Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2041/08.0TBOER.L1-7
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: INVENTÁRIO
QUESTÃO PREJUDICIAL
PARTILHA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2011
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Tendo o juiz remetido as partes para a discussão nos meios comuns relativamente a uma questão susceptível de influir na definição dos direitos dos interessados na partilha, tal implicará, à partida, a suspensão do processo de inventário, nos termos do artº 1335º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.
II - Tal suspensão justificar-se-á ainda, em princípio, pela pendência de acção crime que tenha por objecto a prática de factos integradores do conceito de sonegação de bens previsto no artº 2096º, do Código Civil.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Recurso próprio, admitido com subida e efeito adequados.
Nada obsta ao conhecimento do seu mérito.

 
Atendendo à simplicidade da questão a decidir e à jurisprudência já firmada a seu propósito, passar-se-á a proferir decisão sumária, nos termos do art.º 705º, do Cod. Proc. Civil.
  
I – RELATÓRIO.
Procedeu-se à cumulação de inventários por óbito de C., falecida em 24 de Abril de 1976, no estado de casada e sob o regime de comunhão geral de bens, com F., que deixou como única descendente A. ; e por óbito de F., falecido em 24 de Novembro de 2007, no estado de casado em segunda núpcias com M., tendo deixado como única descendente A. e havendo outorgado testamento em que deixou a quota disponível da sua herança ao seu cônjuge.
Foi nomeada cabeça de casal A..
Na relação de bens referente ao inventário da herança deixada por F. consta sob a verba nº 2, constituída pela :
“ quantia de euros 41.212,75 ( quarenta e um mil, duzentos e doze euros e setenta e cinco cêntimos ) que constituía o saldo da conta nº…, da Caixa Geral de Depósitos, à data do óbito do inventariado, tendo sido indevidamente levantadas diversas quantias, como consta dos nºs 13 a 18 do requerimento inicial e respectivos documentos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que devem ser restituídas ao património hereditário. “( cfr. fls. 144 ).
Juntou, ainda, a cabeça de casal aos autos cópia da acusação proferida no processo crime nº .../08.0TAFIG, contra as aí arguidas M. e Maria, imputando-lhes o Ministério Público a prática dos seguintes factos :
“ F. faleceu no dia 24 de Novembro de 2007, na ..., tendo-lhe sucedido, como herdeiras legitimarias, a arguida M., sua esposa em segundas núpcias, e a filha A., aqui assistente.
A herança indivisa aberta por óbito de F. era constituída por diversos bens, entre os quais a conta à ordem com o número, aberta na Agência Central da Caixa Geral de Depósitos, sita em Coimbra, em nome do falecido e da esposa, a arguida M..
Em 3 de Janeiro de 2007, foi a arguida Maria autorizada a movimentar a conta acima identificada, titulada por F. e M., sem quaisquer restrições.
No dia 24 de Novembro de 2007 a conta nº tinha um saldo positivo de € 41.212,75.
No dia 29 de Novembro de 2007, a arguida Maria, na execução de um plano antes combinado com a tia M., tendo em vista a retirada do dinheiro da referida conta, que agora pertencia à herança indivisa de F. , dirigiu-se à Agência da Caixa Geral de Depósitos na ... e ordenou a transferência de € 30.000, da conta nº, para uma conta por si titulada na mesma instituição bancária, com o número.
Também no dia 28 de Dezembro de 2007, as arguidas, na concretização do seu plano, procederam ao levantamento da quantia de € 500,00 da referida conta.
As arguidas não deram conhecimento à entidade bancária que o co-titular da conta F. havia falecido, posto que dessa forma não conseguiriam concretizar os seus intentos.
As arguidas Maria e M. integraram aquelas quantias nos seus patrimónios, fazendo-as suas, nunca mais as tendo devolvido à herança indivisa, não obstante as várias interpelações que lhes foram efectuadas nesse sentido.
Antes pelo contrário, as arguidas dispuseram daqueles montantes monetários, que sabiam não lhes pertencer, em seu próprio proveito. ( … ) “.
