Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1/05.2JFLSB.L2-3
Relator: ANA PAULA GRANDVAUX
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PENA CONDICIONADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I– Existindo condenação pela prática de um crime de fraude fiscal p.p no artº 103º/1/b) e artº 104/2 do RGIT em pena de prisão suspensa na sua execução condicionada a determinadas obrigações, como sejam a obrigação de pagar um determinado capital de imposto em dívida ao Estado e os respectivos juros de mora, no decurso do prazo daquela suspensão da execução, não configura uma qualquer violação grosseira da parte do arguido, o não pagamento dos juros civis no decurso desse prazo, quando o mesmo for motivado pelo facto de estar pendente em juízo acção judicial tendente a apurar se os referidos juros poderiam ser perdoados ao abrigo do programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES);

II– Nessa situação é admissível, por ser razoável e justo, que a pedido do arguido se prolongue por mais um ano o prazo da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos permitidos pelo artº 55º alínea d) do C.P.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I–RELATÓRIO:
                                                                                       
1.– O arguido AA... foi julgado na 6ª Vara Criminal no âmbito dos presentes auto e por Acórdão proferido e depositado em 10.9.2012 (fls 4676 a 4770), foi condenado pela prática de factos cometidos entre Julho de 2000 e 14 Março de 2003 como autor material e na forma consumada de um crime de fraude fiscal p.p no artº 103º/1 al b) e artº 104º/2 do RGIT na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período da condenação, condicionada essa suspensão ao pagamento da quantia de 169 622,56, euros acrescida dos juros legais, no prazo da suspensão (condição já cumprida).

2.– Após interposição de recurso, entre outros, pelo arguido AA... e pelo M.P, o Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão proferido em 18.7.2013 (cfr fls 5504 a 5569 do volume 19) decidiu que a pena de 1 ano e 6 meses de prisão aplicada ao arguido AA..., ficaria suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, condicionada ao pagamento pelo arguido/demandado AA... dentro desse prazo da quantia de 508.867,61 euros (sendo essa quantia correspondente ao valor total do imposto de IRS devido e não pago referente aos anos de 2000, 2001 e 2002) e ainda da quantia acrescida dos juros civis à taxa legal.
 
3.– O Tribunal da Relação de Lisboa no mesmo Acórdão supra referido julgou ainda parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pelo M.P em representação do Estado Português e condenou o demandado AA... no pagamento da quantia de 508.867,61 euros a título de indemnização cível, condenando-o ainda no pagamento dos respectivos juros de mora civis, à taxa legal.

4.– A quantia de 508.867,61 euros encontra-se já paga sendo que a ordem de pagamento foi dada a 14 de Novembro de 2016 por despacho de fls 5936 e a transferência foi realizada no dia 16.11.2016 (fls 5943 dos autos).

5.– Posteriormente o arguido AA..., notificado para proceder ao pagamento dos juros civis referentes ao montante/capital em que foi condenado a título de indemnização cível, veio por requerimento entrado em juízo em 28.3.2018 (fls 5972 a 5975) requerer ao Tribunal a quo que declarasse extinta a pena de prisão aplicada, ao abrigo do artº 57º do C.P ou subsidiariamente:
- fossem alterados os deveres impostos ao requerente, ao abrigo do artº 51º/3 do C.P., excluindo-se dos mesmos, a obrigação do pagamento dos juros ou ainda lhe fosse concedido um prazo razoável para pagamento dos juros civis a contar da decisão definitiva de que o arguido não beneficia do regime especial criado pelo D.L nº 67/2016 de 3.11 (PERES).

6.– Na sequência desse seu requerimento, o M.P teve vista dos autos e entendeu que a falta de pagamento dos juros não consubstanciava da parte do arguido uma violação grosseira dos deveres impostos como condição para beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.
Assim promoveu em 11.4.2018 que estando decorrido o prazo de 4 anos da suspensão da execução da pena e não havendo razões que apontassem para uma revogação dessa suspensão, ao abrigo do artº 56º do C.Penal, se prorrogasse o prazo da mesma por mais um ano (de 10.9.2017 até 10.9.2018) e ainda que se exigisse ao arguido a prestação durante o período da prorrogação, garantia bancária, respeitante aos supra descriminados montantes.

7.– O Tribunal a quo, por decisão proferida a fls 6002 e 6003 dos autos, veio indeferir in totum o requerido pelo arguido, ou seja a sua pretensão de ver declarada extinta a pena crime em que foi condenado, bem como a sua pretensão de em alternativa, prorrogar o prazo da suspensão da execução da pena, por um período razoável (a contar do despacho de Autoridade Tributária e Aduaneira proferido em 4.1.2018 que indeferiu em sede de reclamação hierárquica, o seu pedido de adesão ao programa PERES), a fim de lhe ser possível aguardar pela decisão que viesse a ser proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sobre esse seu pedido de regularização dos juros de mora em dívida, ao abrigo do programa PERES.

8.– O arguido interpôs recurso dessa decisão judicial (fls 6004 a 6012), requerendo que a mesma seja substituída por outra decisão mais justa e adequada ao caso concreto.
A motivação apresentada termina com a formulação das seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª

A pena aplicada ao ora requerente, de 1 ano e 6 meses de prisão, foi suspensa na sua execução, pelo período de 4 anos, subordinando-se a suspensão, ao abrigo do disposto no artigo 51º, nº 1 alínea a) do CP, ao dever de pagamento da indemnização civil de € 508.867,61, acrescida de juros civis.

2.ª

A quantia de € 508.867,61, como bem se refere na decisão sob censura, encontra-se já paga: a ordem de pagamento foi dada no dia 14 de novembro de 2016, por despacho de fls. 5936, e a transferência foi realizada no dia 16 de novembro de 2016, conforme se constata a fls. 5943. Nesta medida, é inegável que o lesado se encontra reparado do prejuízo sofrido, desde o dia 16 de novembro de 2016.

3.ª

O condicionamento da suspensão da execução de uma pena de prisão ao pagamento da indemnização civil devida ao lesado, como vem de ser o caso nos presentes autos, visa forçar a reparação do mal do crime, complementando as finalidades da punição. É o que decorre, aliás, do disposto no nº 1 do artigo 51º do CP:

1– A suspensão da execução da pena de prisão pode ser subordinada ao cumprimento de deveres impostos ao condenado e destinados a reparar o mal do crime, nomeadamente: a) Pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado, ou garantir o seu pagamento por meio de caução idónea;

Com efeito,

4.ª

Concretizado o dano sofrido pelo lesado na quantia de € 508.867,61, e estando este reparado, é manifesto que, no que concerne aos juros, a função da condenação é não já a de reparar um prejuízo, mas a de sancionar, por via do seu pagamento, a mora no pagamento do imposto e na reparação do prejuízo.

Isto posto,

5.ª

É, tão só, inconcebível, a sugestão de que a suspensão da execução da pena de prisão poderá ser revogada estando reparado o dano efetivamente causado pela prática do ilícito criminal.

