Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7848/17.5T8LSB.L1-6
Relator: ANA DE AZEREDO COELHO
Descritores: DEFENSOR OFICIOSO
MANDATO FORENSE
INCUMPRIMENTO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PERDA DE CHANCE
ÊXITO DO RESULTADO FINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) O artigo 98.º, n.º 1, da Lei 145/2015, de 9 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados – EOA), instaura uma fundamental igualdade entre o patrocínio com origem convencional ou decorrente de nomeação legal, justamente na fonte da sua constituição, a aceitação pelo advogado.
II) Independentemente da origem formalmente contratual, deve assimilar-se a situação de patrocínio com origem em nomeação legal ao mandato forense com origem em contrato, a saber ao regime do mandato forense previsto no EOA, sub-espécie do mandato civil previsto nos artigos 1157.º a 1184.º, do CC.
III) A prática de um acto processual fora do prazo legal ou a utilização de um meio processual desadequado, fazendo soçobrar a pretensão de interposição de recurso, constituem indubitavelmente uma violação dos específicos deveres do advogado e das normas que os consagram.
IV) Demonstrado o incumprimento, decorre do artigo 799.º, n.º 1, do CC, uma presunção de culpa do obrigado, presunção que sobre o Réu incida o ónus de alegação e prova de que o incumprimento não procede de culpa sua.
V) Pese embora a obrigação de colaboração que impende sobre o patrocinado, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, da citada lei 34/2004, a diligência de um bom pai de família, nas circunstâncias específicas de um profissional do foro, não pode repousar numa vaga asserção feita pelo patrocinado, antes deve mobilizar o esforço de a verificar como adequada à situação jurídica que, com toda a probabilidade, um leigo não poderia apreender.
VI) O dano é a supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito.
VII) A exigência de que o dano indemnizável seja um prejuízo certo  não exclui a consideração de situações em que o dano efectivo e final não é passível de determinação senão probabilística, considerações que têm vindo a ser tratadas e desenvolvidas sob a denominação geral das teorias da perda de chance.
VIII) A perda de oportunidade pode ser considerada um dano autónomo intermédio susceptível de ser indemnizado na medida da viabilidade do resultado perdido, operando-se o denominado trial within the trial.
IX) A chance só adquire relevo e consistência em função dos resultados que se esperam.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM na 6ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I) RELATÓRIO
J…. instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra M…, ambos com os sinais dos autos, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 310.000,00 e juros de mora à taxa legal desde a propositura da acção até integral pagamento.
Alegou, em suma, que o Réu foi nomeado seu patrono, ao abrigo do regime de apoio judiciário, e, por ter interposto recurso fora de prazo, sem pedir a prorrogação do mesmo e sem impugnar adequadamente a decisão que o indeferiu, agiu com negligência que violou a confiança que o Autor nele depositou, bem como os seus deveres deontológicos, com o que causou danos patrimoniais e não patrimoniais ao Autor.
O Réu contestou por excepção, invocando ilegitimidade passiva e activa, ineptidão da inicial e prescrição, e, ainda, por impugnação.
 Houve audiência prévia na qual foram julgadas improcedentes as excepções dilatórias invocadas, foi relegada para final a apreciação da excepção de prescrição, foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Cumprido o demais legal, teve lugar audiência de julgamento após o que foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
O Autor interpôs o presente recurso dessa sentença e, alegando, concluiu como segue as suas alegações:
1 – A sentença ora recorrida encontra-se viciada, porque não considerar como provado que a informação transmitida ao R., apesar de não ser clara, era mais do que suficiente para que um advogado a actuar com o zêlo devido, se apercebesse que se tratava de um processo administrativo e não de um processo judicial.
2 – A classificação de um prazo como administrativo ou judicial, não é uma questão de boa ou má fé; integra-se, isso sim, na questão de saber se o advogado em causa actuou, ou não, com o zêlo devido. Entramos, portanto, na área do cumprimento (ou incumprimento) do mandato forense.
3 – Se a responsabilidade civil do Advogado é de natureza contratual, desde que o ilícito se traduza no incumprimento do mandato forense, não restarão dúvidas de que o erro na classificação de um prazo constitui violação de um dever decorrente da obrigação emergente do mandato forense.
4 – Ao contrário do que se diz na sentença recorrida o dano que é alegado existe – o A. pretendia registar uma marca em seu nome e não o conseguiu. Esse dano não está é quantificado.
5 – Padece, pois a sentença recorrida da nulidades prevista na al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
Termos em que,
Deverá ser revogada a sentença, substituindo-a por outra que condene o R. no pagamento do que se vier a apurar em execução de sentença,
Assim se fazendo JUSTIÇA!!!
O Réu contra-alegou defendendo o bem fundado do julgado.
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. A Ex.ma Senhora Juiz pronunciou-se pela inexistência da nulidade arguida.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II) OBJECTO DO RECURSO
Tendo em atenção as conclusões da Recorrente - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC, quanto a possibilidade de apreciação oficiosa -, cumpre apreciar das seguintes questões:
1) Da nulidade da sentença.
2) Do mérito da sentença quanto à absolvição por não verificados os pressupostos da responsabilidade civil.
III) FUNDAMENTAÇÃO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Estão assentes os factos constantes da decisão de primeira instância, não impugnada quanto a tal:
a) O A., a 21.02.2013, requereu apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação e pagamento de compensação a patrono, indicando como finalidade do seu pedido “propor acção judicial – tipo de acção Propriedade Industrial”, na qualidade de “autor”, com indicação de não ter tido intervenção processual.
b) O R. foi nomeado patrono oficioso do A. em 10.07.2013, em substituição de outra advogada, referindo a O.A – que o “apoio judiciário foi pedido para efeitos de instaurar acção”.
c) Com data de 17.04.2013, o A enviou mail ao Instituto de Propriedade Industrial, comunicando que requereu protecção jurídica para efeitos de recurso e que aguarda decisão.
d) O réu, na qualidade de patrono do A, interpôs o recurso da decisão do INPI, junto do Tribunal de Propriedade Intelectual a 03.10.2013;
e) O R não requereu à Ordem dos Advogados (OA), a prorrogação do prazo.
f) O recurso foi julgado extemporâneo por douta sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual, por terem passado mais de dois meses a contar da decisão do INPI recorrida;
g) Desta decisão, o R. apresentou reclamação, dirigida ao Tribunal da Propriedade Intelectual, com fundamento na apresentação do pedido de protecção jurídica a 25.02.2013;
h) O Tribunal manteve a decisão, referindo que a acção também não foi intentada no prazo de 30 dias a contar da nomeação, nem foi pedida a prorrogação do prazo;
i) O R. apresentou uma Reclamação para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do n.º 2, do artigo 559.º do CPC, que não veio a ser admitida por não ser o meio  próprio para atacar a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que determinou a extemporaneidade do recurso;
j) O R não apresentou recurso e a decisão transitou em julgado;
k) Inconformado com a situação, o A. apresentou participação do R. na Ordem dos Advogados (OA);
l) Tendo a OA aberto processo disciplinar que levou a despacho de acusação do aqui R., mas que terminou com o arquivamento dos autos;
m) O R. depois de ter sido notificado da decisão do TPI, referida em i) não informou o A.;
n) O A transmitiu ao R que “apoio judiciário é para apresentar recurso de nulidade (?) do despacho/notificação de Fevereiro de 2013 a recusar a transmissão da marca em meu nome, recusa que ainda não foi publicada no Boletim da Propriedade Industrial”;
o) A informação prestada pelo A ao R não permitia a este perceber que este pretendia reagir contra uma decisão de suspensão do processo de registo de marca a favor do A enquanto estivesse pendente acção no TAF do Porto, considerada prejudicial.
2. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
2.1. Da nulidade da sentença
2.1.1. Alega o Recorrente que a sentença padece da nulidade prevista nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC por os fundamentos estarem em oposição com a decisão e por se verificar ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Considera que existe oposição entre os fundamentos e a decisão por se ter dado como provado que o Autor transmitiu ao Réu que o “apoio é para apresentar recurso de nulidade do despacho/notificação de Fevereiro de 2013 a recusar a transmissão da marca em meu nome” o que está em contradição com ter igualmente sido considerado provado que a informação prestada pelo A. ao R. não permitia a este perceber que aquele (o A.), pretendia reagir contra uma decisão de suspensão do registo de marca.
2.1.2. Do mero enunciado resulta que a alegada contradição não se verifica entre os fundamentos e a decisão, pelo que não se enquadra a situação na nulidade invocada – artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
A contradição invocada, a existir, seria intrínseca à própria decisão de facto que, justamente, pode ser alterada com esse fundamento, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, se constarem do processo todos os elementos que permitam a alteração, ou anulada, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), se esses elementos não constarem do processo.
Assim enquadrada juridicamente, vejamos se se verifica a alegada contradição.
2.1.3. O primeiro facto refere-se à informação prestada pelo Autor ao Réu, quando este foi nomeado patrono, quanto à finalidade da nomeação. Foi julgado provado que o Autor disse ao Réu que essa finalidade consistia em apresentar recurso de nulidade do despacho/notificação de Fevereiro de 2013 a recusar a transmissão da marca em meu nome.
O segundo facto refere que essa informação quanto à finalidade não permitia que o Réu percebesse que o Autor pretendia reagir contra uma decisão de suspensão do registo de marca.
Ou seja, enquanto o primeiro afirma uma informação genérica, o segundo afirma que tal informação genérica não permitia que o Réu soubesse o que especificamente era pretendido. Não existe qualquer contradição entre uma coisa e outra pelo que, mesmo considerada como pretendendo alteração da matéria de facto improcede a pretensão.
2.1.4. Entende ainda o Recorrente que se verifica a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do CPC, na modalidade de ininteligibilidade da decisão.
A tal respeito refere que foi considerada questão de boa ou má fé a do conhecimento da natureza administrativa do prazo para recurso.
Não é assim, como resulta da mera leitura da decisão. As questões relativas à má-fé das partes foram apreciadas separadamente daquelas que se referiam aos pressupostos da responsabilidade civil, sendo claro o que se argumenta numas e noutras.
Não vemos a ininteligibilidade na sentença, nem o Recorrente a indicou em concreto, limitando-se a uma arguição vaga e genérica, aliás contraditória com a perfeita compreensão da decisão que o recurso evidencia.
Improcede também a arguição de nulidade nesta parte.
2.1.5. Defendeu ainda o Recorrente que a sentença está ferida da nulidade a que alude a alínea d) da norma citada, a qual estatui: é nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Fê-lo citando a norma, mas não o que determinaria a integração da sua previsão no caso concreto da sentença recorrida. Admite-se que queira argumentar que a questão do conhecimento da natureza do prazo não foi apreciada senão em sede de apreciação da eventual litigância de má-fé, numa outra perspectiva do que se apreciou no ponto anterior.
Mas não tem razão ao assim alegar uma vez que a sentença abordou expressamente essa questão como se vê do trecho que se transcreve:
Ficou demonstrado que o R interpôs recurso da decisão que suspendeu o pedido de averbamento da transmissão da marca fora de prazo, tal como ficou demonstrado que o R não pediu qualquer prorrogação de prazo para apresentar esse recurso. Mas também ficou demonstrado que não o fez porque não se apercebeu que o prazo para interpor recurso corria durante as férias judiciais, que se tratava de um prazo administrativo, seguido.
Pode discutir-se se seria exigível ao R que se apercebesse de que se tratava de um prazo administrativo. Por um lado, o pedido de nomeação de patrono referia ter como objectivo “intentar acção”, por outro o A mencionou desde logo que pretendia “apoio judiciário é para apresentar recurso de nulidade (?) do despacho/notificação de Fevereiro de 2013 a recusar a transmissão da marca em meu nome, recusa que ainda não foi publicada no Boletim da Propriedade Industrial”, ou seja, mesmo que o A não tenha sido muito esclarecedor do que pretendia, mesmo que a informação que foi fornecida não tenha sido suficiente  (ou tenha sido excessiva e por isso confusa) para que o Réu percebesse o que o A pretendia, parece-nos que – pelo menos – resultava claro que a decisão que o A pretendia atacar era uma decisão administrativa e, como tal, os prazos para reagir da mesma também o seriam. Contudo, como já mencionámos, os pressupostos do direito a ser indemnizado não se esgotam na ilicitude, nem na culpa. No caso dos autos, o que nos parece relevar é que o dano que é alegado não existe e, por maioria de razão, o nexo de causalidade.
Não se verifica qualquer omissão pelo que improcede a arguição de nulidade.
2.2. Do mérito da sentença
2.2.1. O Autor impetra a condenação do Réu em indemnização decorrente de lhe imputar negligência, no exercício do patrocínio forense, causadora de danos.
Conforme resulta da matéria de facto apurada, o Réu é advogado e, nessa qualidade, foi nomeado patrono do Autor, em substituição de anterior advogado, para o representar num processo que corria termos no INPI, no qual o Autor peticionava o averbamento em seu nome de uma marca nacional registada. Mais se apurou que em concreto o Autor pretendia impugnar judicialmente uma decisão de suspensão da instância por pendência de causa prejudicial.
A situação enquadra-se, em consequência, na norma do artigo 16.º, n.º 1, alínea b), da Lei 34/2004, de 29 de Julho, que estabelece em concreto que o apoio judiciário compreende as seguintes modalidades (…) nomeação e pagamento da compensação de patrono.
 O artigo 98.º, n.º 1, da Lei 145/2015, de 9 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados – EOA), instaura uma fundamental igualdade entre o patrocínio com origem convencional ou decorrente de nomeação legal, justamente na fonte da sua constituição, a aceitação pelo advogado[1].
Por seu turno, o Regulamento 330-A/2008, de 24 de Junho[2], relativo à organização e funcionamento do sistema de acesso ao direito e aos tribunais, assimila o patrocínio aos deveres constantes do EOA, conforme resulta patente da norma do seu artigo 10.º que se transcreve na parte pertinente: sem prejuízo dos deveres previstos no Estatuto da Ordem dos Advogados, na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais e na Regulamentação em vigor, constituem deveres dos Advogados, designadamente os seguintes: a) exercer o patrocínio judiciário, por nomeação da Ordem dos Advogados, no rigoroso cumprimento de todas as regras deontológicas.
