Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2095/17.9T8FNC-C.L1-8
Relator: OCTÁVIA VIEGAS
Descritores: CONTACTOS DOS MENORES COM O PROGENITOR
SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A intensificação dos contactos dos menores com o progenitor a quem não estão à guarda deve ser promovida, permitindo um estreitamento dos laços familiares, atento os superiores interesses dos menores que devem orientar todas as medidas que lhe são aplicadas, com vista ao seu desenvolvimento harmonioso, psicológico e afectivo.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Foi requerida a abertura pelo MºPº de processo Judicial de Promoção e Protecção quanto aos menores AA, nascido a 23 de janeiro de 2011 e BB, nascido a 31 do dezembro de 2010.

Em 10.07.2017 foi apresentado pela Unidade de Apoio Técnico, Infância e Juventude, do Instituto de Segurança Social da Madeira, IP-RAM, o relatório social de avaliação diagnóstica conforme fls. 42 a 49. A mesma entidade apresentou  informação intercalar em 29.11.207, conforme fls.58 a 60

No âmbito do referido processo, em 12 de Julho de 2017, foi efectuado acordo de promoção e protecção, com medida de apoio junto dos pais, nomeadamente a mãe, com duração de um ano e revisão semestral, no âmbito do qual a progenitora CC se comprometeu a manter-se proactiva e cooperante com a equipa técnica da Casa Abrigo onde se encontra acolhida  com os filhos; Envolver-se no processo de mudança, de modo a potenciar a futura autonomização da Casa de Abrigo com os filhos; Permitir que os filhos deem continuidade aos convívios com o pai, respeitando e cumprindo com a calendarização dos convívios; Cumprir com o plano conjuntamente definido com os técnicos envolvidos, nomeadamente com a EMAT. O progenitor DD comprometeu-se a: Respeitar e cumprir com a calendarização dos convívios que forem estipulados com os filhos; Estabelecer com os filhos contactos adequados ao fortalecimento da relação pai-filhos, sem referência à mãe destes; Cumprir com o plano conjuntamente definido com os técnicos envolvidos, nomeadamente com o EMAT; Estar com os filhos aos sábados ao almoço indo buscá-los ao Espaço Família pelas 12h e entrega-los pelas 16h no Espaço Família; A EMAT comprometeu-se a : Promover e participar no desenvolvimento, acompanhamento e avaliação de plano de intervenção; Elaborar respostas às solicitações judiciais; Informar o tribunal de qualquer ocorrência e /ou informação superveniente que deva ser considerada no âmbito do processo. O MP nada opôs ao acordado, tendo sido homologado judicialmente.

A fls 197, na sequência de requerimento apresentado nesse sentido pelo progenitor DD, e face à não oposição do MºPº foi proferido despacho nos seguintes termos:
 “…

Ponto 3 (autorização de pernoita): pese embora a proposta de avaliação às competências parentais do progenitor, a verdade é que, além das denúncias recíprocas dos progenitores relatando episódios de violência entre ambos não existe nos autos nada que objectivamente obste a qualquer intensificação dos contactos entre o progenitor e os filhos.
Assim e sempre com a mediação do Espaço Família autorizo que as crianças pernoitem com o progenitor de sábado para domingo desde que tal seja possível com a recolha e entrega no Espaço Família durante as próximas quatro semanas.
…”

Inconformada, a progenitora  CC recorreu, apresentando as seguintes conclusões das alegações:
- O despacho recorrido é nulo por não constar do acordo estabelecido judicialmente, não se encontrar devidamente fundamentado, quer de facto ou de direito, nem com os factos que justificaram tal decisão.
- O despacho em causa é ainda, nulo, porquanto sem audição prévia da requerente.
Termina dizendo que deve ser revogado o despacho.

