Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
14468/19.8T8LSB.L1-2
Relator: PAULO FERNANDES DA SILVA
Descritores: DETENÇÃO INJUSTIFICADA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A detenção em flagrante delito por autoridade policial supõe o cometimento de um crime ou, pelo menos, a existência de fortes indícios do seu cometimento.
2. O Estado responde civilmente pelos prejuízos causados por detenção injustificada levada a cabo por agente de autoridade, no exercício das suas funções e por causa desse exercício.
3. Sob pena do Estado responder igualmente naqueles termos, a apresentação pelo Ministério Público de um arguido a julgamento no âmbito de um processo sumário pressupõe, além do mais, que do respetivo expediente conste «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena».
4. No caso em apreço, a detenção injustificada do ora A. e a sujeição do mesmo a julgamento em processo sumário, sem indicação dos factos integrantes do denominado tipo objetivo de ilícito do crime de injúria agravada que lhe era imputado, fundamentam a condenação do Estado no pagamento de uma indemnização de € 5.000,00, pelos apurados danos morais causados ao A.
5. A atualização da indemnização por danos não patrimoniais reporta-se à data da prolação da sentença de 1.ª instância, pelo que os juros moratórios são devidos desde então.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I.
RELATÓRIO.
FL propôs ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o ESTADO PORTUGUÊS pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, por danos morais, alegadamente decorrentes de detenção injustificada e indevida sujeição a julgamento em processo sumário.
Os autos prosseguiram seus termos e, em 03.03.2021, por sentença, a ação foi julgada procedente e o Estado Português, enquanto Réu, foi condenado a pagar ao Autor a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos mil euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
Notificado daquela decisão, o Estado Português veio dela recorrer, apresentando as seguintes conclusões:
«1- Na sentença de que ora se recorre verifica-se a existência de uma contradição entre o facto constante do ponto 6 e o facto constante do ponto 26 da matéria de facto provada;
2- Os supra identificados dois factos estão, claramente, em contradição entre si, sendo incongruentes, pois que a conduta do Autor para com os Srs. Inspectores do SEF não integra as concretas funções que o mesmo desempenhava no Aeroporto de Lisboa, tal como resulta do facto constante do ponto 26 da matéria de facto provada;
3- A decisão do Tribunal a quo relativamente aos aludidos dois factos levou a uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto;
4- A contradição existente entre os referidos factos conduz, necessariamente, à nulidade da sentença, ao abrigo do disposto no artigo 615º, n.º 1, al, c) do Código de Processo Civil, a qual expressamente se invoca;
5- O Tribunal a quo, no que concerne ao ponto 5 dos factos não provados e ao ponto 58 dos factos provados, julgou como provada e não provada a mesma factualidade, constando de ambos os pontos da matéria de facto que o ora autor no processo sumário n.º …/….3 ZFLSB foi absolvido por se ter considerado a acusação deduzida pelo Ministério Público improcedente, por não provada;
6- A decisão do Tribunal a quo, relativamente à aludida matéria de facto é incongruente, contraditória entre si, o que levou a uma errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto;
7- Verifica-se, igualmente, uma clara contradição entre a aludida matéria de facto (ponto 5 dos factos não provados e ponto 58 dos factos provados) e a fundamentação da matéria de facto;
8- Tendo entendido o Tribunal a quo, na fundamentação, que o ora Autor foi absolvido no âmbito do supra identificado processo sumário, não porque não foram julgados provados os factos constantes da acusação, mas sim porque o Tribunal considerou que tais factos não integravam a prática de um crime, conclui-se que esta conclusão está em manifesta contradição com a aludida matéria de facto constante do ponto 58 da matéria de facto provada e constante do ponto 5 da matéria de facto não provada;
9- Existindo contradição sobre a mesma factualidade e, ainda, oposição entre os fundamentos e a decisão sobre a matéria de facto, padece a sentença proferida pelo Tribunal a quo do
vício de nulidade, nos termos do disposto no artigo 615º, n.º 1, al. c) do CPCivil, a qual expressamente se invoca;
10- Ainda que assim não se entenda, sem conceder, entende o Ministério Público que alguns concretos factos da matéria de facto provada e não provada foram incorrectamente julgados, como infra se descreverá, impugnando-se assim a decisão sobre a matéria de facto (artigo 640º do CPC);
11- No que concerne ao ponto 14. da matéria de facto assente, entendemos que o mesmo deveria ter sido considerado não provado, atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento;
12- Na verdade, dos depoimentos prestados pelas testemunhas RM e JR, ambos Inspectores do SEF, resulta que RM não chegou a ultrapassar a passagem que se encontrava vedada, entrando na área restrita e, consequentemente, que tenha ignorado a advertência do Autor;
13- Resulta dos depoimentos das aludidas testemunhas que a abordagem do Autor deu-se no momento em que os Srs. Inspectores se encontravam a passar no local onde se efectua o rastreio de passageiros em trânsito para voos com destino a Países Não Schengen;
14- No que concerne ao ponto 16. da matéria de facto assente, entendemos que o mesmo não deveria ter sido considerado provado na sua totalidade, atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento;
15- Na verdade, dos depoimentos prestados pelas testemunhas RM e JR, ambos Inspectores do SEF, e do depoimento prestado pelo próprio Autor e, bem assim, do depoimento prestado pela testemunha AE, resulta que o Inspector RM pediu/solicitou ao Autor que o acompanhasse às instalações do SEF, e não que o tenha exigido;
16- O aludido facto, nomeadamente, no segmento “exigindo ao A. que o acompanhasse às instalações do SEF para que fosse encaminhado para o Tribunal” deveria ter sido julgado como não provado, sendo que o Tribunal a quo deveria ter considerado como provado apenas: 16: “Em resposta, o Inspector do SEF dirigiu-se ao A. e após declarar “Isto vai ter de acabar e vai acabar hoje mesmo”, ergueu o cartão de livre trânsito e disse ser Inspector do SEF e chamar-se RM”;
17- No que concerne ao ponto 17. da matéria de facto assente, entendemos que o mesmo deveria ter sido considerado não provado, atenta a prova produzida em sede de audiência de julgamento;
18- Na verdade, do depoimento prestado pela testemunha AE, das declarações prestadas pelo próprio Autor e, bem assim, do depoimento prestado pela testemunha RM resulta que o contacto com o COSA por parte do Autor foi permitido;
19- No que concerne aos pontos 18. e 22. da matéria de facto assente, entendemos que da prova produzida em sede de audiência de julgamento não resultam provados, na íntegra, tais factos;
20- Quanto à alegada insistência por parte de RM e, ainda, ao facto do Autor ter-se visto, alegadamente, obrigado a acompanhá-lo às instalações do SEF, entendemos, pelos exactos fundamentos supra expendidos relativamente ao facto 16. da matéria de facto assente, que tal factualidade não se encontra provada;
21- Das declarações prestadas pelo próprio Autor e do depoimento prestado por RM, resulta evidente que, desde o momento em que foi dada voz de detenção ao Autor até à sua libertação, decorreram seguramente menos de quatro horas;
22- Acresce que o Tribunal a quo julgou como provada a factualidade constante do ponto 48. da matéria de facto assente;
23- De onde resulta que o facto constante do ponto 18. dos factos provados, deveria ter sido considerado como não provado;
24- Quanto ao facto provado 22., o segmento “O Autor esteve nas instalações do SEF entre as 7.50 horas” deveria ter sido considerado não provado e apenas provado que “O Autor esteve nas instalações do SEF até que, pelas 12h00m, o Inspector permitiu que este abandonasse o local”;
25- A factualidade constante dos pontos 20. e 21. da matéria de facto provada deveria ter sido julgada como não provada, tendo sido incorrectamente julgada como provada;
26- Com efeito, apresentando o Inspector RM e o Autor, em sede de audiência e julgamento, versões distintas quanto à aludida factualidade, e não tendo essa mesma factualidade sido presenciada por qualquer outra testemunha, sempre permanecia a dúvida, pelo que não poderia o Tribunal a quo, sem mais e baseando-se apenas no depoimento do autor, desvalorizando o depoimento da testemunha RM, julgar tal factualidade como provada;
27- O ponto 24. dos factos provados no segmento “O Inspector do SEF sabia que o Autor estava a exercer as suas funções e mesmo assim deteve o Autor (…) e o ponto 27. dos factos provados, deveriam ter sido julgados como não provados, tendo sido incorrectamente julgados como provados pelo Tribunal a quo;
28- Dos depoimentos prestados pelos Srs. Inspectores RM, JR e AH, resulta evidente que RM considerou que a conduta/actuação do Autor não integrava as suas concretas funções de vigilante/segurança e que, com a sua actuação, ultrapassou as suas funções, colocando em causa a autoridade, legitimidade e, bem assim, as concretas competências do SEF;
29- Quanto à restante factualidade do ponto 24. dos factos provados, com excepção do aludido segmento referido em 28, bem andou o Tribunal a quo ao considerá-la como provada;
30- A factualidade constante dos pontos 32 a 37 da matéria de facto assente, deveria ter sido considerada como não provada, tendo sido incorrectamente julgados como provados pelo Tribunal a quo;
31- Entendemos que das declarações do próprio Autor e do depoimento da testemunha AE não resulta que aquele tenha sido humilhado, inferiorizado e vexado em frente aos seus colegas ou demais passageiros que no local se encontrassem;
32- Os alegados sentimentos descritos pelo Autor não foram corroborados pelas testemunhas AA, PC, OL, todas inquiridas em sede de audiência de julgamento;
33- Os relatos que estas testemunhas fizeram relativamente ao estado de espírito do Autor não são compatíveis com a factualidade que o Tribunal a quo julgou como provada;
34- Quanto ao alegado impedimento do autor se deslocar à casa-de-banho (ponto 33 dos factos provados), entendemos, pelos exactos fundamentos supra expendidos relativamente aos factos 20 e 21 da matéria de facto assente, que tal factualidade não se encontra provada;
35- A versão apresentada pelo Autor não tem qualquer suporte na prova testemunhal, documental ou pericial, não sendo a mesma, manifestamente, suficiente para se considerar como provados os aludidos factos (32 a 37 dos factos provados);
36- Os pontos 1, 2 e 3 dos factos não provados deveriam ter sido julgados como provados, tendo sido incorrectamente julgados como não provados pelo Tribunal a quo;
37- Dos depoimentos prestados pelos Srs. Inspectores RM e AH resulta evidente que o Autor não reconheceu os Srs. Inspectores do SEF como agentes de autoridade e órgãos de polícia criminal, tendo colocado em causa a qualidade de agente de autoridade e órgão de polícia criminal do Inspector RM, ofendendo a credibilidade, prestígio, confiança e honra devidos ao SEF;
38- O Inspector RM sentiu-se injuriado e coagido pelo Autor no sentido criminal dos termos, motivo pelo qual procedeu à sua detenção e remeteu o competente auto de notícia ao Ministério Público, por forma a que a conduta do Autor fosse apreciada judicialmente;
39- O ponto 4 dos factos não provados deveria ter sido julgado como provado pelo Tribunal a quo, resultando do depoimento do Sr. Inspector RM que o mesmo se sentiu injuriado com a conduta do Autor, tendo solicitado ao mesmo que o acompanhasse às instalações do SEF por forma a elaborar o respectivo expediente;
40- Tal facto resulta igualmente do auto de notícia elaborado pelo SEF no dia 12 de Julho de 2018 e que deu início ao processo n.º …/…3 ZFLSB (cfr. certidão junta com a contestação apresentada pelo Ministério Público);
41- No que concerne ao ponto 6 dos factos não provados, entendemos que o mesmo deveria ter sido julgado como provado, atento o depoimento da testemunha RM, o qual foi bastante credível e compatível com as regras da experiência comum, tendo tal facto sido incorrectamente julgado como não provado pelo Tribunal a quo;
42- As testemunhas AA, PC, CP, LS, não presenciaram os factos em causa nos presentes autos, pelo que o Tribunal a quo não poderia valorar o depoimento das mesmas no sentido em que o fez, nomeadamente, para formar a sua convicção quanto à dinâmica dos acontecimentos ocorridos no dia 12 de Julho de 2018;
43- Ocorreu, por parte do Tribunal a quo, uma errada apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento e, bem assim, uma errada valoração desta mesma prova, a qual nunca poderia fundamentar a decisão da matéria de factos pelo Tribunal a quo, como fundamentou;
44- Impugna-se expressamente a matéria de facto dada por assente, em concreto, os factos dados como assentes na sentença sob os pontos 14, 16, 17, 18, 20, 21, 22, 24, 26, 27, 32, 33, 34, 35, 36, 37, bem como os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6 dos factos considerados não provados, entendendo-se que houve errada apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento;
