Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4033/19.5T8LSB-A.L1-7
Relator: CRISTINA SILVA MAXIMIANO
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
TÍTULO EXECUTIVO
DESOCUPAÇÃO DO LOCADO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I– O requerimento de despejo apresentado em Procedimento Especial de Despejo, quando em tal requerimento tenha sido efectuado também pedido de pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso, uma vez convertido em título para desocupação do locado, constituí título executivo.

II– O título executivo aludido em I constitui de per si a base de uma – autónoma - acção executiva para pagamento de quantia certa, determinando o fim e os limites desta.

III– Esta execução correrá, de acordo com o disposto no art. 15º-J, nº 5, parte final, do NRAU, e com as necessárias adaptações, nos termos previstos no Código de Processo Civil para a execução para pagamento de quantia certa baseada em injunção, ou seja, uma execução com processo sumário (cfr. art. 550º, nº 2, al. b) do Cód. Proc. Civil), com a particularidade de, o nº 6 do art. 15º-J do NRAU, estipular que, neste caso, “não há lugar a oposição à execução”.

IV– Desta forma, não é legalmente admissível a dedução de embargos numa execução para pagamento de quantia certa que tem como título executivo um título para desocupação do locado constituído nos termos definidos em 1.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I–RELATÓRIO:

Por apenso à execução contra si intentada por A [ Rui …… ] , veio B [ Susana …..] deduzir os presentes embargos de executado, defendendo que não deve a totalidade da quantia exequenda; alegando, para o efeito, em síntese útil, que: aquando da celebração do contrato de arrendamento procedeu de imediato ao pagamento das rendas referentes aos meses de Junho e Julho de 2017, no valor de € 700,00; na data da assinatura do aludido contrato (02/06/2017) foi a embargante informada, pela Associação Lisbonense de Proprietáriosde que iria receber todas as indicações para proceder ao pagamento das rendas mensais através das indicações de identidade e referência, conjuntamente com o contrato de arrendamento devidamente assinado; em meados de Outubro de 2017, a embargante recebe uma carta da ALP, datada de 18/08/2017, contendo o contrato de arrendamento, mas sem qualquer indicação do modo de pagamento; a embargante, em 09/11/17, enviou email à ALP, solicitando tal indicação; em 05/12/17, a ALP enviou email à embargante, informando que a “fatura com os dados para o pagamento será enviada por correio eletrónico em breve”; em 05/12/17, a ALP envia email à embargante, informando estarem em dívida rendas no valor de € 2.100,00; a embargante entrou em contacto telefónico com a ALP informando que apenas devia por falta de informação da ALP, nomeadamente indicação de entidade e referência e/ou IBAN, pelo que tal montante teria que ser corrigido, ao que foi respondido que a situação seria de imediato corrigida; até hoje, não teve a embargante qualquer resposta; a embargante não procedeu ao pagamento da renda relativa ao meses de Setembro a Dezembro de 2018 por falta de informação da ALP, ainda que, para tanto, o tivesse solicitado; após essa data, a embargante procedeu ao pagamento da quantia de € 5.600,00; em Maio de 2018, a embargante recepciona carta registada informando da não renovação do contrato de arrendamento; e, em 28/11/2018, a embargante devolve à ALP as chaves do locado, limpo e livre de pessoas. Termina, peticionado a improcedência da execução por falta de fundamento, declarando-se que não deve ao embargado a quantia peticionada.

Em 27 de Maio de 2019, foi proferida a decisão de indeferimento liminar ora em recurso, sob a Referência nº 387377602, com o seguinte teor:

“Como resulta do requerimento executivo, a presente execução baseia-se em título emitido pelo Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), no âmbito de procedimento de despejo, em que foi formulado o pedido de pagamento de rendas.

De acordo com o disposto no art. 12.º, n.º 3 do DL n.º 1/2013, de 07/01, «o BNA remete, por via eletrónica, o requerimento de despejo para o tribunal nele indicado, juntamente com o título ou a decisão judicial para desocupação do locado, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário e, se for caso disso, a procuração referida na subalínea ii) da alínea b) do n.º 1, valendo o conjunto destes documentos como requerimento executivo idóneo a iniciar a execução para pagamento de quantia certa».