DD respondeu, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Ministério Público respondeu, apresentando as seguintes conclusões:
I. O princípio do contraditório está especificamente consagrado nos artigos 104º e 4º, f), ambos da L.P.C.J.P., não devendo ser entendido, contudo, com um conteúdo unívoco e rígido, havendo que integrá-lo e compreende-lo fazendo a concordância prática com outros princípios que protejam valores que a lei considera relevantes.
II. A forma pela qual esta audição deve ter lugar na situação dos autos não está especificamente definida, não se impondo, a nosso ver, que resulte de um ato formal, v.g. por notificação prévia do requerimento do progenitor, sendo suficiente, por adequado, que os técnicos da EMAT que apoiam a execução da medida transmitam o contexto que está a ser ponderado na sequência do pedido de reconformação dos convívios.
III. A Recorrente teve a possibilidade de, sendo ouvida pelos técnicos que apoiam o tribunal, transmitir a sua perspetiva e fazer valer a sua posição, que assim será considerada na decisão.
IV. A salvaguarda do interesse das crianças passa também pela preservação da relação paterno-filial, uma vez que não se conclua que essa relação comporta perigo para o seu bem-estar.
V. Sendo positivas as informações prestadas pelos técnicos que supervisionam os contactos, constatando-se que o perigo que foi identificado resulta, em primeira linha, de fatores que se prendem com a relação conjugal é o interesse das crianças que impõe o alargamento dos tempos de convívio e justifica a aplicação de um regime provisório em que há lugar a pernoita.
VI. A necessidade de decidir a situação apresentada pelo progenitor, até porque tinha relação com o período de Natal, justifica que a participação da progenitora e a audição da sua perspetiva seja feita com a mediação da EMAT.
VII. Além do mais, o tribunal pode e deve tomar medidas provisórias que sejam adequadas e necessárias a proteger o interesse das crianças, relegando-se para momento posterior a intervenção dos titulares das responsabilidades parentais.
VIII. Além do previsto no art. 37º L.P.C.J.P., afigura-se aplicável, por argumento de identidade de razão, o disposto no art. 28º R.G.P.T.C., considerando a identidade da presente situação com a previsão normativa da norma em causa.
IX. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas, sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenhaapresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade – art.º 153º CPC.
X. Esta norma é uma manifestação do dever geral de fundamentação das decisões consagrado nos art. 205, 1, da Constituição
XI. A falta de fundamentação que inquina a validade do ato ocorre quando a decisão é absolutamente omissa quanto às razões de facto ou de direito em que se suporta e já não quando essa fundamentação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada.
Nestas últimas situações imporá impugnar o sentido da decisão, ou seja, o seu mérito.
XII. O despacho recorrido identifica a questão a decidir e explica o motivo pelo qual decidiu que as crianças poderiam pernoitar com o progenitor, de sábado para domingo, nas quatro semanas subsequentes à sua prolação.
XIII. É claro que o fundamento do despacho assenta na reavaliação dos fatores de perigo que determinaram a supervisão das visitas, concluindo-se que neste momento não existem razões que suportem a limitação dos convívios às instalações do Espaço Família e, portanto, que impeçam que o convívio entre as crianças e o progenitor ocorra em casa deste.
XIV. No despacho identifica-se a necessidade de garantir a intervenção da instituição nas entregas e recolhas das crianças (importa que a progenitora seja preservada de qualquer contacto com o progenitor, dada a alegação de violência doméstica, e que as crianças não sejam expostas a qualquer eventual manifestação desse conflito) mas conclui-se que essa é a medida suficiente ou bastante para que seja preservada a integridade emocional daquelas.
XV. A decisão está devidamente fundamentada, ainda que de forma sintética.
XVI. A Recorrente acompanha a arguição de falta de fundamentação com afirmações conclusivas da incorreção da decisão, ou seja, referindo-se também ao mérito da decisão.
XVII. No que respeita a este segmento da motivação é patente a ausência de arguição de factos concretos que permitam tornar percetível o motivo pelo qual a decisão impugnada é incorreta, ou seja, desadequada para garantir a realização do interesse das crianças.
XVIII. A Recorrente limita-se a alinha juízos conclusivos sobre a precocidade da medida e sobre as intenções do progenitor, sem que identifique o perigo a que as crianças estão expostas por pernoitarem com aquele
XIX. Por tudo, o recurso interposto pela Recorrente deve ser julgado improcedente, confirmando-se na íntegra a decisão impugnada.

Cumpre decidir.

O processo judicial de promoção e protecção disciplinado pela Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Lei 147/99, de 01.09, é um processo de jurisdição voluntária e não finda com a decisão que decreta a medida, tem como fase necessária a de execução da medida. O artigo 106º do mesmo diploma legal define as fases do processo, dizendo que este é constituído pelas fases de instrução, debate judicial, decisão e execução da medida.

À fase de execução da medida são aplicáveis, por força do artigo 125º, os termos dos nºs 2 e 3 do artigo 59º, o que significa estabelecer que essa execução é dirigida e controlada pelo tribunal que a aplicou (nº 2) e que o tribunal designa a entidade que considera mais adequada para o acompanhamento da execução (nº 3).

Tratando-se de um processo de jurisdição voluntária também os demais princípios por que se rege a fase de execução das medidas devem ser aplicados, com as devidas adaptações, ao processo judicial. O nº 1 do artigo 988º do Código de Processo Civil, que, no âmbito das disposições gerais dos processos de jurisdição voluntária, define o valor das resoluções, estabelece que […] as resoluções podem alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração; dizem-se supervenientes tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso. Há ainda a considerar toda a intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem obedece ao princípio orientador do Interesse superior da criança (al. a) do artigo 4º da LPCJP

A natureza das medidas e a intervenção que suscitam destina-se a promover uma alteração no meio de vida dos menores com vista a transformá-lo num meio adequado ao seu desenvolvimento, com salvaguarda dos seus superiores interesses, porquanto as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu integral desenvolvimento.