45- Impondo-se, nesta parte, a revogação da matéria de facto impugnada;
46- A solução jurídica da causa merece igualmente censura por parte do Ministério Público, atentas as contradições supra mencionadas e a errada valoração da matéria de facto efectuada pelo Tribunal a quo;
47- Resulta da Lei Orgânica do SEF, aprovada pelo DL n.º 240/2012, para além do mais, que o SEF é um serviço de segurança que tem por objectivos fundamentais controlar a circulação de pessoas nas fronteiras e, bem assim, a permanência e actividades de estrangeiros em território nacional;
48- Compete ao SEF, entre outras funções, vigiar e fiscalizar nos postos de fronteira, incluindo na zona internacional dos portos e aeroportos, a circulação de pessoas;
49- Os Inspectores do SEF, desde que devidamente identificados, têm direito de livre acesso a todos os locais, nomeadamente aeroportos, fazendo-se a sua identificação através de cartão livre trânsito ou através de crachá;
50- O direito de livre acesso dos Inspectores do SEF não pode ser cerceado se e quando os mesmos se encontrem devidamente identificados e em exercício de funções;
51- As funções da ANAC (Autoridade Nacional da Aviação Civil) são distintas das funções do SEF nos aeroportos, porquanto aquela entidade regula, supervisiona e fiscaliza a execução e cumprimento das normas de protecção da aviação civil contra actos de interferência ilícita, estando responsável por garantir a segurança física das infra-estruturas do aeroporto e das pessoas que aí circulam;
52- Consideramos que não estão preenchidos os pressupostos constantes do disposto no artigo 225º, n.º 1, al. b) e c) do CPPenal, não sendo deste modo o Réu Estado Português civilmente responsável pela obrigação de indemnizar o autor;
53- Estamos perante uma norma que, embora inserida em diploma processual, assume natureza substantiva, densificando a obrigação constitucional prevista no art. 27.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa: a privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer;
54- Resulta da alínea b), do n.º 1 do artigo 225º, do Código de Processo Penal, que se considera que o Estado tem a obrigação de indemnizar sempre que a privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia;
55- Entendemos que não se verifica a existência de qualquer erro grosseiro por parte do Inspector do SEF, tendo a detenção por si realizada sido legal, não se encontrando, assim, preenchida a previsão constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 225º do CPPenal;
56- Da factualidade em apreço encontrava-se suficientemente indiciada a prática, por parte do autor, de um ilícito criminal punível com pena de prisão, mostrando-se devidamente preenchidos os pressupostos de facto e de direito necessários para legitimar a detenção do autor por parte do Sr. Inspector do SEF;
57- Decorre do artigo 13º, n.º 1, da Lei 67/2007 de 31.12, que a responsabilidade civil do Estado apenas ocorre quando fundada em erro judiciário manifesto, patente, crasso, decorrente de culpa grave do julgador;
58- Da factualidade em apreço nos autos e da prova documental, designadamente da certidão extraída do processo n.º …/….3 ZFLSB, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, não se vislumbra que o despacho proferido pelo magistrado do Ministério Público tenha violado qualquer preceito legal ou padeça de qualquer vício de nulidade ou ilicitude;
59- Inexiste qualquer facto ilícito ou qualquer violação da lei por parte do Magistrado do Ministério Público, o qual interpretou correctamente as normas de direito e de valoração jurídica dos factos que lhe foram apresentados pelo SEF, inexistindo qualquer erro, muito menos grosseiro, ostensivo ou palmar;
60- O digno Magistrado do Ministério Público, analisou o expediente que lhe foi apresentado pelo SEF e, após ter considerado que os factos constantes no auto de notícia eram susceptíveis de configurar a prática de um crime de injúria por parte do autor, deduziu a respectiva acusação;
61- Ao abrigo da possibilidade legal conferida pelo disposto no art. 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o Magistrado do Ministério Público proferiu despacho, completando a factualidade constante do auto de notícia;
62- O magistrado do Ministério Público não cometeu qualquer facto ilícito, tendo cumprido um dever a que se encontrava e encontra constitucional, legal e estatutariamente vinculado e que consiste no exercício da acção penal;
63- Da análise ao expediente remetido pelo SEF conclui-se que se encontrava suficientemente indiciada a prática, por parte do ora autor, de um ilícito criminal, não se vislumbrando que o acto praticado pelo magistrado do Ministério Público mereça qualquer censura;
64- O seu despacho não foi colocado em crise pela Meritíssima Juiz de Direito, tendo sido recebida a acusação deduzida pelo Ministério Público, sendo que tal acto praticado pela Meritíssima Juiz de Direito não foi impugnado nem posto em crise pelo ora autor;
65- Não se verificando a prática de qualquer erro, muito menos grosseiro, por parte do magistrado do Ministério Público, inexiste qualquer responsabilidade civil por parte do Réu Estado Português, sendo que a presente acção deveria ter sido ser julgada totalmente improcedente e o Réu absolvido;
66- Não se encontram verificados os danos não patrimoniais alegados pelo autor, bem como inexiste qualquer nexo de causalidade entre os alegados danos não patrimoniais sofridos e os factos em apreço nestes autos praticados pelo magistrado do Ministério Público;
67- Inexistem factos ilícitos geradores da responsabilidade do Réu;
68- De acordo com o disposto no artigo 496º do Código Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito;
69- A obrigação de indemnizar depende ainda da comprovação do respectivo nexo de causalidade entre os factos ilícitos e os danos não patrimoniais sofridos;
70- Os factos sob os artigos 32 a 37 dos factos provados, deveriam ter sido julgados como não provados, por total ausência de prova que corroborasse o depoimento apresentado pelo Autor;
71- Sem conceder e apenas por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que os alegados sentimentos de ansiedade, amedrontamento e demais factualidade elencada nos aludidos artigos dos factos provados, não consubstanciam danos não patrimoniais que atinjam o patamar de gravidade suficiente que seja merecedora de tutela judiciária;
72- O montante em que o Réu Estado Português foi condenado a pagar ao Autor, 7.500,00€, é manifestamente excessivo face aos danos que o Tribunal a quo entendeu julgar como provados;
73- Para efeitos de cálculo da indemnização, eventualmente, devida, a mesma deverá sempre ser fixada equitativamente, tendo por critério o que resulta do disposto nos artigos 496º, n.º 4 e 494º do Código Civil;
74- Quanto aos juros eventualmente devidos, apenas poderão ser contabilizados a partir da data do trânsito em julgado da decisão, momento em que incorreria o Réu Estado Português na obrigação de indemnizar;
75- Não sendo manifestamente o caso, por entendermos não estarem provados danos não patrimoniais sérios, devendo também, neste concreto ponto, ter sido julgada improcedente a pretensão do Autor e, consequentemente, absolvido o Réu Estado Português do pedido;
76- Violou, assim, o tribunal a quo as normas ínsitas nos artigos 27º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, 615, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil, artigos 225º e 226º do Código de Processo Penal, artigo 13º, n.º 1 da Lei 67/2007 de 31.12, artigos 494º e 496º do Código Civil;
77- Assim, pelas razões supra elencadas, com o devido respeito, a douta sentença não deverá ser mantida, devendo ser declarada a nulidade da mesma e, bem assim, revogada e substituída por outra sentença que julgue totalmente improcedente, por não provada, a presente acção, absolvendo-se o Réu Estado Português dos pedidos contra si formulados.
Pelo exposto, entendemos que julgando procedente o recurso interposto na sua totalidade será feita justiça. V. Exas., porém, decidirão conforme for de Direito e Justiça».
Notificado do recurso, o Recorrido, FL, respondeu ao mesmo, tendo concluído no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre ora apreciar e decidir.
II.
OBJETO DO RECURSO.
Atento o disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPCivil, as conclusões do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo do conhecimento de questões que devam oficiosamente ser apreciadas e decididas por este Tribunal da Relação.
Nestes termos, atentas as conclusões deduzidas pelo Recorrente, no presente recurso estão em causa:
· A alegada nulidade de sentença relativa a invocadas contradições entre factos provados e entre um destes e um facto dado como não provado pelo Tribunal recorrido;
· O mencionado erro de julgamento quanto aos factos dados como provados, bem como no que respeita aos factos dados como não provados;
· A responsabilidade civil do Recorrente por alegada detenção injustificada do Recorrido e indevida sujeição do mesmo a julgamento em processo sumário.
Assim.
III.
DA ALEGADA NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA.
(conclusões 1 a 9).
O Recorrente invoca o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPCivil, referindo que a sentença recorrida padece de nulidade por haver contradição na decisão de facto.
Vejamos.
O referido preceito legal dispõe que a sentença «é nula» quando «[os] fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
Em causa está a desconformidade entre a motivação da decisão e esta, bem como a existência de uma ambivalência na decisão, tornando-a impercetível.
Com refere Francisco Manuel Lucas Ferreira  de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, edição de 2019, página 436, em causa está «um vício lógico da sentença», «um erro lógico discursivo em termos de obtenção de um determinado resultado – contradição ou oposição real».
«Diz-se que a sentença padece de obscuridade quando algum dos seus passos enferma de ambiguidade, equivocidade ou de falta de inteligibilidade; de ambiguidade quando alguma das suas passagens se presta a diferentes interpretações ou pode comportar mais do que um sentido, quer na fundamentação, quer na decisão; de equivocidade quando o seu sentido decisório se perfile como duvidoso para um qualquer destinatário normal. Mas só ocorre esta causa de nulidade constante do 2.º segmento da al. c) do nº 1 do artº 615º, se tais vícios tornarem a “decisão ininteligível” ou incompreensível».
Na situação vertente.
O Recorrente coloca em crise os factos dados como provados sob os n.ºs 6 e 26, bem como o facto dado como provado sob o n.º 58 e o dado como não provado sob o n.º 5, por alegada contradição entre os mesmos.
Coloca, pois, em causa a decisão de facto em si mesma.
Ora, tal alegado vício não se reconduz à pretendida nulidade de sentença, mas antes à sua anulação se a sentença não for modificável pela Relação nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPCivil.
Ou seja, a invocada contradição da decisão de facto remete-nos para a impugnação de tal decisão e deve ser apreciada e decidida nesse domínio, não se compaginando com a invocada nulidade de sentença, termos em que a mesma deve ser julgada improcedente, sem prejuízo de se avaliar a invocada contradição factual no domínio da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, aspeto que de seguida se encetará.
IV.
DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO.
(conclusões 1 a 45).
Nos termos do artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), do CPCivil, «[a] Relação pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa», sendo que «[a] Relação deve ainda, mesmo oficiosamente, [a]nular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta».
Por sua vez, o artigo 640.º do CPCivil confere ao Recorrente, caso impugne a decisão de facto, o ónus de «especificar «[o]s concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados», «[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida» e «[a] decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnados».
No caso em apreço o Recorrente cumpriu tal ónus, pelo que importa ora apreciar da justeza da impugnação por ele efetuada.
Assim.
1. No que respeita à alegada contradição quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 6 e 26.
(conclusões 1 a 4).
A decisão recorrida deu como provado com os n.ºs 6 e 26 o seguinte:
«6. Estas funções de controlo de acesso de pessoas são exercidas ao longo dos pórticos de rastreio e segurança existentes no Aeroporto de Lisboa, sendo alocado 4 vigilantes por pórtico, desempenhando cada um deles funções distintas: loader (verificação do cartão de embarque de cada passageiro e primeiro controlo de transporte de líquidos ou artigos considerados perigosos e/ou proibidos de acordo com o Regulamento EU 2015/1998 da Comissão, de 5.11.2005), raio x (rastreio de objetos proibidos ínsitos na bagagem de mão do passageiro através da utilização do aparelho raio x), pórtico (acompanhamento da passagem singular do passageiro pelo pórtico de segurança e eventual revista manual), e verificação e abertura de bagagem rastreada (após precedente verificação ou suspeita de objeto proibido na bagagem do passageiro), devendo um deles cumular as funções de Chefe de Grupo».