Dispõe o art. 15.º-J, n.º 5 do NRAU (aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27/02, na redação da Lei n.º 31/2012, de 14/08) que o título para desocupação do locado, quando tenha sido efetuado o pedido de pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso, e a decisão judicial que condene o requerido no pagamento daqueles constituem título executivo para pagamento de quantia certa, aplicando-se, com as necessárias adaptações, os termos previstos no Código de Processo Civil para a execução para pagamento de quantia certa baseada em injunção.

O art. 15.º-J, n.º 6 dispõe ainda que, «nos casos previstos no número anterior não há lugar a oposição à execução».

Na verdade, o art. 15.º-F do NRAU prevê a possibilidade do requerido no procedimento especial de despejo deduzir oposição, a qual dá origem à distribuição do processo, o que também sucede sempre que se suscite questão sujeita a decisão judicial (cfr. o art. 15.º-H, n.º 4).

As decisões judiciais admitem impugnação, nos termos gerais, sendo certo que a decisão judicial para desocupação do locado admite recurso, independentemente do valor da causa e da sucumbência (art. 15.º-Q).

Finalmente, a lei prevê ainda a possibilidade de o arrendatário impugnar o título para desocupação do locado com fundamento na violação do disposto nos artigos 9.º, 10.º e 15.º-D, sendo para o efeito competente o tribunal judicial da situação do locado, no prazo de 10 dias a contar da deslocação do agente de execução, do notário ou do oficial de justiça ao imóvel para a sua desocupação, ou do momento em que o arrendatário teve conhecimento de ter sido efetuada a sua desocupação (art. 15.º-P).

Por conseguinte, apesar do propósito de celeridade que caracteriza o procedimento especial de despejo, existem garantias de acesso à tutela jurisdicional no âmbito do próprio procedimento.

O título para desocupação do locado, no qual foi efetuado o pedido de pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso, constitui título executivo porquanto não foi deduzida oposição no respetivo procedimento especial de despejo no momento oportuno para o efeito, em conformidade com o disposto nos art. 9.º do DL n.º 1/2013 e 15.º-F do NRAU.

É neste contexto que o art. 15.º-J, n.º 6 do NRAU estabelece expressamente que nos casos previstos no n.º 5 do mesmo preceito legal não há lugar a oposição à execução. Como salienta J. H. Delgado de Carvalho, «é compreensível esta solução, uma vez que todos os meios de defesa devem estar concentrados na oposição deduzida ao requerimento de despejo, que é obrigatória. A solução legal é inspirada em razões de celeridade processual».

Quando o arrendatário não deduz oposição no procedimento especial de despejo, fica precludido o seu direito de oposição à subsequente execução através de embargos de executado.

No caso dos autos, a execução baseia-se em título para pagamento de quantia certa emitido pelo BNA, no âmbito de procedimento de despejo, em que foi formulado o pedido de pagamento de renda, pelo que está excluída a possibilidade de oposição por embargos de executado.”

Inconformada, a embargante recorre desta decisão, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:


- “A sentença que se recorre indefere liminarmente os embargos do executado;
- Coloca o assento tónico na não deduziu oposição ao procedimento especial de despejo no qual foi efetuado o pedido de pagamento das rendas, encargos e despesas em atraso;
- A recorrente em momento algum foi notificada da ação de despejo;
- O Exequente e autor, procedeu á resolução do contrato mediante Notificação Judicial Avulsa;
- A Notificação Judicial Avulsa é somente um processo que permite, por via judicial, comunicar um facto a determinada pessoa;
- A Notificação Judicial Avulsa, não é uma ação judicial destinada a fazer valer direitos;
- As notificações avulsas não admitem oposição alguma;
- A recorrente da mesma não se pode defender por não ser admitida qualquer oposição;
- É com base nessa notificação judicial avulsa e no requerimento de despejo;
- A recorrente não foi notificada do requerimento de despejo que dá fundamento à presente execução ganha o seu fundamento.
- O recorrido teria que seguir a tramitação normal do procedimento especial de despejo, notificando a recorrente;
- A recorrente só pode opor-se, o que fez através dos embargos de executado por ter sido esse o único meio legitimo de se opor.
- A douta Sentença, deveria ter sido a de considerar os embargos do executado procedentes para que aí fosse finalmente operado o princípio do contraditório.
- Ao proferir a Sentença de que se recorre, a Meritíssima Juiz a quo, impediu que a ora recorrente se opusesse apresentando o seu contraditório.
- A Meritíssima Juiz a quo violou assim o estabelecido no n.° 3, do artigo 3° do CPC;
- A Meritíssima Juiz a quo violou ainda o estabelecido no artigo 4° do CPC;
- Devem os autos de embargos do executado ser admitidos para que possam prosseguir os seus precisos termos até final
- A sentença sob recurso merece censura e reparo, sendo que o recurso apresentado deve ser julgado procedente;”.

