Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
109187-A/1995.L1-7
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: ALIMENTOS
MENORES
MAIORIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário: A obrigação de alimentos a menor fixada no âmbito de acordo sobre o exercício do poder paternal, homologado pelo tribunal, cessa quando este atinge a maioridade, sem prejuízo do disposto no art.º1880.º do C. Civil.
Estando essa obrigação a ser cumprida através de descontos no vencimento do obrigado a alimentos e não tendo sido fixado termo para esses descontos, deve o tribunal comunicar à entidade o fim dos descontos, não se aplicando ao caso o disposto no art.º 1121.º, n.º 1 do C. P. Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
Nestes autos de execução especial por alimentos requerida por A… contra B.. e relativa a alimentos devidos a C… …e D……, filhas de ambos,
Tendo sido determinado o pagamento dos alimentos por desconto no vencimento que o obrigado a alimentos auferia como professor na escola secundária …, com inicio em fevereiro de 2009 e tendo o processo sido remetido “à conta”, foi no mesmo aposto “visto em correição” em 30/06/2003.
Em 28 de outubro de 2009 a Caixa Geral de Aposentações enviou oficio aos autos dando conhecimento da situação de aposentação do funcionário e inquirindo sobre a continuação dos descontos, agora sobre o montante da pensão.
Notificadas as partes, o obrigado a alimentos informou que mantinha o pagamento dos alimentos apesar de uma das filhas já ter atingido os 19 anos de idade, que já tinha procedido ao pagamento através de conta bancária entre setembro de 2007 e julho de 2008, requerendo, por isso, a cessação da ordem de penhora.
A mãe das alimentandas declarou que a manutenção da prestação de alimentos é imprescindível.
Após vicissitudes processuais várias, o tribunal a quo informou a Caixa Geral de Aposentações que se mantinha o pagamento da pensão de alimentos e, a requerimento do obrigado a alimentos, informou-o que tal decisão foi proferida porque não foi deduzido pedido de cessação da prestação alimentícia, nos termos do art.º 1121.º do C. P. Civil.
Inconformado com essa decisão, o requerente dela interpôs recurso, recebido como agravo, pedindo a revogação do despacho com as legais consequências, formulando as seguintes conclusões:
1.ª Com a maioridade cessa o poder paternal e, consequentemente, extingue-se, também, à obrigação de prestar alimentos fixados a favor dos filhos enquanto menores.
2.ª Se os filhos maiores continuarem a carecer de alimentos, deverão os mesmos intentar nova ação para o efeito, nos termos do art.º 1880.º do Código Civil e 1412.º do CPC.
3.ª A sentença que fixa alimentos na ação de regulação do poder paternal constitui título executivo apenas até à maioridade ou emancipação.
4.ª Pelo que, a partir do momento que as filhas do executado, ora agravante, atingiram a maioridade, as prestações de alimentos fixadas no processo principal não podem ser objeto de consignação de rendimentos, contrariamente ao decidido pelo Tribunal recorrido, por inexistência de título executivo, conforme vasta jurisprudência sobre a matéria.
5.ª Razão pela qual deverá, de imediato, ser ordenada a extinção da execução - que há muito deveria ter sido extinta - deixando de existir descontos diretos na pensão de reforma do executado.
6.ª O art.º 1121° do CPC não tem aplicação ao caso dos autos.
7.ª O despacho recorrido, violou por erro de interpretação e aplicação, entre outros, os art.ºs 1121.º° e 1412.º do CPC e 1880.º do Código Civil, devendo, em consequência, ser revogado.

A agravada contra-alegou pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.
A matéria de facto pertinente é a acima descrita, sendo certo que a questão a decidir se configura, essencialmente, como uma questão de direito.