6.ª

É, aliás, incontornável que seria um caso manifesto de “prisão por dívidas” e, por isso, violador do disposto no artigo 27º, nºs 1 e 2 da CRP, ponderar-se, sequer, a revogação da suspensão da execução de uma pena de prisão não porque se mostra incumprida a injunção a que se subordinou a execução – reparação do dano causado pelo facto ilícito típico – mas porque não foram pagos os juros civis, cuja função não é a de reparar o dano provocado pelo ilícito e por isso não cumpre a função, visada pela injunção, de reforçar as finalidades da punição.

Ademais,

7.ª

A Constituição da República Portuguesa é clara ao estabelecer, no artigo 18º, nº' 2, que A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ora, se é certo que o bem jurídico protegido pela norma incriminadora que justifica a aplicação de uma pena privativa da liberdade está também patente na aplicação da pena (autónoma) de suspensão da sua execução e, bem assim, na injunção que se escolheu como condição dessa suspensão, que é, in casu, a reparação do dano, o mesmo não pode dizer-se em relação a juros, que nenhum dano reparam, apenas sancionam uma mora e que, por isso mesmo, não lhes subjaz nenhum bem ou interesse jurídicos constitucionalmente protegidos que legitimem a restrição do direito fundamental à liberdade, consagrado no artigo 27º, nº 1 da CRP.

Com efeito,

8.ª


A única solução constitucional e legalmente admissível, no presente caso, é a extinção da pena, na medida em que o não pagamento dos juros não configura um motivo que conduza à revogação da sua suspensão, devendo, pois, declarar-se extinta a pena, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 57.º do CP.

9.ª

Aliás, a interpretação do artigo 57º, nº 1 do CP no sentido de que o não pagamento dos juros integrantes da condenação cível – que não visam, em si mesmos, a reparação do dano causado pelo crime – constitui motivo de revogação da pena, impedindo, por isso, a sua extinção, é inconstitucional, por violação dos artigos 27º, nºs 1 e 2 e 18º, nº 2 da CRP, inconstitucionalidade que desde já se invoca, ao abrigo do disposto no artigo 204º da CRP.

10.ª

De todo o modo, sempre se diga que o ora recorrente, consciente de que os juros são parte integrante da condenação cível, não se alheou do seu pagamento. Estando em causa o pagamento de juros de impostos em dívida, o recorrente entendeu (e entende) que se encontra nas condições previstas no Decreto-Lei nº 67/2016, de 3 de novembro (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado – PERES), através do qual o Estado, ou seja, o credor nos presentes autos, instituiu um mecanismo excecional de regularização de dívidas fiscais, com perdão do pagamento de juros a todos os cidadãos que regularizassem a sua situação contributiva até ao dia 20 de Dezembro de 2016.

Assim,

11.ª

O ora recorrente lançou mão do mecanismo excecional de regularização de dívidas fiscais previsto no Decreto-Lei nº 67/2016, de 3 de novembro (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado – PERES), o que fez mediante pedido de adesão apresentado no dia 15 de  dezembro de 2016, ou seja, um mês depois de verificada a reparação do dano – Cfr. Documento nº 1 que, como os demais, se juntou com o requerimento de fls. 5972 a 5975 – pretendendo, assim, que lhe fosse aplicado o regime do previsto no artigo 3º do referido diploma, segundo o qual estavam abrangidas pelo seu regime as dívidas fiscais “previamente liquidadas à data da entrada em vigor deste diploma, cujo facto tributário se tenha verificado até 31 de dezembro de 2015, desde que o respetivo prazo legal de cobrança tenha terminado até 31 de maio de 2016”.

Com efeito,

12.ª

Assumindo o pagamento em falta nos presentes autos uma dívida de natureza fiscal, sob pena de violação do principio da igualdade entre todos os cidadãos, o ora recorrente tem que beneficiar do mesmíssimo direito que foi concedido a todos quantos, sendo devedores de imposto, nas mesmíssimas condições do recorrente, se apresentassem a regularizar a situação, pelo que, pretendendo dar cabal cumprimento à decisão condenatória, recorreu ao mecanismo, previsto num diploma emanado do Governo de Portugal, de regularização de dívidas ao Estado.

Acontece que,

13.ª

O pedido de adesão ao sobredito regime foi indeferido, por despacho de 23/08/2017 (Cfr. Documento nº 2), em reação ao qual foi apresentado recurso hierárquico (Cfr. Documento nº 3), tendo este merecido, no dia 04/01/2018, despacho de indeferimento (Cfr. Documento nº 4), razão pela qual foi pedida, no dia 07/03/2018, a ampliação do objeto da ação administrativa que entretanto foi despoletada junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (Processo nº 689/17.1BEPRT) e que tem como objeto a impugnação dos atos de indeferimento (Cfr. Documento nº 5).

Assim,

14.ª

Constatando-se que, ato contínuo à reparação do prejuízo, o ora recorrente lançou legitimamente mão daquele regime especial, aguardando, neste momento, uma decisão judicial autorizando o recurso àquele regime especial, é imperioso reconhecer-se, por um lado, que a circunstância de não se encontrar ainda integralmente cumprida a decisão condenatória não é imputável a culpa do ora recorrente e, por outro, atendendo a que ainda se encontra em curso a discussão sobre a possibilidade de recurso ao PERES, seria irrazoável ou, mais grave ainda, atentatória de direitos fundamentais do ora recorrente, a imposição de pagamento (imediato) da dívida de juros sem antes se encontrar definitivamente decidida uma sua pretensão legitimada ao abrigo da lei, enquadrada num mecanismo de regularização de dívida fiscal – que o recorrente efetuou em 16.11.2016 – com o consequente perdão de juros previsto pelo próprio credor.

Ademais,

15.ª

Não pode ser desconsiderado que a quantia correspondente ao prejuízo causado foi arrestada preventivamente em 2011, tendo apenas sido convertida em pagamento em 2016, significando isto que, durante aquele hiato temporal, tal quantia não teve, como teria se não tivesse sido arrestada, qualquer rendimento, situação que representou, para o ora recorrente, um prejuízo evidente e notoriamente avultado, atento o capital em causa, com a consequência imediata de não poder utilizar esse rendimento, por dele não dispor.

Ora,

16.ª

É manifesto que toda esta discussão interessa do ponto de vista civil, da satisfação integral do credor, e não já do ponto de vista da punição criminal. A lógica subjacente à decisão condenatória foi a de impor como dever de conduta a reparação de um prejuízo, contido no pedido de indemnização cível. Ora, se lei posterior alterar o pedido cível, em moldes que retiram do mesmo o pagamento de juros, não pode deixar de se entender que tal regime não só constitui lei mais favorável com impacto na decisão penal como esta deve adequar-se ao seu pressuposto original: a suspensão da execução com o pagamento do pedido cível.

17.ª

Assim, sem embargo de o pagamento dos juros em que foi condenado o ora requerente permanecer em discussão, o que, salvo melhor opinião, dependerá da aplicação, ou não, do PERES, deve o pagamento desta parcela do pedido ser eliminado da injunção determinada no plano criminal, determinando-se a extinção da pena, nos termos do artigo 57º, nº 1 do CP.

