Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
526/18.0T8FNC-B.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: AIJRLD
GRUPO SOCIETÁRIO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
TRIBUNAIS PORTUGUESES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/15/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: 1– Alegada pelo autor uma situação caracterizadora de um esquema societário grupal e, ao mesmo tempo, uma situação de pluriemprego, é admissível, no âmbito da ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, o chamamento por intervenção principal provocada, da sociedade relativamente à qual se invoca solidariedade nos créditos, assente naqueles factos.

2– Os tribunais portugueses são competentes para conhecer do pedido relativo a um conjunto de ações, não obstante se ter contratualizado a competência de tribunal italiano.

3– O pacto assim firmado não é, segundo a jurisprudência europeia, excludente da competência emergente da regra especialmente consignada no Artº 21º do Regulamento Europeu 1215/2012 de 12/12/2012.

4– A circunstância de o processo disciplinar conter folhas não numeradas não o invalida, o mesmo ocorrendo se não foi proferida pela Empregadora decisão de apensação de processos disciplinares ou despacho a ordenar a instauração de um segundo processo.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AAA patrocinado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, residente na Rua … não se conformando com o saneador proferido, interpôs recurso.
Pede que se revogue o saneador e substitua por outro que:
- Determine que a chamada entidade BBB, continue nos autos como R./Empregadora, revogando a decisão da MMª Juiz que a excluiu, substituindo-a por outra que determine a sua continuação nos autos como R. Empregadora.
- Julgue os tribunais do trabalho portugueses competentes para conhecer os pedidos deduzidos pelo Autor Trabalhador quanto às ações e ao depósito de valores referentes a estas, e revogada a decisão que julgou procedente por provada a exceção de incompetência e declarou a incompetência absoluta e internacional deste Juízo do Trabalho para tal.
- Revogue a decisão da MMª juiz que o julgou válido o processo disciplinar e a substitua por outra que decrete a respetiva nulidade.
- Revogue a decisão da MMª Juiz que julgou improcedente a invocada falta de apresentação do procedimento disciplinar, sendo substituída por outra que o declare não ter sido o mesmo apresentado condene as RR. nos termos do nº 3 do art. 98º -J do CPT declarando a ilicitude do despedimento do trabalhador.
Formulou, após convite ao aperfeiçoamento, as seguintes conclusões:
(…)
CCC e DDD, Rés, sedeadas, a 1ª em … Porto Salvo, e a 2ª em … França, contra-alegaram pugnando pela manutenção da sentença.

Eis, para melhor enquadramento, um breve resumo dos autos.

AAA apresentou formulário tendo em vista a sua oposição ao despedimento promovido por duas entidades – CCC e DDD.

CCC apresentou articulado motivador sustentando justa causa para o despedimento, assente na circunstância de, tendo o A. estado diversas vezes, de baixa por doença não lhe ter entregado a parcela recebida a título de adiantamento, não lhe tendo comunicado o valor pago pela Segurança Social, assim quase duplicando a sua remuneração nos períodos em que esteve de baixa. Além disso o A. não apresentou os mapas mensais de despesas e incluiu no seu mapa despesas não elegíveis, apresentou despesas cujo pagamento já fora recusado, despesas com telemóveis, apresentou despesas de viagem quando estava em situação de baixa. Alega ainda que integra um grupo internacional em conjunto com a …e que o A., a partir de Março de 2015, passou a desempenhar funções nesta, ficando a retribuição por conta da CCC exercendo funções de direção.

O Trabalhador contestou suscitando a falta de apresentação do processo disciplinar, a caducidade do procedimento e a prescrição do poder disciplinar, falta de comunicação formal da apensação de processos, omissão de formalismos essenciais, falta de legitimidade da R. CCC para instaurar procedimento disciplinar, nulidade da decisão. Para além disso impugna, de forma motivada, a factualidade atinente à justa causa.
Foi proferido despacho saneador integrado por diversas decisões de que adiante daremos nota.
As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
1ª–As sociedades em relação de grupo têm legitimidade passiva numa ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento?
2ª – Os tribunais portugueses são competentes para conhecer dos pedidos deduzidos pelo A.?
3ª – O processo disciplinar está inquinado de nulidade?

***

FUNDAMENTAÇÃO:

A 1ª questão a que importa dar resposta prende-se com a legitimidade da sociedade BBB para a presente ação.

A decisão proferida a este propósito tem o seguinte teor:
Na contestação o Autor trabalhador requer a final a intervenção de BBB.
P. A., atendendo ao alegado e à obrigação exigida, a qual, segundo alega, embora exigida na sua totalidade de qualquer das Rés, é solidária, solidariedade que se estende à chamada. Alega para o efeito que, desde 2010, o grupo BBB a que pertencerão as Rés, transfere para a conta do Autor várias tranches de ações, o que constituirá parte da retribuição do mesmo (artigos 531º e ss da contestação). Pugna, assim, que esta sociedade tem um interesse semelhante ao das Rés, ocorrendo um litisconsórcio necessário.
Em resposta as Rés pugnaram pela inadmissibilidade do requerido. Alegam para o efeito que o Autor deduzirá um pedido principal e um subsidiário, este dirigido à BBB Entendem que a intervenção na qualidade de parte principal não é admissível em sede de ação especial de impugnação judicial de regularidade e licitude do despedimento, uma vez que o legislador optou por excluir no âmbito desta ação a aplicação do artigo 266º, ns.º 4 e 5, do Código de Processo Civil. E a cumulação de pedidos contra diversos sujeitos passivos, coligação, é inadmissível nesta forma processual.