B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objeto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º, n.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 660.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões do agravo, supra descritas, a questão submetida ao conhecimento deste Tribunal pelo agravante consiste, tão só, em saber se a obrigação de prestação de alimentos, a favor de cada uma das menores e entregues à mãe, cessou com a maioridade de cada uma delas, como pretende o agravante, ou se o pagamento da pensão de alimentos se mantém enquanto não for deduzido pedido de cessação da prestação alimentícia, nos termos do art.º 1121.º do C. P. Civil.
Vejamos.
A obrigação de alimentos a que se reportam os autos é uma obrigação de alimentos a menor, fixada nos termos do disposto nos art.ºs 1877.º, 1878.º, n.º 1 e 1905.º do C. Civil, a qual, embora destinada a prover aos sustento, habitação, vestuário e instrução e educação das menores, filhas de ambos, tem como titular ativo a agravada e titular passivo o agravante, tendo este o dever de a entregar e aquela o direito de a receber.
Tal obrigação, pela sua própria natureza – alimentos devidos a menor – cessa com a maioridade ou emancipação (art.º 1877.º do C. Civil) se não tiver cessado nas condições previstas no art.º 1879.º do mesmo código e sem prejuízo da sua ultra atividade, permitida pelo art.º 1880.º do C. Civil e a que posteriormente nos referiremos.
De facto, o poder paternal é o principal instrumento jurídico de suprimento da incapacidade do menor de dezoito anos (art.º 122.º do C. Civil) o qual tendo personalidade jurídica (art.º 66.º, n.º 1) não tem capacidade para o exercício de direitos (art.º 123.º).
Com a maioridade, ao perfazer dezoito anos, ou com a emancipação, termina a incapacidade do menor (art.º 129.º) e o correspondente instrumento jurídico de suprimento que era o poder paternal, adquirindo o filho plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens (art.ºs 130.º, 131.º e 132.º).
Uma coisa, todavia, é a capacidade jurídica e outra a necessidade de alimentos, que poderá subsistir, o que acontece desde há muito, com estatuto de regra geral e com tendência a prolongar-se pela idade adulta.
Mas, neste caso, os alimentos a que haja lugar decorrem não já do instituto do poder paternal e da sua regulação em caso de divórcio ou separação dos progenitores, mas da obrigação geral de alimentos estabelecida pelo art.º 2009.º, n.º 1, al. c) do C. Civil.
A correspondente obrigação de alimentos terá, neste caso, como titular ativo o próprio alimentando, que a receberá, e como titulares passivos os progenitores, sendo a medida da obrigação, de cada um deles, estabelecida nos termos do art.º 2010.º, em principio em partes iguais (n.º 1), mas atendendo às possibilidades de cada um (n.º 2), em aplicação da regra geral estabelecida pelo art.º 2004, n.º 1 e cessando nos casos tipificados no art.º 2103.º.
Os termos da fixação da prestação de alimentos serão, neste caso, os termos usuais de exercício de qualquer direito ou assumpção de qualquer obrigação, ou seja, de forma voluntária por acordo entre os respetivos titulares, ou pela via coerciva com a formulação do respetivo pedido em tribunal.
O art.º 1880.º do C. Civil estabelece, contudo, uma via mais expedita em matéria tão importante como esta da subsistência e da solidariedade no âmbito da família restrita, permitindo ao filho que atingiu a maioridade ou se emancipou manter a prestação de alimentos pelo tempo normalmente requerido para completar a sua formação profissional.
Não abordaremos aqui, por desnecessária, a questão de saber se nas condições atuais da vida em sociedade, em especial no que respeita à ausência de emprego para os jovens adultos, o preceito em causa não permitirá uma interpretação extensiva ou mesmo uma aplicação analógica relativamente a outras situações, que não o mero completar da formação profissional.
Da interpretação do preceituado neste art.º 1880.º na unidade do sistema jurídico, em especial, os preceitos citados no que respeita à incapacidade do menor até perfazer os dezoito anos, e à aquisição da sua capacidade e consequente extinção do poder paternal a partir dessa data, podemos extrair, com segurança, três proposições que se nos afiguram importantes para a decisão do litigio sub judice.
A primeira é que a continuidade da obrigação tem de ser requerida e com a alegação do fundamento que suporta o pedido de continuidade da prestação alimentar.
A segunda é que os titulares da obrigação que se mantém são, agora, o alimentando que atingiu a maioridade, e o obrigado a alimentos[1].
A terceira é que a medida da obrigação se mantém nas condições anteriores, sem prejuízo de eventual pedido de alteração.
A obrigação de alimentos que decorre deste preceito não é uma obrigação totalmente nova, diversa da anterior, mas dela se distingue pela titularidade ativa, que agora pertence ao menor e não ao progenitor que antes a recebia.
