Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
147/13.3TELSB-K.L1-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: OMISSÃO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - O mecanismo de substituição em que assenta o sistema de recursos não permite que o tribunal de recurso aprecie a nulidade invocada em termos genéricos, afectando todos os actos praticados, sem os mesmos serem individualizados, porque a isso se opõe o artigo 122º do Código de Processo Penal que exige ao juiz a ponderação das consequências da nulidade.

II . Como vem sendo entendido pela Jurisprudência, a lei não vai ao ponto de exigir que uma fastidiosa e exaustiva fundamentação. O que a lei diz é que não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão que o Estado de Direito Democrático exige.

III - O legislador, na sequência de várias decisões do Tribunal Constitucional, veio a consagrar expressamente o poder-dever de o Tribunal de Recurso, no despacho preliminar, convidar o recorrente a suprir a ausência conclusões ou a sua deficiência, nos termos do actual artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Acontece, porém, tal como resulta do número 4º do preceito, que tal aperfeiçoamento "não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação".

Esta limitação legal significa que as novas conclusões aperfeiçoadas, estão vinculadas ao âmbito dos fundamentos do recurso já apresentado e não podem de ele divergir.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. Após ter sido notificado do acórdão proferido por este Tribunal em 02 de Novembro de 2017, veio o recorrente B …, a fls. 331 a 345 dos mesmos, apresentar requerimento, que apelida de reclamação, nos seguintes termos: (transcrição)

"Seja declarada a nulidade do Douto Acórdão reclamado, com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.9 n9 1, alínea c) do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 425.° n.9 4 do mesmo código; ou, caso assim não se entenda, o que se concebe por mera hipótese,

Seja declarada a nulidade do mesmo Douto Acórdão, com fundamento em falta de fundamentação, ou, em qualquer dos casos, por fundamentação insuficiente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 379.º nº1 alínea a) do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 425° n.º 4 o mesmo código; ou, ainda que assim não se entenda, o que se concebe por hipótese e sem conceder,

Seja declarada a irregularidade do Douto Acórdão ora impugnado, com fundamento em contradição insanável entre os respectivos fundamentos e a "decisão" proferida a respeito da invalidade dos despachos do TCIC proferidas nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 380º nº 1do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 425.° n9 4 do mesmo diploma legal, e ainda à luz da cláusula geral de irregularidade prevista no artigo 1239 do CPP; ou ainda, para o caso de não proceder o entendimento até aqui expendido, o que se admite apenas por (absurda) hipótese,

Seja declarada a irregularidade do Douto Acórdão em referência, com fundamento na falta ao cumprimento do poder-dever de suscitar o  aperfeiçoamento das alegações / conclusões de recurso, nos termos conjugados do disposto no artigo 417.2 n.s 4 do (PP, e do artigo 123.º do CPP." (fim de transcrição)

2. Notificado do teor do requerimento para, querendo, se pronunciar o recorrido Ministério Público, o mesmo não respondeu.

3. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O recorrente reclamante alega, na sua síntese conclusiva, que no acórdão

reclamado existe:

Omissão de pronúncia;

Falta de fundamentação e contradição insanável entre os respectivos

fundamentos e a decisão;

Falta de cumprimento do poder-dever de notificação para aperfeiçoamento das

conclusões.

Convirá salientar que não estamos em presença de qualquer reclamação, mas, antes, de arguição de nulidades do acórdão como, aliás, o recorrente reconhece nas suas conclusões.

Vejamos então cada uma delas adiantando, desde já, que o recorrente reclamante não tem razão.

3.1 Omissão de pronúncia

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 379.º, aplicável ex vi artigo 425.º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal, a sentença é nula "quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento".

Esta norma é aplicável aos acórdãos dos tribunais superiores, como resulta do artigo 425º, nº 4 do Código de Processo Penal.

A nulidade decorrente da omissão de pronúncia tem sido entendida uniformemente pelo Supremo Tribunal de Justiça[1] como aquela que ocorre quando o Tribunal deixa de se pronunciar ou decidir qualquer das questões suscitadas pelas partes, salvo se a mesma se mostrar prejudicada pela solução encontrada ou que sejam de conhecimento oficioso e deva conhecer. Entende também o Supremo Tribunal de Justiça que a omissão apenas

abrange as questões suscitadas e já não "os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões"[2]

Tendo em conta esta jurisprudência uniforme, não logramos descortinar a pretendida omissão de pronúncia.

O recorrente entende, em escrita pouco elegante, que este Tribunal da Relação "se furta à respectiva apreciação e decisão", que "decide não decidir" e "que sim nem que não", pretendendo, com tais afirmações que este tribunal declare nulos todos os actos praticados pelo TCIC nos autos.