Cumpre apreciar e decidir.

Com relevo para conhecer o presente incidente importa considerar o peticionado pelo Autor trabalhador a este nível.
Em sede reconvencional, o Autor peticiona, além do mais, que:
- “Um total de 40.000 ações pelos diversos planos de ações;
- Caso se entenda que o Autor não tem direito ao depósito na sua conta bancária das ações da Chamada BBB devem as Rés ser condenadas a pagar-lhe o total de 320.015,00€ a titulo de stock options relativo ao ano de 2017;
- Caso se entenda que o Autor não tem direito ao depósito na sua conta bancária das ações da Chamada BBB. devem as Rés ser condenadas a pagar-lhe o total de
284.075,00€ a titulo de stock options relativo ao ano de 2018;
- Caso se entenda que o Autor não tem direito ao depósito na sua conta bancária das ações da Chamada BBB. devem as Rés ser condenadas a pagar-lhe o total de 567.125,00€, a ajustar, no decorrer da ação e em liquidação de sentença a título de stock options relativo à 4.ª tranche da 1.ª alocação do plano de ações de 2014-2018 e às 2.ª, 3.ª e 4.ª tranches da 2.ª alocação do plano de ações de 2014-2018”.
Relembre-se que o Autor alega para o efeito que, desde 2010, o grupo BBB, a que pertencerão as Rés, transfere para a conta do Autor várias tranches de ações, o que constituirá parte da retribuição do mesmo (artigos 531º e ss da contestação). Pugna, assim, que esta sociedade tem um interesse semelhante ao das Rés, ocorrendo um litisconsórcio necessário.
De harmonia com o disposto no artigo 98º-C, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, nesta forma processual figura como sujeito passivo quem tenha proferido a decisão de despedimento, discutindo-se se poderão igualmente outras entidades com quem o trabalhador possa também estar vinculado contratualmente e que não tenham subscrito a decisão que se visa impugnar.
Esta ação segue a forma de processo especial prevista nos artigos 98º-B a 98º-P, do mesmo Código e assenta no pressuposto de que o despedimento individual é indiscutível, pelo que correrá com maior celeridade, tendo o legislador lhe conferido natureza urgente.
A jurisprudência tem evoluído admitindo a intervenção de terceiros, nomeadamente em caso de pluralidade de empregadores (a título de exemplo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.01.2018, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.09.2018, www.dgsi.pt).
Conforme consta da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa proferida nos autos a fls. 1136, entendemos que esta ação especial não exclui a pluralidade de empregadores, nem a possibilidade de intervenção na demanda de terceira entidade, seja em litisconsórcio seja em coligação.
No entanto, desde já se adianta, tal pedido de intervenção, como é o que ora se conhece, está dependente da configuração como de empregador. Ou seja, a presente ação especial tal como está configurada no nosso Código de Processo do Trabalho pressupõe como Autor o trabalhador e como Ré a entidade patronal ou, admite-se, as entidades patronais e não quaisquer outros terceiros.
Admitir tal intervenção, de terceiro que não tem qualquer relação laboral com o Autor, desvirtua o sentido e finalidade da ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento. Relembre-se a delimitação que o legislador lhe conferiu, a situações de despedimento escrito por facto imputável ao trabalhador, seja por extinção do posto de trabalho, seja por inadaptação (artigo 98ºC, do Código de Processo do Trabalho e 387º, do Código do Trabalho).
De notar que, da forma como o Autor na contestação configura a sua relação laboral com as Rés em momento algum alega tal laboralidade com a BBB cuja intervenção ora requer. Na verdade, limita-se a localizá-la como o grupo a que as ora Rés, suas entidades patronais, pertencem. E, isso sim, será por essa mera relação de grupo que o
Autor beneficiaria das ditas ações que peticiona.
E se é certo que à luz do princípio da adequação formal se deverá “romper com o regime apertado do princípio da legalidade das formas processuais, visando-se através dele remover um obstáculo ao acesso à justiça”, não se vê como no caso se justifica qualquer adaptação, quando não se está perante a configuração de um terceiro como de entidade patronal (Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 26.09.2018, www.dgsi.pt).
Do que se deixa dito resulta que a intervenção da BBB se mostra inadmissível à luz da natureza da presente ação, nos termos do disposto nos artigos 387º do Código do trabalho e 98ºC, do Código de Processo do Trabalho.
Nestes termos, por inadmissível, indefiro à requerida intervenção principal da BBB.

Afirma o Recrte. que em contrário aos pressupostos em que assenta a decisão  existe profusa jurisprudência, expressa nos Ac. da RLx. de 30/05/2002[1], Proc.º 190/11.7TTFUN e 1/09/2016, Proc.º 3584/15.5T8CSC e RP de 24/05/2018, Proc.º 1158/17.58MTS-A. Defende ser admissível a pluralidade de réus sempre que se reclamem créditos de sociedades em relação de grupo, não sendo de admitir impor ao autor a interposição de duas ações para fazer valer a plenitude dos seus direitos. E, bem assim, quando se constate uma pluralidade de empregadores.