Entendemos assim, que, independentemente da origem formalmente contratual, tal determina que deve assimilar-se a situação de patrocínio com origem em nomeação legal ao mandato forense com origem em contrato, a saber ao regime do mandato forense previsto no EOA, sub-espécie do mandato civil previsto nos artigos 1157.º a 1184.º, do CC.
Concordamos assim inteiramente com a primeira instância quanto ao enquadramento da responsabilidade em sede contratual, o que, não obstante, não conduzirá a resultados dissemelhantes dos que seriam obtidos em enquadramento aquiliano.
Na verdade, a distinção tradicional entre responsabilidade contratual e extra-contratual não oculta a matriz comum da responsabilidade civil, a similitude dos respectivos pressupostos e as numerosas normas de aplicação comum[3].
Como foi delimitada, a responsabilidade civil nasce da prática de um acto ilícito, que consiste, como veremos adiante, na violação de um dever.
Este dever pode ser uma obrigação em sentido técnico ou outro dever: no primeiro caso, a responsabilidade diz-se obrigacional e no segundo extra-obrigacional, delitual ou aquiliana[4].
2.2.2. No caso dos autos, ficou estabelecido o facto nos termos que constam da sentença recorrida e que as partes não impugnaram, como a ocorrência de um atraso na apresentação do recurso e a utilização de um meio inadequado para reagir à sua rejeição.
Nos termos do EOA, em qualquer situação de patrocínio, convencional ou legal, deve o advogado estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito todos os recursos da sua experiência, saber e atividade – artigo 100.º, alínea b), do EOA -, tendo o dever de agir de forma a defender os interesses legítimos do cliente, sem prejuízo do cumprimento das normas legais e deontológicas – artigo 97.º, n.º 2, do EOA – e  de atuar com diligência e lealdade na condução do processo – artigo 108.º, n.º 1, do EOA.
A prática de um acto processual fora do prazo legal ou a utilização de um meio processual desadequado, fazendo soçobrar a pretensão de interposição de recurso, constituem indubitavelmente uma violação destes específicos deveres do advogado e das normas que os consagram.
Do que decorre estar demonstrado o incumprimento da obrigação que vincula o advogado ao seu patrocinado, o Réu ao Autor. Verificado este incumprimento, decorre do artigo 799.º, n.º 1, do CC, uma presunção de culpa do obrigado, no caso o Réu, presunção que determina deva este provar que tal culpa não se verifica.
 (…) é sobre o R que incide o ónus de alegação e prova de que o incumprimento não procede de culpa sua, cabendo-lhe, consequentemente, alegar, em termos processualmente adequados, os factos que sejam susceptíveis de ilidir aquela presunção de culpa que o onera, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 2011, proferido no processo 3830/06.6 TBBRG.G1.S1 (Lopes do Rego), ónus para cujo cumprimento não basta negar, de forma genérica, global e factualmente indeterminada, a existência de culpa no incumprimento : na verdade, se não impugnar o facto do incumprimento que está na base da aludida presunção , terá que invocar factos impeditivos da ilação que a lei extrai desse incumprimento ( «objectivo») da obrigação, mostrando – através da sua versão factual, minimamente concretizada e densificada e oportunamente deduzida no processo – que foi diligente, se esforçou por cumprir, usando as cautelas e zelo que utilizaria um «bom pai de família» nas concretas circunstâncias do caso, - decorrendo, afinal, o incumprimento de factores e circunstâncias que, escapando inteiramente ao seu domínio, lhe não foi possível controlar adequadamente.
No caso dos autos, o Réu indicou a actuação do Autor para, em suma, demonstrar que a sua percepção do que estava em causa não foi correcta por facto imputável ao Autor.
Resultou quanto a tal provado que o A transmitiu ao R que o apoio judiciário é para apresentar recurso de nulidade (?) do despacho/notificação de Fevereiro de 2013 a recusar a transmissão da marca em meu nome, recusa que ainda não foi publicada no Boletim da Propriedade Industrial e que a informação prestada pelo A ao R não permitia a este perceber que este pretendia reagir contra uma decisão de suspensão do processo de registo de marca a favor do A enquanto estivesse pendente acção no TAF do Porto, considerada prejudicial.
Pese embora a obrigação de colaboração que impende sobre o patrocinado, nos termos do artigo 31.º, n.º 2, da citada lei 34/2004, a diligência de um bom pai de família, nas circunstâncias específicas de um profissional do foro, não pode repousar numa vaga asserção feita pelo patrocinado, antes deve mobilizar o esforço de a verificar como adequada à situação jurídica que, com toda a probabilidade, um leigo não poderia apreender. É o que justifica a existência do patrocínio/mandato forense por profissionais especialmente qualificados.
Considerando o critério normativo que resulta do artigo 487.º, n.º 2, ex vi artigo 799.º, n.º 2, ambos do CC, tem de concluir-se por facto imputável ao Réu a título culposo na modalidade de negligência.
Diga-se que em sede de responsabilidade aquiliana, também a ilicitude decorreria da violação daquelas normas do EOA por força do disposto no artigo 483.º do CC e a culpa seria apreciada nos mesmos termos, embora sem interposição da norma do artigo 799.º, n.º 2, do CC.
Demonstrada se encontra a prática pelo Réu de um facto ilícito e culposo.
 2.2.3. A obrigação de indemnizar em sede de responsabilidade civil encontra o seu assento global genérico nos artigos 562.º e seguintes do Código Civil, sendo seus princípios basilares que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação – artigo 562.º - sendo que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Previamente, importa considerar que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – artigo 563.º.
O que concita os restantes pressupostos da responsabilidade civil - dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano. Justamente, está em causa neste recurso a verificação do pressuposto da responsabilidade civil consistente na (in)existência de dano e (consequentemente) de nexo de causalidade entre o facto e o dano.
O conceito jurídico de causalidade, excluída que está a causalidade puramente naturalística, é e foi objecto de diversas abordagens e teorias sempre com vista a encontrar o conceito de causa apropriado à realização dos objectivos específicos do direito e, mais concretamente, tendo-se em vista os princípios que inspiram a responsabilidade civil (…)[5].
Partindo dos conceitos de condição de ocorrência de um facto e causa do mesmo, as teses dividiram-se entre dois grandes grupos, consoante aceitavam como causa todas as condições sem as quais o facto não teria ocorrido (doutrina da equivalência das condições ou da conditio sine qua non) ou, pelo contrário, distinguiam de entre as condições aquelas que podiam merecer o qualificativo de causa (doutrinas selectivas).
O legislador português consagrou no artigo 563º supra transcrito a denominada tese da causalidade adequada[6], a saber, considera-se causa de um prejuízo a condição que, em abstracto, se mostra adequada a produzi-lo.
(…)
Assim, deverá entender-se, no primeiro domínio [factos ilícitos], que o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais[7].