Em consequência, imputa-lhes o digno acusador a prática, em co-autoria material, na forma continuada e consumada, de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelos artsº 30º, nº 2 e 205º, nº 1 e nº 4, alínea b), por referência ao artigo 202º, alínea b), todos do Código Penal.
Através do articulado entrado em juízo em 6 de Janeiro de 2009, veio a interessada M. alegar que :
“…atento o regime de bens, as contas bancárias do casal integravam-se no seu património comum.
A conta bancária identificada no artº 7º, do requerimento a que se responde era por isso uma conta comum do casal constituído pelo inventariado F. e pela interessada.
E aí eram também depositadas quantias provenientes dos rendimentos da própria interessada, designadamente os seus vencimentos e pensões.
A conta bancária em causa, e o respectivo saldo, à data do óbito do inventariado, foi relacionada na relação de bens entregue nas Finanças, como aliás aconteceu com as demais contas bancárias que integravam o património do casal.
A requerente apenas se limitou a providenciar e assegurar o pagamento de despesas, designadamente de funeral e outras, da herança e do próprio processo de óbito, bem como de sobrevivência, da própria interessada. “ ( cfr. fls. 153 a 154 ).
Apresentou a interessada M. reclamação contra a relação de bens referindo que :
“ Atento o regime de bens do casamento, as verbas números dois, três, quatro e cinco relacionadas no activo não o podem ser como plena propriedade do inventariado, mas apenas na proporção legal, ou seja, de metade. “ ( cfr. fls. 157/V ).
Respondeu a cabeça de casal, afirmando que :
“ Devem ser considerados improcedentes os pedidos de correcção das relações de bens, no que se refere ao activo “. ( cfr. fls. 187 ).
Foi proferido, em 11 de Maio de 2010 o seguinte despacho :
“ Verba nº 2 da relação de fls. 115 ( por óbito de F. ).
Considerando o que resulta da relação de bens, do requerimento inicial, designadamente nos artsº 13 a 18, assim como o documento junto pela cabeça de casal em 15 de Fevereiro de 2010, relego o conhecimento da titularidade da verba nº 2 da relação do inventariado F. para os meios comuns.
Todas as demais questões suscitadas no inventário, designadamente no que se refere ao valor das fracções autónomas e do passivo serão conhecidas em sede de conferência de interessados. ( … ) “ ( cfr fls. 181 ).
Veio a cabeça de casal requerer a suspensão da instância, com os seguintes fundamentos :
Foi relegado o conhecimento da titularidade da verba nº 2 da relação do inventariado para os meios comuns, não se podendo obviamente conhecer do passivo, todo ele relacionado com a aludida verba, enquanto não houver decisão definitiva no processo crime que corre termos sob o nº .../08TAFIG.
Por outro lado, como foi decidido pelo despacho de fls…., não era ainda possível aferir sobre a sonegação de bens invocada pela cabeça de casal.
Conforme alegado pela cabeça de casal, há fortes indícios de sonegação de bens por parte da interessada M..
A sonegação tem efeitos, nomeadamente, na definição dos direitos na partilha, nos termos do artº 2096º, do Código Civil.
A regra é a suspensão da instância, no processo de inventário, quando nele ou em acção já instaurada se suscitem questões prejudiciais relativas, nomeadamente, à definição dos direitos dos interessados directos na partilha, nos termos do artº 1335º, nº 1 e 2, do Cod. Proc. Civil.
A suspensão da instância ocorre, para além dos casos em que a lei especialmente o determinar, quando o Tribunal o ordenar, isto é, para além dos casos em que a decisão em causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta, quando entender que ocorre motivo justificado, nos termos conjugados dos artsº 276º e 279º, do Cod. Proc. Civil.
 Foi proferido o seguinte despacho :
“ Considerando o que resulta do despacho proferido sob a conclusão de 29 de Abril de 2010 que relegou o conhecimento da titularidade da verba nº 2 para os meios comuns, inexiste fundamento para a suspensão dos presentes autos de inventário com fundamento na pendência de processo crime e ainda no disposto no artº 2096º, do CPC, porquanto tal verba não irá ser objecto de partilha nos presentes autos.
