Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20633/19.0T8LSB.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: CONTRATO DE TRANSPORTE
SERVIÇOS POSTAIS
LEI APLICÁVEL
EXTRAVIO DA MERCADORIA
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: –O efeito cominatório do artigo 567º nº 2 do CPC não se estende aos factos conclusivos constantes da petição inicial.

– O DL 17/2012, como decorre do seu artigo 1º e 57º tem o seu objecto de aplicação restrito à Concessionária do Serviço Publico Respectivo a CTT - Correios de Portugal, S. A., é, em território nacional, a prestadora do serviço postal universal, até 31 de Dezembro de 2020.

–Aos contratos de transporte de bens e mercadorias em território nacional celebrados com a CTT EXPRESSO, SERVIÇOS POSTAIS E LOGÍSTICA, SA, aplica-se o regime legal do DL n.º 239/2003 de 4 de Outubro diploma que revogou os anteriores artigos 366.º a 393.º do Código Comercial na parte aplicável ao contrato de transporte rodoviário de mercadorias.

–Em caso de extravio de mercadoria ou bem a indemnização resultante do artigo 6º e 7º deste diploma legal, superior ao limite do artigo 20º, tem como requisito que o expedidor declare o valor da mercadoria e proceda ao pagamento da taxa suplementar.

–A indemnização fixada no artigo 21º carece de alegação e demonstração da existência de dolo do transportador.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


M…Lda, instaurou a presente ação de declarativa contra CTT EXPRESSO, SERVIÇOS POSTAIS E LOGÍSTICA,SA pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €8.892,90 (oito mil oitocentos e noventa e dois euros e noventa cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e a quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de lucros cessantes, acrescida de juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Foram declarados assentes ao abrigo do disposto no artigo 567º nº 2 do CPC os seguintes factos articulados na petição inicial:

A A.  celebrou com a Ré um contrato de prestação de serviços, por força do qual a ré se obrigou a entregar à autora um medidor de caudal portátil híbrido DXN (águas de consumo mais águas residuais DXNP-EHS-NN.RF)
A A. adquiriu à sociedade P., LDA., pelo preço de € €8.892,90.
A Ré recolheu junto dos serviços da sociedade vendedora PERTA o referido medidor caudal.
A Ré  nunca o chegou a entregar o medidor à Autora.
A ré reconheceu perante a autora que o mesmo se extraviou.
Na sequência disso, a ré remeteu a resolução da situação para o departamento de indemnizações.
A Ré aceita a responsabilidade até ao montante do seguro no valor de €94,40 (noventa e quatro euros e quarenta cêntimos),
A A. ficou impossibilitada, de exercer sobre o concreto medidor de caudal o seu legítimo direito de propriedade, causando-lhe prejuízos no valor de €1.500,00 a título de lucros cessantes.
Adita-se que consta do documento junto com a petição inicial que o peso da mercadoria expedida são 10kg (artigo 662º nº1 do CPC)
Regularmente citada, a ré não apresentou contestação, nem constituiu mandatário.
Nos termos do disposto nos arts. 566º e 567º, n.º 1 do CPC, foram declarados confessados os factos concretos constantes da apetição inicial.
A ação foi julgada procedente e a Ré condenada no pedido.