Contra-alegou o apelado, pugnando pela improcedência da apelação.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II–QUESTÕES A DECIDIR

De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, ambas do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se delimita o objeto e o âmbito do recurso, seja quanto à pretensão do Recorrente, seja quanto às questões de facto e de direito que colocam. Esta limitação objectiva da actuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º, nº 3 do Cód. Proc. Civil). De igual modo, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas de todas as questões suscitadas que se apresentem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (cfr. art. 608º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ex vi do art. 663º, n.º 2 do mesmo diploma).

Na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil). Porém, o respectivo objecto, assim delimitado, pode ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (cfr. nº 4 do mencionado art. 635º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.

Nestes termos, neste recurso, a questão a decidir é:

- se é legalmente admissível a dedução de embargos em execução para pagamento de quantia certa em que o título executivo é o “título para desocupação do locado” formado no âmbito do procedimento especial de despejo.

III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida não especificou de forma discriminada a factualidade em que assenta, mas dela resulta que relevou os seguintes factos, constantes das peças processuais desta acção e da execução a que a mesma está apensa:

1– A apresentou junto do Balcão Nacional de Arrendamento requerimento especial de despejo, nos termos do art. 15º, nº 2, al. e) do NRAU, com a redacção introduzida pelas Leis nº 31/2012, de 14 de Agosto, e 79/2014, de 19 de Dezembro, contra a arrendatária Susana ....., com base no contrato de arrendamento, para habitação, do 4º andar (sótão) do prédio urbano sito na Rua M... V..., nº …, em Lisboa, alegando que a arrendatária não pagou a totalidade das rendas vencidas desde 01/07/2017 a 01/08/2018, e que, através de notificação judicial avulsa efectuada em 10/04/18, de acordo com o preceituado na al. a) do nº 7 do art. 9º do NRAU, comunicou à arrendatária o montante das rendas em dívida e resolveu o aludido contrato de arrendamento nos termos do disposto nos arts. 1084º, nº 2 e 1083º, nº 3 do Código Civil, com fundamento na falta de pagamento de rendas por tempo igual ou superior a três meses, e que a arrendatária não procedeu ao pagamento das identificadas rendas, ainda em dívida;

2– Com o requerimento aludido em 1. foi junta cópia do contrato de arrendamento e cópia da notificação judicial avulsa da resolução do contrato de arrendamento e do valor das rendas em dívida efectuada à arrendatária por funcionário judicial, por contacto pessoal, em 10/04/2018;

3– Em 23/01/2019, o Balcão Nacional do Arrendamento apôs a seguinte menção no procedimento especial de despejo aludido em 1.:

“Depois de notificado, não deduziu oposição no respetivo prazo;

Converto este requerimento de despejo em título para desocupação do locado - art.º 15.º-E do NRAU;

Tendo sido deduzido pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas em atraso, converto este requerimento de despejo em título para desocupação do locado (art.º 15.º-E do NRAU) e em título executivo para pagamento de quantia certa (n.º 5 do art.º 15.º-J do NRAU);”;

4– Nesta sequência, em 18 de Fevereiro de 2019, foi remetida pelo BNA para o tribunal a quo o expediente, que deu origem à instauração da execução de que estes autos são apenso.


IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A matéria controvertida neste recurso respeita ao Procedimento Especial de Despejo (PED) e à decisão de indeferimento liminar dos embargos de executado deduzidos pela arrendatária ao título executivo para pagamento de quantia certa emitido pelo Balcão Nacional de Arrendamento (BNA), decisão esta, baseada no facto de aquele procedimento contemplar uma fase de oposição que, não sendo deduzida em momento oportuno, faz precludir o direito de oposição à execução através de embargos de executado.

Apreciemos.