Este o quadro em que deve analisar-se o facto ilícito em causa nos autos e a sua repercussão danosa.
2.2.4. O Autor indicou que dano considera ter-se produzido e pretende seja apreciado neste recurso, como resulta da conclusão 4, a saber, o dano decorrente da impossibilidade de registo da marca em seu nome.
Na perspectiva da responsabilidade civil, pode dizer-se, liminarmente, que dano ou prejuízo é toda a ofensa de bens ou de interesses alheios protegidos pela ordem jurídica[8].
Os danos podem ser classificados segundo diversos critérios[9]. Avultando a tradicional classificação entre danos patrimoniais e não patrimoniais, muitas outras são possíveis, quer escapando àquela dicotomia, quer enfatizando o momento de produção dos danos, quer sublinhando a diferença entre a perda de um valor ou de um ganho. Múltiplos critérios que, afinal, apenas pretendem conseguir o desiderato principal da responsabilidade civil: conseguir que o lesado resulte indemne quanto a prejuízos que lhe não são imputáveis e a que o direito atribui relevância.
Uma primeira dimensão de consideração do dano tem uma expressão naturalística, a recolher da realidade da vida, que importa integrar numa dimensão jurídica que incorpora a sua relevância indemnizatória.
Como refere o Professor Menezes Cordeiro:
O dano é a supressão ou diminuição de uma situação favorável: uma noção natural de dano, a confrontar com o correspondente conceito jurídico.
O dano jurídico, ou simplesmente dano, tem, na sua génese, a ideia naturalística atrás aludida. Simplesmente, deriva de uma valoração operada pelo Direito, de tal forma que pode não coincidir totalmente com o primeiro.
Em sentido jurídico, diremos que o dano é a supressão ou diminuição de uma situação favorável, reconhecida ou protegida pelo Direito[10].
2.2.5. É esta situação favorável que importa considerar na reponderação que o Recorrente suscita, face à sentença que julgou não se encontrar demonstrada a verificação de um dano.
 A situação favorável de que se viu privado, diz o Autor, é a de obtenção do averbamento da titularidade da marca peticionado ao INPI, suprimindo, em concreto, o obstáculo que constitui o despacho de suspensão por pendência de causa prejudicial.
Em suma, sendo o facto constituído pela apresentação do recurso fora de prazo e pela reacção por meio processual inadequado à rejeição por extemporaneidade, invocou o Autor como dano a impossibilidade de registar a marca “Global” em seu nome.
A sentença recorrida entendeu que não se verificava dano ou nexo de causalidade uma vez que a decisão a impugnar era uma mera decisão de suspensão do pedido de averbamento de marca, até se encontrar decidida a acção que o Autor havia intentado junto do TAF do Porto. Desta última, não daqueloutra, diz a sentença, poderia resultar a impossibilidade de registo da marca em nome do Autor.
Ou seja, concluiu a sentença, o facto de o R não ter intentado em prazo o recurso e de não ter contra o seu não recebimento reagido da forma adequada, não têm a potencialidade de produzir os efeitos que o A imputa: “não viu a marca Global registada em seu nome”.
Isso mesmo resulta dos factos considerados não provados, sem qualquer impugnação: não provado que, além destes, sofreu ainda o A. elevados prejuízos materiais, já que na qualidade de recorrente da decisão do INPI, não viu a Marca GLOBAL registada em seu nome, como era sua legítima pretensão.
Não podemos senão concordar com a decisão de primeira instância, uma vez que nada resulta nos autos de que possa concluir-se ter ocorrido a recusa do averbamento. Acresce dizer que, mesmo que tivesse ocorrido, concorda-se inteiramente com a sentença recorrida quando refere que o despacho de suspensão não é idóneo à produção daquele resultado, uma vez que apenas tem a virtualidade de diferir a apreciação do pedido para momento ulterior.
Ou seja, o facto ilícito praticado pelo Réu não é adequado à produção daquele resultado, o que excluiria a causalidade se não estivesse já excluído o dano.
2.2.6. A alegação de impossibilidade de averbamento inclui a alegação de demora desse averbamento.
A demora resultaria, então, da não impugnação efectiva da decisão de suspensão e a relação estabelecer-se-ia com danos decorrentes dessa demora. Ora, nenhuns foram invocados a esse título.
2.2.7. De uma outra perspectiva foi invocada e tratada nos autos a questão dos danos ressarcíveis, qual seja a da perda da possibilidade de recurso. Neste contexto se pode entender a alegação do Recorrente de que o dano se verificou e está demonstrado, embora não esteja quantificado. Vejamos se assim é.
A exigência de que o dano indemnizável seja um prejuízo certo[11] não exclui a consideração na doutrina e na jurisprudência de situações em que o dano efectivo e final não é passível de determinação senão probabilística, considerações que têm vindo a ser tratadas e desenvolvidas sob a denominação geral das teorias da perda de chance.
Tipicamente a situação dos autos enquadra-se entre os grupos de casos de desenvolvimento destas teses de fundamento de responsabilidade civil.
Embora o problema se ponha em geral na responsabilidade civil, a experiência prática permitiu distinguir em vários países diversos grupos de casos em que a ressarcibilidade da perda de chance é mais frequentemente questionada: (…) casos de perda de oportunidades processuais, por responsabilidade do advogado, em que se não sabe qual teria sido o resultado do processo caso o advogado tivesse procedido diligentemente, mas pode dizer-se que o lesado perdeu uma hipótese ou possibilidade de conservação ou satisfação dos seus direitos[12].
A doutrina da perda de chance[13] é susceptível de enquadramentos que vão desde a consideração de uma causalidade probabilística até à definição da perda da oportunidade como dano emergente autónomo indemnizável, estabelecendo-se entre este dano “intermédio” e o facto uma causalidade directa e adequada[14].
Assim, uma abordagem pretende resolver o problema em sede de causalidade alargando o limiar de relevância desta, e bastando-se, quando necessário, com a mera elevação do risco[15]enquanto outra consiste, justamente, na autonomização da protecção da chance para efeitos de responsabilidade civil. Esta solução apresenta-se já, não no plano da causalidade, mas sob o perfil do bem atingido, autonomizando a chance como bem ressarcível. Segundo ela, em casos de causalidade probabilística (“probabilistic causation”) pode dizer-se que o evento lesivo privou o lesado de determinadas oportunidades (de cura, sobrevivência ou obtenção do benefício do processo), as quais deveriam ser ressarcidas. Para tanto, dever-se-ia condenar o lesante pelo prejuízo que se verificou, ou vai verificar, mas reduzindo o montante da indemnização na razão da probabilidade de que o dano se tivesse igualmente produzido se o lesante não tivesse destruído a chance ou oportunidade[16].
Embora a inserção conceptual seja diversa, o resultado em sede de imputação de responsabilidade civil tem similitudes, sabendo-se que as fronteiras entre a causalidade e o dano não têm a nitidez que uma visão conceptual pretenderia salvaguardar, vista a noção jurídica e não naturalística de um e outro, a delimitação do dano através da causalidade e a ponderação desta em relação com aquele. Ou seja, a questão releva mais do sistema móvel de perspectivação global dos conceitos do que da sua rígida distinção.
