhecimento do recurso.

9. Factualidade enunciada na decisão recorrida:
1. Mostra-se registado a favor dos autores M..., que também usa C... e marido A... na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz pela inscrição G-1 o prédio rústico inicialmente com a área de 5 015 m", localizado ao sítio da Lombadinha, freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz, confrontando a Norte com M..., Sul com J... e Outros, Leste com o Ribeiro e Oeste com M..., inscrito na matriz cadastral respectiva sob os artigos 43, 43/1, 43/2 e 43/3 da Secção T e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz da freguesia de Gaula sob o n°. 00494/301194 – alínea A.
2. Consta desse registo como causa de aquisição a partilha judicial por óbito de M... e marido F... – alínea B.
3. O F... faleceu no dia 28 de Outubro de 1970 – alínea C.
4. A M... faleceu no dia 5 de Fevereiro de 1975 – alínea D.
5. Correu na 1ª Secção do Tribunal Judicial de Santa Cruz os autos de inventário sob o n°. 33/82 a partilha do património por óbito de M... e marido F... – alínea E.
6. Por sentença, transitada em julgado, proferida nos autos de remição de colonia número 63/86 da 2ª Secção do Tribunal da Comarca de Santa Cruz, em que foi autora M... e réu o ora autor A..., foi adjudicado à referida M... a propriedade de uma parcela de terreno com a área de 3 885 m2, no dito sítio da Lombadinha, freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz, confrontando a Norte com o Ribeiro, T... e J..., Leste com J... e Oeste com M... e Outro, inscrita na matriz cadastral respectiva sob o art°. 43/2 da Secção T, a destacar do prédio a que alude a alínea A – alínea F.
7. A parcela de terreno em referência foi descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n°. 00495/301194 – Gaula e registada a favor da mencionada M... pela inscrição G-1 – alínea G.
8. A desanexação do prédio aludido em F constitui o respectivo averbamento 1 àquele outro – alínea H.
9. Mediante escritura de compra e venda celebrada em 2 de Dezembro de 1994, a fls. 98 e 98 verso do Livro 224 C do Segundo [Cartório Notarial do Funchal] a M... declarou vender a F... o prédio identificado, o qual o registou a seu favor na competente Conservatória do Registo Predial pela inscrição G-2 – alínea I.
10. F... declarou vender à sociedade M.., esse mesmo prédio, mediante escritura de compra e venda celebrada em 29 de Janeiro de 1999, a fls. 54 e 55 do Livro n° 343-B do extinto Segundo Cartório Notarial do Funchal – alínea J.
11. Tendo esta última registado tal prédio a seu favor pela inscrição G-3 – alínea K.
12. Após o que nele construiu um complexo habitacional denominado Varandas da Lombadinha, composto por dois conjuntos de moradias em banda, com a área coberta de 2 764,5 m2 e descoberta de 1 120,5 m2, conforme se vê do averbamento n°. 1 ao prédio 00495/301194 – Gaula – alínea L.
13. Por escritura de justificação e compra e venda lavrada em 21 de Março de 2003, de fls. 89 a 91 do Livro n° 11-A do extinto Quarto Cartório Notarial do Funchal, M..., que também usa M.... e marido L... declararam ser "donos e legítimos possuidores, com exclusão de outrem, de um prédio rústico, com trezentos e noventa e cinco metros quadrados, localizado no Sitio da Lombadinha. Freguesia de Gaula, concelho de Santa Cruz, e confronta a Norte com J..., Sul com M..., Leste com o Ribeiro e Oeste com F..., inscrito na matriz cadastral, em nome dos justificantes, sob o artigo 43/1 da Secção T, com o valor patrimonial de 6, 04 euros e o atribuído de dois mil novecentos e noventa e nove euros a destacar do descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz, sob o número quatrocentos e noventa e quatro, da freguesia de Gaula e ali inscrito a favor de C... e marido A..., pela inscrição G-um''– alínea M.
14. E mais declararam "que por escritura de partilha, outorgada no dia 18 de Maio de mil novecentos e oitenta e dois, exarada a partir de fls. 3 verso do livro de notas nº 13-B do Cartório Notarial de Santa Cruz, foram-lhes adjudicadas as benfeitorias rústicas, com as mesmas área, localização, confrontações e artigo cadastral, verba número dezassete da relação de bens; benfeitorias implantadas no prédio ora identificado" – alínea N.