Nestes termos e com tais fundamentos indefiro o pedido de suspensão da instância. “ ( cfr. fls. 83 a 84 ).      
Apresentou a cabeça de casal recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação ( cfr. fls. 116 ).
Juntas as competentes alegações, a fls. 87 a 110, formulou a apelante, as seguintes conclusões :
A Recorrente não foi notificada do despacho recorrido, tendo apenas sido notificada por via electrónica, com data de 9 de Dezembro de 2010, da data designada para a conferência de interessados e ainda de que se encontrava emitida a certidão requerida.
Apenas na data em que recebeu a referida notificação electrónica, não vislumbrando qual o motivo da designação da data da conferência de interessados, uma vez que tinha requerido a suspensão da instância e nada lhe tinha sido notificado, fez a consulta via citius e constatou que na mesma data em que tinha sido proferido despacho a designar a data para realização da conferência de interessados e antecedendo este, tinha sido proferido despacho a indeferir o pedido de suspensão da instância.
A Recorrente apenas nesta data tomou conhecimento do referido despacho. Por outro lado, mesmo que o Tribunal tivesse efectuado a notificação da Recorrente, apenas o teria efectuado nesta data, uma vez que, quer este despacho, quer o despacho a designar a data da conferência de interessados, quer o de que se encontrava emitida a certidão requerida foram emitidos todos na mesma data. Pelo que, o presente recurso é tempestivo.    
A Meritíssima Juiz “a quo” decidiu que: «Considerando o que resulta do despacho proferido sob conclusão de 29-04-2010 que relegou o conhecimento da verba nº2 para os meios comuns inexiste fundamento para a suspensão dos presentes autos de inventário com fundamento na pendência de processo crime e ainda no disposto no artigo 2096º do CPC, porquanto tal verba não irá ser objecto de partilha nos presentes autos. Nestes termos e com tais fundamentos indefiro o pedido de suspensão da instância» e que «No demais e quanto às quantias que a interessada M. refere ter pago a título de IMI, tal matéria será objecto de conhecimento em sede de conferência de interessados».  
Em 7 de Fevereiro de 2008, a Recorrente apresentou queixa-crime contra a Interessada M. e contra a sobrinha desta, Maria, que se encontra a correr termos no 2º Juízo do Tribunal da ..., sob o nº de processo .../08.0 TAFIGA, tendo sido deduzida acusação pela prática de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelos Artigos 30º, nº2 e 205º, nº 1 e nº4, b) por referência ao Artigo 202º, b) todos do Código Penal, encontrando-se designados os dias 4 e 8 de Fevereiro de 2011 para a audiência de julgamento.
Em 27 de Março de 2008, a Recorrente nos pontos 13º a 18º do requerimento inicial referiu que tinha sido apresentada queixa-crime e os factos constantes da mesma.
Ou seja, que à data do óbito do “de cujus” o saldo da conta nº.. era de Euros: 41.212,75; que no dia 29 de Novembro de 2007, Maria, sobrinha da viúva do “de cujus” -  que nem sequer é titular da conta  apenas estando autorizada a movimentá-la - transferiu da conta nº que o “de cujus” era titular, a quantia de € 30.000,00, para uma conta em seu nome; que esta, por carta registada datada de 23 de Janeiro de 2008, confessa que efectuou a transferência do montante acima referido, por solicitação da sua tia; que aquela não coloca sequer a hipótese de devolução do referido montante, limitando-se a afirmar que a tia, como cabeça-de-casal, prestará contas desse montante no momento e local próprio para o efeito; que foram, ainda, levantados da referida conta as quantias de € 500,00 no dia 30 de Novembro de 2007; €900,00, no dia 4 de Dezembro de 2007; € 605,00, no dia 17 de Dezembro de 2007; €249,62, no dia 19 de Dezembro de 2007; 1.664,62, no dia 20 de Dezembro de 2007 e €500,00, no dia 28 de Dezembro de 2007, no montante total de €. 4.418, 62 e que havia indícios de sonegação de bens.