Contrapõe a Apelada que quanto à empresa BBB o A. não alega qualquer relação laboral, alegando apenas a celebração de um acordo de atribuição de stock options à semelhança de qualquer trabalhador do grupo elegível para o efeito, que em momento algum do requerimento de intervenção se mostram alegados factos que pudessem conduzir à conclusão de que existe uma relação de participações recíprocas, de domínio ou grupo e que sendo os factos anteriores ao início da instância teria o Apelante que justificar porque não incluiu esta empresa no elenco de empregadores constante do formulário. Ainda defende que nesta ação especial todos os casos que extravasem a mera discussão sobre a licitude e regularidade do despedimento não têm cabimento.

Como decidir?

Antes de mais situemo-nos no requerimento de intervenção!
A finalizar o articulado de contestação/reconvenção requereu o Trabalhador que a BBB., em atenção ao que alegou de 512º a 567º, seja chamada a intervir uma vez que a obrigação ali exigida, embora exigida pelo A. na sua totalidade de qualquer das RR,. é solidária, solidariedade que se estende à chamada. Requer, assim, a intervenção principal provocada da BBB. A., como associada das RR., para contestar.

Nos Artº 512º a 530º não é efetuada qualquer referência à sociedade BBB, antes ali se alegando matéria relativa a despesas, subsídio de refeição e renda de casa.

A matéria na qual é enquadrada a BBB inicia no Artº 531º e termina no Artº 589º da contestação.

Afirma-se aqui que o A. está integrado num plano internacional de retenção de quadros do grupo BBB através do qual é elegível para atribuição de um stock options (ações), sendo que todos os anos, através da sociedade BBB. A o grupo transfere para a sua conta várias tranches de ações, o que qualifica como remuneração. Explica depois a forma como, ao longo dos anos 2011 a 2015 recebeu 75.000 ações e um acordo para receber, após a sua transferência para Paris, 15.000 ações por ano, o que não lhe foi atribuído pela R., vindo a concluir que a Chamada e as RR. devem ser condenadas, solidariamente, a transferir certo número de ações para si.

Em causa nesta parte do saneador o indeferimento da intervenção principal provocada.

O Artº 266º/4 do CPC dispõe que se o pedido reconvencional envolver outros sujeitos que, de acordo com os critérios gerais aplicáveis à pluralidade de partes, possam associar-se ao reconvinte ou ao reconvindo, pode o réu suscitar a respetiva intervenção.

Ou seja, o chamado terá que poder ter-se como parte legítima.

No CPT o Artº 266º, tendo embora, sido alvo da atenção do legislador quando se ocupa da dedução de pedido reconvencional em sede de ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, cingiu, no que para aqui releva, a aplicabilidade apenas ao disposto no nº 6, omitindo qualquer referência ao nº 4 deste dispositivo, levando, assim, a crer que no espírito do legislador não estava a possibilidade de chamamento de terceiros estranhos à relação laboral nesta espécie de ação[2] (vide Artº 98ºL/ 5).

O caminho da jurisprudência laboral tem sido, conforme se dá conta nos arestos citados pelo Apelante, algo distinto. Não só se admite a presença nesta ação de uma pluralidade de empregadores – o que não surpreende dada a admissibilidade da figura, uma novidade de que se ocupa o Artº 101º do CT – como também são inúmeros os exemplos de legitimação de terceiros, sociedades em relação de participações recíprocas, de domínio ou de grupo que, como se sabe, podem ser solidariamente responsáveis por créditos de natureza laboral nos termos do disposto no Artº 334º do CT. Já para não falar da eventual responsabilidade de outros terceiros, como é o caso previsto no Artº 335º ou 285º/6 do CT (aqui não elegíveis).

Ocorre, porém, que no caso não está ali caracterizada alguma relação do género entre a sociedade BBB e as RR.. Em parte alguma daqueles artigos se alegam factos que a permitam ter também como empregadora ou que nos possam levar a concluir por alguma das situações plasmadas no Artº 334º do CT.

A caracterização de uma situação de base que permitisse afirmar a solidariedade na invocada dívida é essencial para admitir o chamamento mediante intervenção principal provocada por ser essa caracterização a que permite afirmar a legitimidade processual.

Na verdade, não sendo caso de litisconsórcio necessário, tem aplicação o disposto no Artº 316º/2 e 3 do CPC.

Permite-se ali provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja sido demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do Artº 39º e, bem assim, quando o réu mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos da relação material controvertida ou pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.

Ponto é, pois, que o chamado se qualifique como litisconsorte, porquanto não existem dúvidas sobre os sujeitos da relação material controvertida.

Muito embora no texto supra referenciado na caracterização que o próprio A. efetua da relação material controvertida a sociedade BBB não seja apresentada como sendo titular de alguma relação consigo ou com as RR., antes se configurando apenas como o veículo através do qual um certo grupo transfere para a sua conta várias tranches de ações, o certo é que nos Artº 165º e ss. a versão apresentada é algo distinta.

Afirma-se aqui que a certa altura da relação estabelecida entre si e CCC, o A. passou a trabalhar para DDD debaixo de uma coordenação internacional por parte da BBB. Mais se alega que ambas as RR. fazem parte do mesmo projeto empresarial e têm estrutura acionista comum, existindo uma estrutura internacional do Grupo – a BBB. A – que faz a coordenação internacional da gestão das várias empresas do grupo entre as quais as RR.. Conclui que existia uma relação de pluriemprego também com esta última.

Característica da figura do litisconsórcio é a existência de uma pluralidade de partes baseada numa única relação material controvertida com um pedido único (contra 1 ou vários réus) ou pluralidade de relações materiais controvertidas com um pedido único.