E não pode ser requerida pelo progenitor depois da maioridade do alimentando, nem fixada oficiosamente pelo tribunal[2], neste caso, por a tanto não conduzirem as características próprias dos processos de jurisdição voluntária.
No caso sub judice, como resulta do nosso relatório supra, as menores C … e D…, filhas do agravante e da agravada, deixaram de o ser, atingindo a maioridade, e o tribunal a quo manteve a entrega da prestação de alimentos à mãe como se tal não tivesse acontecido, sendo certo que não foi feito nestes autos e não o terá sido também no processo principal (de que este é apenso), em que foi homologado o acordo de alimentos, o requerimento exigido pelo art.º 1880.º do C. Civil, quer pela agravada, imediatamente antes de as menores terem atingido a maioridade, quer pelas alimentandas uma vez atingida. 
Não existe, pois, fundamento para a manutenção da prestação de alimentos[3] e muito menos para a sua entrega à agravada, tanto mais que, como dos autos consta, o agravante não deixou de entregar alimentos às filhas no período que medeia entre a passagem à aposentação e o reinicio dos descontos por parte da Caixa Geral de Aposentações (CGA).
Com esta atuação, para além da ilegalidade já demonstrada[4], corremos o risco de potenciar conflito familiar onde ele não existe, como resulta da própria pretensão de recurso, limitada à cessação dos descontos.
Este processo, embora sem despacho de arquivamento proferido por juiz, depois de ter ido à conta, encontrava-se arquivado com “visto em correição” desde 30/06/2003 e nessa situação deveria ter continuado.
Apesar de, a partir dessa data, a prestação de alimentos ter continuado a ser feita através de descontos no vencimento do agravante, vislumbramos alguma dificuldade conceptual em defender que a execução se mantém (com o processo arquivado) porque o ato em causa, não determinando qualquer atividade do tribunal nem o respetivo pagamento de custas, é também usualmente adotado como simples forma expedita de cumprimento voluntário da obrigação.
Queremos com isto dizer, tão só, que não subsiste razão à decisão sob recurso quando invoca o art.º 1121.º, n.º 1 do C. P. Civil como fundamento para manter os descontos a favor da agravada, desde logo, pelo argumento de razoabilidade (ou falta dela) que permitiria manter a prestação de alimentos (a menor) indefinidamente[5] mas, essencialmente, pelo campo de aplicação do preceito processual em causa, que dever ser interpretado no sentido de determinar uma forma de tramitação processual (por apenso) para os pedidos de cessação ou alteração da prestação alimentar, quando devam ser feitos, e não de exigir a formulação de um pedido para que a obrigação de alimentos a menor, que cessa ipso facto quando este atinge a maioridade, como acima referimos, realmente cesse.
A própria tramitação – por apenso – inculca a ideia de que se trata de uma apreciação substancial de um pedido cessação ou alteração da prestação alimentar e não de uma formal constatação de que o menor deixou de o ser.
Nesta última situação, não é o obrigado a alimentos que deve formular o pedido de cessação, mas sim o tribunal a quo que, ao ordenar os descontos no seu vencimento, deve indicar o respetivo termo, ou seja, até quando devem ser feitos.
Tendo sido omitido tal ato, o tribunal a quo deveria ter ponderar a subsistência da obrigação de alimentos e a continuidade dos descontos, pelo menos, em ato seguido ao oficio interpelativo recebido da CGA, decidindo em conformidade com a ausência de título executivo e de requerimento apresentado ao abrigo do disposto no art.º 1880.º do C. Civil.
Ora, o tribunal a quo inverteu os termos da questão, lançando sobre o agravante o ónus processual de requerer a cessação dos descontos quando sobre ele impendia o dever de os confinar à própria obrigação de alimentos.
Mas, ainda que assim não fosse e o preceito em causa exigisse, afinal, a formulação de um pedido por parte do obrigado a alimentos, quando o agravante se pronunciou sobre o oficio da CGA pedindo a cessação dos descontos, deveria o tribunal a quo ter determinado o prosseguimento da forma processual que entendia ser a própria, em observância do principio de aproveitamento dos atos processuais aflorado, entre outros, pelos art.ºs 138.º, n.º 1, 199.º, n.º 1 e 265.º- A do C. P. Civil.
Não o fez, e a nosso ver bem, porque a cessação da obrigação de alimentos e dos consequentes descontos ocorre pelo simples atingir da maioridade, sem necessidade de qualquer apreciação de mérito, não tendo a obrigação ultra atividade relativamente ao título executivo que, no caso, é o acordo sobre o poder paternal oportunamente homologado.
Procede, pois, o agravo uma vez que a obrigação de alimentos relativa a cada uma das menores, não tendo sido feito o requerimento determinado pelo art.º 1880.º do C. Civil, cessou na data em que cada uma delas perfez dezoito anos.
Em consequência, não podemos deixar de revogar o despacho recorrido, o qual será substituído por outro que determine a imediata cessação dos descontos na pensão de aposentação do agravante.