Desta sentença apelou a Ré que lavrou as seguintes conclusões:
A.–O Tribunal a quo erroneamente apenas qualificou o contrato celebrado entre as partes como contrato de prestação de serviços.
D.–Sendo-lhe aplicável o Decreto-lei 239/2003 de 4 de outubro.
F.–Efetivamente a responsabilidade da Ré não se encontra afastada nos termos do disposto no artigo 17.º do D.L. 239/2003 de 4 de outubro.
G.–Tanto mais que a R., ora Recorrente, assumiu a responsabilidade pelo extravio do objeto.
I.–Contudo a Recorrente não se conforma com a apreciação feita pelo Tribunal a quo, que não teve em atenção as limitações de responsabilidade, constantes do artigo 20.º do D.L. 239/2003 de 4 de outubro.
J.–Ainda que assim não se entendesse, deu o Tribunal como provados os “lucros que a autora deixou de obter em virtude de ter ficado impossibilitada de usar esse artigo, desde a data prevista para a entrega até à presente data, que ascendem a 1.500,00€”.
K.–Ora tal apreciação assenta numa total ausência de prova nesse sentido.
L.–Mais dá a sentença a quo como provado o dano da autora “identificando-se com o valor do artigo que a autora pagou e que, em virtude do facto ilícito e culposo da ré não recebeu, ou seja, 8.892,90€”.
M.–Sendo que também deste montante não faz a A., como lhe incumbia, qualquer prova, na medida em que a mercadoria em causa foi expedida a 17/12/2018.
N.–E a prova que junta a A. do valor dessa mercadoria é uma fatura emitida a 28/12/2018.
O.–Pelo que não poderá tratar-se da mesma mercadoria.
P.–Tanto mais que, nos termos do Regime de Bens em Circulação, previsto no DL n.º 147/2003, de 11 de julho, as mercadorias terão de ser acompanhadas da respetiva fatura.
Q.–Cabendo à A. a alegação e demonstração dos danos que reclama.
R.–O que, não acontece.
S.–Concluindo ainda, quanto à culpa, que incumbe ao devedor, neste caso ao transportador.
T.–E, ainda que se entendesse ser de equiparar, para efeitos de responsabilidade contratual, a negligência ou mera culpa ao dolo, a prova caberia ao Autor, que não a fez.
U.–Tendo, necessariamente de se aplicar ao caso concreto as limitações constantes do artigo 20.º n.º 1 do Decreto-lei 239/2003 de 4 de outubro.
V.–Não podendo a douta sentença aplicar condenação em montante superior ao estipulado nos termos do artigo 20.º do D.L. 239/2003, de 4 de outubro.
Deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, sendo substituída por outra onde seja atendida, para efeitos de indemnização a limitação constante do artigo 20.º do Decreto-Lei 239/2003 de 4 de outubro.