Ao invés, eu tentei encontrar uma «ordem interna» para o direito da responsabilidade civil pressupondo que este instituto não se deixa reconduzir a uma ideia unitária, mas antes resulta de um jogo de pontos de vista, que podem ser apreendidos científica e legalmente como elementos ou, como doravante o quero formular, como forças móveis.
O método aqui proposto destina-se a conformar o sistema do direito privado de tal modo que, sem perda da sua consistência interna, adquira a aptidão para receber em si mesmo as múltiplas forças da vida. Isto tem, antes de mais, um significado dogmático. A sua utilização para o direito positivo é uma questão de «técnica legislativa» e, na medida em que a doutrina e a praxis contribuem para o desenvolvimento do direito, uma questão de temperamento jurídico[17].
Acolhemos a perspectiva de que a perda de oportunidade pode ser considerada um (i) dano autónomo intermédio (ii) susceptível de ser indemnizado na (iii) medida da viabilidade (de 0% a 100%) do resultado perdido.
Tendo tal horizonte em vista, analisar-se-á o caso concreto. Verifica-se uma perda da oportunidade de recorrer cujo nexo de causalidade com o facto ilícito (apresentação do requerimento fora de prazo) é directo, aplicando a doutrina da causalidade adequada a que acima se fez referência e nos termos do disposto no artigo 563.º do CC.
Todavia, todos os sistemas que admitem o dano da perda de chance têm que colocar exigências quanto ao tipo de chance que estão dispostos a tutelar: como se verá terá de se tratar de uma chance séria ou de uma expectativa que não poderá ser meramente fáctica[18].
A viabilidade da pretensão surge quase sempre como um requisito da indemnização em situações de perda de chance, nomeadamente nas caracterizadas quanto a contratos públicos pela Directiva 92/13/CEE do Conselho de 25 de Fevereiro de 1992, relativa à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público artigo 2.º, n.º 7[19], ou nos princípios UNIDROIT 2010[20] em cujo ponto 7.4.3. 2 se lê compensation may be due for the loss of a chance in proportion to the probability of its occurrence.
O Supremo Tribunal de Justiça, depois de inicialmente ter recusado a perda de chance como fundamento específico da responsabilidade civil, superando a dificuldade que o conceito visa resolver através de diferentes institutos, tem vindo a construir uma jurisprudência quase pacífica na consideração da perda de chance como (i) dano emergente, (ii) autónomo do dano final, (iii) indemnizável na medida da probabilidade de a oportunidade desembocar em êxito final.
Como refere Júlio Gomes num texto mais recente do que o anteriormente citado[21], a hesitação da nossa jurisprudência é inteiramente compreensível face à delicadeza do tema: a doutrina da perda de chance aparenta ser apenas o reconhecimento de uma determinada espécie de dano como um dano autónomo, mas, na verdade, traz consigo uma outra visão do problema da causalidade incerta.
No que se refere à perda de oportunidades processuais imputável ao advogado, vem o STJ defendendo a realização de um julgamento dentro do julgamento[22] com vista a apurar a viabilidade de êxito da pretensão perdida[23] única possibilidade de indemnização.
Assim, indicam-se alguns dos acórdãos mais recentes.
 Acórdão de 26-10-2010, proferido no processo 1410/04.OTVLSB.L1.S1 (AZEVEDO RAMOS), numa situação de não instauração em prazo de acção de impugnação de despedimento, indica a certeza dos danos e a doutrina da causalidade adequada como obstando à consideração da perda de chance, sendo que parece retirar do caso concreto que a mesma nunca se verificaria.
Face à posição da doutrina que ficou exposta, entendemos que a perda de chance em sentido jurídico não releva, no caso em apreciação, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada.
Com efeito, perante os factos provados, a falta de instauração da acção de impugnação do despedimento colectivo não se trata de uma situação em que a chance já esteja suficientemente densificada, para, sem se cair no arbítrio do tribunal, se poder falar numa quase propriedade ou num bem digno de tutela.
Acórdão de 06-03-2014, proferido no processo 23/05.3TBGRD.C1.S1 (PINTO DE ALMEIDA), numa situação em que o advogado convencera o autor a intentar acções que não lograram êxito antes causaram prejuízo, foi considerado que se não verificava o facto ilícito, tendo o STJ, apesar disso, indicado que os pressupostos da ressarcibilidade da perda de chance em termos de aderir à posição de que a mesma depende da probabilidade de êxito da oportunidade perdida seguindo a autora que cita.
(…) "de um só golpe, o facto do agente destrói as expectativas existentes e inviabiliza a obtenção do resultado esperado. O desaparecimento do elemento intermédio traz, por arrastamento, o desaparecimento do resultado final que eventualmente se viria a verificar".
Acórdão de 30-04-2015, proferido no processo 338/11.1TBCVL.C1.S1 (MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA), numa situação de interposição intempestiva de uma acção de indemnização por danos em empreitada, o STJ admitiu a ressarcibilidade de perda de oportunidade e estabeleceu um julgamento dentro do julgamento para apurar a consistência da chance.         
IV - Numa acção movida contra mandatário forense, com fundamento em não ter proposto, no prazo legal, acção de reparação de danos decorrentes de defeitos num imóvel, independentemente da divergência relativamente ao prazo de caducidade aplicável, a perda de oportunidade só poderia fundamentar uma indemnização se, para além da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil, pudesse reconhecer-se uma elevada probabilidade de vir a ser declarada a caducidade do direito à reparação dos defeitos e, simultaneamente, uma elevada probabilidade de procedência da acção correspondente se tivesse sido instaurada a tempo.
V - Não sendo linear qual o regime aplicável, nem tendo sido uniformizada jurisprudência que, com elevada probabilidade, seria seguida se a acção tivesse sido intentada, não pode concluir-se que, se essa acção tivesse sido proposta, teria sido julgada improcedente por caducidade do direito exercido, posto que os demais elementos de facto e de direito apontassem no sentido de haver uma forte probabilidade de ganho de causa.
VI - A indemnização por perda de oportunidade de apreciação judicial, entendida como dano autónomo e susceptível de ser indemnizado mesmo que não se consiga estabelecer um nexo de causalidade entre a propositura (hipoteticamente) tardia da acção e os danos decorrentes dos defeitos do imóvel comprado pela autora, tem por base a forte probabilidade de procedência da acção, se tivesse sido proposta, e não um julgamento a posteriori pelo tribunal da acção de indemnização.
Acórdão de 16-02-2016, proferido no processo 2368/13.0T2AVR.P1.S1 (GABRIEL CATARINO) , numa situação de interposição de recurso sem cumprimento dos ónus relativos à impugnação da matéria de facto, o STJ negou a indemnização por considerar que o recurso sempre estaria votado ao insucesso, enunciando embora a posição da perda de chance como dano intermédio a indemnizar segundo as probabilidades de êxito do resultado perdido.
Não ocorre o necessário nexo causal entre o comportamento omissivo do mandatário e a perda de oportunidade, que se traduziria num ganho da acção e, consequentemente, na recuperação do dinheiro que entregou à pessoa indicada nos cheques, por via do recurso interposto.   