«26. O A. actuou em conformidade com os deveres que lhe são exigidos contratualmente».
Com o devido respeito não se vislumbra qualquer contradição.
O facto dado como provado com o n.º 6 refere-se às funções dos Vigilantes Aeroportuários ou APA, Assistentes de Portos e Aeroportos, em geral, ao passo que o facto 26 decorre do constante dos factos dados como provados sob os n.ºs 1 a 12, 15, 40, 41, 43 e 45 tendo natureza conclusiva, pois constitui uma decorrência de tais factos, estando em absoluta coerência com os mesmos.
Dada tal natureza conclusiva, a sua inserção na factualidade dada como provada revela-se, por isso, impertinente, sabendo que da mesma devem constar factos e tão-só factos, termos em que, por isso, importa manter o facto dado como provado sob o n.º 6 e eliminar da matéria de facto dada como provada o indicado facto n.º 26, renumerando a factualidade apurada em conformidade.
A sua eliminação decorre, pois, da sua natureza conclusiva; não da alegada contrariedade.
2. Quanto à pretendida contradição entre o facto provado sob o n.º 58 e o facto dado como não provado sob o n.º 5.
(conclusões 5 a 9).
A decisão recorrida deu como provado sob o n.º 58 que:
«58. Pelas 12h11m do dia 27 de Julho de 2018, realizou-se a audiência de discussão e julgamento do processo sumário n.º …/….3ZFLSB, tendo a final, sido oralmente proferida de imediato sentença, tendo o Tribunal julgado a acusação improcedente, por não provada e, em consequência, decidido absolver o aí arguido da prática do crime que lhe era imputado.
E deu como não provado sob o n.º 5 que:
«5. Conforme decorre do CD áudio contendo a gravação integral da audiência de discussão e julgamento realizada no âmbito do processo sumário n.º …/….3ZFLSB e que se junta aos autos na presente data, o aí arguido veio a ser absolvido por não se ter provado a prática dos factos que lhe eram imputados».
Com relevância na matéria, da motivação da decisão de facto consta que:
«A audição do CD do julgamento no processo sumário não permite concluir que o Autor foi absolvido por haver dúvidas quanto à prática dos factos mas sim que este foi absolvido apesar de terem sido julgados provados os factos respectivos ao comportamento objecto na data dos factos, tendo sido considerado que tais factos não constituíam crime».
Embora se reportem a momentos diversos da sentença proferida no referido processo sumário n.º …/….3FZLSB, num caso à chamada parte dispositiva da respetiva sentença e no outro caso à motivação desta, reconhece-se que colocadas frente a frente, sem mais, a redação do facto provado sob o n.º 56 e a do facto não provado com o n.º 5 geram alguma incerteza, carecendo de explicitação.
Ora, conforme dispositivo da sentença proferida no referido processo n.º …/….3FZLSB, constante da respetiva ata de julgamento, o Tribunal decidiu «absolver o arguido FL da prática do crime de injúrias agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao 132.º, n.º 2, al. l), do Código Penal de que» vinha «acusado».
Da audição do CD junto aos autos, correspondente ao julgamento realizado no aludido processo crime n.º …/….3ZFLSB, cuja transcrição foi igualmente junta aos presentes autos, decorre que tal absolvição não resultou, contudo, do facto de não se terem provado os factos constantes da acusação, mas antes da circunstância dos factos dela constantes não integrarem o crime de injúrias agravado de que o arguido vinha acusado.
Com efeito, na sua intervenção final, na prolação da sentença, a Meritíssima Senhora Juíza de Direito que presidiu à audiência de discussão e julgamento no referido processo crime n.º …/….3ZFLSB referiu que:
«(…) a factualidade que está vertida no auto de notícia efetivamente é uma factualidade que não configura um crime de injúria, muito menos de injúria agravada. Ou seja, não há aqui nenhuma frase que seja atentatória da dignidade do Inspetor do SEF e como tal esta qualificação jurídica nunca poderia proceder. Quanto à questão de se ter sentido coagido ou constrangido porque foi dito que se iria elaborar um relatório, iria ser chamada a PSP, é evidente, à luz de uma leitura elementar do artigo 153 do Código Penal, que advertir uma pessoa de que se vai chamar a polícia, no fundo adverti-la das consequências do seu ato, não configura nenhum crime de ameaça e, portanto, jamais esta tese aqui, esta construção poderia proceder (…)» - cfr. o referido CD junto aos presentes, gravação com a referência 20180727125400_19592331_2871196.wma, minutos 0.48 a 1.42.
Em consequência e procurando ora explicitar a factualidade em causa, consigna-se que o facto dado como provado sob o n.º 58 passa ter a seguinte redação:
Provado que:
«58. Pelas 12h11m do dia 27 de julho de 2018, iniciou-se a audiência de discussão e julgamento no processo sumário n.º …/….3ZFLSB, tendo a final sido oralmente proferida sentença na qual o então Arguido, aqui A., foi absolvido, por o Tribunal entender que a factualidade vertida no auto de notícia não configurar um crime de injúria agravada de que vinha acusado».
Em consequência, elimina-se da factualidade dada como não provada o facto n.º 5, renumerando a factualidade dada como não provada em conformidade.
3. No que respeita ao facto provado n.º 14.
(conclusões 10 a 13).
A decisão recorrida deu como provado que:
«14. O terceiro desses elementos, o Inspetor do SEF RM, ignorou as indicações do A. e ultrapassou a passagem que se encontrava vedada entrando na área restrita».
Para tal o Tribunal fundou-se na apreciação conjunta e crítica da prova produzida, designadamente nas declarações do A., bem como no depoimento da testemunha AE.
O Recorrente entende que tal facto deveria ter sido dado como não provado pois, em suma, dos depoimentos prestados pelas testemunhas RM e JR, ambos inspetores do SEF, resulta que RM não chegou a ultrapassar a passagem que se encontrava vedada, entrando na área restrita e, consequentemente, que tenha ignorado a advertência do Autor.
Por sua vez, o Recorrido pronuncia-se pela manutenção do decidido pelo Tribunal Recorrido.
Vejamos.
Ouvida toda a prova pessoal produzida em julgamento, sessões de julgamento de 22.10 e 02.11.2020, constata-se que a factualidade em causa foi presenciada unicamente pelo A. e pelas testemunhas AE, RM e JR:
O A. disse que o Senhor Inspetor RM «atravessou a zona que lhe estava vedada» (minutos 2:28 a 2:32), «o Senhor Inspetor, depois de já ter passado para a área restrita» (minutos 3:12 a 3:16), «só que a situação foi mais grave porque ele passou do outro lado» (minutos 30:10 a 30:16), «e foi por aí [por um biombo/placard que estava fechado] que passou (minutos 33:00 a 3:15), «o Senhor RM recusou voltar a traz, desviou o biombo ou placard ou placa, desviou e entrou para a zona restrita» (minutos 35:11 a 35:22).
A testemunha AE prestou depoimento no mesmo sentido do A. (minutos 3:42 a 3:50, 6:41 a 6:46 e 13:30 a 13:46).
Os depoimentos das testemunhas RM e JR não lograram infirmar tal.
Nomeadamente, das passagens indicadas pelo Recorrente nada permite concluir nesse sentido.
Pelo contrário, a testemunha RM refere que «normalmente ao passar por esse dito rastreio que está lá montado existia uma porta inclusiva na parte lateral onde nós normalmente afluíamos, foi quando, entretanto, fui abordado pelo Senhor F no sentido de ter que passar o cartão ALS» (minutos 3.23 a 3:49).
Por sua vez, se é certo que nas passagens referidas pelo Recorrente, a testemunha JR refere que «o Inspetor RM ficou» (minutos 3:11 a 3:13) e «não chegou a passar» (minutos 7:00 a 7:02), daí não decorre que o facto dado como provado sob o n.º 14 deva ser eliminado.
Com efeito, as declarações do A. e o depoimento da testemunha AE foram absolutamente coerentes em si e entre si na matéria em causa, aludindo a pormenores do ocorrido que conferem credibilidade às respetivas declarações/depoimento, diversamente das testemunhas RM e JR.
Mantém-se, pois, o facto provado n.º 14 nos exatos termos constantes da decisão recorrida.
4. Relativamente ao facto dado como provado com o n.º 16.
(conclusões 14 a 16).
O Tribunal deu como aí como provado que:
«16. Em resposta, o Inspetor do SEF dirigiu-se ao A., e após declarar “Isto vai ter de acabar e vai acabar hoje mesmo”, ergueu o cartão de livre trânsito e disse ser Inspetor do SEF e chamar-se RM, exigindo ao A. que o acompanhasse às instalações do SEF para que fosse encaminhado para o tribunal».
Também aqui o Tribunal fundou a sua convicção na apreciação conjunta e crítica da prova produzida, designadamente nas declarações do A., bem como no depoimento da testemunha AE.
O Recorrente sustentou que deveria ter sido dado como não provada a referida exigência de RM, porquanto, em resumo, este tão-só «pediu/solicitou ao Autor que o acompanhasse às instalações do SEF», conforme declarações do A. e do depoimento das testemunhas RM, JR e AE.
Diversamente, o Recorrido preconizou a manutenção do facto provado em causa.
Apreciemos.
Também aqui a factualidade em causa foi presenciada unicamente pelo A. e pelas testemunhas AE, RM e JR.
Daquela prova pessoal, nomeadamente das passagens referidas pelo Recorrente quanto à matéria ora em causa, resulta que nas circunstâncias apuradas o Inspetor RM pediu ao A. que o acompanhasse às instalações do SEF.
Contudo, nessas circunstâncias, tal pedido traduziu-se na imposição de uma conduta ao A., na medida em que o constituiu no dever de se deslocar às instalações do SEF, acompanhado pelo Inspetor RM.
Quer dizer, não tendo sido posto por qualquer modo em crise que o A. foi detido pelo Inspetor RM e que este o obrigou nessas circunstâncias a acompanhá-lo às instalações do SEF, bem andou o Tribunal recorrido ao dar como provado que o Inspetor exigiu que o A. o acompanhasse às instalações do SEF, termos em que o facto dado como provado sob o n.º 16 deve ser mantido nos seus precisos termos.
5. No que toca ao facto dado como provado 17.
(conclusões 17 e 18).
O Tribunal recorrido deu como provado que:
«17. O A. ainda tentou entrar em contacto com a COSA bem como o seu supervisor, mas sem sucesso».
Para tal fundou a sua convicção na apreciação conjunta e crítica da prova produzida, designadamente nas declarações do A., bem como no depoimento da testemunha AE.
O Recorrente entende que o referido facto deve ser dado como não provado, por, em suma, se ter apurado que «o contacto com o COSA por parte do A. foi permitido», conforme, em síntese, declarações do A. e depoimento das testemunhas AE e RM.
Por sua vez, o Recorrido pronunciou-se pela manutenção do decidido pelo Tribunal Recorrido.
Examinemos.
A factualidade reporta-se ao momento imediatamente subsequente da detenção e só a ele, conforme decorre da sua inserção entre o facto n.º 16, relativo à detenção em si, e o facto n.º 18, cuja parte inicial se refere à ida do A. para as instalações do SEF.
Nestes termos, quanto a tal matéria factual, pronunciaram-se o A. e a testemunha AE, ambos no sentido dado como provado.
O A. referiu que aquando da sua detenção disse ao Inspetor RM «deixe-me só avisar quem de direito (…) e tentou ligar para o COSA só que o telefone estava interrompido (…); tentei ligar para a supervisão e ele não me deixou» (minutos 3:54 a 4:26), «já na altura em que fui detido tentei comunicar à supervisão» (minutos 23:42 a 22.47).
A testemunha AE referiu que «o FL (…) tentou ligar para o COSA e informar o nosso supervisor do que se estava a passar» (minutos 4:53 a 5:01).