Respondeu a Autora a sustentar que
(…)
E.–O efeito cominatório pleno (ou sem i- pleno) - presunção (ou ficção) criada pelo legislador de que o demandado confessa (concorda com) a pretensão que contra ele é deduzida, e de que não se defende - só deverá operar quando a lei expressamente o preveja.
F.–E, da conjugação dos art.º 563.° e 567.º, n.º 1, com o disposto no n.º 1 do art.º. 219.°, todos do CPC, decorre que (…) O Réu/Recorrente não tem, evidentemente, o dever de contestar. Tem, apenas, o ónus da contestação, isto é, a necessidade de assumir um comportamento de defesa para evitar a desvantagem consistente em, com a sua omissão, serem dados como provados, por admissão, os factos alegados pela Autora/Recorrida. O que, in casu, inevitavelmente, se verifica.
H.–Não é possível que, a coberto de tal norma, o Réu/Recorrente venha intempestivamente pretender incorporar no processo factos e/ou alegações novas, que não curou de alegar e invocar no momento apropriado – que era, naturalmente, o da contestação - em termos de se eximir a efeitos preclusivos há muito sedimentados no processo.
I.–Por outro lado, alega o Réu/Recorrente que o Tribunal a quo errou na interpretação que fez quanto ao tipo de contrato celebrado com a Autora/Recorrida, qualificando-o como um “contrato de prestação de serviços de transporte rodoviário de mercadorias”, sendo-lhe aplicável, em seu atender, o regime previsto no DL239/2003, de 04/10.
J.–Sucede, porém, que, apesar de referir qual o regime jurídico que, em seu entender, deveria ser aplicável ao tipo de contrato que invoca, a verdade é que o Réu/Recorrente não indica que normas jurídicas foram violadas e quais as que em seu entender impunham decisão diversa da proferida, ónus que sempre se lhe impunha, por força do disposto no art.º 639.º, n.º 2 do CPC e cuja falta determina, em última instância, o não conhecimento do recurso na parte afetada, o que se invoca para todos os efeitos legais.
K.–Mesmo que assim não se entenda, sempre se dirá que o Réu/Recorrente– CTT EXPRESSO, Serviços Postais e de Logística -, é uma empresa do GRUPO CTT, especializada no serviço de courrier, correio urgente e mercadorias.
L.–A Autora/Recorrida adquiriu, através de contrato de compra e venda, um medidor de caudal portátil, tendo acordado proceder ao envio do mencionado objeto através dos serviços dos CTT – Correios de Portugal, na modalidade de correio urgente, fornecida pelo aqui Réu/Recorrente CTT EXPRESSO.
M.–Ora, tendo a Autora/Recorrida celebrado um contrato de prestação de serviços com o Réu/Recorrente, consubstanciado no preenchimento e assinatura do formulário online disponibilizado pelo Réu, no seu sítio da internet, denominado Click&Ship, tendo pago a respetiva operação e ao qual foi atribuído o número de encomenda DB006700553PT e, visando tal contrato a entrega do referido medidor de caudal à Autora/Recorrida, não há dúvidas de que estamos na presença de um contrato de prestação de serviços postais.
O.–Ao contrário, pois, do defendido pelo Réu/Recorrente, o contrato de prestação de serviços postais, não é regulado pelo referido DL239/03, de 04/10, mas antes pela Lei n.º 17/2012, de 26/04 – Regime Jurídico Aplicável à Prestação de Serviços Postais.
P.–Aliás, é o próprio art.º 1.º, n.º 4 daquele DL239/03, de 04/10 que exclui expressamente a aplicação do respetivo regime aos contratos de transporte de envios postais, ao dispor que “Não estão abrangidos pelo disposto no presente diploma os contratos de transporte de envios postais a efetuar no âmbito dos serviços postais e os transportes de mercadorias sem valor comercial.” (sublinhado nosso)
Q.–Assente que está a exclusão de aplicação deste concreto regime jurídico, está consequentemente excluída a aplicabilidade do regime previsto no seu art.º 20.º quanto à limitação da responsabilidade do Réu/Recorrente al qual pretendido por este, pelo que a responsabilidade do Réu/Recorrente afere-se, nos termos gerais e nos termos especiais previstos naquela L17/2012, de 26/04.
R.–De acordo com o disposto no art.º 37.º, n.º 4 da L17/2012, de 26/04, os prestadores de serviços postais são responsáveis pelo cumprimento integral e pontual das obrigações previstas na presente lei, ainda que, para o exercício da sua atividade, recorram a serviços de outras entidades.
S.–Assim, tendo-se demonstrado a culpa do Réu/Recorrente no extravio do medidor de caudal portátil adquirido pela Autora/Recorrida, este responde integralmente pelos danos que tal facto causou à Autora/Recorrida, nos exatos termos e montantes descriminados e reclamados  na Petição Inicial.
T.–Não está igualmente em causa qualquer inversão do ónus da prova, nos termos pretendidos pelo Réu/Recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.º 342.º, n.º 1, 798.º e 799.º do Código Civil.
V.–Alega ainda o Réu/Recorrente que se verifica que uma ausência de prova quanto aos lucros e danos sofridos pela Autora/Recorrida, cujo ónus de prova estraria, em seu entender, invertido.
W.–Todavia, conforme melhor decorre dos autos, a Autora/Recorrida expôs os factos essenciais que constituem a sua causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação, invocando e alegando, pois, de forma suficiente, os danos que efetivamente sofreu com o extravio do medidor de caudal portátil, ocorrido por culpa exclusiva do Réu/Recorrente.
X.–E, perante tudo quanto a Autora /  Recorrida alegou, competia ao Réu / Recorrente oferecer a contra - prova, de forma a afastar a presunção legal de culpa que sobre si impendia, impugnando ou alegando factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Autora/Recorrida, o que o Réu/Recorrente, por inércia sua, não o fez.
Y.–A revelia operante do Réu/Recorrente determina que se devam ter por confessados os - precisos - factos articulados pela Autora/Recorrida, cabendo naturalmente ao juiz sindicar da suficiência e concludência da matéria de facto assente que, no caso em apreço, foram assim considerados, não se vislumbrando quaisquer razões para impor decisão diversa da proferida,
Z.–pelo que a decisão ora posta em crise está isenta de qualquer erro ou vício que a torne inválida e/ou ineficaz, devendo manter-se em toda a sua extensão e, consequentemente, julgar-se totalmente improcedente a Apelação, o que se invoca e requer com todos os efeitos legais, assim se fazendo.