Nem na mais liberal tese da teoria da perda de oportunidade formulada pelos sequazes desta teoria, com os elementos constantes do processo, seria possível prefigurar a hipótese de um ganho com o expediente recursivo expedido pelo mandatário faltoso.
Na verdade, efectuando um juízo dentro do juízo, não se vislumbra a existência de um oportunidade de ganho de causa que propiciasse ao demandante a obtenção de benefícios que julga terá deixado de obter se o recurso tivesse sido interposto tempestivamente. É que mesmo interposto (o recurso) em tempo justo, em nosso juízo, a probabilidade/possibilidade de ganho do recurso e, consequentemente, de obtenção da devolução das quantias desembolsadas, seria nulas, ou com um grau de probabilidade a rondar os 100%.
Acórdão de 11-01-2017, proferido no processo 540/13.1T2AVR.P1.S1 (ALEXANDRE REIS), numa situação de interposição extemporânea do recurso, o STJ considerou que a indemnização suporia ao menos elevado grau de probabilidade ou verosimilhança de êxito no recurso.
Por conseguinte, aderindo a uma tal proposta de solução jurídica da questão em apreço, sempre seria necessário que se concluísse, com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança, que, se não tivesse sido essa chance perdida em consequência da conduta negligente da R, o aqui A teria alcançado a suspensão da execução da pena de prisão (efectiva) de 3 anos e 9 meses em que fora condenado ou, em suma, que se verificou o seu real insucesso porque a R não fez o devido uso dos meios técnico-jurídicos requeridos pelas respectivas regras profissionais. Para tanto, exigir-se-ia a demonstração de, pelo menos, uma probabilidade de sucesso razoável no recurso a interpor.
Acórdão de 30-03-2017, proferido no processo      12617/11.3T2SNT.L1.S1.S1 (OLINDO GERALDES), numa situação em que não foi proposta a acção por causa imputável ao mandatário, tendo o STJ considerado verificada a perda de chance pelo facto de não propositura da acção, ponderando que, face à intervenção provável da contraparte na acção, deve considerar-se uma probabilidade de ganho de 50%, sendo que a probabilidade, embora apreciada abstractamente, não configura a mera perda da oportunidade de propositura como susceptível de ser indemnizada.
Na verdade, o dano que emerge da falta de propositura da ação corresponde à impossibilidade de apreciação jurisdicional da pretensão jurídica, uma desvantagem jurídica, impossível de determinar, dado o desconhecimento da materialização dessa desvantagem jurídica.
Está o advogado, no entanto, obrigado a uma prestação profissional diligente, com o fim de obter o êxito da ação, mais ou menos provável, mas incerto. Nessa medida, para além da probabilidade abstrata de sucesso da ação, que existe, interessa atender ao resultado da ação suscetível de advir da contestação da parte contrária, justificando-se, por isso, na falta de um critério mais justo, a repartição igualitária do proveito económico da ação.
Acórdão de 21-03-2018, proferido no processo 917/11.7TAGMR. G1.S1 (PIRES DA GRAÇA) , numa situação de imputação de negligência médica, o STJ considera a perda de chance com incidente em sede de consideração do nexo de causalidade e de ultrapassagem da doutrina clássica a tal respeito.
Trata-se de uma técnica a que se recorre no âmbito quer da responsabilidade contratual, quer da responsabilidade extracontratual (e mesmo pré-contratual, conforme acima referido) para ultrapassar as dificuldades de prova do nexo causal, pretendendo-se com a mesma evitar-se a solução drástica, e em muitos casos injusta, a que conduz o modelo tradicional do tudo ou nada.
A teoria da perda de chance, ou oportunidade perdida, tem ainda a consequência de distribuir entre as partes o peso da incerteza, colocando o agente a responder apenas em proporção da medida em que foi o causador do dano. A mesma foi desenvolvida por forma a obter-se uma solução que se pretende equilibrada, adequando-se ao sentimento da comunidade jurídica de repugnância perante situações em que, segundo o modelo tradicional, o agente era exonerado em consequência das dificuldades probatórias, dificuldades estas, aliás, causadas pelo próprio facto ilícito.
Mas, por outro lado, a aplicação de tal teoria também evita outro resultado igualmente injusto, qual seja o de obrigar o demandado a reparar um dano que pode não ter causado, ou causado totalmente.
Acórdão de 17-05-2018 e de 05-07-2018, proferido no processo 236/14.7TBLMG.C1.S1 e 2011/15.2T8PNF.P1.S1 (MARIA DA GRAÇA TRIGO), numa situação de incumprimento por mandatário de notificações da administração fiscal, o STJ considerou verificado um dano autónomo emergente ligado à probabilidade de ganho da acção.
Do primeiro (236),
A reparabilidade do dano de perda de chance encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente na jurisprudência do STJ, que, em matéria de chance processual, tem seguido a orientação de que o dano daí resultante é indemnizável se se tratar de uma chance consistente, designadamente, se se puder concluir “com elevado grau de probabilidade ou verosimilhança” que o lesado obteria certo benefício não fora a chance processual perdida.
Assim, “desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo” (cfr. Acórdão do STJ de 30/11/2017, proc. 12198/14.6T8LSB.L1.S1).
Em suma, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.
Demonstrada assim essa espécie de dano, questão diferente será já a avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Será também neste plano de avaliação que se poderá lançar mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.
Acórdão de 30-05-2019, proferido no processo 6720/14.5T8LRS.L2.S2 (ROSA TCHING), numa situação em que não fora apresentada contestação pelo advogado, tendo o STJ considerado a perda de chance como um dano autónomo a ressarcir pelas regras da equidade e segundo a probabilidade de êxito ou seja de se atingir o resultado pretendido caso a contestação tivesse sido apresentada.
Assim, transpondo esta qualificação da “perda de chance” como dano autónomo para o campo da responsabilidade civil contratual por perda de chance processual e adotando a metodologia seguida nestes mesmos acórdãos, diremos  que, para se fazer operar tal responsabilidade, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado  como altamente provável pelo tribunal da causa.
Acórdão de 15-11-2018, proferido no processo 296/16.6T8GRD.C1.S2 (ROSA TCHING) , numa situação de não interposição de recurso pelo advogado, o STJ considerou a perda de chance como um dano autónomo a ressarcir pelas regras da equidade e segundo a probabilidade de êxito do resultado pretendido se o facto tivesse sido praticado.
A perda de oportunidade ou “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, traduz-se num dano autónomo desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por  suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados em cada caso concreto.
Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atentando no que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.
E, num segundo momento, caso se conclua afirmativamente pela existência de uma perda de chance processual consistente e séria e pela verificação de todos os demais pressupostos da responsabilidade contratual (ocorrência do facto ilícito e culposo e imputação da perda de chance à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada), proceder à apreciação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença, nos termos prescritos no art. 566º, nº 2, do C. Civil, lançando-se mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do nº 3 deste mesmo artigo.