O art.1º da LPCJP, Lei 147/99, de 01.09,  diz que: “A presente lei tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral.”

As medidas de promoção dos direitos e de protecção aplicadas visam proporcionar aos menores as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art. 34 da LPCJP).

A intervenção das entidades competentes deve ocorrer logo que a situação de perigo seja conhecida na medida necessária, adequada e indispensável a remover o perigo em que a criança se encontra no momento em que a medida é tomada e só pode interferir na sua vida e da sua família na medida estritamente necessária a tal finalidade e enquanto tal acontecer, devem ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres parentais.

O recurso destina-se a apreciar se no momento em que a decisão foi proferida nos autos foi feita uma correcta e adequada apreciação da situação existente.

Toda a intervenção deve ter em conta o  “interesse superior da criança”.

Almiro Fernandes em “Interesse do Menor, contributo para uma definição”  Revista de Infância e Juventude, nº1, 1985, pág.18, refere que o interesse da criança por via da protecção dos seus direitos decorre nomeadamente também do disposto nos artigos 3º, 9º, 18º, nº1 e 20º da Convenção sobre os Direitos da Criança aplicável no nosso ordenamento jurídico em face do disposto no art. 8º da CRP

O art.3º nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança refere que “ Todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança “.

O superior interesse da criança é o critério que deve prevalecer nas decisões que lhe digam respeito e pode consubstanciar-se no “direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social em condições de liberdade e dignidade, aferidas em face do tempo em que se aplica a lei” uma vez que estamos perante “…uma noção cultural intimamente ligada ao sistema de referências vigente em cada momento, em cada sociedade, sobre a pessoa do menor, sobre as suas necessidades, as condições adequadas ao seu bom desenvolvimento e ao seu bem estar material e moral (Cfr. Rui Epifânio e António Farinha em Organização Tutelar de Menores anotada, 1987, pág. 326).

As crianças com vista ao seu equilibrado crescimento e desenvolvimento devem ter quanto à família, nomeadamente quanto aos progenitores, como modelos de referência afectivos e seguros, mantendo-se uma vinculação sólida e segura, mostrando-se importante para prosseguir tal objectivo assegurar um convívio regular com duração adequada, com vista a que os vínculos afectivos próprios da filiação se desenvolvam no âmbito de uma interacção dinâmica entre pais e filhos assente numa parentalidade responsável.

Conforme resulta dos elementos apurados nos autos a medida aplicada teve por fundamento o grave conflito interparental, com reflexo no bem-estar e na estabilidade emocional das crianças. Nada nos autos aponta para que se mostrasse desadequado, na altura em que foi proferido o despacho, a intensificação do convívio entre as crianças e o pai com possibilidade de pernoita num ambiente familiar.

O MºPº pronunciou-se no sentido da pretensão nesse sentido apresentada pelo pai ser acolhida quanto à possibilidade dos menores AA e BB fazerem as suas rotinas com o pai, não se opondo ao deferimento do pedido de pernoita, passando os menores de sexta a domingo com o progenitor, sendo recolhidos e entregues no Espaço Família.

Com base nos elementos constantes dos autos e considerando que nos autos nada existia objectivamente que obstasse a qualquer intensificação dos contactos entre o progenitor e os filhos, autorizou, por despacho de 13.12.2017, que as crianças pernoitassem com o progenitor de sábado para domingo desde que tal se mostrasse possível com a recolha e entrega no Espaço Família durante as quatro semanas seguintes

O despacho proferido tem em conta os interesses dos menores nomeadamente quanto ao seu desenvolvimento harmonioso dos menores, nomeadamente psicológico e afectivo ao permitir uma convivência familiar mais estreita entre o progenitor e os menores, no ambiente familiar, em casa, com pernoita e realização de rotinas dos menores com o pai e por este supervisionadas, permitindo assim um estreitamento dos laços familiares, dado que o contexto do relacionamento de progenitor e das crianças vinha tendo lugar no Espaço Família desde a aplicação da medida de protecção.

Assim, consideramos que o despacho recorrido não enferma de nulidade, nem merece reparo, assegurando o interesse superior dos menores  AA e BB . 

Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo o despacho recorrido.

Custas pela Recorrente



Lisboa, 07.06.2018 



Octávia Viegas
Rui da Ponte Gomes
Luís Correia de Mendonça