Como é consabido, a Lei nº 31/2012, de 14 de Agosto, alterou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, aprovando uma série de medidas, com o propósito anunciado de dinamizar o mercado de arrendamento urbano”, nomeadamente, e para o que aqui interessa, criando o Procedimento Especial de Despejo, tramitado no Balcão Nacional do Arrendamento. Aquela alteração fomentada pela Lei nº 31/2002, de 14/08, foi complementada com a legislação que se seguiu, com destaque para o Dec. Lei nº 1/2013, de 7 de Janeiro, que procedeu à instalação e à definição das regras do funcionamento do BNA e do PED, e para a Portaria nº 9/2012, de 10 de Janeiro, que regulamenta diversos aspectos daquele PED.

O procedimento especial de despejo tem como finalidade efectivar a cessação de um contrato de arrendamento, independentemente do fim a que se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes, seja por revogação, caducidade decurso do prazo, oposição à renovação, denúncia livre pelo senhorio, denúncia para habitação do senhorio ou filhos ou para obras profundas, denúncia pelo arrendatário, e oposição pelo arrendatário à realização de obras coercivas, seja por resolução com base no não pagamento de renda por mais de dois meses - cfr. art. 15º, nºs 1 e 2 do NRAU.

Acessoriamente, o procedimento especial de despejo pode também ser utilizado para obter coercivamente o pagamento de rendas, encargos e despesas que corram por conta do arrendatário, desde que, por um lado, tenha sido previamente comunicado ao arrendatário o montante da dívida, e, por outro lado, não tenha sido intentada e, portanto, esteja pendente, acção executiva para esse mesmo fim - cfr. arts. 15º, nº 5 e 14º-A do NRAU.

O procedimento especial de despejo tem natureza extrajudicial, sendo tramitado no BNA. Inicia-se com o preenchimento e a apresentação no BNA do requerimento de despejo, conforme previsto no art. 15º-B do NRAU.

Apresentado o requerimento de PED, e mediante notificação para o efeito realizada pelo BNA, pode o arrendatário/requerido apresentar oposição à pretensão de despejo e ao pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas – cfr. art. 15º-D do NRAU e art. 9º da Portaria nº 9/2013, de 10 de Janeiro.

A propósito da finalidade, conteúdo e efeitos daquela notificação, o art. 15º-D, nº 1 do NRAU preceitua que é expedida notificação para o requerido, por carta registada com aviso de receção, para, em 15 dias, desocupar o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada, ou deduzir oposição à pretensão e/ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto nos arts. 15º-N e 15º-O, ambos do NRAU; prevendo, por sua vez, o nº 4 daquela disposição legal, os elementos que aquela notificação deve conter.

Feita a notificação, o requerido/arrendatário pode adoptar diferentes atitudes processuais:
a)- desocupar voluntariamente o locado, caso em que se extingue o procedimento (cfr. art. l5°-G do NRAU);
b)- deduzir oposição aos pedidos de desocupação e de pagamento de rendas, encargos ou despesas, no prazo de 15 dias a contar da notificação (cfr. art. l5°-F, n° 1 e art. 15°-D, nº 2, al. b) e n° 4, al. c), ambos do NRAU) e procedendo ao pagamento ou depósito das rendas que se forem vencendo, nos termos previstos no art. 15°, n° 8 do NRAU - o que conduzirá à convolação do procedimento para a fase contenciosa. Toda a defesa deve ser deduzida neste acto processual de oposição (dado ainda não ter corrido prévio processo judicial, deve entender-se que a garantia de direito de defesa determina que o conteúdo da oposição sejam quaisquer fundamentos que possam ser invocados no processo de declaração), com excepção dos incidentes que a lei admite em separado, já na fase coerciva do título para desocupação do locado, a saber: os pedidos de suspensão da desocupação e de diferimento da desocupação (cfr., respectivamente, arts. 15°-M e 15°-N do NRAU), e o pedido de impugnação nos seguintes restritos termos (cfr. art. 15°-P, nº 1 do NRAU): por um lado, o arrendatário só pode impugnar o título injuntório constituído pelo BNA nos termos do art. 15°-E, e, por outro lado, só o pode impugnar com fundamento em nulidade do documento que serviu de base ao PED (ou seja, violação do disposto nos arts. 9° e 10° do NRAU - regime de comunicações), ou por falta ou nulidade da notificação (ou seja, violação do disposto no art. 15°-D do NRAU - notificação ao arrendatário);
c)- nada fazer, ou opor-se, mas a oposição ter-se por não deduzida por não se mostrar paga a taxa de justiça e a caução, ou opor-se sem proceder ao pagamento ou depósito das rendas que se forem vencendo (cfr., respectivamente, als. b) e c) do n° 1 do art. 15°-E e o art. 15°-F, n°s 3 e 4 do NRAU).