No que respeita a contactos feitos pelo A. a testemunha RM, referindo-se ao momento em que o A. já se encontrava nas instalações do SEF, disse que então o A. «pediu para contactar as chefias, a empresa por quem trabalhava (…) e comunicou logo de imediato» (minutos 8:23 a 8:56).
Ora, tal não releva quanto ao facto provado n.º 17, pois este refere-se ao momento da detenção e apenas a este, conforme já referido, termos em que importa manter o facto dado como provado com o n.º 17.
6. Quanto ao facto dado como provado com o n.º 18.
(conclusões 19 a 23).
O Tribunal deu aí como provado que:
«18. Face à insistência do Inspetor RM, o A. viu-se obrigado a acompanhá-lo às instalações do SEF, onde permaneceu durante cerca de 4 horas.
Mais uma vez o Tribunal recorrido firmou a sua convicção na apreciação conjunta e crítica da prova produzida, designadamente nas declarações do A., bem como no depoimento da testemunha AE.
O Recorrente entende que o facto ora em causa deve ser dado como não provado, fundamentando tal entendimento, em suma, nas declarações do A. e da testemunha RM.
Mais uma vez, o Recorrido entendeu que haveria que manter o decidido pelo Tribunal Recorrido.
Vejamos.
Procede aqui o referido quanto ao facto provado n.º 16: o Inspetor RM deteve o A., exigindo que este o acompanhasse às instalações do SEF.
Inexistem elementos que permitam concluir que o Inspetor do SEF «insistiu» para que o A. o acompanhasse sob detenção.
Provou-se tão-só o que resulta do facto provado n.º 16: o inspetor RM exigiu que o A. o acompanhasse às instalações do SEF.
Quanto ao período em que perdurou a detenção, diversos elementos probatórios corroboram no sentido de que a detenção em causa durou cerca de quatro horas.
Desde logo, do «auto de notícia» que motivou o processo sumário n.º …/….3ZFLSB decorre que os factos que justificaram tal auto ocorreram «pelas 07H50», sabendo-se que o A. foi detido de imediato.
As declarações do A. (minutos 1:26 a 1:28) e os depoimentos das testemunhas AE (minutos 1:02 a 1:29) e RM (minutos 10:28 a 11:32) apontam no sentido de que a detenção ocorreu por volta das 8 horas. 
Quanto à libertação do A., este referiu que a mesma ocorreu cerca das 12 horas (minutos 9:55 a 10:13) e a mesma altura foi admitida pela testemunha RM (minutos 10:28 a 12:12).
Nestes termos, importa alterar a redação do facto provado n.º 18, passando a ter a seguinte redação:
«18. Face à exigência do Inspetor RM no sentido de que o A. o acompanhasse às instalações do SEF, o A. viu-se obrigado a assim acompanhá-lo, sendo que permaneceu no interior daquelas instalações cerca de quatro horas».
7. Relativamente aos factos dados como provados com os n.ºs 20 e 21.
(conclusões 25 e 26).
A decisão recorrida deu aí como provado que:
«20. Após se encontrar há cerca de 1 hora com o Inspetor do SEF, o A. pediu para se deslocar à casa-de-banho, tendo aquele negado tal pedido».
«21. Apenas após 3 horas, quando o Inspetor do SEF já havia redigido o Auto de Notícia, o TIR e a ordem de libertação – mas antes de lhe entregar para assinar – escoltou o A. até à casa-de-banho, que se situava ao lado da sala onde este se encontrava, e ali aguardou até que o mesmo saísse».
Neste domínio o Tribunal recorrido firmou a sua convicção na apreciação conjunta e crítica da prova produzida, designadamente nas declarações do A.
O Recorrente entende que tal facto deve ser dado como não provado em função, basicamente, das declarações do A. e do depoimento da testemunha RM, as quais sendo contraditórias entre si, não poderiam sem mais justificar o acolhimento daquelas declarações.
Também aqui, o Recorrido concluiu pela manutenção do decidido pelo Tribunal Recorrido.
Apreciemos.
Na matéria em causa relevam as declarações do A. e o depoimento da testemunha RM.
O A. afirmou tal factualidade (minutos 6:58 a 7:15, 8:11 a 8:48 e 20:30 a 23:30).
A testemunha RM referiu não se recordar se o A. lhe pediu para ir à casa de banho, tendo também dito que se tal pedido lhe fosse feito teria acedido ao mesmo (minutos 9:58 a 10:26).
Ora, perante tais afirmações da testemunha RM e levando em conta a forma coerente, perentória e sentida como o A prestou declarações na matéria, entendemos de sufragar a posição do Tribunal recorrido nesta sede e, por isso, importa manter os factos indicados sob os n.ºs 20 e 21 nos exatos termos constantes da decisão recorrida.   
8. Quanto ao facto dado como provado com os n.ºs 22.
(conclusão 24).
O Tribunal recorrido deu aí como provado que:
«22. O Autor esteve nas instalações do SEF entre as 7.50 horas até que, pelas 12h00m, o Inspetor permitiu que este abandonasse o local».
Para tal fundou a sua convicção na apreciação conjunta e crítica da prova produzida, designadamente nas declarações do A.
O Recorrente considera que deveria ter sido provado apenas que “o Autor esteve nas instalações do SEF até que, pelas 12h00, o Inspetor permitiu que este abandonasse o local”, sustentando-se para tal, em suma, nas declarações do A. e da testemunha RM.
Também aqui o Recorrido concluiu pela manutenção do decidido pelo Tribunal Recorrido.
Na matéria procede o supra referido quanto ao facto provado com o n.º 18, termos em que, no que respeita ao facto provado n.º 22 importa deixar consignado que:  
«22. O Autor esteve nas instalações do SEF entre as 8 e as 12 horas, aproximadamente, altura em que o Inspetor RM permitiu que o A. abandonasse o local».
9. Relativamente aos factos dados como provado sob os n.ºs 24 e 27.
(conclusões 27 a 29).
O Tribunal recorrido deu como provado que:
«24. O Inspetor do SEF sabia que o Autor estava a exercer as suas funções e mesmo assim deteve o Autor e redigiu o Auto de notícia que constitui o documento n.º 2 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, ali escrevendo, além do mais “senti-me intimidado, constrangido e condicionado no exercício das minhas pessoas, já que houve clara intenção de me intimidar com a “elaboração de um relatório e comunicação à Policia de Segurança Pública” e com as suas eventuais consequências” pelo facto do Autor se ter dirigido nos termos que descreve da seguinte forma: “Os senhores têm de passar o cartão no leitor” esclarecendo que se tratava do cartão ALS a fim de registar e controlar a sua identidade e “Ou passam o cartão no leitor ou então vou reportar à autoridades competentes” esclarecendo o Autor posteriormente que se referia à PSP. Escreve ainda o autuante “as palavras que me dirigiu, alto e bom som na presença dos demais passageiros e vigilantes, reputou fatos inverídicos, que ofendem a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras”.
27. O Inspetor do SEF sabia que existiriam consequências por não cumprir o procedimento instituído no aeroporto para acesso à zona ar.
Para tal o Tribunal recorrido fundou a sua convicção na apreciação conjunta e crítica da prova documental e pessoal produzida, tendo na matéria em causa referido que «[o] inspector do SEF RM revelou conhecer as funções que o Autor desempenhava, bem como os procedimentos de segurança instituídos quanto ao controlo de acessos do aeroporto, embora discorde que aqueles se apliquem aos inspectores do SEF na sua zona de competência exclusiva, onde se encontra localizado o posto de controlo em causa nos autos».
O Recorrente entendeu que deve ser eliminado o seguinte «segmento: “O Inspetor do SEF sabia que o Autor estava a exercer as suas funções e mesmo assim deteve o Autor”», invocando os depoimentos das testemunhas RM, JR e AH.
Também aqui o Recorrido entendeu que deve ser mantido o decidido pelo Tribunal Recorrido.
Apreciemos.
Da prova pessoal produzida, nomeadamente da audição integral das declarações do A. e do depoimento das testemunhas AA, gestora de segurança, PC, supervisor de segurança aeroportuária, AE, assistente de portos e aeroportos (APA), LS, coordenador nacional da ANAC, RM, inspetor do SEF, JR, inspetor-chefe do SEF, e AH, inspetor coordenador do SEF, resulta que na altura da detenção o A. exercia as funções de APA no aeroporto de Lisboa, na chamada zona ar.
Decorre também que na perspetiva das autoridades aeroportuárias, o A., enquanto APA, tinha a obrigação de pedir aos inspetores do SEF que ali passassem o cartão ALS pelo leitor de cartões existente da sua área de vigilância e caso tal não sucedesse tinha a obrigação de comunicar a omissão ao Centro de Operações de Segurança Aeroportuária (COSA), atribuído funcionalmente à Polícia de Segurança Pública (PSP).
Resulta igualmente que o Inspetor RM sabia tal, embora discordasse daqueles procedimentos, entendendo que, por ser inspetor do SEF e estar na área de intervenção deste, não estava obrigado a passar o cartão pelo leitor.
Finalmente, decorre ainda que a obrigação de passar naquelas circunstâncias o cartão ALS constitui aspeto controverso há algum tempo entre a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) e o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o que era do conhecimento quer do A., quer do Inspetor RM.
Nestes termos, carece de sentido a pretensão do Recorrente na matéria ora em causa, havendo tão-só que precisar quanto ao facto provado sob o n.º 24 que o A. exercia as suas funções nos exatos termos indicados pela sua entidade patronal e pela Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), colocando ainda as «aspas» no seu devido local, e no que respeita ao facto dado como provado sob o n.º 27 precisar ainda que o Inspetor do SEF RM sabia que o acesso em causa sem passagem do cartão ALS implicava que o A. comunicasse tal ao Centro de Operações de Segurança Aeroportuária (COSA).
Devem, pois, os factos ora em causa passarem a ter a seguinte redação:
«24. O Inspetor do SEF sabia que o Autor estava a exercer as suas funções nos exatos termos indicados pela sua entidade patronal e pela Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) e mesmo assim deteve o Autor e redigiu o Auto de notícia que constitui o documento n.º 2 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, ali escrevendo, além do mais, «senti-me intimidado, constrangido e condicionado no exercício das minhas funções, já que houve clara intenção de me intimidar com a “elaboração de um relatório e comunicação à Polícia de Segurança Pública” e com as suas eventuais consequências», pelo facto do Autor se ter dirigido nos termos que descreve da seguinte forma: «”Os senhores têm de passar o cartão no leitor”» esclarecendo que se tratava do cartão ALS a fim de registar e controlar a sua identidade e «“Ou passam o cartão no leitor ou então vou reportar à autoridades competentes”», esclarecendo o Autor posteriormente que se referia à PSP. Escreve ainda o autuante que «com as palavras que me dirigiu, alto e bom som na presença dos demais passageiros e vigilantes, reputou fatos inverídicos, que ofendem a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras»;
«27. O Inspetor do SEF sabia que o seu acesso à zona ar sem a passagem do cartão ALS no respetivo leitor implicava que o A. comunicasse o sucedido ao Centro de Operações de Segurança Aeroportuária (COSA)».
10. No que respeita aos factos provados n.ºs 32 a 37.
(conclusões 30 a 35).
O Tribunal recorrido deu como provado:
«32. Fruto do sucedido, o A. sentiu-se inferiorizado, humilhado e ofendido na sua honra, uma vez que foi detido à frente dos demais colegas, aos quais cumpre supervisionar, e dos passageiros que se encontravam no local».
«33. Durante o tempo da detenção não lhe foi permitido durante 3 horas ir à casa-de-banho quando finalmente lhe foi permitido ali deslocar-se, foi escoltado pelo Inspetor do SEF».
«34. O que lhe causou, para além da humilhação, sofrimento físico».
«35. Durante o período de tempo que esteve detido, e não tendo, por não lhe ter sido permitido, contacto com o exterior, o A. sentiu-se angustiado por não saber se iria ser prejudicado profissionalmente».
«36. Tendo o A. ainda permanecido, desde o dia 12.07.2018 até ao dia do julgamento, 27.07.2018, constantemente ansioso e amedrontado com possibilidade de vir a ser condenado e sem conseguir dormir».