Nada obsta ao mérito.

O objeto do recurso
São as conclusões que delimitam o âmbito da matéria a decidir sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso
Nesta senda o recurso coloca como questão a decidir saber se os efeitos da revelia se estendem a todos as asserções constantes da petição inicial dos autos
Saber qual o regime legal aplicável ao contrato identificado nos autos e celebrado entre a Autora e a Ré CTT EXPRESSO SERVIÇOS POSTAIS E LOGÍSTICA, SA.

Fundamentação de facto:
Dá-se por reproduzida a factualidade sopra.

Fundamentação de Direito:
Dos efeitos da Revelia e do seu objeto no código de processo civil:
Nos autos peticiona-se dois tipos de danos:
Danos emergentes correspondentes ao valor de aquisição da mercadoria extraviada e lucros cessantes por “prejuízos decorrentes da impossibilidade de utilizar o bem extraviado”.

Quanto aos lucros cessantes alega a Autora nos artigos 40º e 41º da petição inicial que:
o Réu impediu, desde a data prevista de entrega da encomenda, até à data de hoje, que a Autora M...LDª retirasse dela todas as suas vantagens e utilidades, impossibilitando-a de exercer sobre o concreto medidor de caudal o seu legítimo direito de propriedade.
Assim, deve o Réu ser condenado a pagar à Autora...LDª, a titulo de lucros cessantes, quantia nunca inferior a €1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida de juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

Da revelia e dos seus efeitos em concreto:
Na ação dos autos o réu citado regular e pessoalmente não contestou, pelo que, se tornou revel.

Os efeitos da revelia estão consagrados no artigo 567º do Código de Processo Civil (diploma para onde se consideram remetidas quaisquer normas que sejam indicadas sem outra referência, norma que estabelece: 1 - Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.

Trata-se da confissão ficta que é uma confissão tácita ou presuntiva dos factos alegados pelo A. (cfr.Antunes Varela e Outros in Manual de Proc. Civil, 2ª ed. P.345), “exclusivamente ligada à  inatividade do réu”(Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, p.462) ou, como ensinam A. Varela e Outros (Ob.cit. p.346), “a cominação corresponde a um ónus estreitamente ligado ao dever de verdade (…), ou seja, ao dever de contribuição reciproca para a descoberta da verdade, que a lei impõe a ambos os litigantes”.

Todavia  a confissão ficta  incide apenas sobre factos e não sobre enumerações ou conclusões neste sentido AC do STJ de 22.06.2006 pr 06B1638.dgsi, em que estava em causa nomeadamente situação idêntica à dos presentes autos quanto ao prejuízo de 1500,00 euros invocado pela Autora,  Ali tratava-se de  alegação de que «a paralisação da obra implicou um atraso correspondente na rentabilização do investimento financeiro realizado pela A na aquisição do prédio e na execução da obra realizada até então.» a qual foi considerada «manifestamente conclusiva, dela nada se retirando quanto a um prejuízo real e efetivamente sofrido.».