Nas situações aludidas em c), o BNA converte o requerimento de despejo em título para desocupação do locado, mediante aposição de fórmula de título para desocupação do locado, com autenticação mediante assinatura eletrónica (cfr. art. 15°-E do NRAU). E, por força do art. 15°-J, n° 5 do NRAU, este título para desocupação do locado constitui, também, título executivo para pagamento de quantia certa.

O que significa que, este título executivo forma-se, nos termos do art. 15°-E, n° 1, al. a) do NRAU, como consequência do requerimento de despejo não contestado.

Por isto, o título para desocupação do locado, assente no silêncio do arrendatário que não deduz oposição, assume natureza de “título injuntório”, que enuncia um comando ou injunção de cumprimento de uma obrigação pelo devedor (Rui Pinto, in “O Novo Regime Processual do Despejo, p. 153) - desocupação do locado e (sendo o caso) de pagamento de valores -, sem valor de caso julgado material no quadro de um procedimento - procedimento de especial de despejo - não jurisdicional; sendo também considerado um procedimento de injunção de natureza documentada”, pois o requerente tem o ónus de alegar e provar os factos, mediante junção dos documentos referidos no art. 15°, n° 2 do NRAU ( Elizabeth Fernandez, in “O procedimento especial de despejo (revisitando o interesse processual e testando a compatibilidade constitucional”, in Revista “Julgar”, nº 19, 2013, p. 77).

O PED é, pois, um procedimento de carácter misto, que contém uma fase declarativa e uma fase executiva: a primeira, para formação de um título de desocupação, podendo ter uma natureza puramente administrativa e uma natureza judicial, se houver oposição do requerido; a segunda, destina-se a efectivar o despejo e a realizar coercivamente o pagamento das quantias em dívida. É um procedimento qualificado como um processo especial sincrético”, declarativo e executivo, através do qual tem lugar a “formação de título suficiente para despejo, seja em caso de não oposição do inquilino ao requerimento, seja por emissão de decisão judicial de despejo, em caso de oposição não procedente do inquilino, integrado por uma fase processual que visa a constituição do título executivo e por uma fase executiva destinada à entrega do locado e pagamento coercivo das rendas e despesas em falta – Rui Pinto, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, p. 1160 e 1169.

Sintetizando o antes enunciado, e para o que aqui releva, temos que: no âmbito do PED, o requerente/senhorio pode obter título executivo para servir de base à execução para pagamento de quantia certa relativa às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário, conforme resulta do disposto no art. 15º, nº 5, conjugado com os arts. 15º-B, nº 2, al. g) e 15º-J, nºs 5 e 6, todos do NRAU. Para o efeito, deduzirá, no requerimento de despejo, o pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas– cfr., ainda, art. 7º do Dec. Lei nº 1/2013.

Tendo o requerente, no requerimento de despejo, formulado pedido de pagamento de rendas, encargos ou despesas, e para efeitos da execução, o BNA, feita a conversão do requerimento de despejo em título para desocupação do locado nas condições acima aludidas em c), deve, além de disponibilizar o título nos termos do nº 3 do art. 15º-E do NRAU, notificar o requerente, para em 10 dias, juntar ao processo o comprovativo de pagamento da taxa de justiça respeitante à nova execução para pagamento de quantia certa, indicar mandatário judicial (caso ainda não o tenha feito e o pretenda fazer) ou, caso o mandatário ainda não se tenha associado ao processo através do sistema informático CITIUS, juntar a respectiva procuração.

Só depois o BNA, eletronicamente, fará a remessa do requerimento de despejo para o tribunal competente, juntamente com o título ou a decisão judicial para desocupação do locado, o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário e, se for caso disso, a procuração do mandatário. O conjunto destes documentos vale como requerimento executivo idóneo a iniciar a execução para pagamento de quantia certa, nos termos do art. 12°, n° 3, parte final, do Dec. Lei n° 1/2013, de 7 de Janeiro.