«37. Sendo certo que, atualmente, o A. vive com receio de ser detido novamente, uma vez que, continua a prestar as mesmas funções e no mesmo local, e, por tal motivo, encontra-se obrigado a impedir que os Inspetores do SEF, incluindo RM, acedam à zona ar do Aeroporto, sem proceder à respetiva identificação».
O Tribunal recorrido motivou a sua convicção na apreciação conjunta e crítica da prova documental e pessoal produzida, nomeadamente nas declarações do A. e no depoimento das testemunhas AE, OS e PC.
O Recorrente entendeu que «a factualidade constante dos pontos 32 a 73 da matéria de facto assente deveria ter sido considerada como não provada», invocando, em síntese, declarações do A., e depoimento das testemunhas AE, AA, PC, OL e RM.
Nas suas contra-alegações o Recorrido concluiu pela manutenção do decidido pelo Tribunal Recorrido.
Ora, na matéria em causa sufragamos integralmente o entendimento do Tribunal recorrido.
Os factos ora em causa decorrem abundantemente provados em função das declarações do A. (minutos 12:40 a 13:49 e 15:15 a 20:23) e do depoimento das testemunhas AA (minutos 13:05 a 15:02), PC (minutos 11:50 a 13.07), AE (minutos 5:46 a 6:01, 8:45 a 9:19, 10:29 a 10:49) e OL (minutos 1:31 a 5:02), declarações e depoimentos esses que se mostram absolutamente claros, objetivos e coerentes em si e entre si, bem como conformes às regras da experiência comum.
Em particular quanto aos factos provados sob os n.ºs 33 e 34, remete-se aqui para o anteriormente consignado quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 20 e 21, com a mesma temática factual.
Carece, pois, de qualquer fundamento o alegado em contrário pelo Recorrente na matéria, devendo, pois, manterem-se os factos dados como provados sob os n.ºs 32 a 37 nos seus precisos termos.
11. Quanto aos factos dados como não provados sob os n.ºs 1 a 3.
(conclusões 36 a 38).
O Tribunal recorrido consignou aí como não provado que:
«1. Ao actuar da forma descrita, o autor, em tom rude e audível para todos os presentes naquele local, incluindo os diversos passageiros que ali se encontravam, não reconheceu os Inspectores do SEF como agentes de autoridade e órgãos de polícia criminal, detentores de poderes de fiscalização, supervisão e controlo da Zona Internacional do Aeroporto onde se encontravam em efectivo exercício de funções.
2. Colocando conscientemente em causa, a qualidade de agente de autoridade e órgão de polícia criminal do Inspector do SEF RM.
3. E sendo certo que, ao não reconhecer o Inspector do SEF enquanto agente de autoridade, afirmando que “aqui a autoridade competente é a Polícia de Segurança Pública”, o autor ofendeu a credibilidade, prestígio, confiança e honra devidos ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e inerentes ao exercício da função de Inspector daquele Serviço por parte do Inspector RM.
O Tribunal entendeu tais factos como não provados por «os meios de prova referidos não» terem permitido confirmá-los.
Diversamente, o Recorrente entende que tais factos «deveriam ter sido julgados como provados», considerando, em suma, os «depoimentos prestados pelos Srs. Inspectores RM e AH».
O Recorrido defende a manutenção do decidido em 1.ª instância.
Vejamos.
Nesta sede têm pleno cabimento as considerações anteriormente tecidas quanto aos factos dados como provados sob os n.ºs 24 e 27 para as quais ora se remete.
Diga-se ainda, quanto à matéria factual em causa, nomeadamente relativamente ao alegado «tom rude e audível» do A., de nada releva o depoimento da testemunha AH, pois a mesma não ouviu os factos em causa (minutos 1:00 a 1:14).
Diversamente, a testemunha AE encontrava-se presente aquando dos factos em causa e referiu que o A nunca se mostrou exaltado (minutos 12.05 a 14:42).
Nesse sentido também se pronunciou o A. (minutos 36:02 a 37:28).
Na altura, o A. foi detido pelo Inspetor RM por reconhecer a autoridade deste para tal, enquanto elemento do SEF, pelo que não se vislumbra como possa o A., no contexto descrito, ter colocado em crise aquela qualidade de RM.
Vistos assim os autos na matéria ora em causa, entende-se que não merece credibilidade o depoimento da testemunha RM, pois o mesmo não é corroborado por qualquer outro elemento probatório e, pelo contrário, revela-se contraditório com as apontadas declarações do A. e o depoimento da testemunha AE, concordantes entre si, tendo tais declarações/depoimento sido prestados de um modo espontâneo, termos em que importa dar como provada a factualidade em causa.
12. Relativamente ao facto dado como não provado sob o n.º 4.
(conclusões 39 e 40).
Da decisão recorrida consta como não provado que:
«4. Nesse momento, considerando que a factualidade ocorrida era susceptível de integrar a prática, pelo autor, de um crime de injúria agravada, previsto e punível pelos arts. 181º, n.º 1 e 184º, por referência ao art. 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, o Inspector RM deu voz de detenção ao autor, conduzindo o mesmo às instalações do SEF na zona internacional para proceder à sua identificação e elaborar o demais expediente».
O Tribunal entendeu que aquele facto como não ficou provado por «os meios de prova referidos não» terem permitido confirmá-lo.
Pelo contrário, o Recorrente entende que tal facto «deveria ter sido julgado como provado», considerando, em suma, o depoimento da testemunha RM e o auto de notícia elaborado pelo SEF, no dia 12 de julho de 2018, que deu início ao processo n.º …/….3ZFLSB.
Mais uma vez o Recorrido concluiu pela manutenção do decidido pelo Tribunal Recorrido.
Apreciemos.
A factualidade em causa reporta-se ao momento da detenção; não ao momento da elaboração do apontado auto de notícia, sendo que entre a feitura deste e a detenção mediou pelo menos uma hora, segundo as declarações do A e o depoimento da testemunha RM, concordantes quanto a tal.
Por isso, o referido auto de notícia não tem relevância probatória na concreta matéria ora em causa.
É certo que o Inspetor RM referiu em julgamento que a detenção decorreu, além do mais, do facto de se ter sentido injuriado.
Contudo, não logrou demonstrar tal em julgamento, pois inicialmente reportou a detenção a uma situação de ameaça e coação por parte do A. (minutos 5:37 a 7:52) e mais tarde, quando instado pela Senhora Juíza de Direito do Tribunal recorrido para explicar a razão de se ter sentido injuriado, não logrou explicar tal (minutos 22:32 a 23:10).
Por outro lado, nem o A., nem a testemunha AE, que presenciou a detenção, referiram que o Inspetor RM mencionou o motivo da detenção aquando da ocorrência desta, sendo legítimo concluir que aquele Inspetor primeiro deteve o A. e só depois equacionou do respetivo pretexto.
Nestes termos, deve manter-se como não provado o facto em causa.
13. No que respeita ao facto dado como não provado sob o n.º 5.
(conclusões 5 a 9 e 44).
Conforme decorre do supra exposto, tal facto foi eliminado da decisão de facto, não importando, pois, ora tecer qualquer consideração adicional quanto ao mesmo.
Finalmente.
14. Relativamente ao facto dado como não provado sob o n.º 6
(conclusões 41 a 45).
A decisão recorrida deu como não provado que:
«6. Assim que o autor foi conduzido à unidade de apoio do SEF, ou seja, assim que o autor foi conduzido às instalações do SEF, foi-lhe de imediato disponibilizado um telefone interno, tendo sido permitido ao autor contactar telefonicamente com pessoa da sua confiança».
O Tribunal recorrido assim entendeu por não terem sido «apresentados meios de prova» na matéria.
Diversamente, o Recorrente entende que que tal facto «deveria ter sido julgado como provado, atento, em síntese, o depoimento da testemunha RM».
Procedem aqui as considerações feitas quanto ao facto dado como provado com o n.º 35.
Com efeito, conforme elementos probatórios então referidos, para os quais aqui se remete, embora a testemunha RM tenha referido que durante a detenção nas instalações do SEF disponibilizou ao A. contacto telefónico com o exterior, o A. negou perentoriamente tal facto e as testemunhas AA, PC e AE, que se encontravam no aeroporto de Lisboa na manhã dos factos, referiram categoricamente que dos contactos feitos no sentido de se inteirarem da situação do A. nunca lograram falar com este durante a manhã dos factos, o que corrobora o afirmado pelo A.
Neste contexto, importa manter a apontada factualidade como não provada.
*
Reapreciada assim a matéria de facto em causa, este Tribunal da Relação tem, pois, como provada a seguinte factualidade, procedendo ainda à renumeração dos respetivos factos:
1. Em 12 de julho de 2018, na zona de transferências de países não Schengen do Aeroporto de Lisboa, o A. encontrava-se a prestar serviços de segurança privada, como Assistente de Portos e Aeroportos, da empresa Prosegur - Companhia de Segurança, Lda., sua entidade patronal;
2. A Prosegur presta serviços de vigilância aeroportuária desde 2005 à ANA, S.A., que se traduzem, em suma, no controlo de acessos, rastreio e circulação de pessoas em trânsito (passageiros, bagagem de mão de cabine, pessoal de vôo, tripulação e staff), na designada zona ar dos Aeroportos;
3. A ANA, S.A., é uma entidade concessionária do Estado na prestação de tal serviço público com prerrogativas administrativas;
4. Atividade esta que, no plano operacional e laboral, é desempenhada, no terreno, por Vigilantes Aeroportuários ou APA – Assistentes de Portos e Aeroportos;
5. Os serviços e funções de vigilância aeroportuária obedecem a regras e normas europeias, que definem os procedimentos a adotar quer pela entidade empregadora, quer pelos seus trabalhadores com tais funções;
6. Estas funções de controlo de acesso de pessoas são exercidas ao longo dos pórticos de rastreio e segurança existentes no Aeroporto de Lisboa, sendo alocado 4 vigilantes por pórtico, desempenhando cada um deles funções distintas: leader (verificação do cartão de embarque de cada passageiro e primeiro controlo de transporte de líquidos ou artigos considerados perigosos e/ou proibidos de acordo com o Regulamento EU 2015/1998 da Comissão, de 5.11.2005), raio x (rastreio de objetos proibidos ínsitos na bagagem de mão do passageiro através da utilização do aparelho raio x), pórtico (acompanhamento da passagem singular do passageiro pelo pórtico de segurança e eventual revista manual), e verificação e abertura de bagagem rastreada (após precedente verificação ou suspeita de objeto proibido na bagagem do passageiro), devendo um deles cumular as funções de Chefe de Grupo;
7. Para tanto, são submetidos a um processo especial de formação e recrutamento;
8. As normas de segurança de aviação civil que são adotadas, no terreno, pelos APA’s e que lhes são fornecidas previamente aquando a respetiva formação pela entidade patronal (Prosegur), são aquelas que foram implementadas pela ANAC;
9. Qualquer pessoa, independentemente da respetiva qualidade profissional, para aceder à zona ar ou a qualquer área restrita ou crítica do Aeroporto de Lisboa, tem de se identificar ou passar o respetivo cartão ALS, previamente, através dos pontos de acesso supra descritos;
10. Naquele dia, pelas 08h00m, o Autor encontrava-se situado na zona de transferência entre países Não Schengen, isto é, na área de passagem e rastreio de pessoas e bens que provêm e se dirigem a países não Schengen, no lado ar, junto do pórtico de segurança RX2 (único em funcionamento naquele dia), a exercer as suas funções de Assistente de Porto e Aeroporto cumulativamente com as de Team Leader, acompanhado de dois colegas APA’s, AE e RL, a quem cabia supervisionar;
11. Nesse momento, três Inspetores do SEF, que vinham do lado ar e se preparavam para entrar na zona restrita, dirigiram-se a uma passagem vedada, onde não existia qualquer sistema de controlo, situada entre o RX4 e as cabines do privado desse mesmo posto;
12. O A. dirigiu-se aos mesmos e informou-os que, antes de acederem à zona restrita, deveriam passar o cartão ALS (cartão de livre acesso) junto do sistema autonomizado do controlo de acessos (SACA);
13. Dois dos três elementos do SEF dirigiram-se junto do aludido sistema e passaram o cartão ALS conforme indicado pelo Autor;
14. O terceiro desses elementos, o Inspetor do SEF RM, ignorou as indicações do A. e ultrapassou a passagem que se encontrava vedada entrando na área restrita;
15. O A. dirigiu-se então ao Inspetor RM e informou-o que tinha de comunicar a situação à entidade de supervisão no local, a PSP, através do sistema existente para o efeito, isto é, o Centro de Operações de Segurança Aeroportuária (COSA);
16. Em resposta, o Inspetor do SEF dirigiu-se ao A., e após declarar “Isto vai ter de acabar e vai acabar hoje mesmo”, ergueu o cartão de livre trânsito e disse ser Inspetor do SEF e chamar-se RM, exigindo ao A. que o acompanhasse às instalações do SEF para que fosse encaminhado para o tribunal;
17. O A. ainda tentou entrar em contacto com a COSA bem como o seu supervisor, mas sem sucesso;
18. Face à exigência do Inspetor RM no sentido de que o A. o acompanhasse às instalações do SEF, o A. viu-se obrigado a assim acompanhá-lo, sendo que permaneceu no interior daquelas instalações cerca de quatro horas;
19. O pórtico de segurança permaneceu com menos um elemento – o seu Team Leader - daqueles que são obrigatórios ao nível da segurança de aviação civil;
20. Após se encontrar há cerca de 1 hora com o Inspetor do SEF, o A. pediu para se deslocar à casa-de-banho, tendo aquele negado tal pedido;
21. Apenas após 3 horas, quando o Inspetor do SEF já havia redigido o Auto de Noticia, o TIR e a ordem de libertação – mas antes de lhe entregar para assinar – escoltou o A. até à casa-de-banho, que se situava ao lado da sala onde este se encontrava, e ali aguardou até que o mesmo saísse;