Na sequência de tal entendimento que perfilhamos, não podemos deixar de concordar com o Recorrente quando impugna o segmento da sentença que deu como provado por confissão ficta que a «A. ficou, impossibilitada, de exercer sobre o concreto medidor de caudal o seu legítimo direito de propriedade, causando-lhe prejuízos no valor de €1.500,00 a título de lucros cessantes.

Trata-se de meras proposições genéricas, sem qualquer relevância fáctica- jurídico que sempre dependeriam de um recorte fáctico naturalístico de que s pudesse concluir aquele montante de perdas,  já que o exercício do direito de propriedade abrange múltiplas ações as quais terão uma utilidade económica variada e variável.

Não estando estas identificadas nos autos não é possível estender o efeito cominatório constante do artigo 567º nº 1 e 2 do CPC, à asserção elencada, por não ser facto concludente.

Procede assim nesta parte o recurso.

II–

No que respeita aos danos emergentes:
Sustenta ainda a Ré que não poderia considerar-se provado que o valor da mercadoria é o de 8.892,90€” porquanto a A. Não faz qualquer prova do mesmo tendo junto uma  fatura com data posterior à do envio.
O efeito cominatório resultante da revelia  libera a Autora do respetivo ónus da prova do facto, neste caso em que o facto pode ser provado por qualquer meio.
Daí que improceda nesta parte a alegação de recurso.

Quanto ao direito aplicável:
A recorrente vem defender que o contrato sub iudice é um contrato de prestação de serviços cujo regime legal consta do dl 239/2003 de 4 de outubro o qual afasta a solução que lhe foi dada na sentença.
Já a Autora vem defender que se trata de situação subsumível ao disposto na lei 17/2012 de 26.04
A autora não tem razão.
A lei 17/2012  estabelece como se define no artigo 1.º o regime jurídico aplicável à prestação de serviços postais no território nacional, bem como de serviços internacionais com origem ou destino no território nacional, transpondo a Diretiva n.º 2008/6/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de fevereiro de 2008, que altera a Diretiva n.º 97/67/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, no respeitante à plena realização do mercado interno dos serviços postais da Comunidade. E (nº 2) conforma o regime de acesso e exercício da prestação dos serviços postais com o Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, que transpõe a Diretiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno.
3- O regime de exploração e utilização dos serviços postais no território nacional, bem como dos serviços postais internacionais com origem ou destino no território nacional, consta de diploma de desenvolvimento da presente lei.

Por seu turno no artigo 57.º sob a epigrafe  Concessionária o seu âmbito de aplicação  vem consagrado que é : 
1-A CTT - Correios de Portugal, S. A., é, em território nacional, a prestadora do serviço postal universal, até 31 de dezembro de 2020.
2-As condições de prestação do serviço universal devem ser reavaliadas a cada cinco anos pelo Governo, ouvido o ICP-ANACOM e as organizações representativas dos consumidores, de forma a adequá-las à evolução do mercado bem como aos princípios subjacentes à prestação do serviço universal.
3-Até ao final do período referido no n.º 1, a CTT - Correios de Portugal, S.A., mantém-se como prestadora exclusiva das atividades e serviços reservados mencionados na alínea b) do n.º 2 do artigo 3.º.
De resto a regulamentação desta lei e nomeadamente o exercício dos direitos dos utentes destes serviços foi remetido para diploma regulamentar artigo 1º nº 3 o qual por ainda não ter sido publicado está transitoriamente sujeito nos termos do artigo 58º às  disposições do Regulamento do Serviço Público de Correios, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 176/88, de 18 de maio, bem como as medidas regulamentares adotadas ao seu abrigo que não sejam incompatíveis com o disposto na presente lei que se mantêm  até à entrada em vigor do diploma de desenvolvimento previsto no n.º 3 do artigo 1.º.

Sucede que a Ré nos autos é a CTT EXPRESSO, SERVIÇOS POSTAIS E LOGÍSTICA, SA  pessoa jurídica distinta e que não se confunde com a CTT - Correios de Portugal, S. A., não lhe sendo aplicável, pois, o disposto neste diploma legal  como decorre da restrição explicitada no artigo 57º nº 1.