15. Nessa mesma escritura disseram também "que o aludido prédio veio à posse dos justificantes, por ajuste verbal de compra, feito em data incerta, mas anterior ao ano de mil novecentos e oitenta e dois, aos ante possuidores M... e marido F..., casados sob o regime da comunhão geral, residentes que foram no dito Sítio da Fazenda (hoje falecidos) e por cujo óbito se procedeu à partilha judicial, na qual supostamente por lapso, o mesmo foi adjudicado à titular inscrita, filha daqueles, a qual o registou a seu favor” – alínea O.
16. Tendo os mesmos réus acrescentado que "desde aquele ajuste, portanto, pelo menos desde mil novecentos e oitenta e dois e sem interrupção, os justificantes entraram na posse do aludido prédio, que lhes foi transmitido pelos requeridos M... e marido F..., usufruindo de todas as suas utilidades e suportando os respectivos impostos e encargos, tendo adquirido e mantido a sua posse sem oposição de quem quer que fosse e com conhecimento de toda a gente, agindo sempre por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, sendo por isso uma posse pública, pacifica, continua e de boa-fé, que dura há mais de vinte anos, pelo que o adquiriram por usucapião, não tendo, dado o modo de aquisição, documento que titule o seu direito de propriedade" – alínea P.
17. Através dessa mesma escritura os réus M... e marido L... declararam vender à sociedade M..., ora também ré, e esta declarou comprar, o prédio identificado em M – alínea Q.
18. Na sequência da escritura de justificação os réus M... e marido requereram na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz a descrição do prédio alegadamente adquirido, passando o mesmo a estar descrito sob o n°. 0 1889/05122003 da freguesia de Gaula – alínea R.
19. Tendo registado a respectiva aquisição a seu favor pela inscrição G-1 AP. 07 de 5/12/2003 – alínea S.
20. Por seu turno, a sociedade ré M... também fez registar a seu favor a aquisição efectuada aos réus M... e marido pela inscrição G-2 AP. 08 de 5/12/2003 – alínea T.
21. Pela Ap. 14 de 3/3/2005 passou a ter natureza urbana – alínea U.
22. No dia 23 de Fevereiro de 2005 a ré M... declarou vender aos ora também réus F... e consorte M... esse mesmo prédio, mediante escritura de compra e venda lavrada de fls. 71 a 73 Vº do Livro n°. 91-A do Extinto Quarto Cartório Notarial do Funchal – alínea V.
23. Venda essa que foi efectuada pelo preço declarado de 100 000,00 euros – alínea X.
24. Tendo os mesmos F... e mulher declarado dar de hipoteca o prédio em causa ao B..., ora também réu, para garantia de um empréstimo no valor de 90 000,00 euros que lhes foi efectuado pelo segundo – alínea Z.
25. Esta aquisição foi registada através da inscrição G-3 AP. 14/03032005 – alínea AA.
26. E a constituição da hipoteca pela inscrição C-1, Ap. 15/0303205 – alínea BB.
27. Os réus M... e marido L..., declararam na aludida escritura de justificação e venda, “em data incerta, mas anterior ao ano de mil novecentos e oitenta e dois ", ajustaram verbalmente a compra do aludido prédio "aos ante possuidores M... e marido F..., casados sob o regime da comunhão geral, residentes que foram no dito Sítio da Fazenda – alínea CC.
28. O prédio em referência tem o valor patrimonial actual de 238.438,25 euros – alínea DD.
29. Por escritura de partilha outorgada no dia 18 de Maio de 1982, aos réus M... e marido L... foram adjudicadas as benfeitorias rústicas implementadas sob o artigo 43/1 da Secção T – alínea EE.
30. No âmbito da sua actividade comercial, o réu B... concedeu um empréstimo, sob a forma de crédito à habitação, aos réus F... e M... pela aquisição do prédio pelo montante de 100.000,00 euros – alínea FF.
31. Por via deste empréstimo e para garantia do seu pagamento foi constituída hipoteca a favor do B..., sobre o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº 1889, pelo montante máximo de 125.190,00 euros, registada pela inscrição C-1, Ap. 15/03032005 – alínea GG.