22. O Autor esteve nas instalações do SEF entre as 8 e as 12 horas, aproximadamente, altura em que o Inspetor RM permitiu que o A. abandonasse o local;
23. Atenta a conduta do Inspetor do SEF, a ANAC procedeu em 13.07.2018, à realização de um inquérito de segurança ao incidente, tendo averiguado, conforme ora se relata, que o Inspetor do SEF, fazendo uso e abuso da sua autoridade, acedeu a uma área restrita de segurança do Aeroporto, sem que o seu acesso tivesse sido controlado através do sistema autonomizado para o efeito, muito embora a isso estivesse obrigado;
24. O Inspetor do SEF sabia que o Autor estava a exercer as suas funções nos exatos termos indicados pela sua entidade patronal e pela Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) e mesmo assim deteve o Autor e redigiu o Auto de notícia que constitui o documento n.º 2 junto com a petição inicial cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, ali escrevendo, além do mais, «senti-me intimidado, constrangido e condicionado no exercício das minhas funções, já que houve clara intenção de me intimidar com a “elaboração de um relatório e comunicação à Polícia de Segurança Pública” e com as suas eventuais consequências», pelo facto do Autor se ter dirigido nos termos que descreve da seguinte forma: «”Os senhores têm de passar o cartão no leitor”» esclarecendo que se tratava do cartão ALS a fim de registar e controlar a sua identidade e «“Ou passam o cartão no leitor ou então vou reportar à autoridades competentes”», esclarecendo o Autor posteriormente que se referia à PSP. Escreve ainda o autuante que «com as palavras que me dirigiu, alto e bom som na presença dos demais passageiros e vigilantes, reputou fatos inverídicos, que ofendem a credibilidade, o prestígio e a confiança devidos ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras»;
25. Assim, foi o A. constituído arguido pelo Inspetor RM e sujeito a TIR;
26. O Inspetor do SEF sabia que o seu acesso à zona ar sem a passagem do cartão ALS no respetivo leitor implicava que o A. comunicasse o sucedido ao Centro de Operações de Segurança Aeroportuária (COSA);
27. O Magistrado do Ministério Público que recebeu o Auto de Notícia deu-o por reproduzido e acrescentou que “O Arguido apoucou a consideração pessoal e profissional do Inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em causa. Sabia que o ofendido era membro do órgão de polícia criminal e que o mesmo se encontrava no exercício das respetivas funções, e ainda assim, agiu visando-o no desempenho dessa atividade”. Mais; “Agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo ser proibida e punível a sua conduta”;
28. Tais condutas causaram ao A. enorme revolta e receio de ser condenado, uma vez que os argumentos que foram utilizados para justificar a detenção foram confirmados pelo Magistrado do Ministério Público;
29. Em consequência, dos atos praticados, quer inicialmente pelo Inspetor do SEF, quer posteriormente, pelo MP, foi o Autor submetido a julgamento em 27.07.2018, sob o processo n.º …/….3ZFLSB, que correu termos no Juízo Local de Pequena Criminalidade – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa;
30. Tendo naquele dia, e em sede de audiência de julgamento, sido o A. absolvido da prática do crime de injúria agravada, do qual vinha acusado;
31. Fruto do sucedido, o A. sentiu-se inferiorizado, humilhado e ofendido na sua honra, uma vez que foi detido à frente dos demais colegas, aos quais cumpre supervisionar, e dos passageiros que se encontravam no local;
32. Durante o tempo da detenção não lhe foi permitido durante 3 horas ir à casa-de-banho quando finalmente lhe foi permitido ali deslocar-se, foi escoltado pelo Inspetor do SEF;
33. O que lhe causou, para além da humilhação, sofrimento físico;
34. Durante o período de tempo que esteve detido, e não tendo, por não lhe ter sido permitido, contacto com o exterior, o A. sentiu-se angustiado por não saber se iria ser prejudicado profissionalmente;
35. Tendo o A. ainda permanecido, desde o dia 12.07.2018 até ao dia do julgamento, 27.07.2018, constantemente ansioso e amedrontado com possibilidade de vir a ser condenado e sem conseguir dormir;
36. Sendo certo que, atualmente, o A. vive com receio de ser detido novamente, uma vez que, continua a prestar as mesmas funções e no mesmo local, e, por tal motivo, encontra-se obrigado a impedir que os Inspetores do SEF, incluindo RM, acedam à zona ar do Aeroporto, sem proceder à respetiva identificação;
37. No dia 12 de julho de 2018, pelas 07h50m, o Inspetor do SEF, RM, acompanhado pelos Inspetores IM e JR, dirigiram-se à zona internacional do posto de fronteira do aeroporto de Lisboa, mais concretamente, à zona de transferências de países não Schengen daquele Aeroporto;
38. Os identificados inspetores encontravam-se devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, uma vez que tinham por missão escoltar um cidadão deportado proveniente de um voo de um país não Schengen e que já se encontrava junto à porta de desembarque acompanhado pelo pessoal de voo;
39. Quando o inspetor do SEF RM, juntamente com os dois outros inspetores supra identificados, se encontravam a passar no local onde se efetua o rastreio de passageiros em trânsito para voos com destino a Países Não Schengen, foram os mesmos abordados em tom imperativo pelo ora Autor que lhes dirigiu a seguinte afirmação “os senhores têm de passar o cartão no leitor!”;
40. O cartão em causa consiste no cartão “ALS”, emitido pela ANAC e que permite registar no sistema automatizado de controlo de acessos, o acesso de funcionários e das demais pessoas autorizadas a acederem a determinadas áreas do aeroporto, designadamente, às zonas restritas de segurança;
41. Perante a abordagem realizada pelo autor, o Inspetor do SEF RM, que se encontrava devidamente uniformizado e identificado enquanto Inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, questionou o mesmo no sentido de aferir se o autor tinha dúvidas quanto à sua qualidade de órgão de polícia criminal ou quanto à circunstância de o Inspetor RM se encontrar naquele local em exercício de funções;
42. Tendo o autor insistido junto do Inspetor RM na presença de diversos passageiros e demais pessoas que ali se encontravam no local, que “ou passam o cartão no leitor, ou então vou reportar às autoridades competentes”;
43. Nessa sequência, e perante a atitude do autor, o Inspetor RM exibiu o seu cartão livre-trânsito, identificando-se novamente junto do autor na qualidade de órgão de polícia criminal, esclarecendo tratar-se de Inspetor do SEF e encontrar-se naquele local no efetivo exercício das suas funções;
44. Não obstante, o autor persistiu na sua conduta, afirmando “não tenho dúvidas de quem é, mas aqui a autoridade competente é a Polícia de Segurança Pública! Caso não se identifiquem passando o cartão no leitor, vou reportar à PSP!”;
45. Nas instalações do SEF, o autor veio a ser constituído arguido e sujeito a termo de identidade e residência;
46. Perante a impossibilidade de o Autor ser de imediato apresentado a juiz, foi o mesmo libertado e notificado para comparecer perante o Ministério Público sito no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa no dia 13 de julho de 2018, pelas 09h00m com vista a ser submetido a audiência de julgamento em processo sumário;
47. A totalidade do expediente elaborado – auto de notícia, constituição de arguido, termo de identidade e residência e auto de libertação/notificação do arguido – foi remetido por email aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa pelas 12h02m do dia 12 de julho de 2018;
48. Através de requerimento apresentado em juízo no dia 13 de Julho de 2018 no Processo Sumário n.º …/….3ZFLSB, bem como através de email remetido àqueles autos pelas 15h54m do dia 12 de julho de 2018, o autor juntou procuração forense e requereu, ao abrigo do disposto no art. 387.º, alínea c), do Código de Processo Penal, que a audiência de julgamento agendada para esse dia 13 de Julho de 2018 fosse adiada pelo prazo de 15 dias, de modo a que o mesmo pudesse preparar, e com isso, exercer o seu direito de defesa bem como requerer as diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade;
49. Tal pretensão foi deferida por despacho proferido pelo magistrado do Ministério Público de turno, ficando a realização da audiência de julgamento em processo sumário agendada para dia 27 de julho de 2018, pelas 11h00m, no Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa,
50. Despacho que foi devidamente notificado ao aí arguido e ora autor e à sua ilustre mandatária;
51. Por despacho proferido em 24 de julho de 2018, o magistrado do Ministério Público de turno determinou a oportuna remessa dos autos ao Juízo Local de Pequena Criminalidade de Lisboa para que fosse realizado julgamento em processo sumário do aí arguido e ora autor, remetendo, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 389.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para os factos constantes do auto de notícia,
52. E acrescentando, nos termos do disposto no art. 389.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, que ao atuar do modo descrito no auto de notícia, o aí arguido apoucou a consideração pessoal e profissional do Inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em causa, que sabia que o ofendido era membro de órgão de polícia criminal e que o mesmo se encontrava no exercício das respetivas funções, e, ainda assim, agiu visando-o no desempenho dessa atividade,
53. E que o aí arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser proibida e punível a sua conduta,
54. Imputando-lhe desse modo, a prática de um crime de injúria agravada, previsto e punível pelos arts. 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao art. 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal;
55. Tal despacho foi devidamente notificado aos diversos sujeitos processuais, tendo o aí arguido sido notificado na morada por si facultada no respetivo termo de identidade e residência prestado naqueles autos;
56. Por despacho proferido em 27 de julho de 2018, a Meritíssima Juiz de Direito de turno determinou que: “Registe e autue como processo sumário. * O tribunal é o competente. O Ministério Público tem legitimidade para o exercício da acção penal. Inexistem quaisquer nulidades ou outras questões, prévias ou incidentais, de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. * Julgamento a realizar na hora agendada. *”;
57. Pelas 12h11m do dia 27 de julho de 2018, iniciou-se a audiência de discussão e julgamento no processo sumário n.º …/…3ZFLSB, tendo a final sido oralmente proferida sentença na qual o então Arguido, aqui A., foi absolvido, por o Tribunal entender que a factualidade vertida no auto de notícia não configurar um crime de injúria agravada de que vinha acusado;
58. No dia 05 de novembro de 2018, o autor apresentou no DIAP de Lisboa, queixa-crime contra o Inspetor RM, com fundamento nos factos em apreço na presente ação, imputando-lhe a prática de um crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal, bem como a prática de um crime de usurpação de funções, previsto e punido pelo artigo 358.º do Código Penal;
59. Tal queixa deu origem ao inquérito n.º …/….0T9LSB, que correu termos na ….ª Secção do DIAP de Lisboa, conforme resulta da certidão integral extraída daqueles autos de inquérito, junta aos autos como documento n.º 2 da contestação;
60. Por despacho proferido em 25 de outubro de 2019, foi o inquérito n.º …/….0T9LSB arquivado;
61. Com efeito, quanto ao imputado crime de usurpação de funções, considerou-se naquele despacho de arquivamento, que o Inspetor do SEF, RM, não praticou o ilícito criminal, sendo o inquérito arquivado, nos termos do art. 277.º, n.º 1 do Código de Processo Penal;
62. Por seu turno, quanto ao imputado crime de abuso de poder, foi o inquérito arquivado nos termos do art. 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, com fundamento no princípio “ne bis in idem”, consagrado no art. 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, uma vez que tal factualidade já havia sido apreciada e decidida em inquérito distinto;
63. No dia 25 de julho de 2018, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) apresentou no DIAP de Lisboa, queixa-crime contra o Inspetor RM, com fundamento nos factos em apreço na presente ação, imputando-lhe a prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, previsto e punido pelo artigo 191.º do Código Penal, bem como a prática de um crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do Código Penal;
64. Tal queixa deu origem ao inquérito n.º …/…4T9LSB, que igualmente correu termos na ….ª Secção do DIAP de Lisboa, conforme resulta da certidão integral extraída daqueles autos de inquérito, junta aos autos como documento n.º 3 da contestação;
65. Por despacho proferido em 18 de dezembro de 2018, foi o inquérito n.º …/….4T9LSB arquivado com fundamento na inexistência da prática de qualquer crime por parte do Inspetor RM, nos termos do art. 277.º, n.º 1, do Código de Processo Penal;
66. Com efeito, de sublinhar que no âmbito deste concreto inquérito foi considerado que o Inspetor RM não incorreu na prática do imputado crime de usurpação de funções;
67. Quer no âmbito do inquérito n.º …/…4T9LSB, quer no âmbito do inquérito n.º …/….0T9LSB, não foi apresentada qualquer reclamação hierárquica quanto ao despacho de arquivamento proferido, bem como não foi requerida a abertura de instrução, encontrando-se ambos os inquéritos arquivados desde a prolação dos respetivos despachos de arquivamento.