18.ª

Ainda que assim não se entendesse, tout court, sempre estaríamos perante situação relevante superveniente – regime jurídico novo com impacto na discussão do pagamento a que foi o requerente condenado – que imporia a modificação dos deveres impostos ao ora recorrente, nos termos do disposto no artigo 51º nº 3 do Código Penal, eliminando-se dos mesmos o dever de pagamento dos juros, sem embargo da eventual e posterior exigibilidade civil do seu pagamento, declarando-se extinta a pena.

19.ª

Mesmo a assim não se entender, e dado tudo quanto supra se expôs, nomeadamente que o não pagamento dos juros não decorre de incúria ou violação dos deveres impostos ao ora requerente, mas da discussão judicial sobre a sua exigibilidade, sempre se impõe que seja lançada mão de um dos mecanismos previstos no artigo 55º do CP, sendo concedido, mais que não seja, um prazo razoável, não inferior a um ano subsequente à respetiva decisão, para pagamento dos juros, nos termos do nº 5 do artigo 55º do CP, caso venha a ser preterida a sua pretensão de aderir àquele regime.

Termos em que, dando-se provimento ao presente Recurso, deverá revogar-se a decisão recorrida e ordenar-se:

A extinção da pena, nos termos do artigo 57º, nº 1 do CP; ou, assim não se entendendo:

A modificação dos deveres impostos ao ora recorrente, excluindo-se dos mesmos o pagamento dos juros, nos termos do artigo 51º, nº 3 do CP; ou, assim não se entendendo:

A prorrogação do prazo de suspensão pelo período mínimo de um ano subsequente a decisão de indeferimento de adesão ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado – PERES;

Assim fazendo V/Exas.
Justiça!


9– O recurso foi recebido por despacho de fls 6013.

10– O Ministério Público respondeu à motivação do recurso apresentada pelo arguido (fls 6015 a 6019), onde veio contrariar a anterior posição expressa pelo M.P no processo (o qual como acima ficou dito, na sequência do requerimento do arguido de 28.3.2018, viera promover em 11.4.2018, a prorrogação do período da suspensão da execução da pena por mais um ano, com prestação de garantia bancária) e defender que não foram integralmente cumpridas as condições/deveres a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA..., por não se mostrarem ainda pagos por este os juros civis em que foi condenado.

Argumenta que a condição do dever de pagamento dos juros civis que foi fixada nestes autos, por um Tribunal Criminal, não pode ficar dependente do eventual perdão que o recorrente venha a conseguir por via do acesso ao programa de Redução do Endividamento do Estado – PERES (previsto no D.L nº 67/2016 de 3.11).


Conclui assim pela improcedência do recurso do arguido e pela manutenção da decisão recorrida, terminando as suas contra-alegações nos seguintes transcritos termos:

1.– Por decisão, proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, foi o recorrente condenado numa pena de um 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, condicionada ao pagamento da quantia de 508.867,61€, acrescida de juros civis, à taxa legal;

2.– Mostra-se paga a quantia de 508.867,61€, estando em falta o pagamento dos juros;

3.– Pelo que não foi integralmente cumprida a condição/dever a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena;

4.– Essa condição reveste uma natureza própria e autónoma, dado que nela estão presentes finalidades de punição criminal que a simples regularização de dívidas fiscais não encerra.

5.– O juízo de adequação da condição à reparação do mal do crime (implícito no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa) não pode ser posto em causa pela superveniência de um programa de regularização de dívidas fiscais, porque as finalidades deste são alheias às finalidades da punição criminal subjacentes à condição imposta.

6.–Pelo que a necessidade do cumprimento integral dessa condição não poderá ficar dependente de um eventual perdão que o recorrente venha a conseguir por via do eventual acesso ao Programa de Redução do Endividamento do Estado - PERES (previsto no Dec./Lei nº 67/2016, de 3 de novembro);

7.– Donde, a decisão recorrida (que indeferiu a pretensão do recorrente de ver declarada extinta a pena em que foi condenado ou, em alternativa, de fazer depender o pagamento das assinaladas quantias do indeferimento do seu pedido de regularização dos juros, ao abrigo do PERES), não violou qualquer preceito legal ou constitucional, pelo que deverá manter-se, na íntegra e nos seus precisos termos.

V. Exªs, porém, melhor apreciarão, fazendo a costumada

JUSTIÇA

11– Neste Tribunal, o Srª Procuradora-Geral-Adjunta, quando o processo lhe foi apresentado, emitiu o parecer de fls 6023 onde sufraga a posição do Tribunal recorrido e adere a toda a argumentação exposta na resposta do M.P ao recurso formulada na primeira instância.
Conclui assim que o recurso não merece provimento, pugnando pois em consequência, pela manutenção da decisão recorrida de fls 6002 e 6003.

12– Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº 2, do Código de Processo Penal e o arguido respondeu a fls 6027 a 6032, reiterando os seus argumentos já apresentados aquando da sua motivação de recurso e sublinhando ainda o seu entendimento de que o cumprimento da obrigação de pagamento dos juros civis está irremediavelmente dependente da decisão definitiva sobre a possibilidade de adesão do recorrente ao programa “Peres”.
Sustenta em síntese que a proceder judicialmente o seu pedido de adesão àquele regime, os juros civis não serão pagos porque o Estado assim o aceitou e nessa medida nenhum Tribunal estaria legitimado a revogar a suspensão da execução da pena por não estarem pagos juros civis que foram perdoados pelo próprio credor.  
Conclui assim, pedindo que o seu recurso seja julgado provido.

13– Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1.– QUESTÕES a DECIDIR:
Do artº 412º/1 do C.P.P resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente definem as questões a decidir em cada caso (cf. Germano Marques da Silva em “Curso de Processo Penal” III edição 2º edição, 2000 pág. 335 e Ac. do S.T.J de 13.5.1998 em B.M.J 477º 263), exceptuando aquelas que sejam do conhecimento oficioso (cf. artº 402º, 403º/1, 410º e 412º todos do C.P.P e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J de 19.10.1995 in D.R I – A série, de 28.12.1995).

São assim as seguintes as questões a resolver:
A)– Estavam em Março/Abril de 2018 reunidas as condições para ao abrigo do artº 57º/1 do C.P, poder ser julgada extinta a pena de 1 ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por 4 anos, condicionada ao pagamento da quantia de 508.867,61 euros acrescida dos juros civis à taxa legal, que havia sido aplicada ao arguido nestes autos, por Acórdão da Relação de Lisboa de 18.7.2013?
B)– Podiam esses deveres ser modificados ao abrigo do artº 51º/3 do C.P ou a suspensão da execução da pena de prisão ser prorrogada nos termos do artº 55º alínea d) do C.P, pelo período mínimo de um ano, a contar do despacho de indeferimento proferido em 4.1.2018 pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que negou a adesão requerida pelo arguido ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES)?