Acórdão de 19-12-2018, proferido no processo      1337/12.1TVPRT.P1.S1 (FONSECA RAMOS) , numa situação em de má prática de advogado relacionada com expurgo de hipotecas, o STJ admite a perda d echance com base no julgamento dentro do julgamento, embora se afigure que sem tomada de posição expressa quanto à qualificação como dano emergente.          
Para que se considere autónoma a figura de “perda de chance”, como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante, não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade numa perspectiva “de tudo ou nada” – sem que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito da responsabilidade civil, mas, antes, ponderar como requisito caracterizador dessa autonomia, se se pode afirmar, no caso concreto, que o lesado tinha uma chance, uma probabilidade séria, real, de, não fora a actuação que frustrou essa chance, obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse, e/ou que a actuação omitida, se não tivesse ocorrido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou se não se evita uma desvantagem por actuação culposa imputável a terceiro. Estando em causa uma obrigação de meios e não de resultado, como é o caso do contrato de mandato forense – art. 1157º do Código Civil – a omissão da diligência, postulada por essa obrigação, evidencia de forma mais clara, que a perda de chance se deve colocar mais no campo da causalidade e não do dano, devendo ponderar-se se a omissão do procedimento postulado pelas leges artis inerentes (exigíveis, contratualmente e de harmonia com imposições deontológicas – consagradas no Estatuto da Ordem dos Advogados – Lei nº145/2015, de 9.9), foi determinante para a perda de chance sendo esta real, séria e não uma mera eventualidade, suposição ou desejo[5], capaz de proporcionar a vantagem que o lesado prosseguia.
Acórdãos de 10-01-2019 e de 30-11-2017, proferidos nos processos 3595/16.3T8GMR.G1.S1 e 12198/14.6T8LSB.L1.S1 (TOMÉ GOMES) , numa situação de caducidade da acção de impugnação de despedimento imputável ao mandatário, o STJ parece tomar posição no sentido de que a perda de chance apenas pode enquadrar-se na responsabilidade civil enquanto dano autónomo da categoria dos danos emergentes, embora problematize a questão de a perda de chance ser indemnizável desligada do resultado final, acaba por fazer o julgamento dentro do julgamento.
Do primeiro (3595),
Não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados[1].
Assim, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo. 
É certo que se poderá colocar a questão de saber se, em tais casos, estamos ainda em sede de identificação do dano ou já no plano do estabelecimento do seu nexo de causalidade, sabido como é que a definição da chance perdida terá de ser feita sempre na perspetiva do resultado final para que tende.
De todo o modo, uma coisa será, em primeira linha, identificar a própria perda de chance com consistência suficiente, em função do resultado final hipotético definitivamente perdido, para ser qualificada como dano emergente e certo, outra algo diferente será depois imputar essa perda à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada. Embora se reconheça que essa dicotomia seja discutível, se concentrarmos o juízo de probabilidade na aferição da consistência necessária à identificação do dano, já o estabelecimento do seu nexo de causalidade com a conduta ilícita se revela facilitado.
Nesse conspecto, o juízo de probabilidade sobre a consistência da perda de chance deve “ser encarado com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo”
Problemático será saber quais os índices de probabilidade para o reconhecimento da perda de chance como dano autónomo, ou seja, se a própria probabilidade de vantagem perdida pode ser reconhecida como juridicamente relevante, não obstante a impossibilidade de demonstração do respetivo resultado final.
Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, parece mais curial ponderar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.
Nessa base, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.
Em suma, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.
Acórdão de 14-03-2019, proferido no processo      2743/13.0TBTVD.L1.S1 (HELDER ALMEIDA) , numa situação de omissão da prática de actos processuais imputável ao advogado, o STJ considerou a perda de chance como dano em relação com a possibilidade de ganho da acção se o acto não fosse omitido.     
Sempre salvo o muito respeito, conquanto se aceite que o dano em apreço se traduza na perda de uma certa probabilidade de ganhar a acção para cujo patrocínio o mandatário inadimplemente foi contratado, todavia – e diversamente do A./Recorrente – entendemos que, para a efectivação da concernente reparação, mister se torna demonstrar que essa probabilidade era séria, real, ou seja, que existia uma forte e consistente viabilidade na procedência da pretensão que redundou frustrada.
Neste sentido, além do predito douto aresto deste Supremo convocado pelo Acórdão em foco, ainda desse Alto Tribunal é-nos dado citar o Acórdão de 14.03.2013[3], em cujo sumário consta que “O dano da perda de oportunidade de ganhar uma ação não pode ser desligado de uma probabilidade consistente de a vencer. Para haver indemnização, a probabilidade de ganho há de ser elevada”.
Acórdão de 30-05-2019, proferido no processo 22174/15.6T8PRT.P1.S1 (TOMÉ GOMES) , numa situação de caducidade de acção de impugnação do despedimento imputável ao advogado, o STJ ponderou a possibilidade de êxito da acção, referindo que importa fazer um julgamento dentro do julgamento.
No que respeita agora à pretensão indemnizatória fundada em perda de chance processual, tal como foi considerado pelas instâncias, trata-se duma pretensão destinada a obter o ressarcimento de um dano aferível em função da probabilidade consistente e séria de quem, não obtendo ganho de causa por motivo imputável ao respetivo mandatário forense, o pudesse obter, não fora a ocorrência de tal motivo. 
 A possibilidade desse tipo de pretensão encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente no quadro atual da jurisprudência deste Supre-mo Tribunal.
Não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados.
Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, parece mais curial ponderar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.
Nessa base, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.
Acórdão de 10-09-2019, proferido no processo 1052/16.7T8PVZ.P1.S1 (GRAÇA AMARAL), numa situação de não alegação por advogado de factos quanto a percepção de determinadas prestações por despedimento, o STJ considerou a perda de chance como um dano autónomo a ressarcir pelas regras da equidade e segundo a probabilidade de atingir o resultado pretendido se o facto tivesse sido praticado, analisando a viabilidade de no caso concreto ter obtido ganho de causa.  
De modo genérico a perda de chance pode encontrar definição enquanto perda da possibilidade de obter um resultado favorável ou de evitar um resultado desfavorável e tem sido acolhida e desenvolvida pela jurisprudência e doutrina como instrumento jurídico de ampliação do dano ressarcível no domínio da responsabilidade civil (contratual e extracontratual). Com suporte doutrinário e jurisprudencial nomeadamente na actual jurisprudência deste Supremo Tribunal[12], consideramos, agora, como posicionamento melhor adequado o que situa a teoria da perda de chance no plano do dano encarado como uma nova e autónoma espécie (dano autónomo) consubstanciado numa frustração irremediável, por acto ou omissão de terceiro, de verificação de obtenção de uma vantagem que probabilisticamente era altamente razoável supor que fosse atingida ou na verificação de uma desvantagem que razoavelmente seria de supor não ocorrer não fosse essa omissão.[1A verificação do dano por perda de chance pressupõe pois a demonstração da consistência e seriedade da perda da oportunidade de obter uma vantagem (ou de evitar um prejuízo) segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, que terá de ser aferido casuisticamente, em função dos indícios factualmente provados[14].