Em suma, o título para desocupação do locado constituí título executivo para instaurar uma nova e autónoma execução para pagamento de quantia certa.

Esta execução para pagamento das rendas, encargos ou despesas, assim originada, correrá, de acordo com o disposto no art. 15º-J, nº 5, parte final, do NRAU, e com as necessárias adaptações, nos termos previstos no Código de Processo Civil para a execução para pagamento de quantia certa baseada em injunção, ou seja, uma execução com processo sumário (cfr. art. 550º, nº 2, al. b) do Cód. Proc. Civil), com a particularidade de, o nº 6 do art. 15º-J do NRAU, estipular que, neste caso, não há lugar a oposição à execução”.

Volvendo ao caso dos autos, temos como certo que, o ora apelado apresentou requerimento de procedimento especial de despejo para obter a desocupação do locado com fundamento na falta de pagamento de rendas, tendo peticionado não só aquela desocupação (despejo propriamente dito), mas também o pagamento das rendas em atraso, não tendo a ora apelante reagido, em momento oportuno, naquele procedimento, deduzindo oposição. Por isto, o requerimento de despejo foi convertido em título para desocupação do locado e, porquanto foi também efectuado pelo apelado pedido de pagamento das rendas em atraso, aquele título consubstancia título executivo para pagamento de quantia certa, tendo dado origem à execução de que estes embargos são apenso, na sequência da remessa ao tribunal a quo do conjunto de elementos previstos no supra citado art. 12°, n° 3, parte final, do Dec. Lei n° 1/2013, de 7 de Janeiro – cfr., ainda, supra citado art. 15º-J, nº 5 do NRAU.

Na referida execução – que, salienta-se, tem como título executivo o título para desocupação do locado, fruto da conversão operada no procedimento especial de despejo que teve lugar – a ora apelante, notificada da penhora, veio deduzir embargos de executado, baseando a sua pretensão apenas na defesa de que não deve ao ora apelado a quantia peticionada a título de rendas, por ter procedido ao pagamento parcial das mesmas.

Estes embargos foram objecto da decisão recorrida, de indeferimento liminar, que se baseou na não dedução pela ora apelante de oportuna oposição no procedimento especial de despejo intentado pelo ora apelado no BNA, pelo que ficou precludido o seu direito de oposição na subsequente execução através de embargos de executado, embargos estes, que não são legalmente admissíveis.

Como acima se salientou, de acordo com o nº 6 do art. 15º-J do NRAU, na execução para pagamento das rendas, encargos ou despesas em atraso, que tem como título executivo o título para desocupação do locado, fruto da conversão operada no procedimento especial de despejo que teve lugar – como é o caso destes autos -, não há lugar a oposição à execução”.

Assim, de forma expressa, é legalmente inadmissível a dedução destes embargos, tal como sentenciou o tribunal a quo.

Vejamos, agora, os demais fundamentos invocados pela apelante em sede de recurso.

Invoca a apelante, desde logo, que o apelado procedeu à resolução do contrato mediante notificação judicial avulsa, notificação essa, que não é uma acção judicial destinada a fazer valer direitos e, por isso, não admite oposição alguma; pelo que a apelante da mesma não se pôde defender – cfr. arts. 5º a 10º da motivação de recurso e als. d) a i) das conclusões de recurso.

Porém, estes argumentos não procedem, porquanto, como resulta dos Factos Provados sob os nº 1. a 3.: a notificação judicial avulsa que foi realizada e a que a apelante alude, traduz-se apenas na comunicação extrajudicial que o apelado, enquanto senhorio, efectuou junto da apelante, enquanto arrendatária, para legalmente operar a resolução do contrato, tendo, após a realização daquela notificação e com base na mesma, o apelado/senhorio intentado o procedimento especial de despejo, que culminou com a conversão em título executivo para intentar a execução de que os embargos são apenso – tudo, de acordo com o disposto nos preceitos legais anteriormente citados.