2.–A Decisão recorrida
Na sequência do requerimento do arguido de 28.3.2018 e da promoção do M.P de 11.4.2018, foi pelo Tribunal a quo proferida a seguinte decisão, ora recorrida (fls 6002 a 6003):

1.–Requerimento de fls. 5972 a 5975:

Mediante o mesmo, o arguido AA... veio requerer que seja reconhecida a reparação do prejuízo causado pela prática do crime e que, consequentemente, seja declarada extinta a pena em que foi condenado.

Caso assim não se entenda, veio ainda requerer que lhe seja concedido um prazo razoável para pagamento dos juros a partir da decisão definitiva que vira a ser proferida sobre a sua proposta de adesão ao regime previsto pelo DL n.º 67/2016, de 03-11 (Programa Especial de Redução do Endividamento do Estado).

Tendo vista nos autos, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela prorrogação por 1 ano do período de suspensão de execução da pena de prisão e pela prestação de garantia bancária quanto aos montantes em causa.

Apreciando e decidindo:

Como primeiro argumento para se considerar dispensado do pagamento dos juros, o arguido AA... veio sustentar que no decurso do ano de 2011 foi arrestado preventivamente à ordem destes autos a quantia de € 508 867,61, a qual foi convertida em pagamento em 2016, o que representou para si um prejuízo evidente e notório, na medida em que não pode utilizar este rendimento.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, não merece provimento a argumentação apresentada pelo arguido AA....

Em primeiro lugar, importa afirmar que o atraso na conversão do arresto preventivo em pagamento, cujo lapso de tempo se entendeu de 2011 a 2016 (vide fls. 3562), a ter prejudicado alguém, terá sido o Estado Português, não seguramente o arguido AA..., que estava vinculado, por força de decisão judicial transitada em julgado, ao pagamento dessa importância (€ 508 867, 61), enquanto condição imposta para a suspensão da execução da pena de prisão.

Em segundo lugar, conforme decorre do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no dia 18-07-2013, a condição imposta para a suspensão da execução da pena de prisão ficou condicionada ao pagamento de juros de mora devidos em momento anterior ao arresto preventivo determinado nestes autos (11-11-2011).

Isto significa, por outras palavras, que a decisão vinculativa, proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, fixou como condição para a suspensão da execução da pena, o pagamento dos juros de mora relativos a capital que o Estado Português não dispôs em devido tempo e que o arguido, até ao momento, não veio a satisfazer.

Recorde-se que foi determinado o pagamento dos seguintes juros:

--por referência à quantia de €418 990,23€, relativa ao IRS de 2000, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respectiva liquidação até 30-12-2005;

--por referência à quantia de € 209 500, relativa ao IRS de 2001, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respectiva liquidação até 30-12-2005;

--por referência à quantia de € 50 000, relativa ao IRS de 2002, desde o dia posterior ao do termo do pagamento da respectiva liquidação até 30-12-2005;

--por referência à quantia de € 508 867,61€, desde 31-12-2005 e até integral e efectivo pagamento.

Por isso, não colhe, nesta parte a argumentação apresentada pelo arguido, a qual, a merecer provimento, constituiria a derrogação, ainda que tácita, de uma decisão de um tribunal superior com trânsito em julgado, na medida em que continuam por satisfazer os juros devidos até à data do arresto preventivo decretado em 11-11-2011.

Por outro lado, importa também aqui assinalar que a proposta de adesão ao regime previsto pelo DL n.º 67/2016, de 03-11 (Programa Especial de Redução do Endividamento do Estado) não apresenta qualquer relevância jurídica para este processo, na medida em que, nesta sede, se impõe unicamente apurar se o arguido AA... deu (ou não) cumprimento à condição imposta para a suspensão da execução da pena, decorrente de uma decisão condenatória transitada em julgado.

Não se trata aqui de um qualquer pagamento voluntário de dívidas fiscais.

Trata-se simplesmente de apurar se o condenado deu (ou não) cumprimento à condição imposta para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada e, caso não o tenha feito, se esse incumprimento lhe pode (ou não) ser culposamente imputado.

Por isso, é destituído de qualquer interesse jurídico para o que agora nos importa esgotar todos os mecanismos de reacção ao despacho de indeferimento proferido pela Administração Tributária, que considerou não estarem preenchidos os requisitos legais previstos pelo DL n.º 67/2016, de 03-11, conforme resulta da documentação junta.

A este propósito, sempre se dirá que este diploma legal, conforme resulta do preambulo e do próprio texto legislativo, constitui uma forma de incentivo ao pagamento voluntário de dívidas fiscais, mediante a dispensa ou a redução do pagamento de juros (de mora ou compensatórios) e outros encargos associados à dívida.

In casu, nenhum incentivo existiria ao pagamento ao Estado Português de uma dívida fiscal, ou seja, a Administração Fiscal nada mais iria receber a título de capital, funcionando simplesmente a adesão a este plano, segundo a pretensão apresentada pelo arguido AA..., como uma forma de dispensa dos juros de mora devidos pelo incumprimento voluntário de obrigações fiscais.

Em face do exposto, indefere-se, in totum, o requerido pelo arguido.

Custas do incidente a cargo do requerente AA..., fixando-se em 2 Ucs. a taxa de justiça devida.

Notifique.

2.– Por forma a acompanhar convenientemente a marcha do processo, determina-se que seja junto aos autos cópia, em suporte papel, da promoção do Digno Magistrado do Ministério Público e deste despacho.”