*
Este Tribunal da Relação, entende como não provados os seguintes factos, renumerando-os:
1. Ao atuar da forma descrita, o autor, em tom rude e audível para todos os presentes naquele local, incluindo os diversos passageiros que ali se encontravam, não reconheceu os Inspetores do SEF como agentes de autoridade e órgãos de polícia criminal, detentores de poderes de fiscalização, supervisão e controlo da Zona Internacional do Aeroporto onde se encontravam em efetivo exercício de funções;
2. Colocando conscientemente em causa, a qualidade de agente de autoridade e órgão de polícia criminal do Inspetor do SEF RM,
3. E sendo certo que, ao não reconhecer o Inspetor do SEF enquanto agente de autoridade, afirmando que “aqui a autoridade competente é a Polícia de Segurança Pública”, o autor ofendeu a credibilidade, prestígio, confiança e honra devidos ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e inerentes ao exercício da função de Inspetor daquele Serviço por parte do Inspetor RM.
4. Nesse momento, considerando que a factualidade ocorrida era suscetível de integrar a prática, pelo autor, de um crime de injúria agravada, previsto e punível pelos arts. 181.º, n.º 1 e 184.º, por referência ao art. 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal, o Inspetor RM deu voz de detenção ao autor, conduzindo o mesmo às instalações do SEF na zona internacional para proceder à sua identificação e elaborar o demais expediente.
5. Assim que o autor foi conduzido à unidade de apoio do SEF, ou seja, assim que o autor foi conduzido às instalações do SEF, foi-lhe de imediato disponibilizado um telefone interno, tendo sido permitido ao autor contactar telefonicamente com pessoa da sua confiança.
6. E sendo certo que tais instalações se localizam em ala distinta da ala em que o autor e o inspetor RM se encontravam, existindo seis salas a separarem as duas localizações.
V.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Da detenção injustificada do A.
(conclusões 46 a 52).
Nos termos do artigo 27.º, n.ºs 1, e 3, alínea a), da Constituição da República Portuguesa «[t]odos têm direito à liberdade e à segurança», sendo que «a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar» pode ocorrer em caso de «detenção em flagrante delito».
A liberdade, entendida como liberdade física, de locomoção, é um valor inerente à pessoa humana, à sua dignidade.
Daí que só em casos tipificados na lei pode a pessoa ser privada da sua liberdade de movimento.
Um desses casos é a «detenção em flagrante delito».
Uma tal detenção por parte de uma «entidade policial» pressupõe o cometimento ou, pelo menos, fortes suspeitas do cometimento de um «crime punível com pena de prisão» por parte do detido, conforme decorre do disposto nos artigos 255.º, n.º 1, alínea a), e 256.º do Código de Processo Penal.
Explicitando.
Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, edição de 2005, página 309, «[a] detenção em flagrante delito [alínea a)], por força do princípio da proporcionalidade, apenas pode ser ordenada relativamente a crime a que corresponda pena de prisão (como, aliás, dispõe o Código de Processo Penal, no seu artigo 255.º)».
Mais, a detenção em flagrante delito pela autoridade policial supõe o cometimento de um crime ou, pelo menos, a existência de fortes indícios do seu cometimento.
No dizer do artigo 5.º, n.º 1, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, nos casos ora em apreço a detenção só pode ocorrer «quando houver suspeita razoável de ter [sido] cometida uma infração».
 Entender de outro modo seria conferir às autoridades policiais a prerrogativa da detenção de outrem sem uma causa justificativa, o que se configura impróprio de um Estado de Direito democrático, sendo que até a mera «identificação de suspeito e pedido de informações» pressupõe que sobre ele «recaiam fundadas suspeitas da prática de crimes», conforme disposto no artigo 250.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Na situação em apreço, conforme decorre da factualidade dada como provada:
A detenção do A. não ocorreu em virtude do cometimento de um crime por parte do mesmo ou, pelo menos, da existência de fortes indícios de um tal cometimento.
Com efeito, aquando da sua detenção o A. encontrava-se a exercer as suas funções profissionais de Assistente de Portos e Aeroportos no Aeroporto de Lisboa nos exatos termos estipulados pela sua entidade patronal, a Prosegur - Companhia de Segurança, Lda., e conforme indicações conferidas pela Autoridade Nacional da Aviação Civil.
Segundo tais indicações, os inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiros estavam obrigados a passar o denominado cartão ALS num leitor de cartões existente na área onde o ora A. exercia então aquelas funções.
Nas apontadas circunstâncias, o A. solicitou que o Senhor Inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras passasse o respetivo cartão ALS no leitor de cartões.
Contudo, por discordar das referidas indicações da Autoridade Nacional da Aviação Civil, aquele Senhor Inspetor não passou o referido cartão pelo respetivo leitor e, após identificar-se como agente de autoridade, deteve o A.
Ora, tal discordância não justificava a detenção do A.
Não competindo a este Tribunal apreciar da justeza das apontadas indicações da Autoridade Nacional da Aviação Civil, nem das discordâncias do Senhor Inspetor, o que importa afirmar é que nas circunstâncias apontadas a detenção do A. revela-se injustificada no quadro legal.
Se era firme a posição do Senhor Inspetor quanto à desnecessidade de passar o cartão ALS, então não se percebe porque é que o mesmo não prosseguiu a sua marcha, aguardando os procedimentos decorrentes da comunicação ao Centro de Operações de Segurança Aeroportuária.
E muito menos se percebe que, diversamente, o Senhor Inspetor tenha logo ali detido o A., sem de imediato mencionar minimamente as razões da sua detenção, e protelado esta para além do razoável, durante cerca de quatro(!) horas, até, entretanto, elaborar um «auto de notícia» no qual referia que se sentiu «intimidado, constrangido e condicionado no exercício das» suas «funções», bem como injuriado na sua «honra e consideração», sem explicitar, contudo, a factualidade integradora de tais afirmações e dos pretendidos ilícitos criminais.
Dos elementos probatórios entretanto proporcionados relativamente aos factos em causa conclui-se até que inexistiram os pretendidos crimes de ameaças, coação e injúria.
O infundado da detenção justifica, pois, que a mesma se tenha por injustificada nos termos do apontado normativo.
2. Do direito à indemnização por detenção injustificada.
(conclusões 53 a 57).
O artigo 27.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa estabelece que «[a] privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer».
Do mesmo modo, o artigo 5.º n.º 5, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos estipula que «[q]ualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições contrárias às disposições deste artigo tem direito à indemnização».
Ora, no que ora releva, conforme disposto nos artigos 220.º, n.º 1, alínea d), e 225.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), ambos do Código de Processo Penal, «[q]uem tiver sofrido detenção (…) pode requerer (…) indemnização dos danos sofridos quando:
«a) A privação da liberdade for ilegal», por «ser a detenção motivada por facto pelo qual a lei a não permite»;
«b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na aplicação dos pressupostos de facto de que dependia; ou
c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente».
Do regime legal decorre, assim, que o direito indemnizatório da vítima pressupõe ou uma detenção por facto que a lei não consente ou uma detenção por erro grosseiro na apreciação das respetivas causas justificativas ou a constatação de que arguido não cometeu os factos que justificaram a sua detenção ou os cometeu com motivação que exclui a ilicitude ou a culpa.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, edição de 2011, página 641, «o fundamento da “ilegalidade” da privação da liberdade pressupõe a existência de uma decisão judicial que declarou a ilegalidade da privação da liberdade com os fundamentos dos artigos 220.º, n.º 1, e 222.º, n.º 2, do CPP e, em consequência, revogou a privação da liberdade. Esta formulação da lei visa concretizar a expressão usada na lei anterior, que referia apenas a “manifesta ilegalidade” da privação da liberdade e cuja constitucionalidade foi apreciada pelo acórdão do TC n.º 160/95 (…)».
«O erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto da privação da liberdade é um erro indesculpável, crasso ou palmar, cometido contra todas as evidências e no qual incorre quem atua sem os conhecimentos ou as diligências exigíveis, bem como o ato temerário, no qual, devido à ambiguidade da situação, se corre o risco evidente de provocar um resultado injusto».
Na situação vertente.
Não tendo a detenção sido revogada, o caso enquadra-se na apontada alínea b), do n.º 1 do referido artigo 225.º do Código de Processo Penal: trata-se de uma privação da liberdade decorrente de erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto.
Ou seja, no que ora nos ocupamos, a detenção do A. decorre de um lapso indesculpável do Senhor Inspetor RM.
Mesmo que assim não se entendesse, sempre os danos sofridos pelo A., então Arguido, em razão da detenção injustificada seriam civilmente indemnizáveis por na situação vertente «se comprovar que o arguido não foi agente do crime», conforme alínea c), do n.º 1 do referido artigo 225.º do Código de Processo Penal.
Com efeito, conforme decorre do facto dado como provado com o n.º 57., ficou demonstrado que no referido processo sumário n.º …/….3ZFLSB o A., então Arguido, foi absolvido do crime de injúria agravada, «por o Tribunal entender que a factualidade vertida no auto de notícia não configurar um crime de injúria agravada de que vinha acusado».
Finalmente, diga-se, ainda, que a responsabilidade civil aquiliana da Recorrente, do Estado Português, decorre dos referidos artigos 27.º, n.º 5, e 22.º da Constituição da República Portuguesa, bem como do disposto no artigo 8.º, n.º 2, do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas (RCEE), anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.
Tendo a detenção injustificada sido determinada por agente de autoridade no exercício das suas funções e por causa desse exercício, o Estado responde civilmente pelos prejuízos causados por aquele.
3. Da responsabilidade civil decorrente da decisão do MP de apresentar o A. a julgamento em processo sumário.
(conclusões 58 a 67).
O Recorrente insurge-se contra a circunstância de se entender que a apresentação do A. a julgamento em processo sumário por impulso do Ministério Público constituiu no contexto em causa, em si mesmo, um ato gerador de responsabilidade civil do Estado.
Diversamente, o Recorrido, entende que tal responsabilidade decorre da circunstância do Ministério Público não ter avaliado, como lhe competia, a inconsistência do auto de notícia elaborado pelo Senhor Inspetor do SEF, remetendo o respetivo expediente para julgamento em processo sumário.