A circunstância de aquela sociedade ser o referido veículo não a habilita para a causa. Não tem, em face dos factos alegados interesse legitimador, ou seja, interesse em contradizer. Condição essencial para a sua presença na ação (Artº 30º do CPC). Porém, em presença da factualidade alegada nos Artº 165º e ss. já se configura uma relação que bem pode ser das do género das previstas nos Artº 481º e ss. do CSCom, situação que importa averiguar.

Nesta medida, o chamamento, não obstante a redação do Artº 98ºL ao não remeter para o disposto no Artº 266º/4 do CPC, é admissível.

Tal como invocado pelo Apelante não existe razão plausível para impor ao Trabalhador o encargo de deduzir duas ações, ou seja, uma AIRLD contra a empregadora que o despediu e uma ação com processo comum contra as demais, pois tal obriga o trabalhador a intentar várias ações para fazer valer em toda a sua plenitude os direitos emergentes de um despedimento ilícito numa situação em que, no direito processual laboral vigente até 31 de Dezembro de 2009 era inequívoca a admissibilidade da demanda de todos os empregadores envolvidos. Ademais, sendo certo que no Artº 98ºL não se previne a remissão para o Artº 266º/4 do CPC, também o é que não se mostra expressamente excluída a possibilidade de o aplicar.

Apelar à celeridade da ação especial revela-se, em casos como o presente, um equívoco, tanto mais que a complexidade desta ação é, desde sempre, impeditiva da celeridade almejada. Além disso, as atuais formas de contratação laboral não se compadecem com a estrutura simplificada (e tradicional) de uma ação deste cariz, tudo se devendo fazer para evitar a rigidez formal de que foi revestida. Nessa medida, deve tudo fazer-se para adaptar a sequência processual às especificidades da causa em presença, tendo como escopo a obtenção da solução justa e adequada.

A admissibilidade da intervenção de terceiros foi, nesta Relação, decidida nos Ac. de 30/05/2012 e 1/09/2016, o primeiro reportando a uma situação de sociedades em relação de grupo e o segundo a uma de pluralidade de empregadores (Proc.º 190/11.7TTFUN e 3584/15.5T8CS)

Termos em que procede a questão em apreciação, devendo admitir-se a intervenção principal provocada da sociedade BBB. A.
Enfrentemos, agora a 2ª questãoOs tribunais portugueses são competentes para conhecer dos pedidos deduzidos pelo A.?

Eis o que se decidiu neste conspecto:
Em resposta ao pedido reconvencional, as Rés alegaram que o Autor assinou com a BBB um pacto de jurisdição segundo o qual quaisquer disputas sobre o referido plano terão necessariamente e em exclusivo de ser discutidas no Tribunal competente de Milão, cidade da sede da BBB. Conclui por um pacto atributivo de competência e pela incompetência dos tribunais portugueses. E a Ré CCC, em conjunto com a …, celebrou um “Accord de Participation”, segundo o qual os litígios serão julgados pelos tribunais franceses.
Regularmente notificado, o Autor respondeu concluindo pela improcedência do alegado.

Cumpre apreciar e decidir.

Em primeiro lugar, importa anotar que, pese embora a não intervenção da BBB (supra indeferida), o conhecimento desta questão assume relevo uma vez que no pedido reconvencional o Autor deduz o pedido de pagamento das 40.000 ações e subsidiariamente o depósito do seu valor quanto às Rés nos autos CCC e DDD.
A competência internacional dos tribunais de trabalho portugueses encontra-se regulamentada no artigo 10º do Código de Processo de Trabalho, segundo o qual na “competência internacional dos tribunais de trabalho estão incluídos os casos em que a ação pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste código, ou por terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na ação”.
Como se vê o domicílio do trabalhador não é o critério internacional seguido.
Estando em causa a existência de uma relação de trabalho subordinado firmada entre duas partes domiciliadas em Estados-Membros, a sua cessação (considerada ilícita pelo Autor) e os créditos laborais daí derivados, é aplicável o regime dos artigos 20º a 23º do Regulamento (CE) n.º 1215/2012, de 12 de dezembro, que veio substituir o regulamento n.º 44/2001, de 16 de Janeiro (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/1/2007, www.dgsi.pt).
E a validade dos pactos atributivos de jurisdição não pode ser contestada apenas com o fundamento de que o contrato não é válido.
Decorre do artigo 23º do Regulamento (CE) nº 1215/2012, a expressa possibilidade de derrogação do disposto no artigo 21º do mesmo Regulamento, verificadas que sejam as condições nele previstas, ou seja, no caso que agora interessa, a possibilidade de o “trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção”.
Ora na situação em análise, resulta do contrato junto a fls. 873 e ss que o Autor deu o seu acordo expresso a atribuir a competência aos Tribunais de Milão para decidir as questões referentes ao plano acordado “2014-2018 Stock Option Plan”. E do “Accord de Participation” da CCC com a comissão da empresa, encontra-se regulamentado o procedimento em caso de litígios.
E estes não são, precisamente, aqueles que resultam do disposto no artigo 21º.
E não sendo contrários ao disposto no artigo 23º do Regulamento (CE) nº 1215/2012, produzem efeitos, como se retira do disposto no artigo 25º, do mesmo Regulamento.
O artigo 25º, n.º 1, do Regulamento dispõe muito claramente que a competência validamente convencionada, como é o caso, “é exclusiva, salvo acordo das partes em contrário”.
Do que sumariamente se deixa dito resulta, por conseguinte, que atentos os pactos de jurisdição celebrados, os quais são válidos e, tendo as partes até convencionado a competência exclusiva dos Tribunais de Milão e franceses, é de concluir pela absoluta e internacionalmente incompetência deste Juízo.
Nestes termos, julgo procedente por provada a exceção de incompetência e declaro a incompetência absoluta e internacional deste Juízo para conhecer os pedidos deduzidos pelo Autor trabalhador quanto às ações e ao depósito de valores referentes a estas.

