Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
756/07.0TBLNH-B.L1-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: PROTECÇÃO DA CRIANÇA
MAUS TRATOS A MENORES
DISPENSA
AUDIÊNCIA PRÉVIA
PATERNIDADE
ACOLHIMENTO DE CRIANÇA EM INSTITUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/24/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. No procedimento judicial urgente regulado no art. 92.º da LPCJP, não é indispensável proceder à audição dos pais do menor.
II. Há uma situação de perigo da criança, por maus tratos físicos, quando as agressões físicas são periódicas e graves, justificando tratamento hospitalar e até internamento.
III. Provindo a situação de perigo do ambiente familiar e não sendo possível a adopção de outra medida menos gravosa, a medida provisória de acolhimento em instituição apresenta-se como necessária e adequada.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

O Ministério Público, nos termos do art. 92.º da LPCJP, requereu, em 28 de Março de 2009, procedimento judicial urgente de promoção e protecção, a favor do menor B...., nascido em 20 de Agosto de 2001, pedindo que fosse determinada, provisoriamente, a permanência do menor no CHTV.
Para tanto, alegou, em síntese, que os pais do menor se encontram separados, residindo o progenitor no X, enquanto o menor e a mãe residem na Y, e que entre os progenitores existem conflitos, designadamente sobre a regulação das responsabilidades parentais; a situação do menor encontra-se sinalizada pela CPCJ da Y, existindo relatos de agressões físicas da progenitora sobre aquele, em diferentes ocasiões do ano de 2008 e mais recentemente, tendo o menor carecido de assistência médica e hospitalar; e estão a decorrer processo de promoção e protecção na referida CPCJ e inquérito, por maus tratos, no Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Y.
No mesmo dia, foi decidido, provisoriamente, proibir a entrega do menor à progenitora, antes e após a alta clínica, com a entrega do menor, pelo estrito tempo necessário à busca de alternativa institucional e de avaliação da real situação familiar e clínica do menor, ao SP do CHTV.
Inconformada, recorreu a progenitora, C...., que, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:
a) Castigos moderados aplicados a menor, com fim exclusivamente educacional e adequados à situação, não são ilícitos.
b) As medidas de promoção e protecção são preferencialmente executadas no meio familiar.
c) Foram violados os princípios do contraditório e da igualdade das partes, por falta de audição dos pais.
d) A decisão recorrida caracteriza-se pela ausência da factualidade em que se estrutura.
e) É manifestamente desproporcionada e exagerada a medida aplicada.
Pretende a Recorrente, com o provimento do recurso, a revogação da decisão.
Contra-alegou o Ministério Público, no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Neste recurso, está em causa essencialmente uma situação de perigo actual para a criança, por maus tratos físicos, e a adequação da decretada medida provisória de acolhimento em instituição.
II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:
1. O menor está a viver com a mãe, existindo relatos da mesma o ter agredido fisicamente em diversas ocasiões, nomeadamente da professora e de funcionários da escola do menor.
2. A progenitora terá agredido o menor, em Outubro de 2008, em frente à escola, vindo o menor a chorar, a vomitar e a desenvolver febre.
3. Durante o mesmo mês, o menor terá revelado um olho muito vermelho, tendo carecido de tratamento hospitalar, que, por comentário do menor à professora, fora resultado da mãe lhe ter batido, declarando ainda que “a mãe era má” e ter receio de regressar junto da mesma, preferindo estar com o pai.
4. Em Dezembro de 2008, o progenitor dirigiu-se à CPCJ informando de que existiam muitas discussões entre os progenitores, desde que residiam no X, e que a mãe chegou a bater no B... com um cinto, tendo ficado com marcas no corpo.
5. Em 29 de Janeiro de 2009, os progenitores do menor discutiram e, ao mesmo tempo, puxavam o menor com violência, tendo a criança chamado pelo pai.
6. Junto do Tribunal Judicial da Y, existem diversos processos sobre o menor, quer de promoção e protecção, quer de regulação do poder paternal e de maus tratos.
7. A progenitora assinou um acordo de promoção e protecção em que se comprometia a não agredir o menor, tendo recentemente retirado o seu consentimento para a intervenção da comissão.
8. Na passada sexta-feira (27 de Março de 2009), o menor apresentou-se na escola com a cara marcada, tendo afirmado que a mãe lhe batera com um pau e com o rolo da massa e que, dias atrás, o fizera com a vassoura, sendo então encaminhado para o HTV.
9. O menor encontra-se internado no serviço de pediatria daquele Hospital, sem alta clínica, com várias lesões, de entre as quais equimose e rubor na hemiface esquerda, com cerca de 10 cm, com exuberância de três linhas e lesão e abrasão do maxilar esquerdo, encontrando-se muito nervoso e a chorar, verbalizando a agressão, mas negando tudo em frente da mãe.
10. A mãe admite que bate no menor, quando se descontrola.
11. A progenitora já tentou fugir com o menor do Hospital, tendo sido conduzida ao mesmo pela P.S.P.
12. A progenitora rejeita o internamento do menor.