3.– Analisando
No acórdão proferido nestes autos em 10.9.2012, como já vimos, o Tribunal a quo considerou provados factos que consubstanciavam a prática pelo arguido AA... entre Julho de 2000 e 14 Março de 2003, como autor material e na forma consumada de um crime de fraude fiscal p.p no artº 103º/1/b) e artº 104º/2 do RGIT pelo qual veio a ser condenado no Tribunal de 1ª instância em pena de prisão suspensa na sua execução, mediante a sujeição a condições.
Posteriormente, na apreciação de recursos interpostos da decisão proferida na 1ª instância, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu por Acórdão proferido em 18.7.2013 que a pena de 1 ano e 6 meses de prisão aplicada ao arguido AA..., ficaria suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, condicionada ao pagamento pelo arguido/demandado AA... dentro desse prazo da quantia de 508.867,61 euros (sendo essa quantia correspondente ao valor total do imposto de IRS devido e não pago referente aos anos de 2000, 2001 e 2002) e ainda da quantia acrescida dos juros civis à taxa legal. 
O Tribunal da Relação de Lisboa no mesmo Acórdão supra referido julgou ainda parcialmente procedente o pedido de indemnização cível formulado pelo M.P em representação do Estado Português e condenou o demandado AA... no pagamento da quantia de 508.867,61 euros a título de indemnização cível, condenando-o ainda no pagamento dos respectivos juros de mora civis, à taxa legal.
Resulta também dos autos, que a decisão da 1ª instância que condenou o arguido ora recorrente na acção criminal, transitou em julgado em 10.9.2013, conforme ficou atestado a fls 5898 dos autos.
E também que a decisão que o condenou na acção cível (condenação no pagamento ao Estado da quantia de 508.867,61 euros, a título de indemnização cível, correspondente ao imposto de IRS devido e não pago referente aos anos de 2000, 2001 e 2002, acrescido de juros de mora civis) apenas transitou em julgado em 6.10.2016, conforme ficou atestado a fls 5887 dos autos, após se terem pronunciado sobre o recurso interposto pelo arguido quanto à acção de indemnização cível, quer o S.T.J por acórdão proferido em 15.7.2015, quer o Tribunal Constitucional, por Acórdão nº 495/2016 de 20.9.2016.   
O período de 4 anos da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos ao arguido AA..., iniciou-se pois em 10.9.2013, estando o seu termo previsto para 10.9.2017. 
O arguido AA..., notificado para proceder ao pagamento dos juros civis referentes ao montante em que foi condenado a título de indemnização cível, veio por requerimento entrado em juízo em 28.3.2018 (fls 5972 a 5975) requerer ao Tribunal a quo:
a)- que seja reconhecido estar reparado o prejuízo causado pelo crime por ele praticado e consequentemente seja declarada extinta a pena crime aplicada ao abrigo do artº 57º do C.P, por estar cumprido o dever de pagamento da correspondente indemnização cível quanto ao capital correspondente ao montante do imposto de IRS em dívida – defendendo assim encontrar-se desde Novembro de 2016 reparado o dano ou prejuízo causado ao Estado com a sua conduta, avaliado em 508.867,61 euros;
b)- caso assim não se entenda, veio subsidiariamente requerer que ao abrigo do artº 51º/3 do C.P, sejam alterados os deveres impostos ao requerente, condicionantes da suspensão da execução da pena, concedendo-lhe para o pagamento dos juros um prazo razoável subsequente à decisão definitiva referente à aplicação ao arguido do regime previsto no DL nº 67/2016 de 3.11 (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado – PERES) em que poderia vir a beneficiar do perdão do pagamento de juros devidos pelo não pagamento atempado do imposto (IRS) referente aos anos de 2000, 2001 e 2002.

Isto porque na sua óptica, a criação deste regime de perdão com carácter geral e abstracto em que consiste o referido PERES, constitui uma “situação relevante superveniente” a que alude o artº 51º/3 do C.P por ser um regime jurídico novo com impacto na discussão do pagamento dos juros a que o requerente foi condenado.

Na sequência desse seu requerimento, o M.P teve vista dos autos e entendeu como já acima ficou dito que a falta de pagamento dos juros não consubstanciava da parte do arguido uma violação grosseira dos deveres impostos como condição para beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.

Assim promoveu em 11.4.2018 que estando decorrido o prazo de 4 anos da suspensão da execução da pena e não havendo razões que apontassem para uma revogação dessa suspensão, ao abrigo do artº 57º/1 do C.Penal, se prorrogasse o prazo da mesma por mais um ano (de 10.9.2017 até 10.9.2018) e ainda que fosse exigido ao arguido a prestação durante o período da prorrogação de garantia bancária, respeitante aos supra descriminados montantes.

Diferente entendimento foi assumido porém pelo Tribunal a quo, o qual veio indeferir in totum o requerimento do arguido nos termos já acima referidos com a transcrição integral dessa decisão.
Quid Juris?

Assiste parcialmente razão ao recorrente como melhor passaremos a explicar de seguida.

A)– Da extinção da execução da pena – artº 57º/1 do C.P
Dispõe o artº 57º/1 do C.P. que “A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão não houver motivos para conduzir à sua revogação”.

O pagamento da quantia de 508.867,61 euros correspondente à totalidade do capital indemnizatório em que foi condenado na acção cível, ocorreu dentro do referido período da suspensão da execução da pena de prisão, pois como se pode constatar dos autos a ordem de pagamento foi dada a 14 de Novembro de 2016 por despacho de fls 5936 e a transferência foi realizada no dia 16.11.2016 (fls 5943 dos autos).

Nessa medida, o primeiro dos deveres condicionantes da suspensão da execução da pena de prisão foi cumprido atempadamente pelo arguido/recorrente e o Estado lesado foi ressarcido dos prejuízos por ele sofridos na sua grande parte.

Podemos pois reconhecer que assiste razão ao arguido quando veio sustentar que o Estado lesado se encontra desde o dia 16.11.2016, reparado do prejuízo sofrido (na sua grande parte) com o não pagamento do imposto que era devido pelo arguido a título de IRS, nos termos supra expostos.

Não deixando de ser tal realidade um facto e sem prejuízo do mesmo, não vale porém alegar como fez o arguido em sede de recurso que todo o mal resultante da sua conduta penal ilícita se encontra já totalmente reparado, porque tal alegação não corresponde à verdade.

Para além da diminuição em si dos valores que deveriam entrar nos cofres do Estado e que não entraram na altura certa em virtude da conduta ilícita do arguido traduzida no não pagamento do imposto (IRS) nos prazos legalmente determinados para o efeito entre Julho de 2000 e 14 de Março de 2003, o arguido prejudicou ainda o erário público, com o atraso no pagamento desses montantes devidos a título de IRS, pois que em vez de pagar esse imposto nos prazos que a lei estipula para esse efeito, por referência aos anos de 2000, 2001 e 2002, o arguido só pagou em Novembro de 2016, ou seja muitos anos depois.

O prejuízo económico resultante para o Estado dessa mora (atraso) no pagamento do valor do imposto de IRS em dívida, impõe-se pois de modo evidente para todos e tem tradução na exigência do pagamento dos juros de mora (juros civis) mas tal prejuízo não deixa também em certa medida de ser uma consequência danosa do crime de fraude fiscal qualificada por ele cometido, sendo pois esse prejuízo também um mal resultante do crime que ainda não se mostra reparado e que não existiria caso o arguido não tivesse actuado ilicitamente da forma como actuou.

Não faz assim sentido, salvo o devido respeito, a sua argumentação no sentido de pretender obter uma declaração de extinção da pena suspensa na sua execução, ao abrigo do artº 57º do C.P, a pretexto, segundo invoca de se encontrar já reparado o mal causado pelo crime em virtude de estar já desde Novembro de 2016 cumprida a condição de pagamento da indemnização cível (montante do capital indemnizatório) e que a obrigação do pagamento dos juros apenas releva do ponto de vista civil da satisfação dos interesses do credor, mas já não do ponto de vista da punição criminal.

Parece assim resultar com clareza dos autos, que existia na data da prolação da decisão recorrida (e subsiste até hoje) um outro motivo impeditivo duma decisão judicial de declaração de extinção da pena crime aplicada ao arguido: o não cumprimento pelo arguido do segundo dever condicionante da suspensão da execução da pena de prisão e que era o dever de pagar os juros de mora civis contados sobre aquele capital indemnizatório (508.867,61 euros), pois que a condenação cível do Tribunal da Relação de 18.7.2013 expressamente abrangia essa obrigação do pagamento dos juros, assim como a sujeição da suspensão da execução da pena crime a esse pagamento.