32. Os réus M... e marido L... apenas das benfeitorias se intitulavam proprietários – alínea HH.
33. Os réus M... e marido L..., sempre falaram em benfeitorias e nada mais, dado que a terra não era deles – alínea II.
34. Os réus M... e marido L... sabiam que não podiam vender o que não tinham – alínea JJ.
35. Os réus M... e marido L... sempre convictos de que os documentos titulavam apenas a venda das benfeitorias, única coisa de que se arrogavam proprietários, e não do solo, como agora verificam que foi o que fizeram – alínea KK.
36. Os réus M... e marido L... não quiseram justificar o solo, do qual sabiam não ser proprietários – alínea LL.
37. Os réus M... e marido L... assinaram os documentos que lhes foi dito serem necessários para a venda das suas benfeitorias, e apenas isso pretenderam fazer – alínea MM.
38. Não se apercebendo que tinham também justificado o solo, pois nunca foi essa sua intenção e vontade real – alínea NN.
39. Por via da desanexação do prédio 00495/301194 - Gaula, o prédio dos autores ficou com a área de 1 130 m2, correspondente às parcelas 43, 43/1 e 43/3 da Secção T da matriz cadastral respectiva – resposta ao quesito 1.
40. A ré M... construiu o prédio urbano composto por casa e logradouro referidos no documento de fls. 87 na parcela de 395 m2 referida na alínea M, parcela essa que faz parte do prédio dos autores mencionado na resposta ao quesito 1 – resposta ao quesito 2.
41. O que consta dos documentos de fls. 160 a 161 cujo teor se dá por reproduzido – resposta aos quesitos 3, 4, 5, 6, 7, 15, 24 e 29.
42. Os autores residem em 80 Clovelly Road, Greenside, Joanesburgo, República da África do Sul sendo essa a sua morada na data da notificação edital constante de fls. 160 a 161 – resposta ao quesito 8.
43. O falecido F... emigrou para a África do Sul, tendo vindo à Madeira nos anos 50 do século XX para levar consigo os filhos para a África do Sul – resposta aos quesitos 9 a 13.
44. Pelo que não ajustaram verbalmente a venda do prédio rústico cuja aquisição foi justificada pelos réus M... e marido L... – resposta ao quesito 14.
45. No logradouro que agora ocupa parte da parcela de 395 m2 referida na resposta ao quesito 2, a ré M... implantou um tanque sanitário (fossa) comum às moradias do complexo habitacional Varandas da Lombadinha, tanque esse que actualmente está desactivado – resposta ao quesito 17.
46. A parcela de 395 m2 referida na resposta ao quesito 2 é desnivelada e confronta a leste com um ribeiro – resposta aos quesitos 18 e 19.
47. À data da escritura de justificação o prédio era de natureza rústica e não tinha acessos – resposta ao quesito 20.
48. O que consta das respostas aos quesitos 2 e 17 – resposta aos quesitos 21 e 22.
49. O réu B... sempre ignorou as condições de aquisição do prédio pela M... e as razões de aquisição e venda do prédio pelos réus M... e marido, apenas sabendo que seria para pagamento do preço de aquisição a favor dos terceiros réus que o empréstimo era pretendido – resposta ao quesito 23.
50. O que consta das alíneas M a R da matéria assente – resposta ao quesito 26.

10. Como é sabido o âmbito do recurso determina-se pelas conclusões dos recorrentes-artigos 639.º e 635.º do Novo CPC (aprovado pelo art.º 1º da Lei nº 41/2013 de 26/06).

            Ambos os recorrentes colocam uma única e mesma questão que é a de saber do acerto da decisão recorrida quando afasta a aplicação do regime do art.º 291.º do CC à concreta situação dos recorrentes – 3.ºs e 4.º RR.
            Estamos perante uma acção em que é pedida a declaração de nulidade ou anulação da escritura de justificação judicial, da escritura de venda dos 1.º para a 2.º R., da escritura de venda desta 2.ºR para os 3.ºs RR e da escritura de mútuo com hipoteca, celebrada entre os 3.ºs RR e a 4.ª R., no tocante ao terreno identificado e, na ampliação, a declaração de ineficácia destes negócios em relação aos AA.
            Na decisão recorrida, depois de se dar por adquirido que os 3.ºs RR actuaram de boa-fé (o que não se questiona), e que portanto se podiam enquadrar na situação prevista no art.º 291.º por se verificaram os demais pressupostos : o registo de aquisição é muito anterior ao registo da acção e a acção foi instaurada depois decorridos três anos sobre a data da aquisição, veio a afastar-se a aplicação deste regime que protege os terceiros de boa fé das consequências das invalidades que possam afectar os negócios jurídicos onerosos sobre imóveis ou móveis sujeitos a registo.