Ressalta desta decisão como facto que a fundamenta:
- Resulta do contrato junto a fls. 873 e ss que o Autor deu o seu acordo expresso a atribuir a competência aos Tribunais de Milão para decidir as questões referentes ao plano acordado “2014-2018 Stock Option Plan”. E do “Accord de Participation” da CCC com a comissão da empresa, encontra-se regulamentado o procedimento em caso de litígios.

Contrapõe o Apelante que os tribunais do trabalho portugueses devem ser julgados competentes para conhecer os pedidos deduzidos pelo Autor quanto às ações e ao depósito de valores referentes a estas e revogada a decisão que julgou procedente por provada a exceção de incompetência e declarou a incompetência absoluta e internacional do Juízo do Trabalho.

Conclui, para o efeito, que é aplicável o Regulamento (CE) nº 1215/2012 de 12/12, que os pactos de jurisdição inseridos nos documentos juntos pelas RR., que vedam ao trabalhador, ora recorrente, a possibilidade de intentar ação emergente de contrato individual de trabalho em qualquer uma das jurisdições permitidas, não são válidos. Com efeito, o art.º 10.º, no seu n.º 1, do CPT enuncia que na competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a ação pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código de Processo do Trabalho, ou de terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na ação. Por seu turno, o art.º 11.º, com a epígrafe «Pactos privativos de jurisdição», estatui que não podem ser invocados perante tribunais portugueses os pactos ou cláusulas que lhes retirem competência internacional atribuída ou reconhecida pela lei portuguesa, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais. A competência, como pressuposto processual que é, tem de ser averiguada em função dos termos em que o autor configura a ação, a qual se define através do pedido nela formulado, da causa de pedir que lhe está subjacente e da natureza das partes.

Contra-alega a Apelada invocando que a questão não foi levada às conclusões, pelo que não integra o objeto do recurso e, em consequência, a decisão que declarou a incompetência absoluta já transitou em julgado. Mais defende que por efeito da aplicação do Regulamento (CE) o pacto de jurisdição é admissível porquanto para efeitos do regulamento o conceito de contrato individual de trabalho deve ser objeto de interpretação autónoma, não constituindo as ações um modo de retribuição.

Comecemos pela sub- questão aqui suscitada – a questão da competência internacional não foi levada às conclusões, pelo que não integra o objeto do recurso?

Transcrevemos acima as conclusões apresentadas na sequência de convite ao aperfeiçoamento que teve na sua base a omissão da necessária síntese em sede conclusiva.

Compulsadas as conclusões iniciais verificamos que a questão integra as conclusões 27ª a 39ª em termos coincidentes com os que agora constam das conclusões aperfeiçoadas.

Improcede, assim, a sub-questão, o que nos permite analisar a questão principal.

A competência judiciária, quando envolvidos diversos Estados Membro da União Europeia, encontra-se regulada no Regulamento (CE) nº 1215/2012 de 12/12, sendo o mesmo aplicável em matéria cível e comercial, independentemente da natureza da jurisdição (Artº 1º). Com o que se afasta a aplicabilidade do regime constante do Artº 10º do CPT reservado aos casos em que não seja aplicável este Regulamento Europeu.

Com efeito, na ordem jurídica portuguesa vigoram dois regimes gerais de competência legal exclusiva – o europeu e o interno. Este apenas se aplica quando a ação não for abrangida por aquele, emergente de fonte hierarquicamente superior.

Tendo a presente ação na sua base a cessação de um contrato de trabalho e a existência de uma relação de trabalho plurilocalizada – o A. reside no Funchal, foi inicialmente contratado pela R. CCC  sedeada em Portugal, destacado para a DDD EUROPE, com sede em França, trabalhando também para a BBB de Milão que coordenava aquelas- o Regulamento é convocável.

A regra primordial ali consignada dispõe que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado-Membro (Artº 4º).

Todavia, o diploma contém um conjunto de regras entre as quais as especialmente aplicáveis em matéria de contratos individuais de trabalho, situação em que regem as normas constantes dos Artº 20º e ss..

Dispõe-se no Artº 21º:


1. Uma entidade patronal domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada:
a) Nos tribunais do Estado-Membro em que tiver domicílio; ou
b) Noutro Estado-Membro:

i) no tribunal do lugar onde ou a partir do qual o trabalhador efetua habitualmente o seu trabalho, ou no tribunal do lugar onde efetuou mais recentemente o seu trabalho, ou
ii) se o trabalhador não efetua ou não efetuava habitualmente o seu trabalho num único país, no tribunal do lugar onde se situa ou se situava o estabelecimento que contratou o trabalhador.