Mas como pode este Tribunal declarar nulos todos os actos praticados pelo TCIC nos autos, se o recurso se resume a um despacho concreto e este tribunal desconhece quais foram os actos que foram praticados?

A resposta só pode ser: Não pode.

Este Tribunal de Relação só pode apreciar cada acto de per si ou o conjunto de actos, concretamente identificados, que constem do requerimento do recorrente dirigido ao Meritíssimo Juiz de Instrução e que do mesmo haja recurso.

O mecanismo de substituição em que assenta o sistema de recursos e que este Tribunal conhece, não permite, contrariamente ao que sustenta o recorrente, que o tribunal de recurso aprecie a nulidade invocada em termos genéricos, afectando todos os actos praticados, sem os mesmos serem individualizados, porque a isso se opõe o artigo 122º do Código de Processo Penal que exige ao juiz a ponderação das consequências da nulidade.

Mas vejamos, em síntese conclusiva e antes de mais, o que pedia o recorrente no seu recurso: (transcrição)

Nestes termos, requer-se a V. Exa. que aprecie e declare inteiramente procedente o presente recurso, revogando o despacho recorrido com fundamento em erro judiciário e, consequentemente:
i) Declare o que o TCIC é internacionalmente incompetente nos autos, nos termos e para os efeitos do artigo 32.º e 33.º n.º 4 do CPP; e, em qualquer dos casos,

os presentes autos, com fundamento na sua incompetência internacional, nos termos do disposto no artigo 119.° alínea e) do CPP (fim de transcrição)

Perante este pedido, este Tribunal de Relação decidiu que a incompetência internacional dos Tribunais portugueses já tinha sido declarada por decisão transitada em julgado e declarou a nulidade do despacho proferido pelo Meritíssimo Juiz de Instrução, do qual o recorrente tinha interposto recurso, cingindo os efeitos de tal nulidade ao despacho recorrido.

Assim, a única questão que este Tribunal de Relação pode apreciar, sem violar o caso julgado, é o alcance de tal decisão e, nessa medida, qual o alcance da nulidade cometida pelo Tribunal a quo ao voltar a proferir decisões em desrespeito do mesmo caso julgado, tal como impõe o artigo 122º do Código de Processo Penal.

O legislador ao obrigar que o Tribunal determine quais os actos que considera abrangidos com a declaração de nulidade, exige, de igual modo, de forma implícita, que o requerente que invoca a nulidade especifique e requeira ao Juiz de Instrução quais os actos concretos que pretende ver anulados de modo a que o mesmo possa pronunciar-se sobre o alcance do caso julgado formado.

Ora, não foi esta a opção do recorrente que se limitou a uma petição genérica de "todos os actos praticados pelo TCIC".

Esta opção do recorrente se por um lado não cumpre o espírito da lei, por outro não permite balizar a decisão que venha a ser tomada e, havendo recurso posterior, controlar a mesma.

Impunha-se, assim, em resumo, que o recorrente tivesse peticionado ao Meritíssimo Juiz de Instrução, quais eram os concretos actos que pretendia ver anulados por serem violadores do caso julgado formado.

Ora, perante o peticionado pelo recorrente e a decisão tomada por este Tribunal de Relação, não logramos descortinar qualquer omissão de pronúncia.

Improcede, pois, a invocada nulidade, inexistindo qualquer omissão de pronúncia.


3.2 Falta de fundamentação

O recorrente alega ainda que o acórdão proferido é nulo por falta de fundamentação.

Para sustentar esta sua nulidade o recorrente repisa, como aliás, nas demais, a circunstância de o Tribunal de Relação não ter declarado nulos todos os actos, quando tudo parecia em sentido contrário, concluindo pela falta ou insuficiência de fundamentação.

Talvez por incapacidade nossa, não logramos, mesmo com muito esforço, descortinar em que se materializa essa falta de fundamentação.

Vejamos.

O legislador, ao densificar a obrigatoriedade de fundamentação das decisões que resulta do artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, consagrou no artigo 3742 n22 do Código de Processo Penal, que a sentença deve conter "uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal."

O legislador, em obediência ao referido princípio, cominou com a nulidade a ausência de fundamentação (artigo 379º, nº 1 al. a) do CPP), sendo certo que tais normas são aplicáveis às decisões dos tribunais superiores (artigo 425º, nº 4 do Código de Processo Penal).

Porém, e como vem sendo entendido pela Jurisprudência, a lei não vai ao ponto de exigir que uma fastidiosa e exaustiva fundamentação. O que a lei diz é que não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão[3] que o Estado de Direito Democrático exige.

Tendo em conta estes princípios facilmente se intui não padecer a decisão deste tribunal de qualquer falta de fundamentação, seja por falta de persuasão seja por falta de transparência.
O recorrente percebeu perfeitamente a decisão e os motivos porque este tribunal a tomou, só que, como é seu direito, não concorda com a decisão tomada.

