Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
168/14.9T8BRR.L1-6
Relator: TOMÉ ALMEIDA RAMIÃO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PRAZO DE NEGOCIAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - O objetivo principal do processo especial de revitalização é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores com vista à recuperação e viabilização económica do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus credores.
- Findo o prazo para as impugnações da lista provisória de créditos, o devedor dispõe do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas com vista à aprovação do PER, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, findo o qual implica o encerramento do processo negocial, devendo o juiz recusar a sua homologação se for aprovado para além daquele prazo - n.º5 do art.º 17.º-D, do C.I.R.E.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


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I- Relatório:


1. Nos presentes autos de processo especial de revitalização (PER), que tiveram início a pedido da devedora S..., foi nomeado administrador judicial provisório e, posteriormente, a requerente juntou plano de recuperação, nos termos do art.º 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ([1]).

Prosseguindo os autos os seus regulares termos, com conversão em definitiva da lista provisória de créditos apresentada pelo administrador judicial, veio a ser aprovado e homologado por decisão, proferida em 17 de março de 2015, o plano de revitalização, nos seguintes termos:

“Nos termos do preceituado no art.º 17º F do CIRE, considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 3 do mesmo artigo, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos.
Conforme resulta de fls. 162verso e 163 apenas os credores B..., B... e C... votaram contra, sendo que, 82,61% dos créditos não subordinados procederam à aprovação do plano e emitiram parecer favorável ao plano apresentado. Tal percentagem representa a maioria dos votantes presentes.
Assim, da análise dos autos e do plano de recuperação junto a fls. 150 verso a 157 verso verifica-se que o referido plano obteve a concordância dos credores nos termos dos citados preceitos pelo que se decide pela aprovação do plano de recuperação apresentado.
Na sequência do supra mencionado, nos termos do art.º 17º F n. 3º do CIRE homologa-se por sentença o plano de recuperação apresentado de fls. 150 verso a 157 verso”.

Desta decisão, veio o credor C... interpor o presente recurso, que após alegações.

Concluiu:
A. A Devedora S... - em conjunto com o Credor L... - manifestaram a sua vontade expressa de encetar negociações conducentes à revitalização, por meio da aprovação de um plano de recuperação, tendo intentado um Processo Especial de Revitalização nos termos do disposto no artigo 17.º-C do CIRE.
B. Nessa sequência, e em cumprimento da alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º- C do CIRE, o Tribunal proferiu despacho de nomeação do Exmo. Sr. Dr. M.S.D.C. na qualidade de Administrador Judicial Provisório.
C. Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 17.º-D do CIRE, a Credora C... reclamou créditos no valor de €3.417,08 (três mil quatrocentos e dezassete euros e oito cêntimos) dentro do prazo legal para esse efeito.
D. Encetadas as negociações entre Devedora e Credor – com a manifestação de intenção de participação por parte da Recorrente – foi apresentada uma proposta de pagamento que não mereceu acolhimento unânime por parte dos Credores.
E. Consagra o n.º 5 do artigo 17.º-D do CIRE que “Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.” (Sublinhado da ora Signatária)
F. No caso sub judice, a lista provisória de créditos foi publicada a 04 de Novembro de 2014 em Portal Citius e o prazo para as respetivas impugnações terminou a 11/11/2014.
G. Desconhece a Recorrente a existência de acordo prévio e escrito entre o AJP e a Devedora para prorrogação do prazo de negociações.
H. Negociações estas que, assim, deveriam estar terminadas em 11/01/2015.
I. Ocorre que a versão final do Plano de Recuperação só chegou ao conhecimento dos Credores em 05 de Fevereiro de 2015.
J.Encontrando-se, assim, largamente ultrapassado o prazo concedido à Devedora e Credores para concluírem as negociações e, desse facto, dar oportuno conhecimento ao juiz do tribunal a quo.
K. Nestes termos, deverá a decisão do tribunal a quo ser revogada.

Termos em que, Venerandos Senhores Juízes Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, assim, ser revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo de homologação do plano de recuperação apresentado, fazendo V.Exas. a tão costumada justiça.

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Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo (fls. 225).
Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II – Âmbito do Recurso.

Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil em vigor, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se o PER foi aprovado após o prazo legalmente fixado para o efeito e qual a consequência jurídica.

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        III – Fundamentação fáctico-jurídica.