Improcede pois a sua pretensão nesta parte e o recurso por ele interposto terá necessariamente que ser julgado não provido neste segmento.
B)– Da modificação dos deveres impostos condicionantes da suspensão da execução da pena de prisão (artº 51º/3 do C.P).

No nosso entender não existem igualmente nos autos quaisquer elementos factuais que justifiquem uma modificação dos deveres estipulados ao arguido condicionantes da suspensão da execução da pena de prisão.

O Acórdão condenatório proferido em 1ª instância em 10.9.2012 já transitou em julgado em 10.9.2013 no que respeita à acção criminal, e desde então não foram demonstrados nos autos quaisquer factos que cabendo na previsão do artº 51º/3 do C.P, justifiquem a modificação dos deveres impostos ao arguido como condição de suspensão da pena de prisão.

Desde logo resulta ser claro para nós que não assumirá tal virtualidade o contencioso pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto quanto à eventual aplicação do regime PERES ao arguido, porquanto a simples pendência desse contencioso nos termos invocados pelo arguido e já acima referidos, não constitui a ocorrência de uma “circunstância relevante superveniente” a que alude o artº 51º/3 do C.P – sendo evidente que o mesmo não anula ou prejudica de per si, a decisão penal transitada em julgado proferida nestes nossos autos.
Improcede pois o recurso do arguido também nesta parte.

C)– Da prorrogação do prazo da suspensão (artº 55º alínea d) do C.P)
Aqui chegados temos por assente que em Março/Abril de 2018, mostrando-se embora o capital indemnizatório estar já liquidado pelo arguido desde Novembro de 2016 (508.867,61 euros), subsistia ainda por cumprir a obrigação de pagamento dos juros civis contabilizados sobre aquele capital pago ao Estado a título de IRS, não obstante já ter sido ultrapassado o prazo de 4 anos da suspensão da execução da pena.

Poderia então ser concedida uma prorrogação do prazo da suspensão de mais um ano, nos termos requeridos pelo arguido?

Ou deveria o Tribunal a quo ter simplesmente indeferido tal pretensão considerando-a infundada (como sucedeu na realidade) e depois a posteriori caso a omissão do pagamento dos juros persistisse, revogar a suspensão da execução da pena por falta de cumprimento dos deveres impostos, ao abrigo do artº 56º/1/a) do C.P.?

Por outras palavras, poderemos concluir como fez o Sr. Juiz do Tribunal a quo que inexistem razões para conceder ao arguido uma prorrogação do prazo da suspensão da execução da pena, pelo período mínimo de um ano, a contar da decisão proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de indeferimento do pedido do arguido de adesão ao Programa PERES?

Entendemos que não e nesta parte acompanhamos inteiramente a posição expressa pelo M.P na sua promoção de 11.4.2018 (fls 6000/6001), no sentido por ele defendido de que a conduta do arguido AA... ao longo do prazo da suspensão da execução da pena não revela que o mesmo tenha de uma forma ostensiva, grosseira e culposa, violado os deveres impostos pelo Tribunal a quo condicionantes daquela suspensão da execução da pena. 
 
Sublinhou o M.P nessa mesma promoção, que não obstante se mostrar decorrido o período de 4 anos da suspensão da execução da pena, sem que o arguido tivesse procedido ao pagamento dos juros devidos (obrigação essa em que fora condenado civilmente e que constituía também um dever condicionante da suspensão da execução da pena de prisão) não se verificava nenhum incumprimento culposo dos deveres ou regras de condutas impostas pelo Tribunal que justificasse uma revogação daquela suspensão da execução da pena ao abrigo do artº 56º.

Com efeito, aguardando nessa data o arguido que lhe fosse reconhecida a isenção do pagamento desses juros – a que considerava ter direito por entender estar nas condições previstas no D.L nº 67/2016 de 3.11 (programa especial de redução do endividamento do Estado – Peres) tendo para o efeito impugnado judicialmente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a decisão da administração tributária que indeferiu o seu pedido de adesão a esse programa, então entendeu (e bem!) o M.P que não podia a falta de pagamento das ditas quantias (devidas a título de juros) ser reconduzível à figura da violação grosseira de deveres impostos. 
Promoveu assim o M.P que o prazo da suspensão da execução da pena fosse prorrogado por mais um ano (de 10.9.2017 até 10.9.2018) e ainda que fosse exigido ao arguido durante o período da prorrogação, garantia bancária respeitante às quantias em dívida a título de juros de mora.
Analisando os contornos fácticos e jurídicos do caso ora em análise, consideramos que neste concreto ponto assiste razão ao arguido recorrente.
De acordo com a argumentação do arguido, o pedido que formulou a título subsidiário ao Tribunal a quo (que lhe foi também indeferido) e que manteve no mesmo moldes em sede de recurso, seria o de ver estendido o período da suspensão da execução da pena, por mais um ano subsequente à decisão proferida em 4.1.2018 pela autoridade Tributária e Aduaneira, de indeferimento da sua pretensão de adesão ao programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado - PERES (fls 5975 vº a fls 5983) ou seja, pretendia ver prolongado o referido período de suspensão da execução desde 4.1.2018 até 4.1.2019 – a decisão de 4.1.2018 foi proferida pela autoridade Tributária e Aduaneira na sequência de reclamação hierárquica do arguido e nessa medida constituía a última palavra da Administração Fiscal.
Contudo importa aqui lembrar que o período de suspensão da execução da pena de prisão que foi fixado em 4 anos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por Acórdão de 18.7.2013, iniciou-se no dia 10.9.2013 (data do trânsito em julgado da acção criminal nestes autos) e finalizava em 10.9.2017, não podendo nunca o prolongamento ou período suplementar da suspensão da execução a conceder, permitir que o prazo total da suspensão da execução ultrapasse o período de 5 anos – é o que resulta da interpretação conjugada do artº 50º e do artº 55º alínea d) do C.P.
Assim sendo, iremos considerar aqui como válida e objecto da nossa análise e reflexão, a proposta de prolongamento da suspensão da execução da pena, por mais 1 ano, feita pelo M.P na 1ª instância em 11.4.2018, nas datas expressamente constantes da sua promoção de 11.4.2018, isto é, desde 10.9.2017 até 10.9.2018 por serem aquelas que são válidas e possíveis, ao abrigo do regime legal em vigor e no fundo não contradizem a vontade do arguido recorrente.
Analisemos agora mais em detalhe o regime jurídico da suspensão da execução da pena.
Como resulta do disposto no artº 50º/1 do C.P, a suspensão da execução da pena de prisão tem dois pressupostos:
um formal – ser a sanção aplicada de medida não superior a cinco anos;
e um material – ser de concluir face à personalidade do agente e às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Essas finalidades são como se extrai do artº 40º/1 do C.P, a protecção dos bens jurídicos e a integração do agente na sociedade.