             E é com este afastamento que os recorrentes não se conformam, defendendo que o princípio da prioridade do registo (artigo 6º do Código do Registo Predial) não pode prevalecer sobre o direito de propriedade inscrito a favor dos terceiros réus, uma vez que estes são terceiros de boa fé nos termos conjugados dos artigos 291º do Código Civil e 17º nº 2 do Código do registo Predial.
            Não se questiona a correcção do afirmado na decisão de que, procedendo a impugnação parcial da justificação notarial, a venda que os primeiros RR fizeram à segunda ré e a que esta fez aos terceiros réus foi uma venda de bens alheios, porque venderam aquilo de que não eram donos; tratou-se de uma venda de bens alheios, nula portanto – artigo 892.º do CC.
      E depois de discorrer sobre a não aplicação do art.º 291.ºdo CC com os fundamentos já supra elencados nas alegações atrás transcritas, veio a concluir-se no dispositivo pela “ineficácia “ da justificação.
    E é efectivamente pela figura da ineficácia que passa, a nosso ver, a resolução do problema. Pese embora esse não tenha sido o caminho percorrido pela decisão recorrida, acabou por concluir no correcto sentido: “ineficácia”.
Vejamos
            Não acompanhamos a posição tomada na decisão recorrida, quando afasta a aplicação do art.º 291.º, por decorrência da aplicação das regras de registo predial.
É entendimento aceite que o disposto no artigo 291º, do CC, ao regular as consequências decorrentes da nulidade ou anulação de negócio jurídico sobre imóveis, se aplica apenas e tão-só nas relações entre o alienante e o adquirente, sendo que o conceito de “terceiro”, aludido neste preceito, não se confunde com o conceito restrito de “terceiro”, para efeitos de registo predial.
Como se sumaria no Ac. do STJ  de 2007/6/21, proc. 07B1847, relatado pelo Cons. Salvador da Costa “: 1. O conceito de terceiro a que se refere o artigo 291º do Código Civil, motivado pela ideia de estabilidade das situações jurídicas, pressupõe a sequência de nulidades e o conflito entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente, e é diverso do conceito de terceiro para efeito de registo a que se reporta o artigo 5º, nº 1, do Código do Registo Predial.”
O terceiro aquirente de boa fé plasmado no art.º 291.º apenas fica protegido da eficácia retroactiva da nulidade ou da anulabilidade de um negócio anterior àquele em que ele, terceiro, interveio.
Exemplifica-se assim no acordão supra citado: “Este último artigo reporta-se, por exemplo, aos casos em que uma pessoa, por contrato afectado de nulidade, vendeu a outra um prédio, e esta última o vendeu invalidamente a outrem. Visa o referido normativo, verificados os pressupostos a que alude, proteger, por exemplo, o referido comprador do efeito da declaração da nulidade do primeiro contrato de compra e venda. O terceiro a que este artigo se reporta é, pois, o sub-adquirente posterior à celebração do primeiro contrato afectado de nulidade por ilegitimidade substantiva, portanto no quadro de aquisição a non domino.”
Esta protecção do art.º 291.º não se estende, assim, ao direito invocado pelos AA, não lhes sendo oponível, porque os AA são alheios a toda esta cadeia de transmissões, feridas de nulidade, ainda que parcial (só abrange o solo).
Como se entendeu na decisão, as vendas descritas foram vendas parcialmente nulas, no tocante ao solo, porque versaram sobre o solo alheio, que era propriedade dos AA e não dos primeiros réus, estes donos apenas das benfeitorias.  
“Existe venda de bens alheios sempre que o vendedor não tenha legitimidade para realizar a venda, como sucede no caso de a coisa lhe não pertencer ou do direito que possuir sobre ela não lhe permitir a sua alienação” – Menezes Leitão, Direito das Obrigações, III, p. 104
Ora, a venda de bens alheios afecta de nulidade as sucessivas cadeias de transmissão, mas em relação aos verdadeiros donos essas transmissões estão afectadas, não pela “nulidade”, mas pela “ineficácia”.