Em 6 de Janeiro de 2009, na reclamação à relação de bens, a Recorrida relativamente à referida verba refere que a quantia depositada ascendia a 41.231,75, pelo que há um lapso de escrita e que «dada a confusa redacção e por rigor importa referir que a interessada não fez quaisquer levantamentos indevidos, como parece pretender a cabeça-de-casal».
A Recorrente no seu requerimento de resposta de 10 de Fevereiro de 2009, nos nºs 41 e seguintes reiterou tudo o anteriormente referido a este propósito, nomeadamente o constante dos nºs 13 a 18 do requerimento inicial.
Em requerimento de 18 de Dezembro de 2009, a Recorrente reiterou o constante do seu requerimento de 10 de Fevereiro de 2009 que deu por integralmente reproduzido e requereu o já anteriormente requerido no referido requerimento.
Em 15 de Fevereiro de 2010, a Recorrente juntou aos autos cópia do despacho de acusação proferido no processo-crime acima identificado.
No seguimento da junção deste documento foi proferido o já referido despacho que relegou o conhecimento da titularidade verba nº 2 da relação do inventariado F. para os meios comuns.
Na sequência deste despacho e com fundamento na prejudicialidade daquela acção em relação a esta, bem como das questões relacionadas com o passivo, requereu a suspensão dos autos de Inventário, como consta do requerimento de 27 de Maio de 2010.
A questão que se coloca resume-se em saber se a titularidade da verba nº 2 do inventário que se discute no referido processo-crime e relacionada com esta, a questão do passivo da herança, é em face do Artigo 279º, n.º 1, ex vi do Artigo 1335º, nºs 1 e 2, do CPC uma questão prejudicial que confira à Meritíssima Juiz «a quo» a faculdade de suspender o inventário.
A Recorrente, invocou no processo de inventário a questão relativa à titularidade da verba nº 2, ou seja, invocou uma questão prejudicial numa lide precedente. 
A Recorrente ponderando os critérios de segurança jurídica e economia processual, preferiu obter uma sentença de Inventário com efeitos jurídicos definitivos acerca da titularidade de todas as verbas do inventário, evitando assim os transtornos de futura reabertura deste, alterações de partilhas, quinhões e anulações de eventuais alienações.
O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária, derivada do fenómeno sucessório, ou seja, ao chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e à consequente devolução dos bens que a esta pertenciam, por força do estabelecido nos Artigos 2024º, do Código Civil e 1326º, nº 1, do CPC, devendo ser partilhadas todas as relações jurídicas patrimoniais do falecido.
Para discutir a questão controvertida da titularidade da verba nº 2 do Inventário, a Recorrente já tinha apresentado queixa-crime antes de requerer o inventário cumulado, pelo que tal questão apenas podia ser decidida nos meios comuns, como prevê o Artigo 1335º, nº 1, do CPC.
Tendo a Recorrente suscitado a questão acima aludida relativa à verba nº 2 e tendo a Recorrida respondido nos termos acima referidos, passou a existir no Inventário, a partir desta resposta, uma questão jurídica controvertida.
E tratando-se esta questão controvertida, da discussão sobre a titularidade da referida verba, a mesma pode ser objecto de um processo independente e principal, como se verifica nos presentes autos.
Tendo os interessados sido remetidos para os meios comuns, coloca-se a questão de saber se o inventário prossegue necessariamente os seus termos e se não obstante esteja pendente o referido processo tal verba irá ou não ser objecto de partilha nos presentes autos.
De acordo com o Artigo 1335º, nº1 a regra será a de que o juiz determina a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns logo que os bens se encontrem relacionados.