2.2. Descritos os factos dados como provados, importa conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cujas questões jurídicas emergentes foram já especificadas.
Desde logo, quanto à matéria de facto, a decisão recorrida procedeu à sua enumeração, essencialmente nos termos que antes se descreveram, não padecendo da omissão apontada pela Apelante, para além de ainda ter concretizado a indicação dos respectivos meios de prova.
Não há, assim, omissão da fundamentação da matéria de facto, que, a verificar-se, implicaria a nulidade da decisão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil (CPC).
Por outro lado, também não se vislumbra qualquer violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes.
O procedimento judicial seguido é urgente e com regulação específica prevista no art. 92.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro. Essa urgência reflecte-se, designadamente, na circunstância da decisão ter de ser proferida no prazo de quarenta e oito horas e, na respectiva instrução, apenas estarem contempladas “averiguações sumárias e indispensáveis”, para a comprovação da situação de “perigo actual ou iminente para a vida ou integridade física da criança ou do jovem” e da “oposição dos detentores do poder paternal ou de quem tenha a guarda de facto” (art. 91.º, n.º 1, da LPCJP).
Neste contexto, em que apenas está em causa uma medida provisória, que não pode prolongar-se por mais de seis meses (art. 37.º da LPCJP), não é indispensável proceder à audição dos pais, designadamente daquele que tem a guarda da criança, tanto mais que, seguindo-se o respectivo processo judicial de promoção e protecção, essa audição é obrigatória – art. 107.º, n.º 1, alínea b), da LPCJP.
Assim, a omissão da referida audição, sendo certo ainda que não consta dos autos qualquer outra audição, não é susceptível de infringir nem o princípio do contraditório, nem o princípio da igualdade das partes.
Da materialidade de facto provada, a única a considerar na apreciação jurídica do caso, resulta que a criança, com oito anos de idade, se encontra numa situação de perigo actual, emergente de maus tratos físicos, provocados por sua mãe, e da afectação grave do seu equilíbrio emocional – art. 3.º, n.º s 1 e 2, alíneas b) e e), da LPCJP.
Efectivamente, as agressões físicas à criança têm sido periódicas e graves, dadas as suas consequências, algumas delas a justificarem tratamento hospitalar, e com a última a determinar ainda internamento.
Não é concebível que as mesmas se possam enquadrar num contexto educacional e correctivo, como alega a Apelante, designadamente porque tais agressões físicas não se podem caracterizar sequer como sendo moderadas, tanto por alguns dos efeitos provocados como também pelos meios utilizados na sua concretização.
Por outro lado, como resulta ainda da matéria de facto provada, todo esse comportamento acaba por afectar, com certa gravidade, o equilíbrio emocional da criança, deixando-a muita nervosa e chorosa.
A situação de perigo para a criança legitima, assim, a intervenção para a promoção dos seus direitos e protecção, justificando, no prosseguimento do interesse superior do menor, a aplicação da providência que mais se apresente adequada à situação, de modo a afastar o perigo em que a mesma se encontra.
Decidiu-se o Tribunal a quo pela medida provisória de acolhimento em instituição, prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 35.º da LPCJP.
Na verdade, para acautelar a integridade física e o bem-estar da criança, importa que esta, para já, seja retirada do ambiente familiar donde tem provindo o perigo que a tem atingido, não fazendo sentido, por isso, neste caso, a invocação do princípio da prevalência da família, nomeadamente junto da Apelante. O princípio do interesse superior da criança, que é fundamental observar, prevalece sobre aquele e revela-se até, numa perspectiva concreta dos autos, como incompatível.
Por outro lado, uma medida, como o apoio junto dos pais, que a Apelante, no limite, aceitaria, seria completamente ineficaz, porquanto não afastaria a criança da situação de perigo em que se encontra, o fim visado pela providência adoptada.
Acresce, ainda, que os autos não mostram ser possível a aplicação de outra medida menos gravosa.
Nestas condições, e dada a natureza provisória da medida decretada, apresenta-se a mesma como necessária e adequada à situação de perigo da criança que os autos demonstram sumariamente.
Improcede, por isso, o recurso.
2.3. Em face do que antecede, pode extrair-se de mais relevante:
I. No procedimento judicial urgente regulado no art. 92.º da LPCJP, não é indispensável proceder à audição dos pais do menor.
II. Há uma situação de perigo da criança, por maus tratos físicos, quando as agressões físicas são periódicas e graves, justificando tratamento hospitalar e até internamento.
III. Provindo a situação de perigo do ambiente familiar e não sendo possível a adopção de outra medida menos gravosa, a medida provisória de acolhimento em instituição apresenta-se como necessária e adequada.

2.4. A Apelante, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
2) Condenar a Apelante (Requerida) no pagamento das custas.
Lisboa, 24 de Setembro de 2009
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)