Concordamos, por isso, com a Ré Recorrente que o contrato dos autos está especialmente regulado no Decreto-Lei n.º 239/2003 de 4 de Outubro, diploma que  veio atualizar o regime jurídico do contrato de transporte de bens  e mercadorias por terra dentro do território nacional que tinha regulamentação expressa no Código Comercial de 1888, de Veiga Beirão, livro II e cuja regulamentação se encontrava desatualizada face à emergência da circulação automóvel.

Pode ler-se no preâmbulo do diploma que «A evolução técnica, económica e social verificada nas últimas décadas alterou profundamente o panorama do transporte de mercadorias por estrada, quer ao nível dos meios utilizados, quer nas formas contratuais, tornando necessário que, no plano técnico-jurídico, se adote uma nova conceção do contrato de transporte.

Paralelamente ao regime aplicável aos contratos de transporte rodoviário de mercadorias, quando estes se realizam em território nacional, coexiste no ordenamento jurídico português um regime específico aplicável aos contratos de transporte internacional - Convenção Relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), assinada em Genebra em 19 de Maio de 1956, aprovada, para adesão, pelo Decreto-Lei n.º 46235, de 18 de Março de 1965, e modificada pelo Protocolo de Genebra de 5 de Junho de 1978, aprovado, para adesão, pelo Decreto n.º 28/88, de 6 de Setembro.

Esta Convenção consagra um regime jurídico que, sem ferir o equilíbrio necessário das relações contratuais, assegura mecanismos de proteção do transportador e, pese embora a evolução verificada nos processos técnicos de prestação de serviços de transporte desde a sua conclusão, mantém um grau satisfatório de correspondência com as realidades deste sector.

Sendo conveniente proceder a uma atualização do normativo regulador do contrato de transporte de mercadorias, justifica-se proceder à sua harmonização com o regime da Convenção, não só por este se revelar mais adequado às modernas condições de exploração dos transportes de mercadorias como para promover a uniformização da disciplina jurídica dos contratos de transporte por estrada.

O regime jurídico que ora se consagra visa aplicar-se a todos os contratos em que a deslocação de mercadorias se efetue por estrada entre locais situados no território nacional, excetuando-se apenas os envios postais, cuja natureza específica aconselha um enquadramento jurídico distinto».

Isto posto o diploma legal em apreço estabelece vários regimes aplicáveis ao transporte de bens e mercadorias que constam nomeadamente dos artigo 6ºa 8º,  20º e das exceções constantes do artigo 21º..

Há pois que identificar qual destes regimes tem lugar in casu.

Um primeiro regime é o que resulta dos artigos:

Artigo 6.º
Declaração de valor da mercadoria
O expedidor pode, mediante o pagamento de um suplemento de preço a convencionar, declarar na guia de transporte o valor da mercadoria, o qual, no caso de exceder o limite do valor estabelecido no n.º 1 do artigo 20.º, substitui esse limite.
Artigo 7.º
Interesse especial na entrega
O expedidor pode, mediante o pagamento de um suplemento de preço a convencionar, declarar na guia de transporte o valor do interesse especial na entrega da mercadoria, para o caso de perda, avaria ou incumprimento do prazo convencionado.
Artigo 8.º
Entrega mediante reembolso
(…)
Um outro  regime advém do disposto no artigo 20º que consagra a limitação da responsabilidade nos casos em que se prevê que «1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º a 8.º, o valor da indemnização devida por perda ou avaria não pode ultrapassar (euro) 10 por quilograma de peso bruto de mercadoria em falta.
2- A indemnização por demora na entrega não pode ser superior ao preço do transporte e só é devida quando o interessado demonstrar que dela resultou prejuízo, salvo quando exista declaração de interesse especial na entrega, caso em que pode ainda ser exigida indemnização por lucros cessantes de que seja apresentada prova.
E finalmente a exceção a este preceito que consta do artigo 21º norma que dispõe sobre a Responsabilidade do transportador em caso de dolo que: «Sempre que a perda, avaria ou demora resultem de atuação dolosa do transportador, este não pode prevalecer-se das disposições que excluem ou limitam a sua responsabilidade».
Vejamos o que está assente nos autos e qual a previsão aplicável, pois.
Está assente por confissão ficta que a Autora pagou €8.892,90 (oito mil oitocentos e noventa e dois euros e noventa cêntimos), pela aquisição do medidor extraviado.
Todavia esta factualidade não é suficiente para fazer funcionar a responsabilidade pelo preço da mercadoria expedida  ao abrigo do artigo 6º uma vez que este limite sempre dependeria  de ter sido previamente declarado tal valor e  de ter sido pago o  suplemento de preço a convencionar, tudo como consta também expressamente do artigo 7º.
A autora não alegou ter procedido de acordo de acordo com tais requisitos normativos, pelo que, para que pudesse reaver o valor da mercadoria ao abrigo da exceção do artigo 21º teria que alegar  que a Ré agiu com dolo, que  não se presume
A autora invoca que a Ré agiu com “culpa grave” o que não é equivalente a dolo.
Agir com dolo é agir com a intenção de prejudicar os interesses da A no contrato ou seja in casu  teria de ser invocado que a Ré teria provocado intencionalmente  o extravio da mercadoria,  o que não está de modo algum alegado.
Donde que também está afastada a previsão do artigo 21º
Não tendo a Autora procedido de acordo com o artigo 6º, não se aplicando o artigo 21º  o extravio da mercadoria cai no âmbito do artigo 20º e respetivos limites indemnizatórios
Constando do documento de transporte que a mercadoria são 10kg o valor indemnizatório é o de 100,00 euros, os quais deverão ser liquidados à autora acrescidos dos juros à taxa legal desde a citação que assim se tem por ressarcida .

Procede em tais termos a apelação.

Sumário da responsabilidade da Relatora  (artigo 663º nº 7 do CPC) :
O efeito cominatório do artigo 567º nº 2 do CPC não se estende aos factos conclusivos constantes da petição inicial
O DL 17/2012, como decorre do seu artigo 1º e 57º  tem  o seu objeto de aplicação restrito à Concecionária do Serviço Publico Respetivo a  CTT - Correios de Portugal, S. A., é, em território nacional, a prestadora do serviço postal universal, até 31 de dezembro de 2020.
Aos contratos de transporte de bens e mercadorias em território nacional celebrados com a  CTT EXPRESSO, SERVIÇOS POSTAIS E LOGÍSTICA, SA, aplica-se o regime legal do DL   n.º 239/2003 de 4 de Outubro diploma que revogou os anteriores artigos 366.º a 393.º do Código Comercial na parte aplicável ao contrato de transporte rodoviário de mercadorias.
Em caso de extravio de mercadoria ou bem indemnização resultante do artigo 6º e 7º deste diploma legal, superior ao limite do artigo 20º  tem como requisito que o expedidor declare o valor da mercadoria e proceda ao pagamento da taxa suplementar.
A indemnização fixada no artigo 21º carece de alegação e demonstração da existência de dolo do transportador.

Segue deliberação:

Na procedência da apelação revoga-se a sentença apelada e consequentemente condena-se a recorrente a pagar à autora a quantia equivalente a 10,00 euros por kg bruto da mercadoria em falta no valor global de 100,00 euros acrescidos de juros legais contados desde a citação e até efetivo pagamento, tal como está fixado no artigo 20º do dl  239/2003 de 4 de Outubro.

Procede por consequência o recurso.
Custas pela recorrida.



Lisboa 11 de fevereiro de 2021



Isoleta de Almeida Costa
Carla Mendes
Rui da Ponte Gomes