Como referem João António e Augusto Lopes Cardoso: «Esta última expressão (logo que os bens se encontrem relacionados) tanto pode reportar-se a que se relacione, por força da decisão nos meios comuns, aquilo que não o tenha sido, como se exclua da relação o que tenha sido objecto desta. E, por sinal a mesma expressão pormenoriza o caso que nos ocupa, por certo pela sua importância, na medida em que a norma disciplina todos os casos de incidentes ou questões prejudiciais, que são muito mais do que os referentes à relacionação dos bens. Contudo, … para que o juiz decrete a suspensão da instância forçoso será que fundamente a decisão, não apenas na remessa para os meios comuns que determinou o despacho…mas, em especial, que se trate de questão de que dependa (…) a definição dos direitos dos interessados nas partilhas».     
Em face das questões suscitadas pela Recorrente no processo de inventário, a Meritíssima Juiz «a quo» e da pendência do processo acima referido, não lhe restava outra opção que o conhecimento da questão nos meios comuns, mas decidiu incorrectamente quanto à não suspensão do processo de Inventário.
O que releva para se saber se uma questão é prejudicial ou não, é necessário que se trate de uma questão cuja resolução por si só, possa modificar uma situação jurídica que tem de ser considerada para a decisão de outro pleito, o que se verifica no caso dos autos.
O que está em causa relativamente à verba nº 2 é também a definição dos direitos dos interessados directos na partilha àquela verba.
Com efeito, não havendo previsão específica para o acto de sonegação no processo penal, a ilicitude correspondente é a do crime de abuso de confiança.
A lei substantiva reporta-se, quer à sonegação de bens cometida em processo de inventário, quer á cometida em partilhas extrajudiciais.
Para que se verifique a sonegação dolosa não é necessário a propositura duma acção tendente a demonstrá-la, sendo suficiente a prova da sonegação através de vários meios.
O que se vier a decidir no aludido processo crime, pode influir na decisão a proferir na acção de Inventário, reduzindo ou não, substancialmente o valor da herança, o mapa da partilha, os quinhões de cada interessado e sobretudo, deixando a sentença homologatória em suspenso de uma hipotética reabertura do inventário, com prejuízo da segurança e certezas jurídicas dos interessados e do comércio jurídico em geral.
Daí o estipulado no Artigo 1335.º, nº1, do CPC.
A remessa dos interessados para os meios comuns nada teve a ver com o incidente de reclamação contra a relação de bens, pelo que, a referida verba deverá permanecer relacionada até à decisão com trânsito em julgado no processo-crime acima referido.
Relativamente ao passivo, no que se refere, por exemplo, à dívida de funeral no montante de € 1.664,62, o pagamento foi efectuado em 20 de Dezembro de 2007, pelo cheque nº 779816980, sacado sobre a conta nº 0255148341200, da Caixa Geral de Depósitos, de que o de cujus era co-titular e relativamente aos outros pagamentos efectuados pela Recorrida desconhece-se se o pagamento foi ou não efectuado com montantes retirados da aludida verba nº 2.
Pelo que, apenas se poderá conhecer das questões relativas a este passivo após decisão no aludido processo-crime.
Quer a jurisprudência, quer a doutrina, são unânimes quanto à interpretação do Artigo 1335.º do CPC no sentido de que remetidos os interessados para os meios comuns por surgirem no decurso do processo de inventário questões prejudiciais, quer quanto à admissibilidade do processo, quer quanto à definição dos direitos dos interessados directos na partilha, deve ser ordenada a suspensão da instância até decisão definitiva daquela questão.
O Artigo 1335.º, nº2 conjugado com o Artigo 279.º, nº 1, do CPC define os critérios para aferir da existência dessa prejudicialidade e da faculdade de o juiz julgador suspender ou não o inventário, com fundamento na mesma.
Estabelece o Artigo 1335º, nº2, do CPC que «Pode ainda ordenar-se a suspensão da instância, nos termos previstos nos artigos 276.º n.º 1, alínea c) e 279.º, designadamente quando estiver pendente causa prejudicial em que se debata algumas questões a que se refere a alínea anterior»
E acrescenta o Artigo 276º, nº1, c) que a instância suspende-se «quando o tribunal ordenar a suspensão» acrescentando o art.º 279.º que «o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.»