As finalidades subjacentes à aplicação das penas, indicadas no artº 40º/1 do C.P são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, visando claramente finalidades de prevenção geral e especial, não finalidades de compensação da culpa ou de retribuição do mal causado – neste sentido cfr Figueiredo Dias “Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime”, pág 331.

Concomitantemente, também se passou exigir que a efectivação da pena de prisão se restrinja aos casos em que o condenado, através da sua conduta, revele uma verdadeira desconformação com os pressupostos que determinaram a suspensão da execução da pena de prisão.

No juízo de prognose postulado pela suspensão da execução da pena de prisão, importará essencialmente averiguar se esta opção garante as exigências de ressocialização, consentindo a formulação de um juízo favorável à interiorização, pelo destinatário do significado da pena em termos tais que este adopte, no futuro, um comportamento lícito, conforme às exigências do ordenamento jurídico-penal, não voltando a delinquir.

Tal aferição faz-se em função do critério estabelecido no artº 50º/1 do C.P, oferecendo-se a pena de prisão suspensa na sua execução, como a pena adequada ao caso, sempre que, em função da personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste, seja possível concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, expressas numa pena de prisão suspensa na sua execução, realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição referidas no já citado nº 1 do artº 40º.

Dispõe o art° 56º do CP que a suspensão de execução da pena é revogada sempre que:

- o arguido violar as obrigações e regras de conduta impostas ou o Plano de Readaptação Social (alínea a);

- ou quando for condenado pela prática de crime ocorrido em tal período (alínea b);

sempre que se demonstre que as finalidades da suspensão foram, por essa via, frustradas.

Quanto ao que se deve entender por violação grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta já se pronunciou a doutrina e a jurisprudência no sentido de se entender ser grosseira aquela violação que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade ou a colocação do condenado em situação de incapacidade para cumprir as condições de que depende a suspensão maioritária; e ser repetida aquela infracção que resulta de uma atitude de descuido e de leviandade prolongada no tempo, isto é que não se esgota num acto isolado da vida do condenado mas revela uma postura de menosprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória (neste sentido vd anotações a este preceito in Comentário do Código Penal, 2ª edição de Paulo Pinto de Albuquerque).

Ora o não pagamento dos juros civis em que foi condenado, durante o prazo da suspensão da execução da pena de prisão, perante a justificação apresentada e comprovada nos autos para esse não pagamento ter ocorrido, não revela quanto a nós uma vontade manifesta do arguido em não cumprir a obrigação que lhe foi imposta de pagamento dos juros.

Apenas revela que o mesmo se encontrava em diligências legítimas para averiguar se os referidos juros podiam ou não ser perdoados pelo Estado credor – como tal, esse não pagamento atempado não configura na realidade um incumprimento, não havendo assim uma qualquer violação grosseira da sua parte e deveria ter sido essa a leitura a fazer pelo Tribunal a quo, salvo o devido respeito.

Mutatis mutandis, assim sucederia numa situação em que um arguido condenado em pena de prisão efectiva, antes do seu efectivo cumprimento viesse a ser alertado pelo seu Advogado da publicação de uma Lei da Amnistia posterior à sua condenação, em relação a determinados ilícitos: naturalmente que o mesmo iria certificar-se pelos meios colocados ao seu alcance, se o crime pelo qual fora condenado estava abrangido por essa amnistia e se em consequência, o cumprimento da pena em que fora condenado por decisão de um Tribunal transitada em julgado, ainda assim se impunha nos mesmos moldes.

Dito de outro modo não resulta evidenciado nos autos, ter o arguido AA... com essa omissão do pagamento dos juros, revelado manter uma atitude acrítica, displicente e de intencional não cumprimento integral do Acórdão da Relação de 18.7.2013, ou um acentuado desprezo pela condenação a que foi sujeito.

Até ao momento da prolação da decisão recorrida, não se podia pois vir defender que a pena suspensa na sua execução aplicada ao arguido nos presentes autos, não tinha cumprido as finalidades da punição, pois o arguido para além de ter pago ao Estado o capital indemnizatório em que foi condenado, também se encontrava integrado social e familiarmente, não havendo notícia da prática pelo mesmo de outros ilícitos, revelando com isso ter tido capacidade para se aperceber da gravidade da sua conduta e da necessidade de a adequar ao direito.

Podemos pois extrair de todos estes factos que o arguido interiorizou o desvalor da sua conduta ilícita, bem como as sanções que lhe foram impostas, ainda que não tenha pago ainda os juros civis em que foi condenado nos termos já acima mencionados, mas para tal omissão apresentou uma justificação que se nos afigura ser inteiramente relevante e pertinente.

Em conclusão, os pressupostos da eventual revogação da suspensão de execução da pena de prisão terão de ser apurados pela positiva - nesse sentido Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 25-03-2009, no processo nº 8090/08 – 1ª Secção; Acórdão TRG processo n° 308/05.2 de 30-05-2005, disponíveis em www.dgsi.pt.

A finalidade político-criminal subjacente ao instituto da suspensão não é o afastamento do delinquente do cometimento de novos crimes no período da suspensão, mas o seu afastamento futuro da prática de novos crimes, visando a “prevenção da reincidência” – segundo Figueiredo Dias na obra citada “Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime – pág. 343”.

Com efeito, tal como já foi decidido pelo S.T.J in Acórdão datado de 13.9.2007 in processo nº 07P2795 acessível em www.dgsi.pt “a suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução a vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos, que só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas nos textos transcritos, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade”.  

No caso presente, a solene advertência feita ao arguido e transmitida sob a forma de pena de substituição – pena de prisão suspensa na sua execução – continua quanto a nós a demonstrar ser ainda eficaz para assegurar as finalidades apontadas às penas criminais (a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade).

Seria pois insustentável argumentar, pelo menos até à data da decisão recorrida, que o juízo de prognose positiva foi deslegitimado pela actuação do próprio recorrente – cfr decisão proferida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.5.2010 in processo nº 1803/05.5PTAVR.C1 acessível in www.dgsi.pt.

Em resumo, entende este Tribunal da Relação que a ponderação global da conduta do arguido AA..., permite concluir que do ponto de vista de protecção dos bens jurídicos em causa e das finalidades da punição, a opção por uma pena de prisão suspensa na sua execução, no âmbito dos presentes autos, foi uma decisão correcta, sendo que tal decisão se mantinha válida à data da prolação do despacho recorrido, não existindo nessa data razões para a sua revogação e sendo também perfeitamente justificável a sua prorrogação ao abrigo do artº 55º alínea d) do C.P.P, tal como foi pretendido pelo arguido neste recurso (e promovido pelo M.P na 1ª instância).

Com efeito dispõe o C.P que se durante o perído da suspensão o arguido não cumprir alguma dos deveres condicionantes dessa suspensão: “O Tribunal pode fazer uma solene advertência, exigir o cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão, impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção, ou prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n° 5 do artigo 50.° (i.e. o tempo igual à duração da pena de prisão suspensa), se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir quaisquer deveres ou regras de condutas impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção – cf. art.55.º do Código Penal.