1. Matéria de facto.

1.1. Para conhecimento da questão colocada, para além do relatório e decisão recorrida supra transcrita, é de considerar relevante a seguinte factualidade:

a) A devedora S... requereu, em 1 de outubro de 2014, abertura do processo especial de revitalização, nos termos previstos pelos art.ºs 17.º-A a 17.º-H, do CIRE.
b) Por decisão de 8 de outubro de 2014 foi nomeado como administrador judicial provisório o Dr.º J. C., nos termos dos art.ºs 17.º-C, n.º 3, alínea a) e 32.º a 34.º, do CIRE – fls. 66;
c) O Senhor administrador judicial provisório veio apresentar a Lista Provisória de Créditos, nos termos do art.º 17.º-D do CIRE, em 4/11/2014 (fls. 96 a 98).
d) Por despacho proferido em 12/11/2014, considerando-se convertida em Lista Definitiva, refere-se que teve início o período de dois meses de negociação previsto no n.º5 do art.º 17.º-D do CIRE (fls. 99 verso).
e) Por requerimento entregue em 23 de fevereiro de 2015, pelas 15:09 horas, veio o senhor AJP, nos termos e para os efeitos do n.º4 do art.º 17.º-F, do CIRE, requerer a junção aos autos dos votos rececionados e respeitantes à votação efetuada à proposta do PER da devedora e informando que, de acordo com a votação, comunicar que “encerrada a fase das negociações, não houve aprovação do PER, requerendo, em harmonia com o exposto, que o processo siga os ulteriores termos legais” – fls. 131 a 139.
f) Por requerimento entregue em 23 de fevereiro de 2015, pelas 17:08 horas, veio o senhor AJP, nos termos e para os efeitos do n.º4 do art.º 17.º-F, do CIRE, requerer a junção aos autos dos votos rececionados e respeitantes á votação efetuada à proposta do PER da devedora, informando que o mesmo foi aprovado por recolher 2/3 da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, conforme quadros que juntou - fls. 140 a 169.
g) A recorrente enviou ao AJP, via email, em 12/02/2015, informação que votava contra o PER apresentado e solicita que tal voto seja considerado no mapa de votação – fls. 146.

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2. O direito.

1. A questão colocada consiste em saber se o PER foi aprovado após o prazo legal e, na afirmativa, essa circunstância obsta à sua homologação judicial.

1.1. Sustenta o recorrente que a lista provisória de créditos foi publicada a 04 de Novembro de 2014 em Portal Citius e o prazo para as respetivas impugnações terminou a 11/11/2014, pelo que, desconhecendo a existência de acordo prévio e escrito entre o AJP e a Devedora para prorrogação do prazo de negociações, estas deveriam estar terminadas em 11/01/2015. Mas a versão final do Plano de Recuperação só chegou ao conhecimento dos Credores em 05 de Fevereiro de 2015, razão pela qual foi largamente ultrapassado o prazo concedido à Devedora e Credores para concluírem as negociações e, desse facto, dar oportuno conhecimento ao juiz do tribunal a quo.

E tem inteira razão, adiantamos.

1.2. Como é sabido e consabido, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2012, de 3 de fevereiro, criando, entre outros, o designado programa “Revitalizar”, a Lei 16/2012, de 20 de abril, veio aditar ao Título I do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) o Capítulo II, no qual veio instituir a regulamentação do Processo Especial de Revitalização (PER), o qual “ destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização” – art.º 17.º-A..

Trata-se, como sublinha Catarina Serra, in “Revista da Ordem dos Advogados”, Vol.II/III,  2012, pág. 716, de “um processo pré-insolvencial, cuja maior vantagem é a possibilidade de o devedor [qualquer devedor] obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente. o maior risco é o de, depois de tudo, o devedor não conseguir evitar a declaração de insolvência.
Para os credores fica, mais uma vez, reservado o papel fundamental: ou consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou então manterem--se irredutíveis, caso em que o plano de recuperação não é aprovado e aquele risco se concretizará”.

Destacando a distinção entre este processo especial e o processo de insolvência, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in “ Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Anotado, 2.ª Edição, 2013, pág. 140, referem que enquanto este “constitui uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus  credores”.

A motivação para introdução deste processo especial foi assumida expressamente na Proposta de Lei n.º 39/XII, apresentada pelo Governo à Assembleia da República, como pretendendo promover a recuperação “privilegiando-se sempre que possível a manutenção do devedor no giro comercial” e que a situação económica obriga a gizar soluções mais eficazes “ no combate ao desaparecimento de agentes económicos”, no sentido que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais …”, remetendo para segundo plano a liquidação do seu património, sempre que se mostre viável a respetiva recuperação.

O recurso a este processo especial pode “ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação” -  art.º 17.º-A n.º2.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 4/2/2014, Proc. N.º 622/13.0TBCHV-A, publicado em www.dgsi.pt, “trata-se  de um processo voluntário, negocial e extrajudicial do devedor com os credores, com a orientação e fiscalização do administrador judicial provisório, de molde a alcançar-se um acordo com vista à sua revitalização. O objetivo de tal processo é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização do devedor, pressupondo sempre a aprovação desse acordo por uma maioria qualificada de créditos, cfr. art.º 17.º-F do CIRE, que ocorrendo torna, em princípio, o acordo vinculativo para a generalidade dos credores”.