Vejamos.
Está aqui também em causa a aplicação do RCEE, nomeadamente o disposto nos respetivos artigos 7.º a 10.º, 12.º e 14.º.
No que aqui releva, a responsabilidade civil do Estado pressupõe o cometimento de conduta ilícita, culposa e danosa por parte do agente do Ministério Público em causa.
Nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do RCEE, «[c]onsideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos».
Segundo o disposto no artigo 10.º, n.º 1, do mesmo regime legal, «[a] culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor».
Ora, a apresentação pelo Ministério Público de um arguido a julgamento no âmbito de um processo sumário pressupõe, além do mais, que do respetivo expediente conste «a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena», conforme decorre da conjugação do preceituado nos artigos 386.º, n.º 1, 389.º, n.º 1 e 2, e 283.º, n.º 3, alínea b), todos do Código de Processo Penal.
Quer dizer, por força do princípio do acusatório e de um processo equitativo, a submissão de um arguido a julgamento em processo sumário importa a prévia indicação dos factos pelos quais o arguido responde, sendo que tais factos constituem o objeto do processo em causa.   
Como refere Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, volume 3, edição de 2020, página 397, em processo sumário «[o] Ministério Público pode substituir a apresentação da acusação pela leitura do auto notícia da autoridade que tiver procedido à detenção».
«Caso seja insuficiente, a factualidade constante do auto de notícia pode ser completada por despacho do Ministério Público proferido antes da apresentação a julgamento, sendo tal despacho igualmente lido na audiência».
In casu.
Dos factos dados como provados, designadamente dos indicados com os n.ºs 27 e 52 a 54 resulta que:
O Magistrado do Ministério Público que recebeu o Auto de Notícia deu-o por reproduzido e acrescentou, nos termos do disposto no artigo 389.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que:
«O Arguido apoucou a consideração pessoal e profissional do Inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em causa. Sabia que o ofendido era membro do órgão de polícia criminal e que o mesmo se encontrava no exercício das respetivas funções, e ainda assim, agiu visando-o no desempenho dessa atividade»;
«Agiu livre, deliberada e conscientemente, sabendo ser proibida e punível a sua conduta»;
O arguido praticou «um crime de injúria agravada, previsto e punível pelos arts. 181.º, n.º 1, e 184.º, com referência ao art. 132.º, n.º 2, alínea l), todos do Código Penal».
Ora, do auto de notícia relativo há detenção do A. não resultavam factos que preenchessem o chamado tipo objetivo de ilícito dos quais pudesse ser imputado ao Arguido, ora A., um crime de injúria agravada.
Do mesmo modo, tais factos não decorrem do apontado acrescento feito pelo Ministério Público antes do julgamento.
Dizer que «apoucou a consideração pessoal e profissional do Inspetor», sem explicitar em concreto em que consistiu um tal apoucamento é nada dizer em termos factuais, nada acrescentando, pois, nessa sede ao auto de notícia.
Tal significa que o A., enquanto Arguido, foi apresentado pelo Ministério Público a julgamento em processo sumário sem que lhe fossem indicados os factos integrantes do denominado tipo objetivo de ilícito relativo ao crime de injúria agravada que lhe foi imputado, o que por si só constitui uma violação do apontado regime decorrente dos indicados artigos 386.º, n.º 1, 389.º, n.º 1 e 2, e 283.º, n.º 3, alínea b), todos do Código de Processo Penal nos termos indicados, razão pela qual se entende que uma tal apresentação a julgamento configura-se como ilícita para os efeitos do indicado artigo 9.º do RCEE.
  No caso, a ilicitude decorre do facto do A. ter sido apresentado a julgamento em processo sumário sem que o Ministério Público lhe indicasse os factos integrantes do tipo objetivo de ilícito em causa, indicação que lhe era exigível que fizesse, pelo que ao assim não proceder a respetiva atuação deve ser assacada como culposa: sendo essa a sua convicção, o agente do Ministério Público podia e devia ter indicado todos os factos que no caso tinha por integrantes daquela imputação juspenal e que justificavam no seu entender a sujeição do Arguido a julgamento em processo sumário.
Da matéria de facto apurada decorre que a apresentação do A., então Arguido, a julgamento causou-lhe enorme revolta e receio, pelo que se conclui pelo caráter danoso de uma tal apresentação.
Bem andou, pois, o Tribunal recorrido quando entendeu que a apresentação do A. a julgamento em processo sumário por impulso do Ministério Público constituiu no contexto em causa, em si mesmo, um ato gerador de responsabilidade civil do Estado, por verificados in casu os pressupostos desta.
4. Do quantum indemnizatório.
(conclusões 68 a 73 e 75).
Em causa estão danos não patrimoniais e, pois, prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária, embora ressarcíveis monetariamente, como forma de compensar o sofrimento que o facto danoso provocou.  
Nos termos do artigo 496.º, n.ºs 1 e 4, e 494.º, ambos do Código Civil, «na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito», sendo que «o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso» «o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso».
Conforme refere Gabriela Páris Fernandes, Comentário ao Código Civil, Direitos das Obrigações, Das Obrigações em Geral, edição de 2018, página 359, «a gravidade do dano afere-se, no entendimento da jurisprudência e da doutrina, segundo critérios objetivos – de acordo com um padrão de valorações ético-culturais aceite numa determinada comunidade, num determinado momento histórico, e, tendo em conta o circunstancialismo do caso (…). O recurso a um critério objetivo na apreciação da gravidade do dano justifica-se para negar as pretensões ressarcitórias por meros incómodos, contrariedades ou prejuízos insignificantes, que cabe a cada um suportar na vida em sociedade, evitando-se, deste modo, uma extensão ilimitada da responsabilidade».
Na situação vertente.
A gravidade é manifesta.
Estamos perante uma detenção injustificada e uma apresentação indevida de uma pessoa a um julgamento-crime sumário.
Ficou demonstrado que em função das circunstâncias de tal detenção e da apresentação do A. a julgamento, este sentiu-se «inferiorizado, humilhado e ofendido na sua honra», «não lhe foi permitido durante três horas ir à casa-de-banho» e quando o deixaram ir «foi escoltado pelo Inspetor do SEF», «o que lhe causou humilhação, sofrimento físico».
Provou-se que «durante o período de tempo que [o A] esteve detido» não lhe foi «permitido (…) contacto com o exterior» e que ele «sentiu-se angustiado por não saber se iria ser prejudicado profissionalmente».
Ficou ainda demonstrado que «desde o dia 12.07.2018 até ao dia do julgamento, 27.07.2018» o A esteve «constantemente ansioso e amedrontado com possibilidade de vir a ser condenado e sem conseguir dormir», «sendo certo que, atualmente, o A. vive com receio de ser detido novamente, uma vez que, continua a prestar as mesmas funções e no mesmo local, e, por tal motivo, encontra-se obrigado a impedir que os Inspetores do SEF, incluindo RM, acedam à zona ar do Aeroporto, sem proceder à respetiva identificação».
As condutas que originam tais danos morais são medianamente culposas.
Tudo ponderado, considerando o apontado regime legal e os danos apurados, entende-se ajustado compensar o Recorrente com o montante indemnizatório de € 5.000,00 (cinco mil euros).
5. Do termo inicial de contagem dos juros moratórios.
(conclusão 74).  
Entende o Recorrente que os juros moratórios apenas devem ser contabilizados a partir do trânsito em julgado da decisão.
Na decisão recorrida tais juros têm como termo inicial de contagem a data da citação.
Analisemos.
O montante indemnizatório arbitrado em 1.ª instância teve em conta o valor da moeda aquando da fixação daquele quantitativo, relevando, pois, tal momento, conforme disposto no artigo 566.º, n.º 2, do Código Civil que preceitua que «a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos».
Ou seja, a atualização da indemnização por danos não patrimoniais reporta-se à data da prolação da sentença de 1.ª instância, o que significa, em consequência, que os juros moratórios são devidos desde então.
Aliás, na matéria, encontra-se fixada jurisprudência nesse sentido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09 de maio de 2002, processo n.º 01A1508, in www.dgsi/pt/jstj/:
«Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação».
Nestes termos, na situação vertente os juros moratórios são devidos a partir da data da sentença de 1.ª instância, isto é, desde o dia 03 de março do corrente ano.
Procede, pois, parcialmente a pretensão do Recorrente, devendo, assim, o presente recurso de ser julgado parcialmente procedente.

VI. DECISÃO
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso, condenando-se o Recorrente a pagar ao Recorrido a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde o dia 3 de março do ano em curso até integral pagamento.
Custas pelo Recorrente e Recorrido na proporção de 63% para aquele e 37% para este – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

Lisboa, 2 de dezembro de 2021
Paulo Fernandes da Silva
Inês Moura
Pedro Martins [voto vencido parcialmente, quer quanto à qualificação da conduta do MP, que não considero ilícita, quer quanto ao montante da indemnização pela detenção ilegal feita pelo elemento do SEF.
Constando de um auto de notícia que um elemento de um órgão de polícia criminal, devidamente uniformizado e identificado, em exercício de funções no seu local de trabalho, área da competência exclusiva desse órgão de polícia, e dotado de um livre trânsito, foi abordado num tom imperativo por um elemento de segurança privada a dizer-lhe que tinha que passar um cartão num leitor a fim de registar e controlar a identificação; e que esse segurança privado insistiu nesse imperativo, em alto e bom som, num tom ameaçador, na presença de diversos passageiros, que ali se encontravam, dizendo que ou passava o cartão no leitor, ou então ia reportar às autoridades competentes, o que correspondia a acusar publicamente aquele órgão de polícia criminal de estar a fazer algo de ilícito; constando isto de um auto de notícia, dizia, considero que a actuação de um magistrado do Ministério Público em levar a julgamento aquele elemento de segurança privado pelo crime de injúrias agravadas, acrescentando àquele auto, a parte correspondente ao dolo e à culpa do segurança privado, no pressuposto lógico de que, em circunstâncias normais esses elementos se verificam, não corresponde à prática de qualquer ilícito.
Aliás, se se visse nesta actuação do MP um ilícito, por se considerar que daquele auto não resultava, de forma evidente, a narração de quaisquer factos objectivos que permitissem sujeitar aquele segurança privado a julgamento sumário pelo crime de injúrias, então esse auto, base da acusação do MP, devia ter sido rejeitado por manifestamente infundado pelo juiz que mandou fazer o julgamento sumário (artigos 386 e 311/2-3-b-d do CPP).
Este juiz, só depois da produção de prova é que veio a considerar que os factos acusados não constituíam afinal crime, o que demonstra que a leitura linear do auto de notícia não permitia, sem mais, essa conclusão.
O autor não qualifica de ilícita a conduta do juiz penal para não ter que reconhecer que, tal como o juiz, também o MP não actuou ilicitamente vendo no auto de notícia os factos suficientes para a acusação. Se esta discussão tivesse sido feita, impondo ao juiz da acção cível que qualificasse ou não a acusação como manifestamente infundada para efeitos de censurar o juiz penal por não ter rejeitado o auto de notícia e para, assim, também eventualmente considerar como ilícita a actuação do juiz, tornaria evidente que actuação do MP não era ilícita, resultado que o autor quis evitar.
Assim, fica só de pé a detenção ilegal em que incorre aquele órgão de polícia criminal e os danos provocados por ela. 
Ora, tendo em consideração casos mais graves de prisão ilegal e os acórdãos que sobre eles recaíram, como casos análogos a ter em conta na quantificação da indemnização (arts. 496 e 8 do CC) – acórdãos do STJ de 27/11/2007, proc. 07A3359 (só sumário - 30.000€ por 120 dias = 250€/dia), de 02/12/2013, revista 730/10.9TVLSB.L1.S1 (só sumário, no sítio do STJ, pág. 51 - 17.500€ por 70 dias = 250€/dia); de 02/07/2015, proc. 1963/09.6TVPRT.P1.S2 (59.700€ por 51 dias = 1170€/dia); e 12/06/2017, proc. 3346/14.7TBALM.L1.S2 (30.000€ por 67 dias = 447,76€/dia) – considero que o montante adequado da indemnização, no caso, devia ficar pelos 1000€].