C) EM CONCLUSÃO.
A obrigação de alimentos a menor fixada no âmbito de acordo sobre o exercício do poder paternal, homologado pelo tribunal, cessa quando este atinge a maioridade, sem prejuízo do disposto no art.º1880.º do C. Civil.
Estando essa obrigação a ser cumprida através de descontos no vencimento do obrigado a alimentos e não tendo sido fixado termo para esses descontos, deve o tribunal comunicar à entidade o fim dos descontos, não se aplicando ao caso o disposto no art.º 1121.º, n.º 1 do C. P. Civil.

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido, o qual será substituído por outro que determine a cessação imediata dos descontos na pensão do agravante.
Custas pela agravada.

Lisboa, 6 de março de 2012.

Orlando Nascimento
Ana Resende
Dina Monteiro

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.
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[1] E isto apesar de o art.º 1412.º, n.º 1, do C. P. Civil, neste caso, mandar seguir, com as devidas adaptações, o regime previsto para os menores.
[2] Em sentido contrário, mas sem suporte factual no caso destes autos, o acórdão do STJ de 6/7/2005.
[3] Cfr. no sentido por nós propugnado, entre outros, os acórdãos do STJ de 13/7/2010, 22/4/2008, 31/5/2007, 23/01/2003, desta relação de 29/9/2011, 10/9/2009, 6/5/2008 e 25/5/2004, da relação de Évora de 28/9/2006, da relação do Porto de 26/1/2004, todos em dgsi.pt.
[4] Em sentido contrário, cfr. entre outros, por si e pela ampla citação de doutrina, Remédio Marques, Algumas Notas sobre alimentos, pág. 299 e de novo em Obrigação de Alimentos e Registo Civil, pág. 28 e nota 21 onde defende que as causas de cessação da obrigação de alimentos são apenas as do art.º 2013.º do C. Civil e que teve acolhimento no acórdão da relação de Coimbra de 3/5/2011, in dgsi.pt.
[5] Assim inutilizando, também, o disposto no art.º 1880.º.