1.3. O processo especial de revitalização inicia-se pela apresentação do requerimento do devedor e de, pelo menos, um dos credores, nos termos do art.º 17.º-C/1, procedendo o juiz à nomeação de administrador provisório, observando o disposto nos art.ºs 32.º a 34.º por força da remissão da alínea a) do n.º3 daquele preceito legal.

O despacho de  nomeação do administrador provisório é notificado ao devedor, o qual deve logo comunicar aos credores que não subscreveram a declaração, que foi dado início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informar que a documentação referida no n.º1 do art.º 24.º se encontra disponível na secretaria para consulta  - n.º 1 do art.º 17º-D.

Mas o despacho de nomeação de administrador provisório será igualmente publicitado no portal Citius, data a partir do qual qualquer credor dispõe de 20 dias para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos, que apresentará na secretaria do tribunal e será publicada no portal Citius. Após a publicação desta lista provisória, poderá ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, convertendo-se em definitiva, caso o não seja, e sendo impugnada compete ao juiz decidir, em idêntico prazo - n.ºs 2 a 4 do art.º 17.º-D.

E, findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem de um prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, podendo ser prorrogada uma só vez por um mês, mediante acordo prévio e escritoentre o administrador provisórioe o devedorque será junto aos autos e publicado no portal Citius, devendo os credores que decidam participar nas negociações declararem-no ao devedor, por carta registada, podendo fazê-lo durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, de acordo com o regime previsto nos n.ºs 5 e 7 do art.º 17.º-D.

Terminando as negociações com a aprovação unânime do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor, ou por maioria dos votos prevista no n.º1 do art.º 212.º, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados na lista de créditos, será remetido de imediato ao juiz para sua homologação ou recusa – n.ºs 1 e 3 do art.º 17.º-F ([2]).

A homologação desse plano vincula todos os credores, mesmo aqueles que não participaram nas negociações, como decorre do n.º 6 do art.º 17.º-F. Mas não decorre deste preceito legal que vincula os credores não incluídos na lista definitiva de créditos.

1.4. Feitas estas brevíssimas considerações sobre a disciplina legal do processo especial de revitalização, vejamos, então, se o prazo de dois meses para a aprovação do PER foi desrespeitado.

Está documentado nos autos que o AJP veio apresentar a Lista Provisória de Créditos, nos termos do art.º 17.º-D do CIRE, em 4/11/2014. E, por despacho proferido em 12/11/2014, considerando-se convertida em Lista Definitiva, refere-se que teve início o período de dois meses de negociação previsto no n.º5 do art.º 17.º-D do CIRE.

Ora, estabelece o n.º3 deste preceito legal que “ A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.

E acrescenta o seu n.º5: “ Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius”.

Assim, o termo do prazo para a impugnação da lista provisória ocorreu em 11 de novembro de 2014 ( 5 dias úteis), data a partir da qual se iniciou a contagem do prazo normal de 2 meses para as negociações e aprovação do PER, ou seja, esse prazo terminou em 11 de janeiro de 2015, como bem refere o recorrente.

E não consta dos autos qualquer documento que comprove que esse prazo haja sido prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor.

Donde, concluir-se pela manifesta extemporaneidade do requerimento entregue em 23 de fevereiro de 2015, pelas 17:08 horas, pelo senhor AJP, nos termos e para os efeitos do n.º4 do art.º 17.º-F, informando que o PER foi aprovado por recolher 2/3 da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados.

E ainda que tal prazo inicial de dois meses houvesse sido prorrogado por mais um mês, sempre estaria fora de prazo a aprovação desse PER, cujo termo final seria em 11 de fevereiro de 2015, sendo que a sentença que aprovou o plano de revitalização e que ora se mostra impugnada foi proferida em 17 de março de 2015.

1.5. E quanto à consequência jurídica decorrente da ultrapassem do mencionado prazo, reproduzimos o que se escreveu no Acórdão desta Relação, proferido em 21/05/2015, Proc. n.º 1557/14.4TBMTJ.L1 (Carlos Marinho), em que o ora Relator interveio como adjunto:

“O processo em que foi proferida a decisão recorrida produz severos efeitos na esfera jurídica de terceiros alheios às dificuldades económicas dos Requerentes da revitalização e sua génese. Com efeito, a decisão judicial de nomeação de administrador judicial provisório referida a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C «obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade». Esta compressão de direitos alheios tem que ser, atentos os seus efeitos e destinatários, reduzida à menor expressão temporal possível. Daqui se deve extrair a noção da plena justificabilidade. 139.º do Código de Processo Civil. Sob um tal contexto que revela a teleologia das normas de Direito adjetivo envolvidas, a prorrogação acima referida antes se configura como a concessão de um oportunidade final em atenção aos fins de reparação do tecido económico que subjazem ao diploma que as contém e não como indício da inexistência de uma baliza temporal fixa.