Para efeitos de suspensão para a anterioridade de questão prejudicial basta que a acção considerada como prejudicial já tenha sido proposta, antes ou depois da acção a suspender.
No caso dos autos a queixa-crime, foi, inclusive, apresentada antes de ter dado entrada em tribunal o processo de Inventário.
A suspensão do inventário não tem de ser imediatamente ordenada, devendo antes acontecer quando os herdeiros demonstrarem haver já recorrido aos meios comuns.
Por outro lado, não há fundamento para concluir que a suspensão destes autos causará mais prejuízos do que as vantagens decorrentes da mesma.
No processo a correr termos no 2º Juízo do Tribunal da ..., sob o nº de processo .../08.0 TAFIGA, encontram-se designados os dias 4 e 8 de Fevereiro de 2011 para a audiência de julgamento.
Por isso, nos termos do Artigo 279º do CPC, a suspensão era não só admissível, como a devia ter sido ordenada tendo em conta os referidos critérios de ponderação.
Não faz qualquer sentido indeferir a requerida suspensão, tanto mais quanto, ficando as partes suspensas da decisão numa questão prejudicial, o Artigo 1335º, nº 3, do CPC permite ao juiz reavaliar sempre e «a posteriori» a decisão a requerimento dos interessados, para fazer prosseguir o inventário por demora injustificada ou inviabilidade da pretensão numa decisão da questão prejudicial.
Na decisão de suspensão está também subjacente o critério de ponderação do juiz sobre os interesses da segurança jurídica e da economia processual «versus» celeridade processual.
A referida verba nº 2 deverá permanecer relacionada até à decisão com trânsito em julgado no processo-crime acima referido, procedendo-se depois à partilha dos bens em conformidade.
Pelo que, ao não decretar a suspensão da instância, a Meritíssima Juiz «a quo» violou os Artigos 1335º, 279º e 276º do CPC.
Não houve resposta.
 
II – FACTOS PROVADOS.
Os indicados no RELATÓRIO supra.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
É a seguinte a única questão jurídica que importa dilucidar :
Aplicabilidade do artº 1335º, nº 1, do Código Civil. Do fundamento para o Tribunal a quo decretar a suspensão do presente inventário.
Passemos à sua análise :
Dispõe o artº 1335º, nº 1, do Cod. Proc. Civil : “ Se, na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição dos direitos dos interessados na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente conhecidas, o juiz determina a suspensão da instância, até que ocorra decisão definitiva, remetendo as partes para os meios comuns, logo que os bens se mostrem relacionados. “.
Acrescenta o nº 2, do mesmo preceito :
“ Pode, ainda, ordenar-se a suspensão da instância, nos termos previstos nos artigos 276º, nº 1, alínea c) e 279º, designadamente quando estiver pendente causa prejudicial em que se debata alguma das questões a que se refere o número anterior. “.
Está em causa, na situação sub judice, - e segundo a expressão constante do despacho recorrido - a titularidade das quantias monetárias objecto de depósito bancário aberto em nome do decujus e do seu então cônjuge ( a interessada M. ) -, relacionado sob a verba nº 2 da relação de bens do inventariado, questão que o juiz a quo remeteu para os meios comuns.
Consta, efectivamente, da dita verba nº 2 : “ quantia de euros 41.212,75 ( quarenta e um mil, duzentos e doze euros e setenta e cinco cêntimos ) que constituía o saldo da conta nº…, da Caixa Geral de Depósitos, à data do óbito do inventariado, tendo sido indevidamente levantadas diversas quantias, como consta dos nºs 13 a 18 do requerimento inicial e respectivos documentos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que devem ser restituídas ao património hereditário. “( cfr. fls. 144 )
Por outro lado,
E ainda relativamente à titularidade das importâncias pecuniárias objecto desse depósito bancário, na parte em que se procedeu ao seu levantamento após o óbito do inventariado,
encontra-se também pendente acção crime contra a interessada M., a quem é imputado o desvio em proveito próprio - e em prejuízo da co-herdeira - do dinheiro depositado nessa mesma conta bancária, subtraindo-o ilicitamente ao acervo hereditário a que - segundo o requerimento acusatório - integralmente pertencia.