O que significa que, ao contrário do entendimento da apelante, o título executivo que serve de base à execução a que deduziu embargos não é a referida notificação judicial avulsa, mas o título para desocupação do locado constituído, por conversão, no BNA, na sequência do procedimento especial de despejo aí intentado pelo apelado. Procedimento especial esse, que, como concretizámos antes, prevê uma fase processual própria de oportuna oposição, onde a apelante podia – devia – ter apresentado e esgrimido toda a sua defesa contra o alegado naquele procedimento e contra os pedidos aí formulados, inclusive, para o que aqui interessa, quanto ao pagamento das rendas em dívida pela apelante. Não o tendo feito, ficou precludida aquele direito de oposição, tendo-se operado a conversão em título executivo.

Desta forma, improcedem os argumentos da apelante ora em análise.

Invoca, ainda, a apelante, em sede deste recurso, que, os embargos do executado deveriam ter sido admitidos para que assim fosse operado o princípio do contraditório e o princípio da igualdade das partes, consagrados nos arts. 3°, nº 3 e 4º, ambos do Cód. Proc. Civil – cfr. arts. 11º a 15º da motivação de recurso e als. m) a p) das conclusões de recurso.


Porém, de acordo com o concreto regime jurídico que disciplina o procedimento especial de despejo - que acima deixámos esboçado - , o exercício do contraditório pela ora apelante e a sua paridade com o apelado no que respeita ao exercício de faculdades e uso de meios de defesa (ou seja, a sua igualdade “substancial” - nº 1 do citado art. 4º do Cód. Proc. Civil) poderia – deveria - pela mesma ter sido feito valer no âmbito daquele procedimento, de acordo com as regras ali estipuladas para o efeito (máxime, mediante a dedução da oposição, onde a apelante deveria ter invocado o que agora, em sede de embargos, pretende invocar: o pagamento, pelo menos, parcial, das rendas vencidas).

Desta forma, improcedem os argumentos da apelante ora em análise.

Invoca, também, a apelante, em sede deste recurso, que, em momento algum, foi notificada do requerimento de despejo do senhorio, nem do procedimento especial de despejo, pelo que só pode deduzir a sua oposição através destes embargos de executado – cfr. art. 4º da motivação de recurso e als. c) e j) a l) das conclusões de recurso.

Porém, na petição de embargos de executado, a apelante não invocou a sua falta de notificação no âmbito do procedimento especial de despejo (nem sequer a existência de qualquer irregularidade ou nulidade de tal acto), como agora invoca em sede de recurso. Ao invés, na petição de embargos de executado, a apelante apenas invoca o seu parcial cumprimento do contrato de arrendamento (alegando o pagamento de parte das rendas peticionadas), olvidando as especificidades da execução precedida de PED. Por outras palavras, é no recurso da decisão de indeferimento liminar que a apelante alega, pela primeira vez, que não teve conhecimento do PED, nem foi notificada no âmbito do mesmo - sendo certo que, do próprio requerimento executivo notificado à apelante aquando da penhora resulta que o mesmo foi antecedido de um PED: na primeira folha daquele requerimento (fls. 1/46), consta Requerimento de Despejo”; “Pedido de Despejo”; “Destino: Balcão Nacional do Arrendamento”; “Tribunal competente para apreciação dos autos se forem apresentados à distribuição: Lisboa - Juízo Local Cível”; “Fundamento do despejo: Resolução pelo senhorio (Nos termos do nº3 do Artº 1083 do Código Civil); “Desocupação do locado; seguindo-se apenas, na fls. 3/46 do mesmo requerimento, a menção a Pedido de pagamento de rendas em atraso, encargos ou despesas, com a exposição dos respectivos factos.

Como se salientou antes, no âmbito do PED, o regime legal - art. 15º-P, nº 1 do NRAU - confere ao arrendatário, já na fase de execução do despejo, a impugnação do título para desocupação do locado com fundamento na violação do disposto no artigo 15º-D (para o que aqui releva), ou seja, quando a notificação do arrendatário para deduzir oposição não tenha sido realizada, ou não tenha sido feita de acordo com as formalidades legais. O prazo para o arrendatário apresentar aquela impugnação junto do BNA (dirigida ao juiz do tribunal judicial da situação do locado) é de 10 dias a contar da deslocação do executor ao imóvel para a sua desocupação, ou do momento em que o arrendatário teve conhecimento de ter sido efectuada a sua desocupação – cfr. art. 15º-P, nº 2 do NRAU e art. 9°, n° 1, ex vi do art. 11°, n° 1, al. d), ambos da Portaria n° 9/2013, de 10/01. Este mecanismo impugnatório constitui uma ‘válvula de segurança’ tendente a salvaguardar os direitos do arrendatário, quando não foram observadas as suas regras de defesa no PED. É que, nessas circunstâncias, o arrendatário só tomará conhecimento da pretensão de desocupação do senhorio quando o agente de execução se desloca ao local para efectivar a diligência.