Na verdade, sobre os efeitos da decisão anteriormente tomada em relação à incompetência dos tribunais portugueses e o alcance do caso julgado e também sobre as consequências da nulidade declarada, transcreveu uma outra decisão deste tribunal, que assumiu, sendo a mesma bastante para fundamentar o decidido.

Que mais seria exigível para permitir um escrutínio que o Estado de Direito reclama permanentemente? Nada.

Associado a esta falta de fundamentação o recorrente alega, sem qualquer fundamentação específica e autónoma, ainda a contradição insanável entre os respectivos fundamentos e a decisão.

Para além deste fundamento não estar previsto como um dos fundamentos específicos da nulidade da decisão, também não logramos descortinar qualquer contradição na decisão proferida.

Mais uma vez o que está em causa é a discordância do recorrente com a decisão ou parte dela.

Improcede assim também esta nulidade.

3.3 Falta de cumprimento do poder-dever de notificação para aperfeiçoamento das conclusões

O recorrente invoca ainda a irregularidade decorrente da sua não notificação para aperfeiçoar as conclusões, porquanto entende que devia ter sido notificado para trazer aos autos os elementos necessários para determinar a amplitude da nulidade.

Vejamos.

O legislador, na sequência de várias decisões do Tribunal Constitucional[4], veio a consagrar expressamente o poder-dever de o Tribunal de Recurso, no despacho preliminar, convidar o recorrente a suprir a ausência conclusões ou a sua deficiência, nos termos do actual artigo 417º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Acontece, porém, tal como resulta do número 4º do preceito, que tal aperfeiçoamento "não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação".

Esta limitação legal significa que as novas conclusões aperfeiçoadas, estão vinculadas ao âmbito dos fundamentos do recurso já apresentado e não podem de ele divergir.

Como refere o Supremo Tribunal de Justiça, o convite "(...) ao aperfeiçoamento pressupõe que não se esteja perante uma deficiência substancial da própria motivação, que necessariamente se reflectirá em deficiência substancial das conclusões.(...)Não se estando perante deficiências relativas apenas à formulação das conclusões mas perante deficiências substanciais da própria motivação, o princípio constitucional do direito ao recurso em matéria penal não implica que ao recorrente seja facultada oportunidade para aperfeiçoar em termos substanciais a motivação do recurso quanto à matéria de facto (...).Tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso, o que o legislador reconheceu ao estatuir que o aperfeiçoamento das conclusões, na sequência do convite formulado nos termos do n.9 3 do art. 417.º d CPP, não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (n.9 4 da norma)". [5]

Ora, relendo as alegações de recurso originalmente apresentadas pelo recorrente, em momento algum o mesmo refere em concreto quais são os actos praticados pelo TCIC que pretende ver anulados. Não constando os mesmos da fundamentação do recurso, coerentemente, também não constam das conclusões.

Perante estas "deficiências substanciais da própria motivação", não seria possível convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões, sob pena de violação do número 4 do artigo 417º do Código de Processo Penal e estar a praticar no processo actos inúteis, os quais são proibidos por lei (artigo 1302 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 4º do Código de Processo Penal).

Pelos motivos anteriormente expostos e, em resumo, inexiste qualquer nulidade ou irregularidade, improcedendo o requerido.

4. Termos em que acordam os juízes da 92 Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em indeferir as arguidas nulidades invocadas pelo recorrente Bento dos Santos.

Custas pelo incidente a cargo do requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC's.

Notifique nos termos legais.

(o presente acórdão, integrado por oito páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmg Juiz Desembargador Adjunto — art. 94.g, n.g 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 11 de Janeiro de 2018.

Antero Luís

João Abrunhosa

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[1] Veja-se, por todos, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 20/10/2010, Proc. 845/09.6.JDLSB, in www.dgsi.pt
[2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2005. Proc. 0552137. in www.dgsi.pt
[3] No que respeita à sentença, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-01-2007 [Cons. Armindo Monteiro], processo 3193/06 — 3.9 Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça.
[4] Acórdão nº 337/2000 de 27 de Junho, proferido no Proc. 183/2000, que declarou "com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 32º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, da norma constante dos artigos 4122, n.9 1, e 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção anterior à Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), quando interpretados no sentido de a falta de concisão das conclusões da motivação implicara imediata rejeição do recurso, sem que previamente seja feito convite ao recorrente para suprir tal deficiência", in http://www.tribunalconstitucionaLpt/tc/acordaos/20000337.html
[5] Acórdão de 19 de Maio de 2010, proc. 696/05.7TAVCD.51, in www.dqsi.pt