Assim, no nosso caso, as sucessivas disposições que foram feitas sobre o solo são ineficazes em relação aos AA, podendo eles opor o seu direito a quem quer que seja, nomeadamente, aos terceiros de boa-fé.
Neste mesmo sentido, Ac. STJ de 2010/11/16, proc. 42/2001.C1.S1:          
II - A nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz, ou seja, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património, por não poder actuar-se, juridicamente, a transferência do seu direito real.
III - Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda, em relação a ele, é res inter alios acta), este poderá reivindicar a coisa, directamente do comprador, sem ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu a venda e sem necessidade de promover a prévia declaração judicial de nulidade do respectivo contrato.
IV - Sendo o negócio ineficaz em relação ao proprietário, redunda irrelevante a invocação do disposto nos arts. 291.º do CC e 17.º, n.º 2, do CRgP.”
            Sobre o mesmo tema e na distinção entre “nulidade” e “ineficácia” transcreve-se, por elucidativo, em excerto do Ac. do STJ de 29 de Março de 2441/05.8TBVIS.C1.:
“É que, enquanto a nulidade é uma forma de ineficácia, em sentido amplo, pressupondo uma falta ou irregularidade, quanto aos elementos internos ou essenciais do negócio [falta de capacidade, falta ou defeito da declaração de vontade, impossibilidade física ou legal do objecto, ilicitude], a ineficácia, em sentido estrito, baseia-se na falta ou irregularidade de outra natureza[10], não já de uma falta ou irregularidade dos elementos internos do negócio, mas antes de alguma circunstância extrínseca que, conjuntamente com o negócio, integra a situação de facto produtiva de efeitos jurídicos[11] [falta de titularidade do direito de que se dispôs ou onerou, falta de registo relativamente  terceiros, etc.].
Ora, o disposto no artigo 291º, do CC, aplica-se, expressamente, aos casos de declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico, nas relações, tão-só, entre o alienante e o adquirente, institutos esses distintos da ineficácia que, portanto, se encontra fora do seu âmbito de incidência[12
Donde, no caso, os terceiros RR, enquanto “terceiros – adquirentes”, só podiam valer-se da protecção dada pelo art.º 291.º do CC.,  no confronto com os primeiros e segunda RR., mas já não no confronto com os AA.
Tem até vindo a ser entendido que, em face da ineficácia, os donos da coisa nem necessitam de provocar a nulidade das alienações, bastando-lhe tão somente reivindicar a coisa dos terceiros que dela se tenham “apropriado”por via dessas alienações.
Aqui chegados, vemos que não assiste razão aos 3.º RR na sua pretensão de ver o tribunal conferir-lhes a protecção do art.º 291.º em face da reivindicação  formulada pelos AA.
No que toca à posição da quarta recorrente/titular da hipoteca constituida pelos terceiros RR., sobre o prédio, remetemos para o supra citado acórdão do STJ - proc. 42/2001.C1.S1- onde lapidarmente se sumaria:
“I - Para que o devedor (ou terceiro) possa constituir uma hipoteca, sobre um bem imóvel, será indispensável que tenha o poder de dispor dele. Um sujeito não pode constituir hipoteca sobre coisa cuja disposição lhe não caiba – cf. art. 715.º do CC.”
E também o acórdão já supra citado –proc. 2441/05.8TBVIS.C1- com o sumário:
“II - Sendo nula a aquisição do prédio, em consequência de justificação notarial, e, reflexamente, o negócio constitutivo da hipoteca, operado pelo justificante, a favor da CGD, beneficiária da garantia real, no que toca às relações entre aquele e esta, essa hipoteca de coisa alheia é, por sua vez, relativamente aos proprietários do bem onerado pelo non dominus, por se traduzir na oneração de um bem de outrem, res inter alios acta, ou seja, ineficaz, isto é, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património, tudo se passando como se não existisse, independentemente da boa fé do beneficiário do direito real de garantia, o que afasta, quanto ao dono da coisa, os efeitos emergentes da aquisição tabular.”

Pelas razões expostas terão que improceder ambos os recursos.
Tudo visto, acorda-se em julgar improcedentes as apelações, confirmando-se a decisão recorrida embora com fundamentação algo diversa.
Custas pelos recorrentes, em partes iguais.

Lx, 2015/2/26
 

Teresa Soares


Maria de Deus Correia


Teresa Pardal