Face ao exposto, e a que, na situação em apreço, não chegou a existir fase coerciva para desocupação do locado (cfr. nº 1 do art. 15º-J do NRAU) - certamente porquanto, entretanto, a arrendatária desocupou voluntariamente o locado -, poder-se-ia suscitar a dúvida se era de considerar existir, no caso, um erro na qualificação do meio processual utilizado pela executada, e decidir-se, em conformidade, que a pretensão da executada/ora apelante passaria a seguir os termos da impugnação do título para desocupação do locado prevista no art. 15º-P da do NRAU (em vez de embargos de executado); convolação de meio processual este, a ter lugar a coberto do dever oficioso conferido ao juiz pelo nº 3 do art. 193º e pelo princípio da “adequação formal” (que impõe ao juiz o dever oficioso de adequar a tramitação processual e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que o processo visa atingir, assim assegurando um processo justo e equitativo) previsto no art. 547º, ambos do Cód. Proc. Civil.

Porém, adianta-se desde já, no caso dos autos, não é legalmente admissível a referida convolação e adequação.

Senão, vejamos.

A referida convolação por existência de erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte (cfr. art. 193º, nº 3 do Cód. Proc. Civil) e a mencionada adequação da tramitação processual (cfr. art. 547º do Cód. Proc. Civil) apresentam limites naturais, sendo necessário que não existam obstáculos de outro género à operação de tal conversão e adequação.

E, no caso dos autos, verifica-se precisamente um desses limites à convolação e adequação destes embargos em impugnação do título para desocupação do locado”, porquanto a apelante não aproveitou o seu primeiro acto processual – a dedução dos embargos - para se opor à formação do título que constitui o fundamento da execução, invocando, desde logo, a falta da sua notificação para deduzir oposição no PED. Essa linha argumentativa surge alegada pela primeira vez na alegação recursiva. E, este é o obstáculo processual que impede a referida convolação e adequação, porquanto os recursos ordinários destinam-se a permitir que o tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação das decisões recorridas, objetivo que se reflete na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas no leque de competências suscetíveis de serem assumidas”. Na fase de recurso, parte-se do pressuposto que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação”, conforme escreve Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 5ª ed., pág. 31. Por isto, não pode o tribunal superior conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas, porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, não podendo confrontar-se o tribunal ‘ad quem’ com questões novas - Abrantes Geraldes, in ob. citada, p. 119.

Também a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido de forma unânime que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso - cfr., por todos, Acórdãos: de 29/01/2014, Abrantes Geraldes; de 17/12/2014, Orlando Afonso; de 17/12/2014, de Fonseca Ramos; de 07/07/2016, Gonçalves Rocha; e de 17/11/2016, Ana Luísa Geraldes, todos acessíveis in www.dgsi.pt.

Pelo exposto, não estando em causa matéria de conhecimento oficioso e não resultando da petição inicial de embargos de executado a questão da (alegada) falta de notificação da arrendatária para deduzir oposição em sede de PED - questão essa, apenas alegada em sede deste recurso -, forçoso é concluir que está vedado a este tribunal proceder ao aproveitamento, convolação e adequação processuais dos embargos de executado em impugnação do título para desocupação do locado”, de forma a, nesta impugnação, apreciar a (alegada) falta de notificação para dedução de oposição no âmbito do PED.

Desta forma, improcedem também os argumentos da apelante ora em análise.

Por todo exposto, inexiste fundamento legal para admitir os presentes embargos de executado, como se concluiu na decisão recorrida, pelo que resta decidir pela respectiva manutenção, julgando-se improcedente a apelação.

V.–DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar a presente apelação improcedente, e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas pela apelante – cfr. art. 527º, nºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil e art. 1º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Lisboa, 19 de Novembro de 2019

Cristina Silva Maximiano

Maria Amélia Ribeiro

Dina Maria Monteiro