2. Uma entidade patronal não domiciliada num Estado-Membro pode ser demandada nos tribunais de um Estado-Membro nos termos do n.º 1, alínea b

Esta regra pode, contudo, ser derrogada nos casos previstos no Artº 23º cuja redação é a seguinte:
As partes só podem derrogar ao disposto na presente secção por acordos que:
1) Sejam posteriores ao surgimento do litígio; ou
2) Permitam ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados na presente secção.


A este dispositivo acresce a previsão do Artº 25º, ínsito já na secção subsequente, que reporta a extensões de competência e que constitui uma referência na interpretação a dar à admissibilidade dos pactos de jurisdição.
Antes de mais um esclarecimento: considerando a causa de pedir, e muito concretamente a configuração da BBB como responsável solidária em função da integração num grupo societário ou mesmo como empregadora (situação a esclarecer), o pedido formulado insere-se no âmbito de matéria do foro laboral. Donde, não é invocável o Artº 4º do Regulamento, devendo convocar-se as normas especialmente aplicáveis em matéria laboral.
Por outro lado, não cabe aqui a discussão sobre o carácter retributivo das ações.
A competência afere-se de acordo com a caracterização que o A. Reconvinte faz na sua peça processual.
Mas, mais importante, a presente decisão circunscreve-se à reapreciação da decisão proferida em 1ª instância – incompetência dos tribunais portugueses para o conhecimento do pedido de pagamento de 40.000 ações e, subsidiariamente o depósito do seu valor, quanto às RR. CCC e DDD.

Cumpre lembrar os considerandos 18 e 19 do Regulamento Europeu, segundo os quais em causa nas regras sobre competência está a proteção, no que para aqui releva, dos trabalhadores, tidos como parte mais fraca que é conveniente proteger, pelo que a respetiva autonomia se mostra limitada.
Detenhamo-nos, então, sobre o pacto relativamente ao qual os factos são muito parcos, resultando deles apenas a atribuição de competência aos tribunais de Milão para decidir as questões referentes ao plano acordado.
O invocado pacto de jurisdição será admissível, em presença do disposto no Artº 23º, se preencher alguma das condicionantes ali enunciadas.
Considerando que o mesmo antecedeu o litígio, valerá se as regras contratualizadas permitirem ao trabalhador recorrer a tribunais que não sejam os indicados naquele Artº 21º.
Na verdade, sobre a interpretação do comando em presença pronunciou-se o Tribunal de Justiça declarando que o Artº 23º nº 2 deve ser interpretado no sentido de que um pacto atributivo de jurisdição, celebrado antes de surgir o diferendo, está por ele abrangido, desde que ofereça ao trabalhador a possibilidade de intentar ações noutros órgãos jurisdicionais além dos normalmente competentes por força das normas precedentes.
Ou seja, o pacto será admissível se beneficiar o trabalhador, o que significa que não é excludente da competência resultante das normas do Artº 21º, antes deverá alargar o leque ali consignado.
Foi assim decidido, conforme elucida o Apelante, primeiramente no Ac. C-154/11 que se deteve sobre a norma correspondente do Regulamento precedente – o 44/2001 -, e, subsequentemente num conjunto de decisões que o STJ considerou já deverem valorar-se segundo o critério da continuidade interpretativa visto que as disposições em causa não sofreram alteração relevante no Regulamento 1215/2012. Neste sentido o Ac. do STJ de 8/05/2019, Proc.º 27383/17.0T8LSB.
Ora, através do mencionado pacto convencionou-se a competência dos Tribunais de Milão para decidir as questões referentes ao plano acordado “2014-2018 Stock Option Plan”.
Em presença da interpretação que o Tribunal de Justiça vem fazendo, o pacto não é excludente. Significa, assim, que também os tribunais de Milão poderão ser competentes para as questões relativas à matéria em questão. Donde, verificando-se a atribuição de competência por força do comando do Artº 21º - como se verifica -, os tribunais portugueses devem ter-se como competentes (al. a)).
Nessa medida, não pode proceder a exceção de incompetência absoluta baseada na existência do aludido pacto, antes procedendo a questão em apreciação.
Conclui-se que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para decidir do pedido formulado contra as RR. relativo às 40.000 ações.
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Centremo-nos agora na 3ª questão – a nulidade do processo disciplinar.
Esta questão tem subjacente a parte da decisão que se pronunciou sobre o processo disciplinar alegadamente constituído por uma amálgama de documentos.
Decidiu-se a este propósito que “…Nos presentes autos, da enunciação supra quanto aos documentos juntos pela Ré CCC resulta inequívoca a junção de um processo disciplinar, ainda que na sua sequência tenha sido junto do fim para o princípio. É igualmente certo que o mesmo não se mostra, numerado, mas a tal não impõe o legislador. E, realce-se, mostra-se inclusive respeitada a sequência temporal.
Pelo exposto, por se encontrar junto aos autos o processo disciplinar, por falta de fundamento legal, improcedo ao requerido”.
Defende o Apelante que a R. CCC juntou uma amálgama de fotocópias de documentos, sem numeração interna, o que não consubstancia um processo disciplinar. Tal amálgama constava de um dossier de argolas onde foram juntas folhas soltas, furadas, não numeradas, dossier esse ao qual o A. teve acesso quando consultou o respetivo processo disciplinar.
Argumenta a Apelada que a lei não exige a numeração das folhas.
Com razão!
Do Artº 98ºI/4-a) do CPT decorre a imperiosidade de apresentação do processo disciplinar no prazo determinado.
Previamente à ação em que se discute a regularidade e licitude do despedimento deve o empregador que funde o despedimento em justa causa organizar um processo disciplinar composto de nota de culpa com intenção de despedimento, resposta, instrução e decisão (Artº 353º e ss. do CT).
A organização física do processo não vem regulamentada, em nenhum texto legal se descortinando a necessidade de o organizar com uma ou outra sequência, com uma ou outra aparência.
O procedimento é, porém, inválido, nos termos prescritos no Artº 382º/2 do CT. E só nesses.
Nenhum deles vindo invocado, improcede a questão em apreciação.