Importa sublinhar que o ressarcimento do dano por perda de chance não visa indemnizar a perda do resultado querido, antes e apenas a oportunidade perdida enquanto um direito em si mesmo violado com uma conduta ilícita.
2.2.8. É justamente neste aspecto do êxito do resultado final pretendido que igualmente soçobra a pretensão do Recorrente encarada sob a perspectiva da perda de chance. No caso, o julgamento dentro do julgamento, indica desde logo que da própria natureza da “oportunidade” perdida resulta que a mesma era em absoluto inócua à viabilidade da pretensão: obter o averbamento da marca em nome do Autor.
Em suma, contrariamente ao que o Recorrente defende, a problemática colocada nos autos não é de quantificação do dano mas da sua existência, como a primeira instância decidiu.
A chance só adquire relevo e consistência em função dos resultados que se esperam. (…) A única utilidade que pode retirar-se de uma chance resulta da sua eventual realização e, portanto, da verificação do resultado favorável esperado: resultado de que só poderá beneficiar, geralmente, quem tem essa expectativa[24].
Em suma, a certeza da ausência de causalidade adequada que referimos no ponto anterior, é desde logo um limite à aplicabilidade do regime da perda de chance.
2.2.9. Por último, importa sublinhar que a questão dos danos não patrimoniais que eventualmente poderiam decorrer da mera conduta do Réu, independentemente dos seus resultados, não foi suscitada no presente recurso cujo objecto quanto a tal se encontra delimitado na conclusão 4.ª: ao contrário do que se diz na sentença recorrida o dano que é alegado existe – o A. pretendia registar uma marca em seu nome e não o conseguiu.
IV) DECISÃO
Pelo exposto, ACORDAM em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente – artigo 527.º, n.º 2, do CPC.
*
Lisboa, 7 de Maio de 2020
Ana de Azeredo Coelho
Eduardo Petersen Silva
Cristina Neves

(Tem voto de concordância do Ex.mo Senhor Desembargador Eduardo Petersen Silva)
_______________________________________________________
[1] É o seguinte o teor da norma: 1 - O advogado não pode aceitar o patrocínio ou a prestação de quaisquer serviços profissionais se para tal não tiver sido livremente mandatado pelo cliente, ou por outro advogado, em representação do cliente, ou se não tiver sido nomeado para o efeito, por entidade legalmente competente.
2 - O advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que atue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito.
[2] Consultado em https://portal.oa.pt/media/114704/regulamento-de-organizacao-e-funcionamento-do-sistema-de-acesso-ao-direito-e-aos-tribunais-na-ordem-dos-advogados.pdf.
[3] Veja-se a respeito da distinção e suas aporias Inocêncio Galvão Telles in Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 7.ª edição, 1997, p. 329 e ss.
[4] Fernando Pessoa Jorge in Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Almedina, 1999, p.37
[5] Cf. Professor Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, Almedina, 1979, p. 515.
[6] A asserção não é completamente pacífica como dá nota Júlio Gomes em Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance, Cadernos de Direito Privado, n.º especial 2, Dezembro de 2012, p. 27.
[7] Idem, p. 518-519.
[8] Professor Mário Júlio de Almeida Costa in Direito das Obrigações, Almedina, 1979, p. 391.
[9] Professor Mário Júlio de Almeida Costa, op. cit. p. 392 e ss, Pessoa Jorge, Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil, Almedina, 1999, p. 373 e ss, Professor Gomes da Silva, O dever de Prestar e o Dever de indemnizar, Lisboa, 1944, p. 117 e ss.
[10] In Tratado de Direito Civil, Almedina, 2017, vol. VIII, p. 511, indicando a p. 528 as posições tomadas pelos diversos autores portugueses mais sif«gnificativos.
[11] Cf. Pessoa Jorge, op. cit. p. 385-387.
[12] Paulo Mota Pinto in Perda de chance processual, RLJ, ano 145, Março –Abril de 2016, p. 174-175.
[13] Sobre características da chance cf. António Pedro Santos Leitão in Da Perda de Chance Problemática do Enquadramento Dogmático, Dissertação em Ciências Jurídico-Civilísticas, Universidade de Coimbra, Julho 2016, p. 35, consultado em file:///D:/AAA%20Docs%202019/doutrina/Perda%20de%20chance/Tese%20-%20Perda%20de%20Chance1.pdf
[14] Sem escamotear o carácter probabilístico da causalidade adequada consagrada no direito português, nomeadamente em conjugação com o princípio da livre apreciação das provas e da verosimilhança do facto, a que se referem Júlio Gomes e Paulo Mota Pinto, entre outros.
[15] Idem, p. 179.
[16] Ibidem, p. 181.
[17] Cf. Guichard Alves in A ideia de um sistema móvel, em especial no domínio da responsabilidade civil - tradução de Walter Wilburg “Desenvolvimento de um sistema móvel no Direito Civil”, Revista Direito e Justiça, Vol. XIV, 2000, Universidade Católica, p. 63-64 e 71-71.
[18] Cf. Júlio Gomes in Em torno do dano da perda de chance – algumas reflexões, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Gomes, vol.II, BFDUC, 2008, p. 305, no que foi o primeiro tratamento entre nós da matéria, manifestando dúvida quanto à operacionalidade da tese face ao direito português constituído.
[19] In https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CONSLEG:1992L0013:20070101:PT:PDF: Quando uma pessoa introduza um pedido de indemnização por perdas e danos relativo aos custos  incorridos com a preparação de uma proposta ou a participação num procedimento de celebração de um contrato, apenas terá de provar que houve violação do direito comunitário em matéria de celebração dos contratos ou das normas nacionais de transposição desse direito e que teria tido uma possibilidade real de lhe ser atribuído o contrato que foi prejudicada por essa violação.
[20] Consultado em https://www.unidroit.org/instruments/commercial-contracts/unidroit-principles-2010/406-chapter-7-non-performance-section-4-damages/1035-article-7-4-3-certainty-of-harm.
[21] In Ainda sobre a figura do dano da perda de oportunidade ou perda de chance, Cadernos de Direito Privado, n.º especial 2, Dezembro de 2012, p. 18.
[22] Cf. Luis Medina Alcoz in Hacia una nueva teoría general de la causalidad en la responsabilidad civil contractual (y extracontractual): La doctrina de la pérdida de oportunidades consultado em file:///D:/AAA%20Docs%202019/doutrina/Perda%20de%20chance/Luis%20Medina.pdf: La locución “juicio dentro del juicio” (trial within the trial; procès dans le procès) no es más que una forma plástica de expressar la exigência fundamental de que se aprecie el nexo causal a través un juicio probabilístico en una concreta serie de casos de responsabilidade civil: los que plantean las actividades forenses y, en particular, los de culpa de abogados e procuradores, por falta de interposición de un recurso.
[23] O que coloca aliás dificuldade face a uma obrigação, como a do advogado, que é de meios e não de resultado, uma vez que o pode tornar como garante do resultado. A questão é enunciada por Paulo Mota Pinto, op. cit. p. 200, mas não releva o seu desenvolvimento no caso dos autos.
[24] Júlio Gomes op. cit. p. 310.