No caso presente, o arguido havia requerido em 15.12.2016 à Autoridade Tributária que lhe fosse aplicado o regime do artº 3º do Programa Especial de Redução do Endividamento do Estado – PERES.

Sendo certo que tal pedido foi indeferido pela Autoridade Tributária e Aduaneira por despacho de 23.8.2017 (indeferimento esse confirmado depois em sede de recurso hierárquico por despacho de 4.1.2018), a verdade é que o arguido impugnou judicialmente esse despacho de indeferimento de 4.1.2018, estando por isso o seu pedido formulado em 15.12.2016 a ser objecto de um contencioso administrativo na data da prolação da decisão recorrida.

O arguido alega ainda que a decisão final que vier a ser proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, se favorável à sua pretensão, poderá redundar no perdão total ou parcial dos juros que são devidos ao Estado, contabilizados sobre o capital correspondente ao montante do imposto de IRS que já se mostra pago por ele nos autos.

Não cabe naturalmente a este Tribunal da Relação com competência exclusiva no foro criminal, apreciar do mérito de tal pretensão do arguido e se a mesma tem ou não cabimento legal, isto é se o arguido poderá ou não efectivamente vir a beneficiar do Programa especial PERES e consequentemente de um perdão do pagamento dos juros devidos pelo não pagamento atempado do imposto (IRS) referente aos anos de 2000, 2001 e 2002.

Contudo, assistindo ou não razão ao arguido, quanto à procedência do seu pedido de beneficiar do referido programa PERES (instituído pelo D.L nº 7/2016 de 3.11), a verdade é que nos afigura indiscutível que em Março de 2018, estando já ultrapassados mais de 4 anos sobre o trânsito em julgado da decisão condenatória proferida na 1ª instância (recordando que o trânsito em julgado dessa decisão na parte respeitante à acção criminal se verificou em 10.9.2013) a razão de ser do não cumprimento pelo arguido da segunda obrigação condicionante da suspensão da execução da pena (pagamento dos juros de mora civis contabilizados sobre o capital de imposto devido em dívida) se ficara a dever a essa discussão jurídica que estava pendente num Tribunal Administrativo.

E não a qualquer fuga ou desrespeito do arguido/demandado às obrigações impostas pelo Tribunal.

Na verdade, afigura-se-nos que um eventual perdão que viesse a ser concedido pelo Estado relativamente aos juros de mora que fossem devidos pelo arguido, relativos a dívidas fiscais, se tais juros abrangessem o período temporal e os montantes de imposto de IRS objecto destes autos, seguramente que esse perdão teria que ter reflexos sobre a condição imposta de pagamento dos juros de mora civis de que ficou dependente a suspensão da execução da pena de prisão na presente acção crime, não fazendo sentido que essa obrigação subsistisse nos exactos termos em que fora decidida pelo Tribunal da Relação em 18.7.2013.

Não se esquece que nos termos legais existe autonomia entre a acção crime e a acção cível, sendo que os respectivos trânsitos em julgado podem até ocorrer em momentos temporais distintos, por força da interposição de recursos que são apreciados de forma autónoma, como sucedeu no caso presente.

É certo também, e além do mais, que no caso presente era possível desde o início do decurso do prazo da suspensão da execução da pena, quantificar os dois deveres impostos ao arguido AA... na acção crime, como condições da suspensão daquela execução da pena de prisão.

Isto é, podiam essas obrigações (obrigação principal de pagamento do capital e obrigação de pagamento dos juros de mora civis) serem quantificadas logo à partida do início do decurso do prazo da suspensão da execução da pena (independentemente da sorte da acção cível) por ser possível aceder aos dados fornecidos pela Autoridade Tributária e apurar quais os montantes do imposto de IRS em dívida ao Estado nos períodos em que o arguido não cumpriu as suas obrigações fiscais e bem assim quais os juros de mora devidos pelo não pagamento atempado desses montantes de imposto.

Todavia e sem prejuízo do que acima fica dito, a verdade é que também sucedeu nestes autos, que a sorte da acção cível (referente ao pedido de indemnização cível peticionado pelo Estado e cujos valores em que foi condenado coincidiam com os exactos valores quantificados nas duas obrigações de pagamento condicionantes da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, tal como consta da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.7.2013) só conheceu uma decisão definitiva com trânsito em julgado, em 6.10.2016.


Ou seja o arguido não revelou com a sua conduta, que agiu culposamente e violou de forma grosseira o dever de pagamento dos juros civis e pelo contrário, resulta da sua exposição que revela vontade de cumprir o mesmo, caso a efectividade do pagamento desses juros não venha a ser afastada ou alterada pelo programa especial do PERES.

Perante o circunstancialismo por ele invocado, considera pois este Tribunal da Relação estar em Março/Abril de 2018 justificado o não cumprimento oportuno do referido dever de pagamento dos juros de mora, dentro do período de 4 anos subsequente ao trânsito em julgado da acção crime nestes autos.

Por tudo o acima exposto, afigura-se pois que o prolongamento do prazo da suspensão por mais um ano, nos termos permitidos pelo artº 55º alínea d) do C.P. (sendo certo que o limite máximo do período da suspensão da execução da pena não poderá ultrapassar os 5 anos) se afigura razoável e justo tal como havia sido por ele requerido e havia sido também promovido pelo M.P em 11.4.2018 (com a ressalva dos limites temporais desse prazo suplementar a considerar, serem aqueles que constam da promoção do M.P nos termos acima expostos).

Em resumo, a decisão do Tribunal a quo de indeferir a prorrogação da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido é excessiva, face às razões já expostas, que como tal se revoga, decidindo-se por tudo o acima exposto, prorrogar por mais 1 ano (entre 10.9.2017 e 10.9.2018) o período da suspensão da execução da pena de prisão que passa assim a ter uma duração de cinco anos, face ao estatuído no artº 55º d) do C.P.

Procede assim no que respeita à prorrogação do prazo da suspensão da execução da pena de prisão, o recurso ora em análise, com a consequente revogação parcial da decisão recorrida. 

III–DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da 3ª secção deste Tribunal da Relação em:

a)– Julgar parcialmente provido o recurso interposto pelo arguido e em consequência revogar parcialmente a decisão recorrida de fls 6002 e 6003, na parte em que indeferiu o pedido de prorrogação do período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nestes autos ao arguido AA..., prorrogando-se por mais um ano (entre 10.9.2017 e 10.9.2018) esse referido prazo da suspensão da execução daquela pena, ao abrigo do artº 55º alínea d) do C.P.     
b)– Manter no mais a decisão recorrida (na parte em que se indeferiu o pedido do arguido de declaração da extinção da pena crime e em que se indeferiu o pedido de modificação dos deveres impostos, nos termos do artº 51º/3 do C.P).
c)– Devolver os autos à 1ª instância onde deverá ser ponderada a actual situação do arguido, face ao tempo entretanto já decorrido e após, decidir-se em conformidade.
d)– Sem custas.



Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019




(Ana Paula Grandvaux Barbosa)
(Maria Perquilhas)