Foi por assim conceber que o legislador expressamente consagrou, no n.º 1 do art. 17.º-G do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que, «caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius».

A importância do prazo para os direitos de terceiros determina que a sua ultrapassagem não possa ser considerada violação negligenciável de regras procedimentais para os efeitos do disposto no art. 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicável ex vi do do n.º 5 do seu artigo 17.º-F.

 É relevante, neste domínio, a referência doutrinal  coincidente lançada por  Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2:ª edição, Lisboa, Quid Júris Sociedade Editora, 2013, pág. 161, com o seguinte teor:

«Percebe-se, assim, que o prazo a quo para o decurso das negociações se inicie com o termo do que é fixado para se poder impugnar, tal como fixado no n.º 5.
Trata-se de um prazo corrido, comungando a fase negocial do caráter de urgência que é genericamente atribuído ao processo de revitalização pelo art.º 17.º-A, n.º 3.
Nos termos em que está concebido, trata-se de um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homologado por violação não negligenciável da lei – art.º 215.º, aplicável por imperativo do art.º 17.º-F, n.º 5. Aliás, segundo a disposição expressa do art.° 17.°G, n.º 1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido.
Por esta mesma ordem de razões, para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, exatamente porque doutra forma há a caducidade que não é reversível.»

No sentido que se apontou supra vejam-se, também, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 05.02.2015 – processo n.º 85/14.2TJLSB.L1-8 – e 13.03.2014 – processo n.º 1904/12.3TYLSB.L1-2 – e do Tribunal da Relação de Coimbra de 21.10.2014 – processo n.º 2081/13.8TBPBL-A.C1 – todos em http://www.dgsi.pt”.

E não vislumbramos razão bastante para alterar essa orientação.
Aliás, o mesmo entendimento se infere das palavras de Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência” , 2013, 5.ª Edição, pág. 280, ao afirmar” Se não for aprovado qualquer plano de recuperação (porque se esgotou o prazo para as negociações…), o processo negocial é encerrado – art.º 17.º-G, n.º1)”. Posição que parecem igualmente assumir Nuno Salazar Casa Nova e David Sequeira Dinis, in “Processo Especial de Revitalização”, Coimbra Editora, 2014, pág. 81, dizendo que “As negociações podem prosseguir para reformulação do plano e nova votação, desde que dentro do prazo de dois meses, com eventual prorrogação”.

E como se pode ler no citado Acórdão desta Relação de 13/3/2013, “ O decurso do aludido prazo implica o encerramento do processo negocial, devendo o juiz recusar homologar o plano de recuperação da empresa, aprovado, para além daquele prazo, ou seja, in casu, três meses após o termo do mencionado prazo legal”.

Esta a única leitura que fazemos e mantemos, extraída do texto da norma em causa e do seu espírito ( n.º5 do art.º 17.º-D), ou seja, da natureza de um prazo legal perentório, ao prescrever expressamente que “os declarantes  dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor”, conjugado com o disposto n.º1 do art.º 17.º-G, ao dispor, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º5 do  artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius”.

Procede, pois, a apelação.

As custas da apelação, porque vencidos, serão suportadas pelos apelados – art.º  527.º/1 e 2 do C. P. Civil.

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V. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.

1. O objetivo principal do processo especial de revitalização é a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores com vista à recuperação e viabilização económica do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus  credores.

2. Findo o prazo para as impugnações da lista provisória de créditos, o devedor dispõe do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas com vista à aprovação do PER, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, findo o qual implica o encerramento do processo negocial, devendo o juiz recusar a sua homologação se for aprovado para além daquele prazo – n.º5 do art.º 17.º-D, do C.I.R.E.

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VI. Decisão.

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e, em consequência, recusam a homologação do PER aprovado.
Custas da ação e da apelação pela Apelada.


Lisboa 2015/07/02
                       
Tomé Almeida Ramião                                               
Vítor Amaral                                             
Regina Almeida


[1]Aprovado pelo art. 1º do DL 53/2004 de 18.02, com sucessivas alterações, diploma legal a que pertencerão os preceitos a seguir citados sem qualquer outra indicação, também adiante designado abreviadamente por CIRE.
[2]À data não estava em vigor o n.º3 do art.º 17.º-F, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 26/2015, de 6 de Fevereiro, com início de vigência a 1 de Março de 2015, deixando-se de se fazer remissão para o n.º1 do art.º 212.º, sendo de observar, na aprovação do PER, as regras nele estabelecidas. Todavia, mantém-se a referência aos créditos relacionados com “direito de voto”. “Isto parece significar que será aplicável o disposto no art.º 212.º, n.º2”, como sublinha Alexandre de Soveral Martins, in “ Um Curso de Direito da Insolvência”, 2015, Almedina, pág. 490.