Ainda a propósito do processo disciplinar invoca-se a não comunicação da decisão de apensação dos processos disciplinares e a não prolação de despacho da administração da CCC para a instauração de um segundo processo disciplinar, suscitando-se a revogação da decisão que declarou válido quanto a esse ponto o procedimento disciplinar.
A Apelada pronunciou-se afirmando que existiu apenas um processo disciplinar com duas notas de culpa, tendo a segunda sido deduzida porque os factos que lhe deram corpo chegaram ao seu conhecimento depois da notificação da primeira. O Recrte. respondeu sem invocar qualquer invalidade, não existindo norma que imponha a obrigação de notificar de uma apensação. Por outro lado nunca o Apelante solicitou a consulta do seu processo individual, nem requereu diligências probatórias.
Eis o teor da decisão proferia a este propósito:
Em contestação, o Autor trabalhador alegou uma série de vícios do procedimento disciplinar, que qualificou como de nulidades do processo. Concretamente, que não foi comunicado ao Autor a decisão de apensação dos processos disciplinares, a nulidade por falta de despacho da administração da CCC para a instauração do segundo processo disciplinar, a omissão de formalismos essenciais do processo disciplinar e a recusa da CCC em facultar ao Autor elementos essenciais à sua defesa.
A Ré respondeu pugnando, em suma, o alegado e concluindo pela não verificação de tais vícios.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos termos do artigo 382º, n.º 1 e n.º 2, do Código do Trabalho, já citado, “o despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito (…) se o respetivo procedimento for inválido” [n.º 1] e “o procedimento é inválido se: a) Faltar a nota de culpa, ou se esta não for escrita ou não contiver a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador; b) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa; c) Não tiver sido respeitado o direito do trabalhador a consultar o processo ou a responder à nota de culpa ou, ainda, o prazo para resposta à nota de culpa; d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º”.
Um dos princípios que norteia o poder disciplinar, na sua vertente sancionatória, é o princípio da processualidade, de acordo com o qual a aplicação de uma sanção disciplinar deve ser precedida de um processo próprio, destinado a apurar/averiguar da gravidade dos factos e sua integração em infração disciplinar, o grau de culpa do trabalhador e, por fim, a decidir qual a sanção a aplicar.
O processo disciplinar para aplicação da sanção de despedimento por facto imputável ao trabalhador, regulado nos artigos 353º e seguintes do Código do Trabalho, evidencia essa intenção, ao prever determinadas exigências formais.
Determina, assim, o n.º 1 do artigo 353º, que “no caso em que se verifique algum comportamento suscetível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”.
Dispõe o artigo 355º, n.º 1, do Código do Trabalho, que o trabalhador tem 10 dias para responder à nota de culpa que lhe foi dirigida, podendo “solicitar a realização de diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade”.
E estabelece o nº 1 do artigo 356º do mesmo Código, que o empregador “deve realizar as diligências requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias, ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito”.
Estes dois últimos dispositivos são expressão do princípio do contraditório no procedimento disciplinar, o qual constitui um dos elementos estruturantes do procedimento conducente à aplicação duma sanção disciplinar (artigo 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa).
Partindo deste quadro normativo, apreciar-se-á os vícios suscitados.
a) Da falta de comunicação ao Autor a decisão de apensação dos processos disciplinares
O Autor a firma que foi notificado da segunda nota de culpa, sem ter sido informado da apensação dos processos.
A Ré CCC esclareceu que a segunda nota de culpa foi deduzida porque os factos chegaram ao seu conhecimento depois da notificação da primeira nota de culpa. E com aquela o Autor teve conhecimento de que seriam ponderados os factos constantes das duas acusações. E o Autor respondeu. E não existe obrigação legal de informar a apensação.
Conforme se fez notar supra, à luz do disposto no artigo 382º, do Código do Trabalho, não é fundamento de invalidade ou nulidade do procedimento disciplinar a falta de notificação da apensação, a lei não o prevê. E a este nível, e pese embora o princípio da processualidade que enforma o processo disciplinar, o legislador deixou ao empregador margem de atuação ainda que delimitada, isso sim, pela necessidade de uma nota de culpa escrita e espácio-temporalmente concretizada, um pleno e efetivo exercício do contraditório pelo trabalhador, pela realização das diligências requeridas ou fundamentação do seu indeferimento e decisão final escrita.
Como se vê não se encontra prevista qualquer apensação, nem sua notificação, razão pela qual o vício não se verifica.
Acresce ainda, conforme bem aponta a Ré, que da notificação da segunda nota de culpa, de fls. 409 a 417 dos autos, resulta expresso que “a decisão final da Empresa irá ponderar os factos constantes das duas notas de culpa”.
b) Da falta de despacho da administração da CCC para a instauração do segundo processo disciplinar
O Autor afirma que, com a segunda nota de culpa não foi junto os despachos da Administração a determinar a instauração do processo disciplinar.
A Ré CCC pugna que o vício alegado não decorre de nenhuma disposição legal.
A este nível, importa considerar que ambas as notas de culpa se encontram assinadas pelo Presidente da Administração da Ré CCC, conforme fls. 409 a 417 e 475v a 479.
Ora, conforme já se referiu supra não se encontra prevista a formalização de um despacho para a instauração de um processo disciplinar ao trabalhador, ainda que na maioria dos casos tal suceda, o que se admite. Necessário sim é que a decisão, formalizada na nota de culpa, seja da empregadora, o que no caso sucede.
c) Da omissão de formalismos essenciais do processo disciplinar
O Autor enuncia o sucedido aquando da consulta do processo disciplinar e os termos em que o processo se encontrava. Concretamente, que o processo não era mais do que conjunto de folhas soltas e perfuradas, as quais não estavam numeradas e rubricadas, eras fotocópias. Para tanto juntou aos autos declaração assinada que retrata o declarado.
A Ré CCC impugna o alegado, pugnando que tal vício não consta dos taxativamente previstos no artigo 382, n.º 2, do Código do Trabalho. Mais refere que formalmente o Autor nunca solicitou a consulta do processo, sendo que a ACT no mesmo dia procedeu à sua consulta, conforme documento que juntam.
Esta questão reconduz-se e parte ao já decidido supra quanto às formalidades do processo disciplinar e à não previsão da numeração dos autos, para o que se remete.
Em todo o caso, acrescenta-se, que de uma leitura cuidada da contestação do Autor resulta claro que aquando da sua deslocação para consulta do seu processo disciplinar o mesmo existia, ainda que em termos de apresentação e organização este não correspondesse ao mínimo que segundo o Autor seria devido.
No entanto, não podemos ser alheios ao facto o sucedido não colocou em causa o pleno exercício do contraditório pelo Autor, o que sim poderia implicar um vício de invalidade, conforme previsto no artigo 382º, n.º 2, alínea c), do Código do Trabalho.
O Autor apresentou resposta a ambas as notas de culpa e das mesmas resulta que este compreendeu as imputações que lhe foram feitas.
E, coisa diversa é se tais imputações encontram suporte nos elementos probatórios junto ao processo disciplinar, mas isso será o que se apreciará a final.
Conforme já se fez notar supra, ainda que os usos imponham à empregadora, nomeadamente com a dimensão das empresas em causa nos autos, o dever de organização e disciplina do processo disciplinar, o legislador não fez transpor a falta da mesma a um vício de nulidade ou sequer invalidade do procedimento.
Deste modo, por falta de fundamento legal, improcede o requerido.
- Da recusa da CCC em facultar ao Autor elementos essenciais à sua defesa
O Autor alega que lhe foi recusada a consulta do seu processo individual, nomeadamente quanto aos seus antecedentes disciplinares.
A Ré CCC nega o alegado uma vez que o Autor não solicitou formalmente tal consulta, não tendo requerido qualquer diligência probatória nas respostas que apresentou.
Em primeiro lugar se efetivamente não existe pedido formal do Autor no processo disciplinar acerca da consulta do seu processo individual ou registo disciplinar, igualmente é certo que o mesmo nem consta do processo disciplinar junto.
Do que se deixa dito e à luz das disposições legais já citadas supra, improcede, por falta de fundamento o vício suscitado.