Procedendo tal acusação e verificando-se a condenação da interessada, aí arguida, estaremos então perante a figura da sonegação de bens, prevista no artº 2096º, nº 1, do Código Civil, que tem como consequência legal a “ perda em benefício dos co-herdeiros do direito que possa ter a qualquer parte dos bens sonegados “.
Por seu turno, a interessada M. alegou que parte do dinheiro depositado na conta bancária relacionada sob a verba nº 2 lhe pertencia exclusivamente, pelo que não poderia ter sido relacionado na totalidade.
A decisão final quanto a estas matérias - sobre a titularidade das verbas pecuniárias depositadas - terá, certamente, influência directa e relevante na partilha da herança, modificando em consonância com o decidido a repartição destes bens.
De salientar que
A remessa para os meios comuns da resolução da questão jurídica controvertida não prejudica de forma alguma a possibilidade de suspensão do presente inventário, conforme parece subentendido no despacho sob recurso.
Bem pelo contrário,
a circunstância do artº 1350º, nº 1, estabelecer que caso a complexidade da causa torne inconveniente a decisão incidental das reclamações deve o juiz abster-se de decidir e remeter os interessados para os meios comuns, implicará, em princípio, conforme resulta do artº 1335º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, a obrigatoriedade de suspensão do inventário.
Com efeito,
Atendendo à natureza sumária da instrução do inventário, tem todo o cabimento a suspensão da instância quando qualquer dos interessados suscite questões que interferem e influenciam a partilha do património hereditário e que necessitando de mais larga e aprofundada indagação são precisamente remetidas para os meios comuns.
Note-se que nos termos do nº 2, do artº 1350º, do Cod. Proc. Civil : “ No caso previsto no número anterior, não são incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou e permanecem relacionados aqueles cuja exclusão se requereu “, o que significa que prosseguindo o inventário a partilha abrangerá igualmente esses bens[1].
Neste caso concreto, a prosseguir o inventário, com a realização de conferência de interessados, a partilha teria que entrar em consideração com o montante do depósito bancário referenciado na verba nº 2, da relação de bens ( que integra igualmente os montantes pecuniários que foram, após o óbito do decujus, levantados pela interessada M. ).
De qualquer modo,
A decisão judicial de remeter para os meios comuns a discussão acerca da titularidade dos montantes objecto do depósito bancário terá como consequência a suspensão do presente inventário para a prévia dilucidação dessa matéria.
O eventual prejuízo pela demora da decisão judicial a proferir no âmbito dos meios comuns será, a qualquer tempo, evitado através do recurso, por iniciativa das partes e desde que devidamente fundamentado, à faculdade prevista no nº 3, do artº 1335º, do Código Civil.
Não existe base legal, portanto, para o indeferimento da pretendida suspensão da instância pedida pela própria requerente deste inventário.
A apelação procede.

IV - DECISÃO : 
Pelo exposto, nos termos do artº 705º, do Cod. Proc. Civil, julgo  procedente a apelação, revogando a decisão recorrida e ordenando a suspensão do presente inventário nos termos requeridos pela cabeça de casal.
Sem custas.

V - Sumário elaborado nos termos do artº 713º, nº 7, do Cod. Proc. Civil.
I - Tendo o juiz remetido as partes para a discussão nos meios comuns relativamente a uma questão susceptível de influir na definição dos direitos dos interessados na partilha, tal implicará, à partida, a suspensão do processo de inventário, nos termos do artº 1335º, nº 1, do Cod. Proc. Civil.
II - Tal suspensão justificar-se-á ainda, em princípio, pela pendência de acção crime que tenha por objecto a prática de factos integradores do conceito de sonegação de bens previsto no artº 2096º, do Código Civil.

Lisboa, 29 de Junho de 2011

Luís Espírito Santo.
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[1] Sobre este ponto, vide acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12 de Abril de 2007 ( relator Gouveia de Barros ), publicitado in www.jusnet.pt.