Dado o bem fundado da decisão, que se debruçou sobre todas as questões suscitadas, analisando-as em detalhe, nada mais se nos afigura argumentar.
Não merece, pois, censura, nesta parte, a decisão impugnada, improcedendo a questão em apreciação.
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Considerando que ambas as partes venceram e ficaram vencidas nas questões suscitadas no recurso, as custas deveriam ser suportadas por ambas na proporção de ½ para cada uma.
Ocorre, porém, que foi julgada verificada a situação de isenção de custas do A. ao abrigo do disposto no Artº 4º/1-h) do RCP.
Assim, o mesmo não é responsável tributário.

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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogar o saneador na parte atinente à intervenção principal provocada da sociedade BBB. e quanto à exceção de incompetência absoluta, decidindo-se:
a) Admitir a intervenção principal provocada de BBB.A. como associada das RR.
b) Julgar improcedente a exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer dos pedidos deduzidos pelo A. contra as RR. quanto às ações e ao depósito de valores referentes a estas e
c) Confirmar, quanto ao mais, a decisão recorrida.

Custas pela Apelada, na proporção de ½.
Notifique.
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Lisboa, 15-09-2021
MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES (Na sequência de posição já assumida em anterior Acórdão proferido nos autos, votei vencida na parte atinente à intervenção da entidade “BBB”, uma vez que na AIJRLD só é admitida a demanda de pluralidade de empregadores quando não é controvertida tal pluralidade.
Quanto à competência, considero que inexistem pactos de jurisdição celebrados pelas partes intervenientes e julgaria o Tribunal competente ao abrigo do disposto no art.º 21º a) e b) ii do Regulamento ( UE) nº 1215/2012, de 12/12.)

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[1]Quererá referir-se ao Ac. de 30/05/2012
[2]Sobre a problemática, Manuela Fialho, Legitimidade Processual Laboral, Prontuário de Direito do Trabalho, 2016-II, 204 e ss
Decisão Texto Integral: