Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23104/19.1T8LSB.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: SOCIEDADES GESTORES DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS (SGPS)
"HOLDING DE DIRECÇÃO"
SUPRIMENTOS
REEMBOLSO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1–Atenta a natureza da fase de recurso, cuja decisão deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão na primeira instância e na falta de acordo da parte contrária quanto à introdução dos factos novos, não é admissível a apresentação de articulado superveniente nesta fase recursória.

2–Ainda que se optasse pela tese mais ampla – de admissibilidade em determinadas circunstâncias da introdução de factos supervenientes na fase de recurso -, não existindo o acordo das partes e tendo o articulado sido apresentado em momento posterior ao termo do prazo para apresentação das alegações e das contra-alegações, sempre o articulado, no qual, alegadamente, são invocados factos supervenientes essenciais para a decisão dos autos, não seria de admitir.

3–Atento o disposto no artº 1º, nº1, da LSGPS - Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro –, as Sociedades Gestoras de Participações Sociais, comummente designadas por SGPS, configuram-se como “holding de direcção” ou “holding directivas”, o que significa que, apesar de não desenvolverem directamente a actividade económica, têm como objectivo, através do exercício dos direitos sociais inerentes às participações detidas, «maxime», através do direito de voto, intervir ou controlar activamente a vida das sociedades participadas.

4–Configurando-se a SGPS como “holding de direcção” e detendo a mesma 100% do capital social da participada, assiste-lhe o poder de direcção sobre esta nos termos do artigo 503º do CSC.

5–Atento o disposto no artº 245º, nº1, do CSC, não tendo sido estabelecido prazo para o reembolso dos suprimentos, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil; na fixação do prazo, o tribunal terá que ter em conta as consequências que o reembolso acarretará para a sociedade, podendo, designadamente, determinar que o pagamento seja fraccionado em certo número de prestações, não podendo, no entanto, ser fixado um prazo tão longo que, em termos práticos, equivalha à sua não fixação.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.–Relatório


F…, residente em …, instaurou contra C…, SGPS, S.A., sociedade com sede também em …, ACÇÃO DE FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO, peticionando que fosse fixado judicialmente um prazo não superior a doze meses para a sociedade Requerida proceder ao reembolso ao Requerente do montante de € 1.100.000,00 (um milhão e cem mil euros).

Alegou, em síntese, que: 
- é credor sobre a Requerida, a título de suprimentos, pela apontada verba;
- não foi pactuada qualquer condição ao reembolso dos suprimentos a não ser que os mesmos não seriam reembolsados durante os primeiros quatro anos de actividade da sociedade Requerida (isto é, até ao final do ano de 1999);
- no decurso do ano de 2019, o administrador único da Requerida, em conluio com a filha R… C…, encetou uma tomada de controle da sociedade participada “M…” e de afastamento do Requerente, privando-o dos seus legítimos direitos patrimoniais e societários.
- a sociedade Requerida “SGPS” tem condições para proceder ao reembolso imediato dos suprimentos;
- como forma de prevenir qualquer dificuldade burocrática ou para permitir acomodar algum planeamento a médio prazo está disposto a aguardar pelo decurso do prazo de doze meses.

Citada, a …, SGPS, S.A., deduziu oposição, concluindo que:
A.–Deve ser rejeitado o prazo de um ano proposto pelo Requerente para o reembolso do remanescente dos suprimentos por este prestados;

B.–Determinado o reembolso fracionado dos suprimentos em dívida – € 2.200.000,00 – e em condições paritárias a ambos os accionistas da SGPS, S.A. e condicionando-se o mesmo à prévia verificação dos seguintes pressupostos:
i.-Obtenção pela M…, SA, de resultados líquidos positivos no exercício anterior;
ii.-Determinação do valor dos dividendos a distribuir à SGPS, S.A., de acordo com o seguinte cálculo:
O valor dos referidos dividendos, corresponderá ao valor dos resultados líquidos positivos da M…, deduzido do:
a.-valor necessário para cobertura de eventuais resultados negativos transitados e do
b.-valor necessário para fazer face às necessidades de investimento pela M… no ano subsequente, devidamente comprovadas.
iii.-Utilização pela Requerida do valor recebido a título de dividendos para reembolsar os suprimentos devidos aos seus dois accionistas de forma paritária
iv.-Determinação do valor a utilizar pela SGPS, S.A., para reembolsar os seus dois accionistas dos suprimentos em dívida, de acordo com o seguinte cálculo:
O valor dos suprimentos a reembolsar, corresponderá ao valor dos dividendos recebidos pela Requerida da sua participada, deduzido do:
a.-valor necessário para cobertura dos resultados negativos transitados da Requerida,
b.-valor necessário à constituição de reservas pela Requerida e do
c.-valor necessário ao pagamento das despesas correntes da Requerida no ano subsequente
Caso assim não se entenda,

C.–Determinar o reembolso fracionado dos suprimentos actualmente em dívida - € 2.200.000,00 – em condições paritárias a ambos os acionistas da Requerida, fixando-se o prazo para tanto em nunca menos do que 18 anos.

Para tanto alegou, em suma, que:
- Não obstante a liquidez actual confortável da M… – que lhe permite suportar as exigências e elevada competitividade do mercado –, a sociedade precisa de grande parte dos recursos financeiros actualmente disponíveis, não só para assegurar a criação de stocks, como também para não comprometer a sua actividade, os seus objectivos de vendas, os resultados destas provenientes ou a manutenção de postos de trabalho.
- Existe uma impossibilidade objectiva de proceder ao reembolso dos suprimentos nos termos propostos pelo Requerente atenta (i) a indisponibilidade de liquidez da Requerida, e (ii) a inviabilidade da transferência de fundos da M… para a sociedade-mãe por contrariedade com o seu próprio interesse social e por ser suscetível de prejudicar os credores sociais daquela.
Foi admitida a intervenção nos autos, na qualidade de assistente, do accionista R….
Para assessorar o Tribunal em audiência de julgamento foi nomeado o Revisor Oficial de Contas nº …, Sr. Dr. M…, a indicação da Ordem dos Revisores Oficiais de contas de 19FEV2021 – cfr. of. com a ref:º 28529622.

Teve lugar a realização da audiência final e após foi proferida sentença, tendo sido o pedido julgado parcialmente procedente e fixado prazo para pagamento do crédito de que o Requerente é titular sobre a Requerida, nos termos seguintes:
A)–750 000,00 € (setecentos e cinquenta mil euros) até 31 de Dezembro de 2021;
B)–350 000,00€ (trezentos e cinquenta mil euros) nos sete anos subsequentes, à razão prestacional anual de 50 000,00 (cinquenta mil euros) e até ao dia 31 de Dezembro.
*

Inconformados tanto o Requerente como a Requerida interpuseram recurso, tendo aquele apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
a)-A sentença sub judice deve ser alterada de forma a fixar-se que os suprimentos devidos ao Apelante sejam devolvidos de imediato e na totalidade, pois assim determina a boa aplicação do disposto no nº 1 do art. 245º do Código das Sociedades Comerciais aos factos dados como provados e aos que, por via deste recurso, devem também ser dados como provados;

b)-A decisão da matéria de facto não contempla a totalidade dos factos que,  tendo sido alegados e demonstrados através de prova cabal, se revestem de interesse para a boa decisão da causa, devendo o Tribunal ad quem, porque dispõe de todos os elementos para o fazer, proceder à alteração daquele segmento da decisão por forma a nele serem incluídos, no elenco dos factos provados, os seguintes:
1.–Os últimos documentos de prestação de contas relativas à sociedade M…, S.A. respeitam ao exercício de 2019;
2.–A dita sociedade apresenta, a 31 de Dezembro de 2019, activos no valor de 4.800.000 Euros, dos quais 2.475.000 Euros são disponibilidades de caixa e bancos;
3.–A sociedade M…, S.A. tem capitais próprios de 4.475.000 Euros, um capital social nominal de 750.000 Euros integralmente subscrito e realizados e reservas livres no montante de 3.654.000 Euros;
4.–A sociedade M…, S.A. tem um passivo de 227.000 Euros;
5.–A sociedade é proprietária de um armazém;
6.–A sociedade M…, S.A. tem capacidade financeira e contabilística de devolver, de imediato, a totalidade do montante correspondente aos suprimentos dos accionistas na sociedade C…, SGPS, SA, isto é, no montante de 2.200.000 Euros;
7.–Se a sociedade M…, S.A., distribuir 2.200.000 Euros ao accionista único C…, SGPS, SA ficará com capital próprio superior à soma do capital social e reservas;
8.–Os fundos que se encontram em caixa da sociedade M…, SA, não geram proveitos para a sociedade;
9.–O Requerente é actualmente credor da sociedade Requerida C…, SGPS, S.A. pelo montante de 1.100.000 Euros.

c)-Esta factualidade resulta dos seguintes meios de prova (sem que quaisquer outros, muito menos que hajam sido considerados como credíveis, a tenham infirmado):
- depoimento de Dr. B…, (realizado no dia 20 de Janeiro de 2021 e gravado no sistema com o ficheiro 20210121103529_19888509_2871088);
- depoimento do Dr. L…, (realizado no dia 20 de Maio de 2021 e gravado no ficheiro 20210520104324_19888509_2871088);
- documentos de prestação de contas relativos à sociedade M…, S.A. que se encontram juntos aos autos como docs. nºs 12 (relativos ao exercício de 2018), bem como do relatório de gestão e contas da M…, S.A., elaborado em 12 de Junho de 2020, acompanhado do balanço e da demonstração de resultados também elaborados nessa data, documentos esses que foram juntos aos autos em 7-12-2020 e que têm as Refªs 27908953 e 27908954;
- depoimentos de Dr. L…, e de Dr. R…, (realizados no dia 1 de Julho de 2021 e gravados em sistema sob o ficheiro nº 20210701100527_19888509_2871088);

- Parecer do Prof. P…, , junto aos autos;
d)-Daqui se segue que, devendo o Tribunal fixar um prazo que tenha em conta as consequências que o reembolso acarretará para a sociedade, pode-se concluir com razoável segurança que a sociedade M…, S.A. pode distribuir bens à sua accionista única (C…, SGPS, SA), no montante necessário a reembolsar a totalidade dos suprimentos de imediato sem com isso ficar afectada na sua saúde económica, financeira e contabilística;
e)-Do mesmo modo e por isso mesmo, assim a M…, S.A. reembolse à C…, SGPS, SA as correspondentes disponibilidades financeiras, poderá reembolsar ao Apelante a totalidade dos seus suprimentos e de imediato;
f)-Tal como foi referido pela testemunha Dr. L… e corroborado pelo Parecer do Prof. P…, o “excesso de tesouraria [verificado na sociedade M…, S.A.] no valor situado entre os 2,3 e os 2,4 milhões de euros não é necessário ao normal desenvolvimento da atividade da empresa, podendo as correspondentes disponibilidades financeiras ser distribuídas aos accionistas sob a forma de dividendos” (…) “tal excesso de tesouraria resulta claramente do facto de a empresa apresentar capitais próprios excessivos face ao seu volume de negócios e a necessidades do fundo de maneio, por acumulação de resultados não distribuídos aos accionistas sob a forma de dividendos no passado recente, com reflexo na acumulação de disponibilidades financeiras excessivas no seu balanço”;
g)-Mais se deve concluir que da “análise dos rácios de estrutura financeira da M…, SA e sua confrontação com as empresas congéneres e objectivos geralmente definidos por analistas financeiros e de risco resulta que a empresa apresenta capitais próprios claramente excessivos às necessidades de financiamento da sua actividade, que se traduzem em excesso de tesouraria suscetível de distribuição ao acionista” e que “A análise às empresas congéneres no mercado também permite concluir que “é possível exercer actividade no sector em que a M…, SA se insere, mas com dimensão muito superior à da empresa, apresentando rentabilidade positiva, com estruturas financeiras desequilibradas a que correspondem tesourarias negativas, não deixando tais empresas de singrar e procedendo as mesmas ao financiamento das suas tesourarias com recurso a capitais alheios de curto prazo” – cfr. Parecer do Prof. P…;

h)-Em suma, os suprimentos devidos ao Apelante deverão ser restituídos, na sua íntegra e no imediato, para tanto concorrendo as seguintes considerações
1ª)–A sociedade M…, S.A., que é a sociedade que irá libertar disponibilidades financeiras à “sociedade mãe”, tem excesso de tesouraria e ficará com uma posição económica, financeira e contabilística mais que confortável após a distribuição de dividendos necessários ao efeito do cumprimento da obrigação de reembolso dos suprimentos;
2ª)–A dita sociedade já se encontrava nestas condições em Dezembro de 2019, altura em que foi instaurada a presente acção; desde então, a situação financeira e contabilística da sociedade não se deteriorou, antes pelo contrário, viu aumentadas as suas disponibilidades de caixa e bancos;
3ª)–O Apelante, que foi destituído do cargo de administrador (à “má fila” e de uma forma absolutamente dolosa, de má fé e em abuso de direito) está privado de qualquer benefício que a pertença à administração da sociedade M…, SA confere aos seus administradores;
4ª)–O Apelante também não retira qualquer contrapartida patrimonial decorrente da detenção de 50% do capital social da C…, SGPS, SA na medida em que a administração da M…, S.A., que se encontra manietada pelo Assistente R… e sua filha R… C…, não permite operar qualquer distribuição de dividendos ou bens disponíveis à sociedade mãe, para com isso realizar também distribuição de dividendos aos accionistas da Apelada;
5ª)–Dito de outra forma, o Apelante, que tem iguais direitos que o Assistente a todo o acervo patrimonial do grupo de sociedades M.., SA /C…, SGPS, SA, não retira qualquer proveito dessa detenção de capital, enquanto que o outro accionista dispõe de todos os benefícios financeiros e similares que lhe são proporcionados pelo facto de ser administrador da sociedade operacional.

i)-Assim e em obediência à melhor interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do art. 245º do Código das Sociedades Comerciais, deve ser alterada a decisão recorrida e deve ser fixado prazo para reembolso dos suprimentos devidos ao Apelante de modo imediato e na totalidade, sem que se conceda mais qualquer dilação ou moratória, a qual se encontra já consumida pelo andamento dos presentes autos,
j)-A título subsidiário, por mera cautela de patrocínio para a hipótese, que não se concede, de se vir a considerar que deve ser mantido o fraccionamento dos reembolsos, deverá considerar-se que, em qualquer caso, choca ao mais elementar sentimento de justiça que se fixe um prazo de sete anos (!!!) o que representa uma delonga inexplicável e intolerável, pelo que, em atenção às condições financeiras e contabilísticas fragorosamente confortáveis da Apelada e sua participada, seja fixado um prazo substancialmente mais curto;
k)-Consequentemente deverá ser mantido o pagamento inicial de 750.000 Euros até 31 de Dezembro de 2021 e fraccionado o restante em dois anos ou no máximo em três anos.
Terminou peticionando que seja dado provimento ao recurso e fixado o prazo para o reembolso da totalidade dos suprimentos, no valor de 1.100.000 €, até ao  dia 31 de Dezembro de 2021.
Caso assim não se entenda, deve manter-se o reembolso inicial de 750.000€ até 31 de Dezembro de 2021 e fraccionado o restante, que ascende a 350.000€, para reembolso em prazo que deve ser fixado em dois anos ou, pelo menos, não deve ser superior a três anos.
           
A Requerida contra-alegou, CONCLUINDO que:

1.–O presente recurso de apelação vem interposto por F..., da sentença proferida a fls. dos autos em 06 de Setembro de 2021, que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, fixou prazo para pagamento do crédito que o Requerente é titular sobre a Requerida, nos termos seguintes: A)-€750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) até 31 de Dezembro de 2021; B)-€ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) nos sete anos subsequentes; à razão prestacional anual de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e até ao dia 31 de Dezembro, doravante designada por «decisão recorrida».
2.–Decorreu da prova produzida em audiência de julgamento que a M…, SA, para além de ter de efectuar investimentos elevados destinados à angariação de novos fornecedores, à promoção de novas marcas e à recuperação do market share, necessita fazer, a breve trecho, investimentos de elevado montante para se reposicionar no mercado, conforme depoimento prestado por B… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:37:28] a [01:01:39], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Janeiro de 2021), na qual aquele referiu que para assegurar a manutenção e o crescimento da M… esta tem de investir, bem como no depoimento que a testemunha da Recorrente R… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:45:48] a [01:45:53], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) Revisor Oficial de Contas da sociedade L… & Associados, Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, sociedade que desempenha funções de Fiscal Único da M…, SA, prestou na sessão de julgamento realizada em 01.07.2021, bem como, e por fim, no depoimento prestado por R… C…(depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:43:43] a [00:52:20], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), que referiu a respeito da necessidade de utilização de parte dos fundos que actualmente constituem disponibilidades de caixa da M…, SA, para apostar no relançamento da sua atividade após a perda da Bridgestone (cujos produtos, conforme resulta do ponto 40) dos factos provados) assumiam um papel muito importante no cross-selling dos demais produtos comercializados pela M…, SA).
3.–Dos depoimentos prestados por B…, por R… e por R… C…, respectivamente, nas sessões de julgamento realizadas em 21.01.2021 e em 01.07.2021, resulta claro que a M…, SA, carece, a breve trecho, de realizar investimentos de elevado valor para se reposicionar no mercado, caso contrário fica comprometida a sua continuidade, resultando também dos referidos depoimentos, que no investimento em causa, se inclui o aumento das campanhas de marketing para maior promoção dos produtos comercializados pela M…, SA, a abertura de concessionários próprios para venda de produtos da marca Kymco (para o que aquela está a ser pressionada pela própria marca) e a implementação de vendas online diretas a utilizadores finais (vendas B2C – Business to Consumer).
4.–A Recorrida alegou nos artigos 75.º e 76.º da Oposição que «(…) a M… de modo a manter a sua qualidade de líder de mercado de vendas dos produtos de tais marcas, está obrigada a fazer investimentos contínuos e elevados na aquisição de tais produtos com vista à manutenção de stocks.» Resultando do exposto «[…] pois, que, não obstante a liquidez actual confortável da M… – que lhe permite suportar as exigências e elevada competitividade do mercado –, a sociedade precisa de grande parte dos recursos financeiros actualmente disponíveis, não só para assegurar a criação de stocks – que, naturalmente, não é acompanhada de um retorno imediato –, como também para não comprometer a sua actividade, os seus objectivos de vendas, os resultados destas provenientes ou a manutenção de postos de trabalho,» - sublinhados e destaques nossos.
5.– Sobre a forma como é feita a aquisição de mercadoria por parte da M…, atente-se ao depoimento prestado por B…(depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:36:50] a [01:38:18], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Janeiro de 2021), e também ao depoimento de R… C…(depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:30:45] a [00:35:02], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), que não só descrevem a forma de aquisição de mercadoria e posterior venda aos seus clientes e os lapsos temporais que podem mediar entre a respetiva aquisição e venda, como a necessidade que a M…, tem de, a curto prazo, manter disponibilidades financeiras avultadas para cumprimento de acordos de compras realizados com diversos fornecedores como a Kymco e a Tourmax, conforme melhor se demonstrou nas alegações de recurso supra.
6.–No sentido de que existem artigos do stock da M… que são de rotação lenta, veja-se ainda o depoimento prestado pela testemunha L… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:55:02], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) Revisor Oficial de Contas e sócio da sociedade L… & Associados, Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, sociedade que desempenha funções de Fiscal Único da Recorrente desde a sua constituição (cf. Doc. n.º 1 do Requerimento Inicial), depoimentos estes que demonstram que a M… tem necessidade de assegurar a realização periódica de encomendas aos seus fornecedores, sendo certo que tais encomendas nem sempre acompanham as necessidades efectivas de aquisição de stocks, já que pode haver necessidade de, de um ponto de vista comercial, assegurar a realização de compras sem que o stock da compra anterior se tenha esgotado, demonstrando ainda tais depoimentos que, apesar dos valores elevados a que ascendem as encomendas feitas ao longo do ano, a M… não tem como obter o reembolso imediato de tais montantes, porquanto tem de aguardar, primeiramente, pelo recebimento da mercadoria (o que, conforme já resulta do ponto 41) da matéria de facto provada, só acontece cerca de um a dois meses depois)
7.–O depoimento do Senhor Dr. R… deve ser contextualizado em função dos dados e factos que o mesmo dispunha na audiência de discussão e julgamento (apenas dados económicos e financeiros da M… referentes ao exercício de 2019), pois, e de facto, reportando ao momento actual – aquele que o Tribunal a quo determinou para reembolso de parte dos suprimentos por parte da Recorrida – desconhece-se se, e em que medida, a M… apresentará lucros ou prejuízos no exercício de 2020 (fruto da inexistência de certificação legal de contas), como se desconhece se, e em que medida, a distribuição de dividendos (€ 2.200.000,00) por parte da M… à Recorrida implicará que o capital próprio daquela fique inferior à soma do capital social e reservas, atento o disposto no artigo 32.º, do Código das Sociedades Comerciais.
8.–Nestes termos, atentos os fundamentos e concretos meios probatórios expostos, resulta por demais evidente que as conclusões de recurso não podem proceder e, como tal, não pode ser dado como provado que a «A sociedade M…, S.A. tem capacidade financeira e contabilística de devolver, de imediato, a totalidade do montante correspondente aos suprimentos dos accionistas na sociedade C…, SGPS, SA, isto é, no montante de 2.200.000,00 Euros», assim como não pode ser dado como provado que «Se a sociedade M…, S.A. distribuir 2.200.000,00 Euros ao accionista único C…, SGPS, SA ficará com o capital próprio superior à soma do capital social e reservas.».
9.–Resulta dos factos provados 1), 24) e 26) que, respectivamente a Recorrida é uma sociedade que tem como objeto a gestão de participações sociais e que tem como única participada a M…, tendo vindo a utilizar ao longo dos anos a liquidez resultante da distribuição de dividendos desta última para, em primeira linha, fazer face às despesas correntes da sua actividade e constituir reservas livres e, posteriormente, proceder à amortização parcial do crédito de suprimentos, resultando do teor da própria decisão recorrida que:
«Da prova pessoal produzida em audiência de julgamento alcança-se seguinte súmula:
- Em 2018, as Participações Sociais, relevadas nas contas da SGPS, contabilizados pelo MEP eram de € 4 915 446,54 num total de Ativo de € 5 013 382,95. 
- As origens destas aplicações explicavam-se por um Capital Próprio de € 2 809 300,56 e um Passivo de € 2 204 082,39, dos quais € 2 200 000 a título de Financiamentos Obtidos.»

10.–Resulta do Relatório de Gestão, Balanço e Certificação Legal de Contas da Recorrida referentes ao exercício de 2019 (cf. Doc. n.º 3, 1.ª, 2.ª e 3.ª partes, dos requerimentos juntos pelo Recorrente em 07.12.2020, ref. as citius 27908955, 27908956 e 27908957) que, por referência a 31.12.2019:
iv.- as participações sociais da M… estavam contabilizadas em 4.574.189,37€, num total de activo de 4.638.714,15€, sendo certo que
v.-a Recorrida dispunha de um montante de caixa e depósitos bancários (i.e., cerca de 80% do ativo corrente) de apenas 51.681,70€.

11.–Resulta dos elementos acima referidos, bem como da prova testemunhal produzida nos autos (depoimento de B… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:35:27], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Janeiro de 2021), de L…, (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:20:24] a [00:21:14], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) e de R… C…, (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:18:49] a [00:18:56], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) que o montante de disponibilidades de caixa de que a Recorrida dispõe é insuficiente para o reembolso do montante de suprimentos, não só nos termos peticionados pelo Recorrente, como também nos termos definidos na decisão recorrida, concluindo-se que a Recorrente não dispõe, de forma autónoma, de fundos que lhe permitam proceder ao reembolso de suprimentos nos termos fixados pelo Tribunal a quo, e muito menos nos termos preconizados pelo Recorrente, sem uma distribuição prévia de dividendos por parte da M…, SA.
12.–Resulta dos pontos 27) a 30) da matéria de facto provada que o resultado líquido positivo da M…, SA, obtido em cada exercício era repartido entre a constituição de reservas livres na própria sociedade e a distribuição de dividendos à Recorrida para que, posteriormente, esta procedesse ao reembolso dos suprimentos; que os valores alocados a cada uma das empresas tinham em consideração diversos fatores, entre os quais as necessidades de investimento que teriam de ser colmatadas pela M…, SA, no ano seguinte e que o critério adotado – que sempre foi aceite pelo Recorrente – permitiria que a Recorrida mantivesse o seu equilíbrio financeiro, que a M… desenvolvesse a sua actividade sustentada e que os accionistas fossem reembolsados dos montantes por si mutuados e que, Resulta também do ponto 41) da matéria de facto provada que a M…, tem de pagar a pronto a mercadoria que adquire aos seus fornecedores, tendo, a miúde, de efectuar tais pagamentos aquando da realização das encomendas pese embora apenas receba a mercadoria um a dois meses depois.
13.–A matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo coloca em evidência que os critérios que foram sendo adoptados ao longo dos anos visavam manter a estabilidade financeira de ambas as sociedades e, em simultâneo, fazer um reembolso progressivo dos suprimentos (reembolso esse que, conforme resulta do ponto 30) da matéria de facto provada, nunca excedeu num só ano o valor de € 324.219.00).
14.–Na motivação da decisão recorrida o Tribunal a quo refere a existência de uma quebra das vendas da M…, SA, resultando da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e acima transcrita (cf. ponto 1.1.3.) que a estabilidade e viabilidade financeiras da M…, SA, e, bem assim, a reversão do ciclo de quebra progressiva de vendas, dependem actualmente da realização de investimentos de reposicionamento da empresa no mercado e no sector em que actua.
15.–Em particular, decorre dos depoimentos transcritos supra (R… C… faz referência a investimentos no montante global estimado entre € 1.650.000,00 e € 1.760.000,00), que se afigura premente que a M…, SA, invista na renovação e reposicionamento da M…, SA, para que consiga manter ou aumentar a sua quota de mercado.
16.–Por outro lado a M…, SA, necessita de fazer investimento em publicidade na ordem dos € 600.000,00 a € 700.000,00, uma vez que a mesma detém a representação de marcas de comercialização de acessórios que necessitam de ser promovidas de modo a gerarem vendas.
17.–O modelo de gestão e de financiamento em que assenta a M…, SA, implica que, no futuro, quaisquer investimentos que venham a ser feitos o devam ser, na senda do que tem vindo a acontecer ao longo da história da sociedade, com recurso a fundos próprios, conforme referiu a testemunha R… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:44:00] a [01:46:27] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) em audiência de discussão e julgamento, não sendo viável o recurso a financiamento bancário, conforme também foi referido em audiência de discussão e julgamento por parte da testemunha L… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:06:48] a [01:07:00] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), virtude do facto de a M…, SA não ter outros activos relevantes.
18.–Resulta igualmente da análise comparativa feita pela testemunha L.. , Revisor Oficial de Contas arrolado pelo Recorrente, e junta aos autos na audiência de julgamento realizada em 20.05.2021 [ref.ª citius 406366725] que a circunstância de a M…, SA, apresentar valores de caixa e depósitos bancários mais significativos do que as empresas LUSOMOTO, MULTIMOTO, C... M... C... A... e Soc. Comercial do V____ é explicada pela sua total ausência de financiamentos bancários.
19.– Atento o modelo de gestão e de financiamento que tem vindo a adoptar, a M…, SA, necessita de parte substancial das suas disponibilidades de caixa para se reposicionar no mercado, não podendo fazê-lo se for forçada a distribuir dividendos à Recorrente no valor necessário ao reembolso integral dos suprimentos se tiver de proceder, até 31.12.2021, à distribuição de dividendos à Recorrente no valor de € 1.500.000,00, montante necessário a que esta possa dar cabal cumprimento à decisão recorrida, bem como, e muito menos, se tiver de efectuar esse reembolso de imediato (!), conforme preconiza o Recorrente nas suas alegações e conclusões recursórias.
20.–Por outro lado, conforme acima se referiu a respeito do aditamento da matéria de facto provada (cf. ponto 1.1.4.) e tal como decorre do ponto 41) da matéria de facto provada, a M…, SA, tem de pagar a pronto a mercadoria que adquire aos fornecedores, tendo, a miúde, de efetuar tal pagamento com a encomenda embora só receba a mercadoria um a dois meses depois, o que desde logo resultou do depoimento prestado em audiência de julgamento por R… C… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:30:45] a [00:33:32] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), no que respeita ao lapso temporal que pode decorrer entre a data do pagamento da mercadoria pela M…, SA, e a data em que esta recebe o preço dos produtos que vende aos seus clientes (revendedores), salientando-se que entre o período que pode mediar entre a data de pagamento da mercadoria e a data de receção dos pagamentos pelos consumidores finais, a M…, SA, pode ter de fazer mais encomendas para assegurar a representação das marcas que comercializa, conforme resultou claro dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento por BCP... (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:38:19] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Janeiro de 2021) e R… C… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:30:45] a [00:33:32] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), melhor referidos nas alegações de recurso, supra.
21.–A necessidade de manutenção de valores elevados de liquidez na esfera da M… não se compagina, evidentemente, com a distribuição de dividendos à Recorrente, de forma a dotar a mesma dos meios necessários a reembolsar os suprimentos nos termos propostos pelo Recorrido, assim como não se compagina com a conclusão em como os fundos que se encontram em caixa da sociedade M… não geram proveitos para a sociedade.
22.–Assim, atentos os fundamentos e concretos meios probatórios expostos, resulta por demais evidente que as conclusões de recurso não podem proceder e, como tal, não pode ser dado como provado que «Os fundos que se encontram em caixa da sociedade M…, S.A. não geram proveitos para a sociedade».
23.–O objecto dos presentes autos respeita, apenas é tão-só, à fixação judicial de prazo, sendo a causa de pedir a falta de acordo entre credor e devedor quanto ao momento em que se vence a obrigação, estando excluídos do mesmo a apreciação e decisão outras questões de carácter contencioso, como a existência da obrigação, bem como as de eventual direito de propriedade sobre coisas.
24.–Não está, pois, em questão a existência do crédito de suprimentos do Recorrido, nem em questão ou discussão a titularidade do direito de propriedade de uma coisa, razão pela qual os factos que o Recorrente agora pretende fazer constar da matéria de facto provada («A sociedade é proprietária de um armazém» e «O Requerente é actualmente credor da sociedade Requerida C…, SGPS, S.A. pelo montante de 1.100.000,00 Euros») são absolutamente irrelevantes para a decisão da causa, pelo que não devem ser aditados à matéria de facto provada.
25.–A Recorrida entende que o prazo fixado pelo Tribunal a quo não toma em devida conta os interesses da M… e, por maioria de razão, a Recorrida entende que o prazo que o Recorrente pretende seja fixado pelo Tribunal ad quem também não toma, evidentemente, em devida conta os interesses da M…, circunstância que tem, naturalmente, implicações directas na subsistência da Recorrida, porquanto é da actividade da M…, que aquela depende, circunstância que tem, naturalmente, implicações diretas na subsistência da Recorrida, porquanto é da actividade da M…, SA, que aquela depende, pois nem a Recorrida, nem a M…, SA, se encontram em condições de proceder ao reembolso de cerca de 68% do montante integral de suprimentos até 31.12.2021, ou, conforme preconizado pelo Recorrente, de imediato (!) no caso da Recorrida, desde logo, porque não dispõe de liquidez para, por si, reembolsar tão avultado montante e, no caso da M…, SA, porque, além das suas próprias necessidades de investimento, terá de celebrar um novo acordo de compras com a Kymco cujo custo rondará € 1.000.000,00, acordo esse que, caso a M… proceda à distribuição de dividendos à Recorrida no valor preconizado pelo Tribunal a quo (i.e. € 1.500.000,00, respeitando o princípio da igualdade entre os accionistas) até 31.12.2021, ou no valor preconizado pelo Recorrente (i.e € 2.200.000,00 no imediato (!), respeitando uma vez mais o princípio da igualdade entre accionistas) ficará inviabilizado (comprometendo a continuidade da representação exclusiva da marca que a M…, SA, actualmente detém).
26.–Nestes termos, improcede as conclusões d), h) e i) do Recorrente, quando o mesmo refere poder concluir-se «[…] com razoável segurança que a sociedade M…, S.A. pode distribuir bens à sua acionista única (C…, SGPS, SA), no montante necessário a reembolsar a totalidade dos suprimentos de imediato sem com isso ficar afectada na sua saúde económica, financeira e contabilística;»; «Em suma, os suprimentos devidos ao Apelante deverão ser restituídos, na sua íntegra e no imediato, […]»; e «[…] deve ser alterada a decisão recorrida e deve ser fixado prazo para reembolso dos suprimentos devidos ao Apelante de modo imediato e na totalidade, sem que se conceda mais qualquer dilação ou moratória, a qual se encontra já consumida pelo andamento dos presentes autos,».
27.–Nem a Recorrida, nem a M…, SA, se encontram em condições de proceder ao reembolso de cerca de 68% do montante integral de suprimentos até 31.12.2021, ou, como preconiza o Recorrente, de imediato (!).
28.–Não há uma possibilidade, conforme resulta da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e contrariamente ao decidido pela decisão recorrida, de a M…, SA, até final do presente ano, efectuar uma distribuição de dividendos no montante de € 1.500.000,00 (equivalente a cerca de 60% das disponibilidades de caixa da M…, SA, por referência a 31.12.2019, cf. Doc. n.º 2, 2.ª parte dos requerimentos de 07.12.2020), nem, por um argumento de maioria de razão, efectuar uma distribuição de dividendos no montante de € 2.200.000,00 de imediato (!), tal como preconizado pelo Recorrente, para posterior reembolso aos accionistas da Recorrida, mantendo reservas no montante de € 700.000,00 para «eventuais necessidades relativas a variação de inventários ou de saldos de Clientes». (cf. pág. 30/31 da sentença).
29.–Os investimentos necessários ao reposicionamento da M…, SA, no mercado e a que alude a testemunha R… C… não excedem as suas disponibilidades de caixa, pese embora constituam parte substancial das mesmas, pelo que não se pode aceitar a conclusão do Tribunal a quo quando refere, além do mais, que «para (re)posicionar a marca noutro patamar perante a concorrência seriam necessários fundos actualmente inexistentes na sociedade».
30.–O prazo de reembolso de suprimentos fixado pelo Tribunal a quo, e o prazo de reembolso de suprimentos que o Recorrente pretender ver declarado pelo Tribunal ad quem, não condiciona o reembolso do valor remanescente de € 700.000,00 (no pressuposto de que o reembolso de suprimentos é feito, em partes iguais, a ambos os acionistas, em observância do princípio da igualdade  a que a decisão recorrida faz menção expressa) nos sete anos subsequentes a 2021 à obtenção de resultados líquidos positivos pela M…, SA, o que, uma vez mais, é susceptível de colocar em causa a continuidade da sociedade, pois, quer a decisão do Tribunal a quo, quer a pretensão do Recorrente, assentam, no essencial, na distribuição imediata de parte significativa ou da totalidade do montante de caixa e depósitos bancários e na manutenção de um valor (insuficiente) para assegurar variações de inventário ou de contas de clientes, mas, apesar de ciente que a Recorrida só conseguirá proceder ao reembolso dos suprimentos com o valor que vier a receber da M…, não condicionam o reembolso do montante remanescente aos resultados da M…, dos anos seguintes.
31.–Considerando que, como se demonstrou, a Recorrente não aufere qualquer rendimento para além dos dividendos que recebe da sua única participada (a M…), estando, por isso, dependente do recebimento de tais dividendos para poder proceder ao reembolso dos suprimentos, não pode o recurso deixar de ser julgado improcedente, devendo a decisão a proferir pelo Tribunal ad quem fixar o prazo de reembolso dos suprimentos tendo tal facto em consideração, devendo, para esse efeito, ser tidos em consideração os critérios que sempre foram seguidos pela Recorrida (nunca questionados pelo Recorrente e que resultam, de resto, dos pontos 27) e 28) da matéria de facto provada), entre os quais se destacam:
iii.-A necessidade de a M… obter, no exercício que antecede o reembolso dos suprimentos, resultados positivos; e
iv.- A necessidade de investimentos da M…  

32.–Nos termos do disposto no artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, a fixação de prazo, por parte do tribunal, para reembolso dos suprimentos deverá ter em conta as consequências que esse aludido reembolso acarretará para a sociedade, podendo, ainda, o tribunal determinar que o mesmo seja efectuado ou fraccionado em certo número de prestações, devendo a fixação judicial de prazo deverá obedecer a um conjunto de circunstâncias que carecem de densificação: «[…] ao fixar o prazo juiz não pode abstrair da configuração concreta que o suprimento assume enquanto prestação substitutiva de capital (…) Ou seja, o tribunal não pode deixar de ter em conta o critério material de identificação dos suprimentos, concedendo um prazo mais alongado nas hipóteses em que (face ao balanço da sociedade) é notório que os suprimentos se encontram a substituir capital, e uma prazo menos alongado quando essa função não seja tão notória (…) juiz não pode deixar de ter em conta uma visão global sobre a estabilidade da sociedade, incluindo a posição dos seus credores (…) juiz deve ao analisar a estabilidade da sociedade, informar-se sobre os prazos de vencimento das respectivas dívidas, para formar um juízo sobre as necessidades de capital da sociedade, e até, sobre a eventualidade de com o pedido de reembolso o sócio pretender antecipar-se ao vencimento de uma dívida da sociedade face a um terceiro».
33.–Nos termos do artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o juiz deve atender, para fixação judicial de prazo, e entre as «consequências que o reembolso acarretará para a sociedade», à concreta configuração que o suprimento assume enquanto prestação substitutiva de capital.
34.–O denominado critério material de identificação dos suprimentos, estipula que o juiz deverá conceder um prazo mais alongado nas hipóteses em que (face ao balanço da sociedade) é notório que os suprimentos se encontram a substituir capital, e um prazo menos alongado quando essa função não seja tão notória, sendo que in casu, por um lado, conforme desde logo resulta dos autos e dos documentos juntos em sede de oposição, visando a constituição da Recorrida o propósito de passar para a sua esfera patrimonial a totalidade das acções representativas do capital social da M… e por outro lado, conforme desde logo resulta dos autos e da documentação junta aos mesmos, a Recorrida não tem qualquer actividade comercial, razão pela qual a sua operacionalidade depende da distribuição de dividendos a efectuar por parte da M….
35.–Conforme resulta da documentação junta aos autos e conforme resultou óbvio da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, é por demais evidente que a Recorrida não tem qualquer capacidade em, por si só, reembolsar o valor de suprimentos nos termos e nos prazos estipulados pela decisão recorrida e nos termos preconizados pelo Recorrente, sendo também por demais evidente que as alegações e conclusões de recurso se afastaram, sem razão ou argumento jurídico válido, dos termos e prazos de reembolso que, até este momento, vinham a ser praticados e que melhor constam do ponto 30 da matéria de facto dada como provada.
36.–O reembolso de suprimentos efectuado ao longo dos anos, conforme desde logo resulta dos pontos 28 e 29 da matéria de facto provada, assentava na utilização de um critério, aceite pelo Recorrente, que permitia, em simultâneo: i)-à Recorrida manter o seu equilíbrio financeiro; ii)-à sociedade-filha da Recorrente (M…, SA) desenvolver a sua actividade de forma sustentada; e iii)-aos accionistas da Recorrida serem reembolsados dos valores mutuados à mesma a título de suprimentos.
37.–A natureza destes suprimentos era, como é de capital quase próprio, pois os mesmos foram prestados à Recorrida com o propósito de lhe conferir os meios financeiros necessários para que esta pudesse, no exercício do respectivo objecto social, adquirir a totalidade das acções representativas do capital social da M…, SA, e sem que daí houvesse quaisquer outras contrapartidas que não o benefício fiscal que presidiu à constituição da Recorrida, pelo que as conclusões de recurso afastam-se deliberadamente do já aludido critério, o que é o mesmo que afirmar que o Recorrente não teve, em concreto, em linha de conta o critério material de identificação dos suprimentos, esquecendo o escopo e objectivo que presidiram à prestação de suprimentos por parte dos accionistas à ora Recorrida: dotá-la de liquidez suficiente para aquisição da totalidade das acções representativas do capital social da sociedade-filha M…, SA, devendo os mesmos serem reembolsados segundo os critérios melhor descritos nos pontos 28 e 29 da matéria de facto dada como provada.
38.–Nos termos do artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o juiz deve atender, para fixação judicial de prazo, e entre as «consequências que o reembolso acarretará para a sociedade», a uma visão global sobre a estabilidade da sociedade.
39.–Conforme se encontra demonstrado nos autos, o montante de suprimentos por reembolsar sempre foi, ao longo dos anos, significativamente superior ao montante apresentado nas rúbricas de «caixa de depósitos bancários» constantes dos balanços da Recorrida, sendo por demais evidente que, ao preconizar, logo à partida, o reembolso imediato (!) de € 2.200.000,00 não teve manifestamente em consideração a consequência que o reembolso do aludido montante irá acarretar na actividade da Recorrida.
40.– Nos termos do artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o juiz, em ordem a fixar judicialmente um prazo para o reembolso de suprimentos, deve sempre ter em consideração a visão global sobre a estabilidade da sociedade, incluindo a posição dos seus credores e das sociedades que consigo estão em relação de grupo, a qual se alcança, também, pela concreta posição jurídico-económica em que as sociedades que consigo estão em relação de grupo se encontram.
41.–O que é mais relevante para a decisão dos presentes autos é o facto de a M… ter capacidade económico-financeira para deliberar a distribuição de dividendos à sua accionista, dividendos esses que, por sua vez, poderão ser utilizados pela Recorrida para reembolsar os seus dois accionistas dos suprimentos prestados, sendo, portanto, também o enquadramento contabilístico e financeiro da M… que define e enquadra a possibilidade, em concreto, da Recorrida proceder ao reembolso de suprimentos aos seus dois accionistas, sendo certo que este enquadramento demonstra que a M…, para além das suas próprias necessidades de investimento, terá de celebrar um novo acordo de compras com a Kymco cujo custo rondará € 1.000.000,00, acordo esse que, caso a M… proceda à distribuição de dividendos à Recorrida no valor preconizado pelo Recorrente (i.e. € 2.200.000,00, respeitando o princípio da igualdade entre os acionistas) de imediato (!), ficará inviabilizado (comprometendo a continuidade da representação exclusiva da marca que a M… actualmente detém).
42.–O valor de inventários da sociedade-filha M… é composto por mercadorias e produtos não vendáveis, muito menos no curto prazo, devendo o mesmo ter uma imparidade de, aproximadamente, € 500.000,00 e € 600.000,00.
43.–Mesmo considerando ou antevendo a possibilidade de a M… proceder à venda de inventário mais recente, tal facto implicaria, como implicará, paralisar a sua actividade por falta de matéria-prima, razão pela qual, o reembolso estipulado pela decisão recorrida acarretará, inevitavelmente, a descapitalização da M…, implicando ainda, no longo prazo, a absoluta impossibilidade de a M…, obter receitas, proceder à distribuição de dividendos à Recorrida e esta, por sua vez, proceder ao reembolso dos suprimentos aos seus accionistas.
44.–O prazo e forma de reembolso deve respeitar, face à inexistência de elementos adicionais nos autos, os termos em que a Recorrente admitiu, em sede de oposição, corresponderem à sua capacidade de cumprimento, devendo ser determinado pelo Tribunal ad quem o reembolso fraccionado dos suprimentos actualmente em dívida, em condições paritárias, e condicionando-se o aludido reembolso à prévia verificação dos seguintes pressupostos:
Obtenção pela sociedade-filha M… de resultados líquidos positivos no exercício anterior;
Determinação do valor dos dividendos a distribuir à Requerida, de acordo com o seguinte cálculo:
o Valor dos resultados líquidos positivos da sociedades-filha M… deduzido do valor necessário para cobertura de eventuais resultados negativos transitados;
o Valor dos resultados líquidos positivos da sociedades-filha M… deduzido do valor necessário a fazer face às necessidades de investimento pela sociedade-filha M… no ano subsequente, devidamente comprovadas;
Utilização, pela Recorrente, do valor recebido a título de dividendos para reembolso de suprimentos de forma paritária;
Determinação do valor a utilizar pela Recorrente para reembolsar os dois accionistas, de acordo com o seguinte cálculo:
o O valor dos suprimentos corresponderá ao valor dos dividendos recebidos pela Recorrente deduzido do valor necessário para cobertura dos resultados negativos transitados da Recorrente;
o O valor dos suprimentos corresponderá ao valor dos dividendos recebidos pela Recorrente deduzido do valor necessário à constituição de reservas pela Recorrente;
o O valor dos suprimentos corresponderá ao valor dos dividendos recebidos pela Recorrente deduzido do valor necessário à operacionalização e pagamento das despesas correntes da Recorrente;
Determinar, caso assim não seja entendido, o reembolso fraccionado dos suprimentos actualmente em dívida, em condições paritárias, fixando-se um prazo nunca inferior a 18 anos.
Terminou peticionando que o recurso interposto pelo Requerente seja julgado improcedente.
*

Por sua vez, no recurso que interpôs a Requerida formulou as seguintes CONCLUSÕES:
1.–O presente recurso de apelação vem interposto da sentença proferida a fls. dos autos, na parte que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, fixou prazo para pagamento do crédito que o Requerente é titular sobre a Requerida, nos termos seguintes: A)-€ 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) até 31 de Dezembro de 2021; B)-€ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) nos sete anos subsequentes; à razão prestacional anual de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e até ao dia 31 de Dezembro, doravante designada por «decisão recorrida»;
2.–A decisão recorrida, tendo-se limitado a referir, no que respeita à indicação e especificação dos factos considerados não provados e no que respeita à fundamentação dos factos que considera não provados, apenas que
«Com interesse para a decisão da causa dão-se como não provados os factos alegados em oposição aos dados como provados, bem como os que não foi feita prova bastante para criar no tribunal tal convicção, nomeadamente:
i.- R… deu instruções ao revisor oficial de contas para que este deixasse e juntar as “Considerações sobre as Demonstrações Financeiras” ao seu relatório de fiscalização e certificação legal de contas relativas a 2018, nas quais sempre estiveram discriminadas as “Participações Financeiras” e os “Financiamentos obtidos”, respeitantes a suprimentos efetuados pelos acionistas à sociedade.
ii.- A omissão das ditas “Considerações” enquadra-se numa tentativa do administrador único de vedar o reembolso dos mesmos ao aqui Requerente.
iii.- Existe uma impossibilidade objectiva (indisponibilidade de liquidez da Requerida) de proceder ao reembolso dos suprimentos nos termos propostos pelo Requerente.»  é nula, nos termos previstos nos artigos 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil, podendo esta nulidade ser arguida no âmbito do presente recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 4, do Código de Processo Civil;
3.–Para os efeitos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, a Recorrente vem não só impugnar o teor literal do facto iii. da matéria de facto dado como não provada, como requerer ao Tribunal da Relação de Lisboa, que sejam aditados novos factos dados como provados, que atestam a impossibilidade objectiva da Recorrente de proceder ao reembolso dos suprimentos nos termos estipulados pela decisão recorrida.
4.–O ponto iii). da matéria dada como não provada deve passar a constar da matéria de facto provada, dispondo, a sua redacção, o seguinte:
«Existe uma impossibilidade objetiva (indisponibilidade de liquidez da Requerida) de proceder ao reembolso dos suprimentos nos termos propostos pelo Requerente

5.–À matéria de facto dada como provada devem ser aditados os seguintes pontos:
«42)- No âmbito da comercialização de acessórios, a M…, tem vindo, ao longo dos anos, a desenvolver relações comerciais com diversos fornecedores, comercializando acessórios de várias marcas.»;
«43)- A M… necessita, a curto prazo, de realizar investimentos de valor elevado para reposicionar a sua atividade.»;
«44)- Existem artigos do stock da M… que são de rotação lenta.»
«45)- A M… precisa de grande parte dos recursos financeiros de que atualmente dispõe para assegurar a criação de stocks, que não é acompanhada de um retorno imediato.»
«46)- A C…, SGPS, SA, não poderá proceder ao reembolso dos suprimentos sem que haja uma distribuição prévia de dividendos por parte da M… de igual valor.»
«48)- Ao longo de 2020, a M…, para fazer face às vicissitudes decorrentes da pandemia de Covid-19, candidatou-se a vários dos apoios que foram disponibilizados às pequenas e médias empresas, apoios esses que lhe foram concedidos
«49)- Com a obtenção dos apoios para fazer face às vicissitudes decorrentes da pandemia de Covid-19, a M…, ficou obrigada a não distribuir lucros e dividendos, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamentos por conta.».

6.–A modificação da matéria de facto dada como provada decorre da necessidade de uma nova valoração da prova documental e testemunhal produzida, além de que, sendo o presente processo de fixação judicial de prazo um processo de jurisdição voluntária, o Tribunal a quo não estava, como não está, limitado à alegação das partes no que respeita à matéria de facto, entendendo a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter considerado provados factos que, ainda que não expressamente alegados pelas partes, resultam provados da prova produzida nos autos, seja documental, seja testemunhal.
7.–A Recorrente alega no artigo 63.º da Oposição, além do mais, que «[n]o âmbito da comercialização de acessórios, a M…, tem vindo, ao longo dos anos, a desenvolver relações comerciais com diversos fornecedores (…).»
8.–Resulta do teor do Relatório do Conselho de Administração da M… relativo ao exercício de 2019, junto como Doc. n.º 2, 1.ª parte, do requerimento de 07.12.2020 apresentado pela Recorrente [ref.ª citius 27908953], bem como dos depoimentos de B…, (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:40:25] , da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Janeiro de 2021), administrador judicial da Recorrente até 05.05.2021 (cf. certidão permanente com o código 8861-0521-7048, junta como Doc. n.º 1 do Requerimento Inicial), cujo depoimento foi oficiosamente determinado pelo Tribunal, e de R… C… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:34:55] às [00:35:02], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), testemunha arrolada pela Recorrente, além do mais, que a maior percentagem de vendas da M… se deve à comercialização de acessórios aplicados em veículos de várias marcas presentes no mercado, contrariando, assim a conclusão retirada pela decisão recorrida em como a M… tem apenas a representação da marca Kymco, conforme melhor se demonstrou nas alegações de recurso supra.

9.–Deverá passar a constar do elenco dos factos dados como provados o facto seguinte:
«42)- No âmbito da comercialização de acessórios, a M… tem vindo, ao longo dos anos, a desenvolver relações comerciais com diversos fornecedores, comercializando acessórios de várias marcas.»

10.–Decorreu da prova produzida em audiência de julgamento que a M…, para além de ter de efectuar investimentos elevados destinados à angariação de novos fornecedores, à promoção de novas marcas e à recuperação do market share, necessita fazer, a breve trecho, investimentos de elevado montante para se reposicionar no mercado, conforme depoimento prestado por B… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:37:28] a [01:01:39], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Janeiro de 2021), na qual aquele referiu que para assegurar a manutenção e o crescimento da M… esta tem de investir, bem como no depoimento que a testemunha da Recorrente R… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:45:48] a [01:45:53], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) Revisor Oficial de Contas da sociedade L… & Associados, Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, sociedade que desempenha funções de Fiscal Único da M…, prestou na sessão de julgamento realizada em 01.07.2021, bem como, e por fim, no depoimento prestado por R… C… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:43:43] a [00:52:20], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), que referiu a respeito da necessidade de utilização de parte dos fundos que actualmente constituem disponibilidades de caixa da M… para apostar no relançamento da sua atividade após a perda da Bridgestone (cujos produtos, conforme resulta do ponto 40) dos factos provados) assumiam um papel muito importante no cross-selling dos demais produtos comercializados pela M…).
11.–Dos depoimentos prestados por B…, por R… e por R… C…, respectivamente, nas sessões de julgamento realizadas em 21.01.2021 e em 01.07.2021, resulta claro que a M… carece, a breve trecho, de realizar investimentos de elevado valor para se reposicionar no mercado, caso contrário fica comprometida a sua continuidade, resultando também dos referidos depoimentos, que no investimento em causa, se inclui o aumento das campanhas de marketing para maior promoção dos produtos comercializados pela M…, a abertura de concessionários próprios para venda de produtos da marca Kymco (para o que aquela está a ser pressionada pela própria marca) e a implementação de vendas online diretas a utilizadores finais (vendas B2C – Business to Consumer).
12.–Deverá passar a constar do elenco dos factos dados como provados o facto seguinte:
«43)- A M… necessita, a curto prazo, de realizar investimentos de valor elevado para reposicionar a sua atividade.»
13.–A Recorrente alegou nos artigos 75.º e 76.º da Oposição que «(…) a M…, de modo a manter a sua qualidade de líder de mercado de vendas dos produtos de tais marcas, está obrigada a fazer investimentos contínuos e elevados na aquisição de tais produtos com vista à manutenção de stocks.» Resultando do exposto «[…] pois, que, não obstante a liquidez actual confortável da M… – que lhe permite suportar as exigências e elevada competitividade do mercado –, a sociedade precisa de grande parte dos recursos financeiros actualmente disponíveis, não só para assegurar a criação de stocks – que, naturalmente, não é acompanhada de um retorno imediato –, como também para não comprometer a sua actividade, os seus objectivos de vendas, os resultados destas provenientes ou a manutenção de postos de trabalho,» - sublinhados e destaques nossos.
14.–Sobre a forma como é feita a aquisição de mercadoria por parte da M…, atente-se ao depoimento prestado por B… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:36:50] a [01:38:18], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Janeiro de 2021), e também ao depoimento de R… C… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:30:45] a [00:35:02], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), que não só descrevem a forma de aquisição de mercadoria e posterior venda aos seus clientes e os lapsos temporais que podem mediar entre a respetiva aquisição e venda, como a necessidade que a M… tem de, a curto prazo, manter disponibilidades financeiras avultadas para cumprimento de acordos de compras realizados com diversos fornecedores como a Kymco e a Tourmax, conforme melhor se demonstrou nas alegações de recurso supra.
15.–No sentido de que existem artigos do stock da M… que são de rotação lenta, veja-se ainda o depoimento prestado pela testemunha L…(depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:55:02], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) Revisor Oficial de Contas e sócio da sociedade L… & Associados, Sociedade de Revisores Oficiais de Contas, sociedade que desempenha funções de Fiscal Único da Recorrente desde a sua constituição (cf. Doc. n.º 1 do Requerimento Inicial), depoimentos estes que demonstram que a M… tem necessidade de assegurar a realização periódica de encomendas aos seus fornecedores, sendo certo que tais encomendas nem sempre acompanham as necessidades efetivas de aquisição de stocks, já que pode haver necessidade de, de um ponto de vista comercial, assegurar a realização de compras sem que o stock da compra anterior se tenha esgotado, demonstrando ainda tais depoimentos que, apesar dos valores elevados a que ascendem as encomendas feitas ao longo do ano, a M… não tem como obter o reembolso imediato de tais montantes, porquanto tem de aguardar, primeiramente, pelo recebimento da mercadoria (o que, conforme já resulta do ponto 41) da matéria de facto provada, só acontece cerca de um a dois meses depois).
16.–Deverá passar a constar do elenco dos factos dados como provados o facto seguinte
«44)- Existem artigos do stock da M… que são de rotação lenta.»
45)- A M… precisa de grande parte dos recursos financeiros de que atualmente dispõe para assegurar a criação de stocks, que não é acompanhada de um retorno imediato.»
17.–A Recorrente pretende ainda que o Tribunal ad quem modifique a decisão proferida quanto ao ponto iii. da matéria de facto não provada (cf. pág. 14/31 da decisão recorrida), uma vez que resulta da prova produzida nos autos que a Recorrente não dispõe, de facto, de liquidez imediata para proceder ao reembolso dos suprimentos aos seus acionistas nos termos peticionados pelo Recorrido, estando dependente da distribuição de dividendos pela M…
18.–Resulta dos factos provados 1), 24) e 26) que, respectivamente a Recorrente é uma sociedade que tem como objeto a gestão de participações sociais e que tem como única participada a M…, tendo vindo a utilizar ao longo dos anos a liquidez resultante da distribuição de dividendos desta última para, em primeira linha, fazer face às despesas correntes da sua atividade e constituir reservas livres e, posteriormente, proceder à amortização parcial do crédito de suprimentos, resultando do teor da própria decisão recorrida que:
«Da prova pessoal produzida em audiência de julgamento alcança-se seguinte súmula:
- Em 2018, as Participações Sociais, relevadas nas contas da SGPS, contabilizados pelo MEP eram de € 4 915 446,54 num total de Ativo de € 5 013 382,95. –
- As origens destas aplicações explicavam-se por um Capital Próprio de € 2 809 300,56 e um Passivo de € 2 204 082,39, dos quais € 2 200 000 a título de Financiamentos Obtidos.»
19.–Resulta do Relatório de Gestão, Balanço e Certificação Legal de Contas da Recorrente referentes ao exercício de 2019 (cf. Doc. n.º 3, 1.ª, 2.ª e 3.ª partes, dos requerimentos juntos pelo Recorrido em 07.12.2020, ref.as citius 27908955, 27908956 e 27908957) que, por referência a 31.12.2019:
iv.-as participações sociais da M… estavam contabilizadas em 4.574.189,37€, num total de ativo de 4.638.714,15€, sendo certo que
v.-a Recorrida dispunha de um montante de caixa e depósitos bancários (i.e., cerca de 80% do ativo corrente) de apenas 51.681,70€.
20.–Resulta dos elementos acima referidos, bem como da prova testemunhal produzida nos autos (depoimento de B… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:35:27], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Janeiro de 2021), de L.. (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:20:24] a [00:21:14], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) e de R… C… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:18:49] a [00:18:56], da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) que o montante de disponibilidades de caixa de que a Recorrente dispõe é insuficiente para o reembolso do montante de suprimentos, não só nos termos peticionados pelo Recorrido, como também nos termos definidos na decisão recorrida, concluindo-se que a Recorrente não dispõe, de forma autónoma, de fundos que lhe permitam proceder ao reembolso de suprimentos nos termos fixados pelo Tribunal a quo, sem uma distribuição prévia de dividendos por parte da M…, conforme melhor referido nas alegações de recurso supra.
21.–Neste sentido, deverá passar a constar do elenco dos factos dados como provados o facto seguinte
«46)- A C…, SGPS, SA não poderá proceder ao reembolso dos suprimentos sem que haja uma distribuição prévia de dividendos por parte da M… de igual valor.»
22.–Resulta dos pontos 27) a 30) da matéria de facto provada que o resultado líquido positivo da M… obtido em cada exercício era repartido entre a constituição de reservas livres na própria sociedade e a distribuição de dividendos à Recorrente para que, posteriormente, esta procedesse ao reembolso dos suprimentos; que os valores alocados a cada uma das empresas tinham em consideração diversos fatores, entre os quais as necessidades de investimento que teriam de ser colmatadas pela M… no ano seguinte e que o critério adotado – que sempre foi aceite pelo Recorrido – permitiria que a Recorrente mantivesse o seu equilíbrio financeiro, que a M… desenvolvesse a sua atividade sustentada e que os acionistas fossem reembolsados dos montantes por si mutuados e que, Resulta também do ponto 41) da matéria de facto provada que a M… tem de pagar a pronto a mercadoria que adquire aos seus fornecedores, tendo, a miúde, de efetuar tais pagamentos aquando da realização das encomendas pese embora apenas receba a mercadoria um a dois meses depois.
23.–A matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo coloca em evidência que os critérios que foram sendo adotados ao longo dos anos visavam manter a estabilidade financeira de ambas as sociedades e, em simultâneo, fazer um reembolso progressivo dos suprimentos (reembolso esse que, conforme resulta do ponto 30) da matéria de facto provada, nunca excedeu num só ano o valor de € 324.219.00).
24.–Na motivação da decisão recorrida o Tribunal a quo refere a existência de uma quebra das vendas da M…, resultando da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento e acima transcrita (cf. ponto 1.1.3.) que a estabilidade e viabilidade financeiras da M… e, bem assim, a reversão do ciclo de quebra progressiva de vendas, dependem atualmente da realização de investimentos de reposicionamento da empresa no mercado e no sector em que actua.
25.–Em particular, decorre dos depoimentos transcritos no ponto 1.1.3. supra (R… C… faz referência a investimentos no montante global estimado entre € 1.650.000,00 e € 1.760.000,00), que se afigura premente que a M… invista na renovação e reposicionamento da M… para que consiga manter ou aumentar a sua quota de mercado.
26.–Por outro lado, conforme decorre do alegado acima a respeito do aditamento do acervo de factos provados (cf. pontos 1.1.2. e 1.1.3.), a M… necessita de fazer investimento em publicidade na ordem dos € 600.000,00 a € 700.000,00, uma vez que a mesma detém a representação de marcas de comercialização de acessórios que necessitam de ser promovidas de modo a gerarem vendas.
27.–O modelo de gestão e de financiamento em que assenta a M… implica que, no futuro, quaisquer investimentos que venham a ser feitos o devam ser, na senda do que tem vindo a acontecer ao longo da história da sociedade, com recurso a fundos próprios, conforme referiu a testemunha R… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:44:00] a [01:46:27] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) em audiência de discussão e julgamento, não sendo viável o recurso a financiamento bancário, conforme também foi referido em audiência de discussão e julgamento por parte da testemunha L… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:06:48] a [01:07:00] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), virtude do facto de a M… não ter outros activos relevantes.
28.–Resulta igualmente da análise comparativa feita pela testemunha L…, Revisor Oficial de Contas arrolado pelo Recorrido, e junta aos autos na audiência de julgamento realizada em 20.05.2021 [ref.ª citius 406366725] que a circunstância de a M… apresentar valores de caixa e depósitos bancários mais significativos do que as empresas LUSOMOTO, MULTIMOTO, C... M... C... A... e Soc... Comercial do V_____ é explicada pela sua total ausência de financiamentos bancários.
29.–Atento o modelo de gestão e de financiamento que tem vindo a adotar, a M… necessita de parte substancial das suas disponibilidades de caixa para se reposicionar no mercado, não podendo fazê-lo se for forçada a distribuir dividendos à Recorrente no valor necessário ao reembolso integral dos suprimentos, no prazo máximo de 12 meses, conforme peticionado pelo Recorrido, muito menos se tiver de proceder, até 31.12.2021, à distribuição de dividendos à Recorrente no valor de € 1.500.000,00, montante necessário a que esta possa dar cabal cumprimento à decisão recorrida.
30.–Por outro lado, conforme acima se referiu a respeito do aditamento da matéria de facto provada (cf. ponto 1.1.4.) e tal como decorre do ponto 41) da matéria de facto provada, a M… tem de pagar a pronto a mercadoria que adquire aos fornecedores, tendo, a miúde, de efetuar tal pagamento com a encomenda embora só receba a mercadoria um a dois meses depois, o que desde logo resultou do depoimento prestado em audiência de julgamento por R… C… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:30:45] a [00:33:32] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), no que respeita ao lapso temporal que pode decorrer entre a data do pagamento da mercadoria pela M… e a data em que esta recebe o preço dos produtos que vende aos seus clientes (revendedores), salientando-se que entre o período que pode mediar entre a data de pagamento da mercadoria e a data de receção dos pagamentos pelos consumidores finais, a M… pode ter de fazer mais encomendas para assegurar a representação das marcas que comercializa, conforme resultou claro dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento por B… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [01:38:19] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 21 de Janeiro de 2021) e R… C… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:30:45] a [00:33:32] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021), melhor referidos nas alegações de recurso, supra.
31.–A necessidade de manutenção de valores elevados de liquidez na esfera da M… não se compagina, evidentemente, com a distribuição de dividendos à Recorrente, de forma a dotar a mesma dos meios necessários a reembolsar os suprimentos nos termos propostos pelo Recorrido.
32.–Assim, entende a Recorrente, que da matéria de facto provada deverá passar a constar o seguinte facto:
«47)- Existe uma impossibilidade objetiva (indisponibilidade de liquidez da Requerida) de proceder ao reembolso dos suprimentos nos termos propostos pelo Requerente.»
33.–Por requerimento apresentado a 18.01.2021 [ref.ª citius 28252844], o Assistente R… informou o Tribunal a quo de que ao longo do ano de 2020, a M… se havia candidatado a vários dos apoios que foram disponibilizados a pequenas e médias empresas, nomeadamente ao Incentivo Extraordinário à Normalização da Actividade Empresarial, previsto no Decreto-Lei n.º 27- B/2020, de 19 de junho e na Portaria n.º 170-A/2020, de 13 de Julho, para a modalidade de 2RMMG, (i.e. 1.270,00€), por trabalhador abrangido pelo Layoff Simplificado, tendo a M…, na sequência da aprovação de tal candidatura para doze dos seus trabalhadores, obtido um incentivo no valor global de 15.070,67€ – cf. Doc. n.º 1 junto com o requerimento de 18.01.2021, tendo ainda o Assistente informado o Tribunal a quo de que a M… se havia candidatado ao Sistema de Incentivos à Liquidez, (Programa APOIAR) a que se refere a Portaria n.º 271-A/2020 de 24 de Novembro, tendo-lhe sido concedida uma comparticipação financeira no montante global de € 40.000,00 - cf. Doc. n.º 2 do requerimento de 18.01.2021,
34.–O primeiro desses pagamentos sido realizado em Dezembro de 2021 – cf. Doc. n.º 3 do requerimento de 18.01.2021, resultando do disposto no referido requerimento, com a obtenção dos apoios a que acima se fez alusão, a M… obrigou-se, além do mais, a não distribuir lucros e dividendos, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamentos por conta (cf. alínea d), do n.º 1 do art.º 14.º do Decreto-Lei n.º 10- G/2020, de 26 de março e a alínea a) do art.º 14.º da Portaria n.º 271-A/2020, de 24 de Novembro), obrigação que se manteria durante o período de concessão do apoio, contado a partir da data de submissão da candidatura, e nos 60 dias úteis subsequentes à apresentação do pedido de pagamento final (cf. artigo 14.º da Portaria n.º 271-A/2020, de 24 de Novembro).
35.–Entende a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado sobre a alegação do Assistente no requerimento de 18.01.2021, porquanto quaisquer limitações na distribuição de dividendos a que a M… possa estar sujeita decorrentes dos apoios Covid-19 de que beneficiou relevam na determinação do prazo a fixar para reembolso de suprimentos (pois que, reitere-se, a Recorrente apenas pode reembolsar suprimentos se a M… puder proceder à distribuição de dividendos ou reservas livres).
36.–Constando dos autos documentos comprovativos da atribuição à M… de diversos apoios Covid-19, e decorrendo da lei as obrigações que para a M… decorrem da atribuição de tais apoios, tais factos não podiam deixar de constar do rol dos factos provados, devendo, pois, aditar-se ao mesmo, os seguintes factos:
«48)- Ao longo de 2020, a M…, para fazer face às vicissitudes decorrentes da pandemia de Covid-19, candidatou-se a vários dos apoios que foram disponibilizados às pequenas e médias empresas, apoios esses que lhe foram concedidos»
«49)- Com a obtenção dos apoios para fazer face às vicissitudes decorrentes da pandemia de Covid-19, a M… ficou obrigada a não distribuir lucros e dividendos, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamentos por conta.»
37.–A Recorrente entende que o prazo fixado pelo Tribunal a quo não toma em devida conta os interesses da M… circunstância que tem, naturalmente, implicações diretas na subsistência da Recorrente, porquanto é da actividade da M… que aquela depende, pois nem a Recorrida, nem a M… se encontram em condições de proceder ao reembolso de cerca de 68% do montante integral de suprimentos até 31.12.2021, no caso da Recorrida, desde logo, porque não dispõe de liquidez para, por si, reembolsar tão avultado montante e, no caso da M… porque, além das suas próprias necessidades de investimento, terá de celebrar um novo acordo de compras com a Kymco cujo custo rondará € 1.000.000,00, acordo esse que, caso a M… proceda à distribuição de dividendos à Recorrente no valor preconizado pelo Tribunal a quo (i.e. € 1.500.000,00, respeitando o princípio da igualdade entre os acionistas) até 31.12.2021, ficará inviabilizado (comprometendo a continuidade da representação exclusiva da marca que a M… actualmente detém).
38.–Não há uma possibilidade, conforme resulta da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e contrariamente ao decidido pela decisão recorrida, de a M…, até final do presente ano, efectuar uma distribuição de dividendos no montante de € 1.500.000,00 (equivalente a cerca de 60% das disponibilidades de caixa da M… por referência a 31.12.2019, cf. Doc. n.º 2, 2.ª parte dos requerimentos de 07.12.2020) para posterior reembolso aos accionistas da Recorrida, mantendo reservas no montante de € 700.000,00 para «eventuais necessidades relativas a variação de inventários ou de saldos de Clientes». (cf. pág. 30/31 da sentença).
39.–Os investimentos necessários ao reposicionamento da M… no mercado e a que alude a testemunha R… C… não excedem as suas disponibilidades de caixa, pese embora constituam parte substancial das mesmas, pelo que não se pode aceitar a conclusão do Tribunal a quo quando refere, além do mais, que «para (re)posicionar a marca noutro patamar perante a concorrência seriam necessários fundos actualmente inexistentes na sociedade».
40.–Não se compreende de que forma é que o Tribunal a quo concebe que a M…, em alternativa à realização do investimento necessário à promoção da sua atividade comercial e ao seu reposicionamento no mercado, proceda a muito curto prazo à distribuição de dividendos à Recorrente no montante equivalente a cerca de 68% do valor total dos suprimentos que a mesma está obrigada a reembolsar aos seus acionistas, desconsiderando totalmente tais necessidades de investimento e, principalmente, o facto de tal investimento ser essencial para a manutenção da actividade da M… e, por conseguinte, da Recorrente, cujo rendimento provém exclusivamente da atividade daquela.
41.–Sem investimento a viabilidade da M… e, consequentemente, a viabilidade da Recorrente, ficam irremediavelmente comprometidas.
42.–Embora o Tribunal a quo refira que «tudo parece indicar que ao longo da história da M… estes [os investimentos] foram feitos, exclusivamente, à custa de autofinanciamento» e que «nessa perspetiva, devem ser analisadas as necessidades financeiras» da mesma (cf. pág. 29/31 da sentença), nada conclui sobre a efectiva relevância deste modelo de gestão e de financiamento para determinação no prazo a final fixado para reembolso de suprimentos, pois, afinal, atento o modelo de gestão e de financiamento que tem vindo a adotar, a M… necessita de parte substancial das suas disponibilidades de caixa – para se reposicionar no mercado, não podendo fazê-lo se, em virtude da decisão recorrida, tiver de proceder à distribuição de dividendos no montante de € 1.500.000,00 (reitera-se, cerca de 60% das suas disponibilidades atuais de caixa) até 31.12.2021.
43.– O Tribunal a quo não levou em consideração na fixação do prazo de reembolso de suprimentos, a necessidade que a M… tem de, de um ponto de vista comercial, assegurar a cadência de determinado nível de compras, nem tão-pouco o período temporal que medeia entre o recebimento de mercadoria (que normalmente tem de ser feito por atacado, atenta a proveniência dos produtos importados) e o recebimento do respectivo pagamento por parte dos seus clientes.
Embora a M… tivesse, por referência a 31.12.2018, inventários correspondentes a cerca de 36,90% do seu ativo corrente (cf. Doc. n.º 12 do Requerimento Inicial), não é correcta a conclusão do Tribunal a quo de que tal valor seja efetivamente realizado no prazo de um ano (cf. pág. 28/31 da sentença), pois, com efeito, decorre dos depoimentos prestados por R… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [02:05:46]a [02:07:54] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) e por R… C… (depoimento gravado na aplicação informática do Sistema Citius, [00:40:50] a [00:22:41] da sessão da Audiência de Julgamento realizada no dia 01 de Julho de 2021) que existe necessidade de, a breve trecho, reportar imparidades decorrentes precisamente das dificuldades de escoamento de parte do inventário, conforme depoimentos prestados em audiência de julgamento constantes das alegações de recurso supra.
44.–Decorre do acima exposto, que o prazo fixado para reembolso de suprimentos definido pelo Tribunal a quo parte também de uma premissa incorreta quanto ao momento de realização do valor dos inventários, uma vez que não teve em linha de conta dos depoimentos prestados pelas testemunhas a respeito da existência de stocks que se afiguram dificilmente vendáveis e cujo valor de mercado é inferior ao valor pelo qual estão registados contabilisticamente.
45.–O prazo de reembolso de suprimentos fixado pelo Tribunal a quo não condiciona o reembolso do valor remanescente de € 700.000,00 (no pressuposto de que o reembolso de suprimentos é feito, em partes iguais, a ambos os acionistas, em observância do princípio da igualmente a que a decisão recorrida faz menção expressa) nos sete anos subsequentes a 2021 à obtenção de resultados líquidos positivos pela M…, o que, uma vez mais, é suscetível de colocar em causa a continuidade da sociedade, pois a solução proposta pelo Tribunal a quo assenta, no essencial, na distribuição imediata de parte significativa do montante de caixa e depósitos bancários e na manutenção de um valor (insuficiente) para assegurar variações de inventário ou de contas de clientes, mas, apesar de ciente que a Recorrente só conseguirá proceder ao reembolso dos suprimentos com o valor que vier a receber da M…, não condiciona o reembolso do montante remanescente aos resultados da M… dos anos seguintes,

46.–Considerando que, como se demonstrou, a Recorrente não aufere qualquer rendimento para além dos dividendos que recebe da sua única participada (a M…), estando, por isso, dependente do recebimento de tais dividendos para poder proceder ao reembolso dos suprimentos, não pode a decisão em crise deixar de ser revogada e substituída por outra que fixe o prazo de reembolso dos suprimentos tendo tal facto em consideração, devendo, para esse efeito, ser tidos em consideração os critérios que sempre foram seguidos pela Recorrente (nunca questionados pelo Recorrido e que resultam, de resto, dos pontos 27) e 28) da matéria de facto provada), entre os quais se destacam:
iii.-A necessidade de a M… obter, no exercício que antecede o reembolso dos suprimentos, resultados positivos; e
iv.-A necessidade de investimentos da M…

47.–Nos termos do disposto no artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, a fixação de prazo, por parte do tribunal, para reembolso dos suprimentos deverá ter em conta as consequências que esse aludido reembolso acarretará para a sociedade, podendo, ainda, o tribunal determinar que o mesmo seja efectuado ou fraccionado em certo número de prestações, devendo a fixação judicial de prazo deverá obedecer a um conjunto de circunstâncias que carecem de densificação: «[…] ao fixar o prazo juiz não pode abstrair da configuração concreta que o suprimento assume enquanto prestação substitutiva de capital (…) Ou seja, o tribunal não pode deixar de ter em conta o critério material de identificação dos suprimentos, concedendo um prazo mais alongado nas hipóteses em que (face ao balanço da sociedade) é notório que os suprimentos se encontram a substituir capital, e uma prazo menos alongado quando essa função não seja tão notória (…) juiz não pode deixar de ter em conta uma visão global sobre a estabilidade da sociedade, incluindo a posição dos seus credores (…) juiz deve ao analisar a estabilidade da sociedade, informar-se sobre os prazos de vencimento das respectivas dívidas, para formar um juízo sobre as necessidades de capital da sociedade, e até, sobre a eventualidade de com o pedido de reembolso o sócio pretender antecipar-se ao vencimento de uma dívida da sociedade face a um terceiro».
48.–Nos termos do artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o juiz deve atender, para fixação judicial de prazo, e entre as «consequências que o reembolso acarretará para a sociedade», à concreta configuração que o suprimento assume enquanto prestação substitutiva de capital.
49.–O denominado critério material de identificação dos suprimentos, estipula que o juiz deverá conceder um prazo mais alongado nas hipóteses em que (face ao balanço da sociedade) é notório que os suprimentos se encontram a substituir capital, e um prazo menos alongado quando essa função não seja tão notória, sendo que in casu, por um lado, conforme desde logo resulta dos autos e dos documentos juntos em sede de oposição, visando a constituição da Recorrente o propósito de passar para a sua esfera patrimonial a totalidade das acções representativas do capital social da M… e por outro lado, conforme desde logo resulta dos autos e da documentação junta aos mesmos, a Recorrente não tem qualquer actividade comercial, razão pela qual a sua operacionalidade depende da distribuição de dividendos a efectuar por parte da M…
50.–Conforme resulta da documentação junta aos autos e conforme resultou óbvio da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, é por demais evidente que a Recorrente não tem qualquer capacidade em, por si só, reembolsar o valor de suprimentos nos termos e nos prazos estipulados pela decisão recorrida, sendo também por demais evidente que a decisão recorrida deliberadamente se afastou, sem razão ou argumento jurídico válido, dos termos e prazos de reembolso que, até este momento, vinham a ser praticados e que melhor constam do ponto 30 da matéria de facto dada como provada.
51.–O reembolso de suprimentos efectuado ao longo dos anos, conforme desde logo resulta dos pontos 28 e 29 da matéria de facto provada, assentava na utilização de um critério, aceite pelo Recorrido, que permitia, em simultâneo: i)-à Recorrente manter o seu equilíbrio financeiro; ii)-à sociedade-filha da Recorrente (M…) desenvolver a sua actividade de forma sustentada; e iii)- aos accionistas da Recorrente serem reembolsados dos valores mutuados à mesma a título de suprimentos.
52.– A natureza destes suprimentos era, como é de capital quase próprio, pois os mesmos foram prestados à Recorrente com o propósito de lhe conferir os meios financeiros necessários para que esta pudesse, no exercício do respectivo objecto social, adquirir a totalidade daas acções representativas do capital social da M…, e sem que daí houvesse quaisquer outras contrapartidas que não o benefício fiscal que presidiu à constituição da Recorrente, pelo que a decisão recorrida, ao fixar prazo para pagamento do crédito que o Requerente é titular sobre a Requerida, nos termos em que o fez: «A)- € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) até 31 de Dezembro de 2021; B)- € 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) nos sete anos subsequentes; à razão prestacional anual de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) e até ao dia 31 de Dezembro», afastou-se deliberadamente do já aludido critério, o que é o mesmo que afirmar que a decisão recorrida não teve, em concreto, em linha de conta o critério material de identificação dos suprimentos, esquecendo o escopo e objectivo que presidiram à prestação de suprimentos por parte dos accionistas à ora Recorrente: dotá-la de liquidez suficiente para aquisição da totalidade das acções representativas do capital social da sociedade-filha M…, devendo os mesmos serem reembolsados segundo os critérios melhor descritos nos pontos 28 e 29 da matéria de facto dada como provada.
53.–É por demais evidente que a decisão recorrida, ao decidir como decidiu, não teve em consideração o critério material de identificação dos suprimentos, o que consubstancia um manifesto erro de interpretação e de aplicação do direito, nomeadamente o artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, pelo que os prazos e montantes de reembolso estabelecidos pela mesma não podem subsistir naqueles concretos termos.
54.–Nos termos do artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o juiz deve atender, para fixação judicial de prazo, e entre as «consequências que o reembolso acarretará para a sociedade», a uma visão global sobre a estabilidade da sociedade.
55.–A decisão recorrida, ao decidir nos termos melhor expostos supra, não teve, salvo o devido respeito por opinião contrária, em atenção a estabilidade da Recorrente, nem teve, também, em consideração a posição da M…, pois ao decidir nos termos expostos supra, não teve em consideração os custos necessários à actividade da Recorrente, ou seja, não teve em consideração o concreto montante necessário e subjacente à sua operação.
56.–Conforme se encontra demonstrado nos autos, o montante de suprimentos por reembolsar sempre foi, ao longo dos anos, significativamente superior ao montante apresentado nas rúbricas de «caixa de depósitos bancários» constantes dos balanços da Recorrente, sendo por demais evidente que, ao determinar, logo à partida, o reembolso de € 750.000,00 até 31 de Dezembro de 2021, a decisão recorrida não teve manifestamente em consideração a consequência que o reembolso do aludido montante irá acarretar na actividade da Recorrente.
57.–Nos termos do artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, o juiz, em ordem a fixar judicialmente um prazo para o reembolso de suprimentos, deve sempre ter em consideração a visão global sobre a estabilidade da sociedade, incluindo a posição dos seus credores e das sociedades que consigo estão em relação de grupo, a qual se alcança, também, pela concreta posição jurídico-económica em que as sociedades que consigo estão em relação de grupo se encontram.
58.–O que é mais relevante para a decisão dos presentes autos é o facto de a M… ter capacidade económico-financeira para deliberar a distribuição de dividendos à sua accionista, dividendos esses que, por sua vez, poderão ser utilizados pela Recorrente para reembolsar os seus dois accionistas dos suprimentos prestados, sendo, portanto, também o enquadramento contabilístico e financeiro da M… que define e enquadra a possibilidade, em concreto, da Recorrente proceder ao reembolso de suprimentos aos seus dois accionistas, sendo certo que este enquadramento demonstra que a M…, para além das suas próprias necessidades de investimento, terá de celebrar um novo acordo de compras com a Kymco cujo custo rondará € 1.000.000,00, acordo esse que, caso a M… proceda à distribuição de dividendos à Recorrente no valor preconizado pelo Tribunal a quo (i.e. € 1.500.000,00, respeitando o princípio da igualdade entre os acionistas) até 31.12.2021, ficará inviabilizado (comprometendo a continuidade da representação exclusiva da marca que a M… actualmente detém).
59.–O valor de inventários da sociedade-filha M… é composto por mercadorias e produtos não vendáveis, muito menos no curto prazo, devendo o mesmo ter uma imparidade de, aproximadamente, € 500.000,00 e € 600.000,00.
60.–Mesmo considerando ou antevendo a possibilidade de a M… proceder à venda de inventário mais recente, tal facto implicaria, como implicará, paralisar a sua actividade por falta de matéria-prima, razão pela qual, o reembolso estipulado pela decisão recorrida acarretará, inevitavelmente, a descapitalização da M…, implicando ainda, no longo prazo, a absoluta impossibilidade de a M… obter receitas, proceder à distribuição de dividendos à Recorrente e esta, por sua vez, proceder ao reembolso dos suprimentos aos seus accionistas nos sete anos seguintes e à razão prestacional de € 50.000,00 por ano, tal como determinou a decisão recorrida.
61.–A decisão recorrida, com o raciocínio exposto, incorreu em erro de aplicação e interpretação do direito, para os efeitos do disposto no artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que, ao desconsiderar a situação económico-financeira da M…, determinando, na prática, a descapitalização da mesma, acabou por também desconsiderar, ainda que de forma indirecta, as consequências que o reembolso naqueles termos acarretará para a sociedade Recorrente, não tendo em consideração uma visão global sobre a estabilidade da sociedade, incluindo a posição dos seus credores, e incluindo a posição global do grupo societário onde se encontra inserida, o que consubstancia um manifesto erro de interpretação e de aplicação do direito, nomeadamente o artigo 245.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, pelo que os prazos e montantes de reembolso estabelecidos pela mesma não podem subsistir naqueles concretos termos.
62.–O prazo e forma de reembolso deve respeitar, face à inexistência de elementos adicionais nos autos, os termos em que a Recorrente admitiu, em sede de oposição, corresponderem à sua capacidade de cumprimento, devendo ser determinado pelo Tribunal ad quem o reembolso fraccionado dos suprimentos actualmente em dívida, em condições paritárias, e condicionando-se o aludido reembolso à prévia verificação dos seguintes pressupostos:
Obtenção pela sociedade-filha M… de resultados líquidos positivos no exercício anterior;
Determinação do valor dos dividendos a distribuir à Requerida, de acordo com o seguinte cálculo:
o Valor dos resultados líquidos positivos da sociedades-filha M… deduzido do valor necessário para cobertura de eventuais resultados negativos transitados;
o Valor dos resultados líquidos positivos da sociedades-filha M… deduzido do valor necessário a fazer face às necessidades de investimento pela sociedade-filha M… no ano subsequente, devidamente comprovadas;
Utilização, pela Recorrente, do valor recebido a título de dividendos para reembolso de suprimentos de forma paritária;
Determinação do valor a utilizar pela Recorrente para reembolsar os dois accionistas, de acordo com o seguinte cálculo:
o O valor dos suprimentos corresponderá ao valor dos dividendos recebidos pela Recorrente deduzido do valor necessário para cobertura dos resultados negativos transitados da Recorrente;
o O valor dos suprimentos corresponderá ao valor dos dividendos recebidos pela Recorrente deduzido do valor necessário à constituição de reservas pela Recorrente;
o O valor dos suprimentos corresponderá ao valor dos dividendos recebidos pela Recorrente deduzido do valor necessário à operacionalização e pagamento das despesas correntes da Recorrente;
Determinar, caso assim não seja entendido, o reembolso fraccionado dos suprimentos actualmente em dívida, em condições paritárias, fixando-se um prazo nunca inferior a 18 anos.

Terminou peticionando que seja:
a)-declarada a nulidade da decisão recorrida, nos termos previstos nos artigos 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, por se ter limitado a referir, no que respeita à indicação e especificação dos factos considerados não provados, apenas que «Com interesse para a decisão da causa dão-se como não provados os factos alegados em oposição aos dados como provados, bem como os que não foi feita prova bastante para criar no tribunal tal convicção, nomeadamente […]»;
b)-declarada a nulidade da decisão recorrida, nos termos previstos nos artigos 607.º, n.º 4, e 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por omitir qualquer pronúncia no que respeita à fundamentação dos factos que considera não provados;
c)-dado provimento ao presente recurso, quanto à impugnação da matéria de facto e à reapreciação da prova gravada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil, ordenando-se a reforma do facto iii). da matéria de facto dada como não provada, nos termos melhor supra explicitados, bem como o aditamento dos factos 42), 43), 44), 45), 46), 48) e 49) à matéria de facto dada como provada, nos termos melhor supra explicitados, quer em sede de alegações, quer em sede de conclusões de recurso;
d)-dado provimento ao presente recurso, quanto à impugnação da matéria de Direito, revogando-se a decisão recorrida e reformando-se a mesma, no sentido de julgar procedente a fixação de prazo nos termos melhor supra explicitados, quer em sede de alegações, quer em sede de conclusões de recurso.

O recorrente respondeu, concluindo que:
1º)–A sociedade M…, S.A., que é a sociedade que irá libertar disponibilidades financeiras à “sociedade mãe”, tem excesso de tesouraria e ficará com uma posição económica, financeira e contabilística mais que confortável após a distribuição de dividendos necessários ao efeito do cumprimento da obrigação de reembolso dos suprimentos;
2º)–A dita sociedade já se encontrava nestas condições em Dezembro de 2019, altura em que foi instaurada a presente acção; desde então, a situação financeira e contabilística da sociedade não se deteriorou, antes pelo contrário, viu aumentadas as suas disponibilidades de caixa e bancos;
3º)–O Apelado, que foi destituído do cargo de administrador (à “má fila” e de uma forma absolutamente dolosa, de má fé e em abuso de direito) está privado de qualquer benefício que a pertença à administração da sociedade M…, SA confere aos seus administradores;
4º)–O Apelado também não retira qualquer contrapartida patrimonial decorrente da detenção de 50% do capital social da CVM Investimentos SGPS, SA na medida em que a administração da M…, S.A., que se encontra manietada pelo Assistente R… C… e sua filha R… C…, não permite operar qualquer distribuição de dividendos ou bens disponíveis à sociedade mãe, para com isso realizar também distribuição de dividendos aos accionistas da Apelante;
5º)–Dito de outra forma, o Apelado, que tem iguais direitos que o Assistente a todo o acervo patrimonial do grupo de sociedades M…, SA / CVM Investimentos, SGPS, SA, não retira qualquer proveito dessa detenção de capital, enquanto que o outro accionista dispõe de todos os benefícios financeiros e similares que lhe são proporcionados pelo facto de ser administrador da sociedade operacional.
6º)–A eventual existência de algum impedimento legal temporário (aliás, indemonstrado no caso) à distribuição de dividendos/suprimentos, não pode servir de fundamento à não fixação de prazo para o efeito ou à fixação deste fora dos critérios de normalidade e adequação, podendo, apenas, condicionar temporalmente a execução da decisão, com a relegação da mesma para o momento posterior à cessação de tal impedimento.
Terminou peticionando que, de acordo com a melhor interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do art. 245º do Código das Sociedades Comerciais, seja fixado prazo para reembolso dos suprimentos devidos ao Apelado de modo imediato e na totalidade, sem que se conceda mais qualquer dilação ou moratória, a qual se encontra já consumida pelo andamento dos presentes autos, assim se dando provimento ao recurso do Apelado e não provimento ao recurso da Apelante.
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Os recursos foram admitidos como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Aquando da admissão dos recursos, o Mmº Juiz a quo não se pronunciou relativamente à nulidade da sentença invocada pela recorrente CVM Investimentos, SGPS, SA, com fundamento no disposto no nº1, alíneas c) e d), do artigo 615º do C.P.Civil.

Dispõe o nº 4 do artigo em referência que:
“As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
Nos termos do art.º 617º, n.º 1 do Código de Processo Civil “(…) compete ao juiz apreciá-la [à nulidade] no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso (…)”; não o tendo feito, como é o caso, “(…) pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido” – n.º 5 do art.º 617º do Código de Processo Civil.
Sucede no presente caso, atento o que consta da fundamentação da sentença e o invocado pela recorrente para sustentar a nulidade da mesma, não se julga indispensável a baixa do processo à 1ª instância para os efeitos supra referidos, pelo que não se determinou tal procedimento.
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Em 14/04/2022, a apelante/requerida C…, SGPS, S.A., veio apresentar articulado superveniente, invocando o disposto no nº1 do art. 611º e no nº 2 do art. 663º do CPC, citando em abono da respetiva admissibilidade Amâncio Ferreira, Cardona Ferreira e Alberto dos Reis, bem como os Acs. do STJ de 15/03/2007 e do TRP de 11/03/1993 e de 30/05/2018.

Alegou que a mesma, na pessoa do seu administrador único, judicialmente nomeado para o cargo em 21 de Junho de 2021, requereu em 09 de Novembro de 2021 ao Senhor Presidente da Mesa da Assembleia Geral da M… a realização de uma Assembleia Geral da aludida sociedade, a qual veio a ter lugar no passado dia 07 de Janeiro de 2022, tendo sido referido e considerado por aquele ser «[…] absolutamente crucial e urgente e finalização da análise para apuramento de valor de imparidade de existências, não se encontrando, a esta data, em condições de proceder à aprovação de contas relativas ao exercício de 2020 da sociedade M…, S.A., por ter conhecimento que, de facto, a rubrica de Existências não reflete o real valor de inventários da sociedade. Por este motivo, o Senhor Administrador Dr. J… clarificou que, apesar do atraso existente na apresentação das contas, deve esta análise ser concluída e as demonstrações financeiras de 2020 novamente preparadas, com a maior brevidade possível, de modo que os novos resultados de 2020 e os resultados de 2021 sejam devidamente apresentados a curto prazo.»
Em resultado da necessidade de reporte das imparidades e ajustamentos para o valor realizável líquido por parte da M…, a respectiva Administração concluiu muito recentemente a análise dos artigos em inventário (cerca de 22.000 referências) e de créditos a receber de clientes, tendo avaliado e detectado imparidades no montante € 1.015.365,08 e €10.941,40, respectivamente, montantes estes certificados pelos Revisores Oficiais de Contas.
Invocou igualmente que a sociedade comercial «KYMCO» cessou, mediante comunicação enviada por carta para a sede da M… datada do passado dia 06 de Janeiro de 2022 e recebida por esta em 13 de Janeiro de 2022, unilateralmente e com efeitos reportados à data de 30 de Abril de 2022, o vínculo contratual com mais de 30 anos que a unia à M… (única importadora nacional da KYMCO e constituindo esta representação e distribuição o activo mais relevante no rédito e geração de caixa da M…). Atenta a aludida cessação contratual, esta sociedade necessita, mais do que nunca, das suas disponibilidades de caixa para se reposicionar no mercado, fazer face à aludida perda, encontrar novos parceiros comerciais e fazer face ao difícil escoamento para o mercado dos artigos KYMCO ainda em inventário.
Diz que de 2014 para 2021, o valor das vendas da M… passou de € 4.019.533,84 para € 884.036,39 e de 2014 para 2021, os resultados líquidos passaram de € 157.495,02 positivos para € 497.957,07 negativos.
Sustentou ainda que foi informada, através de carta datada de 29 de Dezembro de 2021, acerca da intenção de reembolso de suprimentos por parte do seu outro acionista e que a M… iniciou, em 01 de Abril de 2022, um procedimento de despedimento colectivo por se encontrar em situação de desequilíbrio económico-financeiro, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 359.º, do Código do Trabalho.
Diz que a M…, atento o aludido desequilíbrio económico-financeiro, necessita, mais do que nunca, das suas disponibilidades de caixa para se reposicionar no mercado e de se restruturar, sustentando que estamos perante factos supervenientes, que  permitem concluir pela existência de uma forte possibilidade de a continuidade da actividade e viabilidade da M… estar posta em causa, situação que comprometerá, irremediavelmente, a viabilidade da Requerida C…, SGPS, S.A.
Caso se se entenda que inexiste base legal para a alegação de factos supervenientes em sede de recurso ordinário, tais questões de facto poderão, nos termos e ao abrigo da norma do artigo 662º, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil supra citada, ser esclarecidas por meio da anulação do julgamento realizado em primeira instância, tendo em vista a ampliação da decisão relativa à matéria de facto, de modo a que esta passe a ter em consideração os factos ora alegados, para o que se deverá repetir o julgamento sobre as referidas concretas questões, proferindo-se, a final, nova sentença.
Juntou 10 documentos.
Tendo o requerimento sido notificado à parte contrária nos termos do art. 221º do CPC, veio esta pronunciar-se pedindo não seja admitida a junção do articulado superveniente por se tratar de acto que a lei não admite e, sem prejuízo, seja o mesmo julgado improcedente por não provado.
Alegou, em síntese, que a alegação de factos supervenientes e junção de documentos é processualmente inadmissível nesta fase, uma vez que a “discussão da causa” já há muito se encerrou. Os factos após o encerramento dos debates em sede de audiência de julgamento, como factos supervenientes, não podem ser tomados em consideração pelo Tribunal em sede de recurso, nos termos do art. 611º do CPC. Invocou em defesa da sua posição Alberto dos Reis, Abrantes Geraldes, os Acs do STJ de 12-07-2011, proc. nº 317/04.5TBVIS-C.C1.S1, de 26-05-2015, proc. 2056/12 e de 07-12-1993, proc. 084363.
Sustentou que a junção de documentos também não é admissível nesta fase processual, que os factos alegados pela Requerida não constituem de forma alguma matéria “superveniente” e, como tal, o requerimento deve ser liminarmente indeferido.
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Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
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II–Questões a decidir:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.

Assim, face das conclusões apresentadas pela recorrente são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
- como questão prévia a admissibilidade da apresentação de articulado superveniente em instância de recurso de sentença proferida nos autos de fixação judicial de prazo e
- qual o prazo razoável para reembolso do crédito do requerente sobre a requerida derivado de suprimentos. 
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III–Fundamentação

A)– De Facto

Na sentença sob recurso foi considerada como provada a seguinte factualidade:
1)–A Requerida C…, SGPS, S.A. (adiante designada Requerida ou “SGPS”) é uma sociedade que, como o próprio nome indica, tem como objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, encontrando-se devidamente constituída e legalizada para o desenvolvimento dessa atividade - cfr. certidão comercial permanente junta em anexo ao requerimento inicial (r.i.) como doc. nº 1 que se dá por reproduzida.
2)–A Requerida foi constituída em 10.11.1995, sendo então o capital social de PTE 5.000.000$00 repartido pelos seguintes accionistas:
a)- M… – 33,2%
b)- R… – 33,2%
c)- F… – 33,2%
d)- M… C… (mulher de M…e Mãe de R…) – 0,2%
e)- Actividades H…, Lda. (sociedade detida pela família a 100%) – 0,2%.
3)–A sociedade M…, SA, (adiante M…, SA) com o NIPC …, tem sede na Av…  e o capital social de 750 000,00 € – cfr. certidão comercial permanente junta em anexo r.i. como doc. nº 2 que se dá por reproduzida.
4)–A sociedade “M…, SA” foi constituída em 1976 pelo Pai do Requerente, M…,  tendo como atividades principais o comércio de peças e acessórios para veículos de duas rodas, bem como a comercialização destes e resulta da transformação em sociedade de uma empresa em nome individual iniciada há 80 anos por M….
5)–A sociedade “M…, SA” foi criada e mantida com cunho eminentemente familiar pelo Pai, como forma de prover ao sustento e criação de riqueza para a família e ser por isso mesmo um património a deixar para os seus filhos e gerações vindouras.
6)–A sua gestão, em termos orgânicos, assentava por isso nessa base familiar e na confiança mútua que a mesma deveria gerar.
7)–Tendo sempre em vista a prossecução do interesse da sociedade como forma de prolongamento da família.
8)–A sociedade prosperou e chegou a avolumar um considerável montante de reservas e permitindo aos sócios, e em especial ao Pai, adquirir um conjunto de imóveis de relevante valor patrimonial.

9)–A composição do seu capital social, antes de ser criada a “SGPS”, era a seguinte:
a)- M…– 33,2%
b)- R… – 33,2%
c)- F… – 33,2%
d)- M… C… (mulher de M… e Mãe de R…) – 0,2%
e)- Actividades H…, Lda. (sociedade detida pela família a 100%) – 0,2%

10)–Como reflexo desta estrutura familiar, a sociedade tinha três administradores - Pai, Requerente e R… -, sendo prática da empresa e seus sócios que todas as decisões fossem tomadas e assumidas por todos os sócios, especialmente as mais relevantes para a sua vida, como operações relativas ao seu capital, instalações, desenvolvimento de linhas de negócio, e equipamentos necessários ao seu funcionamento.
11)–A repartição igualitária entre sócios um dos princípios estruturantes desta sociedade “M…, SA”.
12)–Os accionistas de ambas as sociedades, visando a obtenção de determinados benefícios fiscais, tomaram a decisão de constituir a Requerida com o propósito de passarem para a esfera patrimonial desta última a totalidade das ações representativas do capital social da M…, de que, à data, eram titulares.
13)–Por esse motivo, uma vez constituída a Requerida, os seus acionistas dando cumprimento ao propósito da sua constituição, deliberaram a aquisição pela mesma da totalidade das referidas acções – cfr. atas n.ºs 2 e 3 da assembleia geral da Requerida, juntas com a oposição e que se dão por reproduzidas.
14)–As acções em causa seriam vendidas ao preço de PTE 6.400$00, no valor global de PTE 960.000.000$00 (contravalor Eur 4.788.460,00€).
15)–Não tendo a Requerida liquidez suficiente para efectuar o pagamento do preço acordado, o seu accionista R… fez transferir de uma conta da sua titularidade junto do BCP, para a conta DO de que a Requerida era titular junto do Banco CISF a referida quantia total – cfr. doc. nº 5 junto com a oposição, que se dá por reproduzido.
16)–Quantia que a Requerida utilizou como suprimentos dos seus accionistas para efetuar o pagamento do preço de aquisição da totalidade das acções representativas do capital social da M….
17)–Para além dos referidos suprimentos, em 2001 e em 2002, os accionistas da Requerida vieram a constituir novos suprimentos no valor global de € 209.640,00, fixando-se a totalidade dos suprimentos realizados pelos accionistas da Requerida ao valor global de € 4.998.100,00 (quatro milhões novecentos e noventa e oito mil e cem euros).
18)–A partir do decesso do pai, o capital social passou a pertencer em exclusivo ao Requerente e seu irmão R…, em partes iguais (50% - 50%), representado à razão de 2.500 acções com o valor nominal de € 10, cada.
19)–Estrutura familiar da empresa que não se alterou com a criação da “SGPS”, nem com a venda da totalidade das acções representativas do capital social da “M…, SA” à dita “SGPS”, ficando esta a deter a totalidade (100%) do capital daquela.
20)–Os accionistas decidiram que os esforços e dedicação empresarial continuassem a produzir-se na sociedade “operacional”, a “M…, SA”, ficando a “SGPS” com um papel meramente simbólico de detenção da integralidade do capital social da “M…, SA” e de mera administração e gestão formal da sociedade “operacional”.
21)–A administração da SGPS foi deixada a cargo de um só administrador (“administrador único”), sendo designado para o efeito R….
22)–O Requerente foi designado Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
23)–Todas as decisões, quer na “SGPS”, quer na “operacional M…, SA”, eram tomadas de comum acordo entre todos e todo o capital era detido em partes iguais.
24)–A Requerida tem como sua única participada a “M.., S.A.” (“M…, SA”), que é uma sociedade que se dedica ao comércio de venda de máquinas e acessórios - cfr. certidão comercial permanente junta em anexo à r.i. como doc. nº 2 que se dá por reproduzida.
25)–Sem que tenha sido pactuada qualquer condição de reembolso dos suprimentos, desde 1996 que os accionistas têm vindo a ser reembolsados.
26)–A Requerida utilizou a liquidez resultante dessa distribuição de dividendos, para, em primeira linha, fazer face às despesas correntes da sua actividade e constituir reservas livres, e, posteriormente, proceder à amortização parcial do crédito de suprimentos, de forma igualitária entre os seus accionistas.
27)–Assim, o resultado líquido positivo obtido em cada exercício pela M.., SA, era repartido em duas partes: uma delas destinada à constituição de reservas livres da referida sociedade e a outra a ser entregue à Requerida a título de distribuição de dividendos, o que aliás, decorre das atas das assembleias gerais ordinárias da M… - cfr. doc. nº 8 junto com a oposição, que se dá por reproduzido.
28)–Os valores de cada uma dessas partes tinham em consideração, vários factores entre os quais se destacam as necessidades de investimento que se perspetivavam terem de ser colmatadas pela M… no ano subsequente.
29)–Este critério, que foi sempre aceite pelo Requerente, permitiu, simultaneamente:
i.- à Requerida, manter o seu equilíbrio financeiro;
ii.- à M…, SA,  desenvolver a sua actividade de forma sustentada; e
iii.- aos accionistas da Requerida, serem reembolsados dos valores por si mutuados à mesma a título de suprimentos.
30)–Até ao momento foram reembolsadas as seguintes quantias:







31)–Por deliberação datada de 26-04-2019, o administrador único da Requerida, destituiu o Requerente do seu cargo de administrador, e nomeou a sua filha (do administrador) R… C… para o cargo de administradora em substituição do Requerente – cfr. doc. nº 1 junto com a oposição e que se dá por reproduzido.
32)–Na sequência da destituição do cargo de administrador da M…, SA, cessaram os benefícios que lhe haviam sido atribuídos e foi cortado o acesso do Requerente ao seu correio eletrónico da sociedade, assim como a toda a informação referente ao grupo de sociedades.
33)–Estas deliberações são objecto de acção de anulação que se encontra a correr termos neste Tribunal.
34)–O Requerente convocou a reunião da Assembleia Geral para deliberar sobre os documentos de prestação de contas relativas ao exercício de 2018, em 24 de Setembro de 2019.
35)–O Requerente em 7 de Outubro de 2019 comunicou ao administrador único que pretende reaver a totalidade do valor de € 1.100.000 (um milhão e cem mil euros) de que é credor da sociedade C…, SGPS, S.A. a título de suprimentos.
36)–No dia 9 de Outubro de 2019 foi informado que se encontravam à sua disposição, para consulta na sede da sociedade, os documentos de prestação de contas e o relatório do revisor oficial de contas, acompanhado da respetiva certificação – cfr. cópia de doc. nº 9 junto com o r.i., que se dá por reproduzido.
37)–Ao contrário do que sucedeu em todos os anos anteriores, esses documentos não vinham acompanhados das acima aludidas “Considerações sobre as Demonstrações Financeiras”.
38)–O Requerente votou contra a aprovação das contas, pelas razões que deixou consignadas em acta – cfr. doc. nº 11 junto com a p.i., que se dá por reproduzido.
39)–O Requerente não confia na boa gestão do dinheiro de que é credor.
40)–No início de 2018 a Bridgestone cessou, de forma unilateral o contrato de concessão que mantinha com a M…, facto que teve um impacto nas vendas e, consequentemente, nos resultados referentes ao exercício de 2018, por os seus produtos da Bridgestone assumirem um papel relevante no cross selling dos demais produtos.
41)–A M…, SA, tem de pagar sempre a pronto a mercadoria que adquire aos seus fornecedores, tendo, amiúde, de efectuar tal pagamento com a encomenda, só recepcionando a mercadoria cerca de um a dois meses depois.

Em termos de Factos Não Provados foi consignado o seguinte:

«Com interesse para a decisão da causa dão-se como não provados os factos alegados em oposição aos dados como provados, bem como os que não foi feita prova bastante para criar no tribunal tal convicção, nomeadamente:
i.- R… C… deu instruções ao revisor oficial de contas para que este deixasse e juntar as “Considerações sobre as Demonstrações Financeiras” ao seu relatório de fiscalização e certificação legal de contas relativas a 2018, nas quais sempre estiveram discriminadas as “Participações Financeiras” e os “Financiamentos obtidos”, respeitantes a suprimentos efetuados pelos acionistas à sociedade.
ii.- A omissão das ditas “Considerações” enquadra-se numa tentativa do administrador único de vedar o reembolso dos mesmos ao aqui Requerente.
iii.- Existe uma impossibilidade objetiva (indisponibilidade de liquidez da Requerida) de proceder ao reembolso dos suprimentos nos termos propostos pelo Requerente.»
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B)–Questão prévia – admissibilidade do articulado superveniente apresentado pela requerida/apelante C…, SGPS, SA
O tema da admissibilidade de articulados supervenientes em instância de recurso, em processo civil, é um tema muito discutido e objecto de posições contrárias, podendo encontrar-se no sentido da inadmissibilidade – que corresponde à orientação maioritária - os Acs. do STJ de 05.03.87, 02.11.89, 07.12.93, 28.01.99, 20.06.00, 20.03.02 e de 16.05.09, da RP de 03.03.92 e de 25.06.01, da RL de 05.11.92 e da RE de 29.11.07, www.dgsi.pt e em sentido inverso, Acs. do STJ de 15.12.73 e de 15.03.07 e da RP de 11.03.93 e de 22.01.02, igualmente in www.dgsi.pt.
Deve começar por se referir, como temos por pacífico, que os recursos são, por natureza, meios de impugnação de decisões judiciais, pelo que apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo incidir sobre questões novas.

Como refere Rui Pinto, Manual do Recurso Civil, Vol. I, AAFDL, 2020, os recursos são “meios de impugnação de decisões com fundamento em ilegalidade ou em incorreção do julgamento de facto, dotados cumulativamente de efeito devolutivo da competência decisória (i.e., julgado por um tribunal hierarquicamente superior; cf. artigo 641º, nº1, in fine) e de efeito suspensivo do trânsito em julgado (cf. artigo 628º).”
Continua o mesmo autor: “… o objeto do recurso é constituído por um pedido cumulado de revogação de uma decisão judicial e da sua substituição pela decisão reputada como correta, tendo por causa de pedir a ilegalidade por violação de norma material ou processual (erro de direito de previsão ou de estatuição) ou a injustiça em matéria de facto (erro de facto atinente à livre apreciação da prova e à fixação dos factos materiais)” – ob. cit., pág. 58. 
Em regra, e excepção feita às questões de conhecimento oficioso, os tribunais superiores “…apenas devem ser confrontados com as questões que as partes discutiram nos momentos próprios.” - Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, 2018, pg. 119.

Deste modo e no que concerne à questão concreta que se prende com a admissibilidade da alegação de factos supervenientes em matéria de recurso, defende Rui Pinto que «ao longo de todo o Código o “encerramento da discussão” é utilizado como um momento na primeira instância: vejam-se os artigos 424º, 517º, nº2, 588º, nº1. O artigo 424º é a este respeito decisivo: ele contrapõe, de um lado, “o encerramento da discussão”, e, de outro, o “recurso”, permitindo neste “documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”. Portanto, o encerramento da discussão é anterior ao recurso, não há prolongamento (ou importação) da discussão por meio do recurso.
Por outro lado, a faculdade de a parte juntar documentos supervenientes para o recurso ao abrigo dos artigos 651º, nº1 e 425º, não pode ser lido de modo a fazer-se tábua rasa do limite temporal decorrente do artigo 588º, confirmado, aliás, no teor artigo 611º, nº1. Efetivamente, no artigo 651º, nº1, o que se admite é que (i) as “partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º, ou seja, o que é admitido no recurso, após o encerramento da discussão, são “documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento – não, “factos cuja dedução não tenha sido possível”; e ainda, (ii) “no caso de a junção se ter tomado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.
Portanto, admite-se documentos novos para factos velhos. De outro modo, deverá ser ordenado o desentranhamento desses documentos.»
Este autor defende que também o tribunal ad quem fica sujeito aos mesmos limites temporais a que esteve sujeito o tribunal a quo, ou seja, a um limite negativo - o tribunal de recurso não pode conhecer de factos ocorridos depois do encerramento da discussão em primeira instância – e, por força do artigo 611º, nº1, a um limite positivo: a decisão de recurso deve corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão na primeira instância.
Acrescenta como argumento que a admissão do conhecimento de factos ou questões supervenientes em sede de recurso colocaria a parte contrária numa posição de desigualdade, uma vez que “as novas questões seriam apreciadas sem que a parte contrária pudesse interpor recurso da respetiva decisão da Relação, tolhendo-lhe um grau de jurisdição quanto à parcela inovatória. Efetivamente, …, enquanto a matéria de facto da primeira instância pode ser sindicada na Relação, o julgamento da matéria de facto pela Relação só residualmente pode ser sindicado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cf. o artigo 662º, nº4)” – vd ob cit, págs 357 e 358.

Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa pronunciam-se também no sentido da inadmissibilidade: “Quanto aos factos posteriores ao encerramento da discussão que aproveitem ao réu, apenas poderão ser apreciados em sede de oposição à execução (art. 729.º, al. g)). Se aproveitarem ao autor e este quiser prevalecer-se dos mesmos, mais não lhe resta do que instaurar nova ação.” - cfr Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2ª edição, pág. 758.

Por sua vez, Carolina da Silva Guerra, in “Factos Supervenientes em Recurso Civil” Mestrado em Direito e Prática Jurídica Especialidade de Ciência Jurídico-Forenses, FDUL, 2020, pg. 54, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/50651/1/ulfd0149698_tese.pdf., defende que se admite “a introdução de factos novos em qualquer fase do processo, seja em primeira ou segunda instância, em caso de acordo das partes ou confissão, nos termos dos artigos 264.º e 265.º, bem como o conhecimento oficioso pela Relação dos factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa e bem assim dos factos notórios e de conhecimento funcional, sejam eles velhos ou supervenientes, nos termos do n.º2 do artigo 5.º.
Contudo, estando em causa factos essenciais supervenientes, e inexistindo acordo das partes relativamente à sua introdução no processo, em face da inexistência de base legal que sustente a sua alegabilidade, não poderão tais factos ser alegados em sede de recurso.”

Como se diz no Ac. da RL de 08/03/2022, Proc. 8933/21.4T8SNT-A.L1-1, relatora: Fátima Reis Silva e subscrito também pela ora relatora enquanto 2ª adjunta, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: «Com uma posição menos restritiva Nicole Escudeiro Gabriel, in “A admissibilidade de alegação e conhecimento de factos supervenientes em sede de recurso cível”, dissertação para obtenção do Grau de Mestre orientada pelo Prof. Doutor Rui Pinto – Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Forenses, FDUL, Barreiro, 2014, pg. 54, disponível em https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/22393/1/ulfd131305_tese.pdf., defende que, havendo acordo das partes, é claramente admissível a alegação e o conhecimento pelo tribunal de recurso de factos supervenientes, a todo o momento, salvo se a sua apreciação implicar uma perturbação inconveniente para o julgamento da causa (dando como exemplo de perturbação inconveniente a necessidade de produção de prova testemunhal). Não havendo acordo, elabora que o princípio da estabilidade da instância não suporta, por si só a tese da proibição absoluta de alegação e conhecimento de factos essenciais supervenientes relativos ao mérito da causa em sede de recurso mas que a economia processual e a verdade material não podem  justificar tudo, pelo que não se deve admitir a alegação e o conhecimento de factos supervenientes sem impor algumas limitações: ser assegurado o princípio do contraditório, boa-fé na alegação e inexistência de perturbação inconveniente para o julgamento da ação.
Acrescenta que, tal alegação pode e deve ser considerada pelo tribunal de recurso se for realizada até ao termo do prazo para apresentação de alegações».

No caso sub judice, estamos em presença de um articulado no qual são alegados factos novos, articulado esse apresentado em fase de recurso e após a apresentação das respectivas alegações e contra-alegações e sem que haja acordo da parte contrária.
Em nosso entender e atenta a natureza desta fase de recurso, cuja decisão deve corresponder, como se viu, à situação existente no momento do encerramento da discussão na primeira instância e não havendo acordo da parte contrária quanto à introdução dos factos novos ora alegados pela requerida, o presente articulado superveniente não é admissível.
Mas ainda que se optasse pela tese mais ampla – de admissibilidade em determinadas circunstâncias da introdução de factos supervenientes na fase de recurso -, não existindo acordo das partes e tendo o articulado sido apresentado em momento posterior ao termo do prazo para apresentação das alegações e das contra-alegações, este concreto articulado, no qual, na tese da requerida, são invocados factos supervenientes essenciais para a decisão dos autos, não é admissível.
A circunstância de se estar em face de um processo de jurisdição voluntária, em que é mais forte a presença do princípio do inquisitório e muito menos a actuação do princípio do dispositivo, na medida em que o julgador pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, (art. 986.º CPC), de forma a atingir a solução mais adequada ao caso concreto e que melhor solucione o litígio em que é chamado a intervir, não colide com o que ficou referido.

Como afirma Antunes Varela (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1985, pg. 72, nota 1)a prevalência da equidade sobre a legalidade estrita, nas providências que o tribunal tome, não vai obviamente ao ponto de se permitir a postergação de normas imperativas aplicáveis à situação”. Julgar de acordo com critérios de conveniência e oportunidade não significa postergar regras processuais e substantivas basilares, como as que respeitam à natureza e ao regime dos recursos.
E assim sendo, evidente se torna que não poderá vir a ter lugar a anulação do julgamento realizado em 1ª instância para efeitos de ampliação da decisão relativa à matéria de facto tendo por base os factos ora alegados. Não sendo o articulado admissível nesta fase processual, não podem os factos em causa vir a ser considerados também para esse efeito.
Deste modo, não é igualmente admissível a junção aos autos dos documentos apresentados com o aludido articulado – os mesmos destinavam-se à prova de factos que, pelos fundamentos referidos, não podem ser considerados nestes autos.
Pelo exposto, o articulado superveniente apresentado pela recorrente terá que ser rejeitado, incluindo os documentos apresentados com o mesmo.
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C)–Das nulidades da sentença invocadas pela apelante C…, SGPS, SA
Nos termos do disposto no artº 663º, nº 2, do C.P.C. “O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º.”       
Considerando a ordem lógica de conhecimento das questões que constituem o objecto do presente recurso, há que decidir desde em primeiro lugar das nulidades da sentença.  
Invocou a apelante supra referida, requerida nestes autos de fixação judicial do prazo, que a sentença proferida enferma de nulidade por ambiguidade ou obscuridade que a torna ininteligível em virtude de o tribunal a quo não ter observado o disposto no artº 607º, nº4, do C.P.Civil na declaração nos factos que julgou não provados.
Sustentou igualmente que se verifica nulidade por omissão de pronúncia, invocado que a sentença nada refere relativamente à fundamentação dos factos que considerou como não provados.

Estabelece o nº 1 do citado artº 615º que a sentença é nula quando:
“(…)
c)-Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. 
d)-O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
(…)”

Relativamente ao primeiro fundamento invocado, dispõe, com efeito, o artº 607º, nº 4, do C.P.C. que “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

A Lei impõe ao juiz que tome posição directa sobre a factualidade especificando os factos provados e não provados e compreende-se que assim seja. Ao especificar os factos provados e não provados o juiz leva a cabo um exercício interior que se traduz em considerar todos os factos alegados. Externamente a afirmação dos factos provados e não provados (e a sua fundamentação) permitem aos destinatários da sentença compreender e sindicar (se necessário) o que é que o juiz teve em consideração.

Estas afirmações assumem tal relevância que a lei sanciona com a nulidade a sentença que: “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” – alínea b) do artº 615º, nº1, supra referido.
Todavia, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do art. 615º, mas já não a errada decisão no âmbito do erro de julgamento. Neste sentido, vide Acs. STJ, de 15-12-2011, relator Pereira Rodrigues e de 02-06-2016, relator Fernanda Isabel Pereira., onde se pode lerSó a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do NCPC, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento”.
No que respeita à ambiguidade ou obscuridade, como ensina Remédio Marques, in “Ação Declarativa à Luz do Código Revisto”, 3.ª Edição, pág. 667, «a ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, seja da sua parte decisória, seja dos respetivos fundamentos” e “a obscuridade, de acordo com a jurisprudência e doutrinas dominantes, traduz os casos de ininteligibilidade da sentença».
Também Antunes Varela e Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 693, adoptam uma posição idêntica, referindo que “o pedido de aclaração tem cabimento sempre que algum trecho essencial da sentença seja obscuro (por ser ininteligível o pensamento do julgador) ou ambíguo (por comportar dois ou mais sentidos distintos)”.
A nulidade com fundamento em ambiguidade ou obscuridade remete-nos para os casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto no aresto (obscuridade), determinando que os respectivos destinatários fiquem sem saber, inequivocamente, qual o resultado consignado na sentença.

In casu consta da sentença em termos de fundamentação de facto:
4.1- Está provado que:”, constando a seguir elencados 41 pontos.
4.2- Não está provado que:
Com interesse para a decisão da causa dão-se como não provados os factos alegados em oposição aos dados como provados, bem como os que não foi feita prova bastante para criar no tribunal tal convicção, nomeadamente:
i.-R… deu instruções ao revisor oficial de contas para que este deixasse e juntar as “Considerações sobre as Demonstrações Financeiras” ao seu relatório de fiscalização e certificação legal de contas relativas a 2018, nas quais sempre estiveram discriminadas as “Participações Financeiras” e os “Financiamentos obtidos”, respeitantes a suprimentos efetuados pelos acionistas à sociedade.
ii.-omissão das ditas “Considerações” enquadra-se numa tentativa do administrador único de vedar o reembolso dos mesmos ao aqui Requerente.
iii.-Existe uma impossibilidade objetiva (indisponibilidade de liquidez da Requerida) de proceder ao reembolso dos suprimentos nos termos propostos pelo Requerente.”

Da sentença constam os factos que o tribunal considerou que não se encontravam provados e a apelante entendeu este segmento decisório, conforme resulta da impugnação da matéria de facto apresentada pela mesma. Invocou que o tribunal a quo apreciou de forma incorrecta a prova produzida e indicou concretamente a demais factualidade que, no seu entender, face à prova produzida, terá ficado demonstrada.
Não se verifica, pois, a nulidade da sentença com fundamento em ininteligibilidade.
Por outro lado e no que concerne à omissão de pronúncia, esta está directamente relacionada com o comando fixado nº 2 do art. 608º do CPC – segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».

As questões aqui referidas são as questões relacionadas com o mérito da causa, balizadas pelo pedido deduzido, pela respectiva causa de pedir e pelas excepções peremptórias invocadas.
As questões a resolver não se confundem com os argumentos aduzidos, sendo constante a jurisprudência dos nossos tribunais no sentido que aquele preceito apenas impõe que o tribunal resolva todas as questões que as partes hajam submetido a julgamento – cfr, entre muitos outros, Ac. STJ, de 16/02/1995, Cons. Ferreira da Silva, BMJ 444, págs 595 e ss.  
     
O mesmo é defendido pela doutrina – cfr, entre outros, Lopes do Rego, Comentários ao CPC, vol. I, pág. 551, Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, 2ª vol., pág. 646 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 54.
Da exposição efectuada pelo tribunal a quodecorre que, efectivamente, este fez uma análise crítica da prova produzida, referindo o que foi declarado por B…, que foi nomeado no Proc. nº …, como administrador judicial da requerida C…, SGPS, SA e pelas testemunhas inquiridas. Da motivação da matéria de facto resultam as razões pelas quais, face ao referido pelas testemunhas, pelo Administrador Judicial e à prova documental, o Mmº Juiz a quo entendeu que os demais factos, nomeadamente os concretamente referidos, não se encontravam demonstrados. Da “Motivação da decisão de facto” resultam os fundamentos que determinaram que nada mais tenha ficado provado para além do que consta referido na sentença em termos de“Factos Provados”
  
Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17/12/2018, relator: José Alberto Moreira Dias, disponível em www.dgsi.pt:
Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º do CPC. e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.).
Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso (Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277).
Acresce precisar que conforme decorre do que se vem dizendo, os vícios da decisão da matéria de facto constituem erros de julgamento na vertente de “error facti” e como tal nunca constituem causa de nulidade da sentença com fundamento no art. 615º do CPC.
Na verdade, a matéria de facto encontra-se sujeita a um regime de valores negativos – a deficiência, a obscuridade ou a contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação -, a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação, não constituindo, por conseguinte, causa de nulidade da sentença, mas antes sendo suscetíveis de dar lugar à atuação pela Relação dos poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto operada pela 1ª Instância, nos termos do disposto nos n.º 1 e 2 do art. 662º do CPC (Ac. RC de 20/01/2015, Proc. 2996/12.0TBFIG.C1).”
Do que fica referido, resulta claro que as nulidades da decisão são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença, o que não é confundível com o erro de julgamento.
Pelo exposto e contrariamente ao invocado pela recorrente, a sentença não enferma das nulidades invocadas.
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C)–Da Impugnação da Decisão sobre a Matéria de Facto

Nos termos do artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios: «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).

Citando o Sr. Conselheiro Abrantes Geraldes: Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição de recurso (art. 641º, nº 2, al. b), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.(…) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.(…) – cfr Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 122 e 132.

Como consequência, segundo o mesmo autor, impõe-se a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto nas seguintes situações:
a)-Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b)- Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c)- Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d)- Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e)- Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f)-Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam alguns dos elementos referidos - Ob. cit, pág. 135.
Existe divergência jurisprudencial no que concerne a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no artigo 640º, nº1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. Artigos 635º, nº2 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil). O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se nos seguintes termos: No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Tomé Gomes, 299/05, afirma-se que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.»

No Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes,449/410, defendeu-se que servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, deverão nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos do ónus impugnatório, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. As conclusões do recurso não têm de reproduzir todos os elementos do corpo da alegação – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, 1060/07.

Como se defendeu no Acórdão do mesmo Tribunal de 29.10.2015, Lopes do Rego, 233/09, se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal da Relação, a rejeição do recurso com tal fundamento constituirá solução excessivamente formal e sem justificação razoável.  O ónus imposto ao recorrente na al. b) do nº1 do artigo 640º do Código de Processo Civil não se satisfaz com a simples afirmação de que a decisão devia ser diversa, antes exige que se afirme e especifique qual a resposta que havia de ser dada em concreto a cada um dos diversos pontos da matéria de facto controvertida e impugnados, pois só desta forma se coloca ao tribunal de recurso uma concreta e objetiva questão para apreciar – cfr Acórdão da Relação do Porto de 16.5.2005, Cunha Barbosa, 0550879.
De igual modo, não cumpre o ónus do aludido artigo 640º, nº1, do C.P.Civil, o recorrente que faz uma transcrição integral dos depoimentos que culmina com uma alegação genérica de erro na decisão da matéria de facto - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2015, Abrantes Geraldes, 961/10.
É também entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas – cfr  Acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018, respectivamente, nos processos nºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, segundo o qual: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Assim, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. art.º 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr a este respeito Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV vol., Coimbra Editora, 1987, pág. 566 e seg. e Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
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1.Da impugnação da matéria de facto apresentada pela requerida/apelante C…, SGPS, SA 
Considerando o teor das impugnações deduzidas, por uma questão de sistematização na apreciação das questões suscitadas, entende-se começar por decidir a impugnação apresentada pela requerida/apelante.
Começou esta por invocar que deve passar a constar do elenco dos factos dados como provados o seguinte:
42– No âmbito da comercialização de acessórios, a M…, tem vindo, ao longo dos anos, a desenvolver relações comerciais com diversos fornecedores, comercializando acessórios de diversas marcas”.

Diz que no artigo 63º da oposição invocou que “[n]o âmbito da comercialização de acessórios a M… tem vindo, ao longo dos anos, a desenvolver relações comerciais com diversos fornecedores (…)” e que do relatório do Conselho de Administração da M… relativo ao ano de 2019 e das declarações de B…, administrador judicial da recorrida e da testemunha R… C… resulta que a Kymco não é a única marca que aquela sociedade importa.
Os presentes autos tratam-se de uma acção para fixação judicial de prazo, processo de jurisdição voluntária e no que aos processos desta natureza estabelece o artº 986º do C.P.Civil:
1- São aplicáveis aos processos regulados neste capítulo as disposições dos artigos 292.º a 295.º.
2- O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias”.

Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, 2020, pág. 436, em anotação ao artigo em referência:
«O nº 2 prescreve a prevalência do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo, de modo que “os factos essenciais que constituam a causa de pedir não delimitam o âmbito de cognição do tribunal já que este pode considerar outros factos (complementares concretizadores, instrumentais, notórios, de que tenha conhecimento no exercício das suas funções ou que sejam constitutivos do desvio da função processual) para além daqueles que são alegados pelas partes” (António J. Fialho, ob. cit., p. 97), não estando dependente de nenhum ónus de alegação pelos intervenientes, na precisa medida em que pode conhecer oficiosamente os factos, quer por investigação própria, quer na sequência de alegação dos interessados. Todavia, esta prevalência do princípio do inquisitório não deve ser lida como uma dispensa do ónus da alegação da matéria de facto por parte dos intervenientes (porquanto persiste um princípio de autorresponsabilidade mitigada) e não os exime de fundamentar os pedidos formulados. A liberdade e iniciativa probatória do juiz tem como limite o objetivo prosseguido pelo processo especial em causa, bem como a adequação da medida a adotar à finalidade pretendida».

Temos, pois, nos processos de jurisdição voluntária a prevalência do princípio do inquisitório nos termos que supra ficam referidos.

Ouvidas as declarações de administrador da requerida nomeado judicialmente e da testemunha R… C…, filha do assistente R…, da conjugação crítica dos mesmos com o teor do Relatório do Conselho de Administração da sociedade M…, SA, relativo ao exercício de 2019, conclui-se que se encontra demonstrado que a aludida sociedade, participada da requerida, no âmbito da comercialização de acessórios tem vindo, ao longo dos anos, a desenvolver relações comerciais com diversos fornecedores, sendo a mesma a representante exclusiva em Portugal dos veículos motorizados da marca Kynco, dedicando-se ainda à venda de peças de diversas marcas para esse tipo de veículos.

Considerando que a requerida é a detentora da totalidade das acções da sociedade em causa e face ao que já consta dos pontos 4) e 24), a factualidade imediatamente supra referida pode assumir relevância para a decisão dos autos, segundo as diversas soluções plausíveis de direito, pelo que há que aditar a mesma aos factos provados como ponto 42).

Invocou ainda que, face às declarações do administrador B…, de R…, ROC da sociedade L…, & Associados, Sociedade de Revisores Oficiais de Contas que desempenha as funções de fiscal único da M…,SA e de R… C… se encontra demonstrado que a aludida sociedade “necessita, a curto prazo, de realizar investimentos de valor elevado para reposicionar a sua atividade”, factualidade que diz que também deve ser dada como provada.

B… referiu que os canais utilizados para a venda das motos “estão esgotados, portanto envelhecidos…” e que a empresa, se quiser manter-se no mercado com a exclusividade da marca de motos Kynco, vai necessitar que fazer investimentos para criar canais de distribuição próprios.

Nem as testemunhas, nem o declarante se referiram ao valor concreto do investimento que, neste caso, será necessário efectuar, sendo que R… C… referiu que “se calhar vamos precisar de 600 ou 700.000,00 € só para marketing…”, que a constituição de um site, “fora as manutenções normais, está à volta de 50, 60.000,00…”, que “só em informática é mais, são mais algumas centenas de milhares de euros que a M… precisa” e que “começando com dois concessionários Lisboa e Porto falamos muito facilmente de 1.000.000,00 €”. Não foram, no entanto, apresentados quaisquer documentos, nomeadamente estudos comparativos, que, ainda em termos de estimativa, permitam sustentar tais valores.

Dizer que a sociedade necessita, a curto prazo”, de realizar investimentos de “valor elevado” para reposicionar a sua actividade, assume natureza totalmente conclusiva no que respeita ao prazo e ao montante dos investimentos.
Por imperativo do disposto no artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, devem constar da fundamentação da sentença os factos – e apenas os factos – julgados provados e não provados, o que significa que deve ser suprimida toda a matéria qualificada como conclusiva.

Deste modo e considerado que a matéria em causa pode assumir relevância para a decisão dos autos, deve ser aditado aos factos provados o seguinte:
43)- A sociedade M…, para se manter no mercado como representante exclusiva das motos de marca Kynco, necessita de fazer investimentos para criar canais de distribuição próprios.

Sustentou ainda a requerida que deve ser dada como provado que:
“Existem artigos do stock da M… que são de rotação lenta” e que
“A M… precisa de grande parte dos recursos financeiros de que anualmente dispõe para assegurar a criação de stocks, que não é acompanhada de um retorno imediato”.
Diz, no essencial, que este último segmento resulta das declarações do administrador B… e da testemunha R… C… e que no sentido que existem artigos do stock da M… que são de rotação lenta pode ainda ver-se o depoimento da testemunha L….
Também esta matéria tem natureza conclusiva e já consta dos Factos Provados que a M… tem de pagar sempre a pronto a mercadoria que adquire aos seus fornecedores, sendo que os depoimentos referidos não permitem esclarecer quais os artigos que, concretamente, demoram mais a ser vendidos e ainda menos há quanto tempo os mesmos terão sido adquiridos pela sociedade. Tal factualidade também não foi concretamente alegada pelas partes.
Assim, nesta parte improcede a impugnação.
Sustentou igualmente a recorrente supra referida que a matéria constante do ponto  iii) dos Factos Não Provados se encontra demonstrada face ao que consta do Relatório de Gestão, Balanço e Certificação Legal de Contas da recorrente referentes ao exercício de 2019, ao declarado por B… e pelas testemunhas L… e R… C… Na sua perspectiva, deverá ser eliminada a referida matéria dos Factos Não Provados e aditado aos Factos Provados o seguinte:
A C. SGPS, SA, não poderá proceder ao reembolso dos suprimentos sem que haja uma distribuição prévia de dividendos por parte da M… de igual valor.
O plasmado na referida alínea iii) dos Factos Não Provados – Existe uma impossibilidade objetiva (indisponibilidade de liquidez da Requerida) de proceder ao reembolso dos suprimentos nos termos propostos pelo Requerente – não reveste natureza factual, objectiva. Pelo contrário, trata-se de matéria conclusiva, ou seja, de uma conclusão que poderá ser extraída de factos, nomeadamente dos relativos à situação económica e financeira da requerida M.., SGPS, SA.  Assim sendo e uma vez que, como se viu supra, da fundamentação da sentença apenas devem constar factos e não conclusões ou matéria de direito, a alínea em causa (iii) dos Factos Não Provados deve ser eliminada.
Do que fica exposto resulta que também não pode ficar a constar dos factos provados o pretendido pela recorrente. Saber se a mesma poderá (ou não) proceder ao reembolso dos suprimentos e em que circunstâncias trata-se igualmente de uma conclusão a extrair de factos.
Como se disse, o que há que verificar é que factos resultaram demonstrados factos relativos à situação económica e financeira da requerida.

Vejamos.

Do depoimento de L... resulta que a requerida não tem actividade própria, não tem empregados, não compra, nem vende quaisquer produtos, dependendo totalmente, em termos de rendimentos, da distribuição de lucros efectuada pela sua participada M…, SA. Disse que esta, por sua vez, no ano 2020 teve vendas de cerca de 1.400.000 €, mas que as “contas” deste ano não se encontravam “fechadas”. Declarou que os inventários em finais de 2020 eram no valor de € 1.600.000 €, número susceptível de ser rectificado caso se venha a apurar que existem artigos de lenta rotação ou que já se tornaram obsoletos e que justifiquem imparidades.
R…, ROC, que trabalha na sociedade que audita as contas da requerida e que é quem representa esta mesma sociedade – L... & Associados SROC - relativamente à auditoria das contas da sociedade M..., referiu que esta sociedade tem cerca de 2.300.000 €, 2.400.000 € em Caixa e Depósitos Bancários, segundo consta das últimas contas aprovadas.  Disse que as vendas da M… têm decaído, mas que a margem de lucro bruto se tem mantido.  

Resulta ainda dos documentos nºs 3, 4 e 5 juntos com o requerimento inicial, mais concretamente do documento de fls 37 – Balanço da requerida relativo ao período findo em 31 de Dezembro de 2017 que esta, na referida data, apresentava:



Conforme resultou dos elementos probatórios supra referidos, as contas de 2017 foram as últimas contas requerida que foram aprovadas.
Assim, deve ser aditado à matéria de facto provada sob o ponto 44)- o teor do Balanço supra, não podendo no mais ser deferido o requerido.
Invocou igualmente a apelante que deve ser aditado à matéria de facto provada o seguinte: Existe uma impossibilidade objetiva (indisponibilidade de liquidez da Requerida) de proceder ao reembolso dos suprimentos nos termos propostos pelo Requerente.
Também esta matéria tem natureza totalmente conclusiva e como já supra ficou referido, o que há que integrar a fundamentação são factos, pelo que não pode a matéria em causa ser aditada.
A requerida estriba o invocado na circunstância de o reembolso dos suprimentos que foi até agora efectuado pela mesma só ter sido possível em virtude de o resultado líquido positivo obtido em cada exercício pela M… ter vindo a ser repartido em duas partes iguais: uma delas destinada à constituição de reservas livres da referida sociedade e a outra tem vindo a ser entregue à requerida a título de distribuição de dividendos, quantias essas que eram utilizadas para o aludido reembolso, factualidade esta que, aliás, já consta dos factos assentes.
Para além dos aludidos factos, poderá ainda ter relevância para a decisão os relativos à situação económica e financeira da M…, SA. Encontram-se juntos os Balanços e as Demonstrações de Resultados da mesma relativos aos anos de 2018 e 2019 – fls 73v, 74 – com o requerimento inicial -, 218 e 219 – documentos juntos em 07/12/2020 -, respectivamente, documentos esses que não foram impugnados.
Assim, decide-se que deverão ser aditados aos factos provados os seguintes:
45)-Consta do Balanço da M.., SA, relativo a 31 de Dezembro de 2018:


46)-Consta da Demonstração dos Resultados da M..., SA, relativo ao período findo em 31 de Dezembro de 2018:


47)-Consta do Balanço da M..., SA, relativo a 31 de Dezembro de 2019:
ACTIVO

48)-Consta da Demonstração dos resultados da M...,SA, relativo ao período findo em 31 de Dezembro de 2019:

                              
Sustentou ainda a recorrente C…, SGPS, SA, que, atento o que consta do teor dos documentos juntos com o requerimento apresentado pelo assistente em 18/01/2021, deve ser aditado aos factos provados o seguinte:
- Ao longo de 2020, a M…, para fazer face às vicissitudes decorrentes da pandemia de Covid-19, candidatou-se a vários dos apoios que foram disponibilizados às pequenas e médias empresas, apoios esses que lhe foram concedidos.
- Com a obtenção dos apoios para fazer face às vicissitudes decorrentes da pandemia de Covid-19, a M… ficou obrigada a não distribuir lucros e dividendos, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamentos por conta.
Com o requerimento imediatamente supra aludido, o assistente R… juntou três documentos:
- Email enviado à requerida em 21 de Dezembro de 2020 por “Incentivo Delegação de Lisboa” – IEFP
- Termos de aceitação “Programa Apoiar” e 
- Documento bancário do qual resulta que, em 30/12/2020, foi efectuada pelo Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas transferência bancária para a conta da M… no valor de € 20.000,00.
Do e-mail resulta que, no âmbito das Medidas de “Incentivo Extraordinário à Normalização da Atividade Empresarial (Decreto-Lei n.º 27-B/2020, de 19 de junho e Portaria n.º 170-A/2020, de 13 de julho)”, foi deferido o pedido formulado pela sociedade, relativo a 12 trabalhadores sendo o valor aprovado de € 15.070,67€. Consta o ainda do aludido documento que “o período de duração das obrigações decorrentes da concessão do apoio tem início em 18-06-2020 e termina em 12-02-2021”, ou seja, em data muito anterior àquela em terminou a audiência final realizada nos presentes autos.
Por sua vez, do “Termo de Aceitação” resulta que a decisão favorável relativa à concessão de apoio no montante de € 40.000,00 foi tomada em 21 de Dezembro de 2020 e que durante o período de concessão do apoio, contado a partir da data de submissão da candidatura e nos 60 dias úteis subsequentes à apresentação do pedido de pagamento final, a beneficiária se obriga a não distribuir lucros e dividendos, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta.
Segundo o invocado e o que resulta do documento emitido pelo BCP, o 1º pagamento efectuado relativo a este incentivo – 50% do valor total - terá tido lugar em 30/12/2020.
De acordo com o que resulta do disposto no artº 9º da Portaria n.º 271-A/2020 de 24 de Novembro, o pedido de pagamento final, correspondente aos restantes 50 %, deve ser apresentado pelo beneficiário no Balcão 2020 no prazo mínimo de 60 dias úteis e máximo de 90 dias úteis, após o primeiro pagamento, podendo este prazo ser alterado por decisão da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Temático Competitividade e Internacionalização.
Assim, o pedido de pagamento final teria que ser efectuado até 6 de Maio de 2021, nada constando no sentido que tenha existido decisão a alterar o aludido prazo e o período pelo qual a beneficiária estava impedida de distribuir lucros e dividendos findou em 31 de Julho de 2021.

Deste modo, apenas poderá ter relevância para a decisão a seguinte factualidade, que assim se decide aditar aos factos provados:
49)–Na sequência de candidatura apresentada pela sociedade M… aos Incentivos à Liquidez - Programa APOIAR -, foi concedido o apoio à mesma no montante de € 40.000,00.
50)–Em 30/12/2020 foi efectuado o 1º pagamento relativo a tal apoio no montante de € 20.000,00.
Deve, pois, ser deferida nos termos supra referidos a impugnação apresentada pela apelante/requerida.
*

Da impugnação da matéria de facto apresentada pelo requerente/apelante F… 
No que respeita à impugnação apresentada pelo requerente, a matéria que a mesma invoca sob os pontos 1 a 4 resulta já dos factos que foram aditados sob os nºs 43 a 46, pelo que nada mais há a decidir no que a tal concerne. 
Invocou ainda o mesmo que, face ao depoimento da testemunha R…, se encontra demonstrado que a sociedade M… é proprietária de um armazém.
Não foi junto qualquer documento comprovativo de que a sociedade seja proprietária de um armazém, nomeadamente certidão da conservatória do registo predial, sendo o depoimento da testemunha de todo insuficiente para permitir tal prova. Esta limitou-se a referir que tem “ideia que sim. Sim. No imobilizado sim”. Desconhece-se de todo que tipo de imóvel está em causa, a situação jurídica e física do mesmo, não permitindo o depoimento a prova da factualidade em questão.

Pretende ainda a mesma que se adite à factualidade assente o seguinte:
6.- A sociedade M…, S.A. tem capacidade financeira e contabilística de devolver, de imediato, a totalidade do montante correspondente aos suprimentos dos accionistas na sociedade C…,  SGPS, SA, isto é, no montante de 2.200.000 Euros;
7.- Se a sociedade M…, S.A., distribuir 2.200.000 Euros ao accionista único C…, SGPS, SA ficará com capital próprio superior à soma do capital social e reservas;
8.- Os fundos que se encontram em caixa da sociedade M…, S.A. não geram proveitos para a sociedade;
9.- O Requerente é actualmente credor da sociedade Requerida C…SGPS, S.A. pelo montante de 1.100.000 Euros”.
Como já se veio dizendo, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.

Deste modo, a matéria de facto não pode integrar afirmações ou valorações de factos que se insiram na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta àquelas questões. Não se pode, pois, incluir na matéria de facto a valoração jurídica de factos, mas apenas as circunstâncias de vida subjacentes a essas valorações que as possam vir a sustentar.
A matéria referida no ponto 6. integra o thema decidendum do presente pleito, ou seja, ali está contida a solução que, segundo o apelante, deverá ser à questão em discussão nos autos, pelo que a mesma não poderá integrar a fundamentação de facto. Terá que ser o tribunal a concluir, face ao que resultou provado, se a M… tem capacidade financeira para devolver o montante correspondente aos suprimentos dos accionistas da sociedade C…, SGPS e em que circunstâncias.
O invocado sob os pontos 7. e 8. integra igualmente matéria que há-de resultar dos factos cujo aditamento foi supra determinado e o referido sob o ponto 9., além de não ser objecto de controvérsia entre as partes o montante que ainda é devido ao requerente por força dos suprimentos prestados à requerida, também resultará do que já consta dos Factos Provados, pelo que a impugnação da matéria de facto apresentada pelo requerente/apelante deve ser indeferida na íntegra.
*

Em resumo final, e por facilidade de compreensão, passa-se a transcrever-se a matéria de facto provada e não provada organizada de acordo com a parcial procedência da impugnação:

Factos Provados
1)–A Requerida C…, SGPS, S.A. (adiante designada Requerida ou “SGPS”) é uma sociedade que, como o próprio nome indica, tem como objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, encontrando-se devidamente constituída e legalizada para o desenvolvimento dessa atividade - cfr. certidão comercial permanente junta em anexo ao requerimento inicial (r.i.) como doc. nº 1que se dá por reproduzida.
2)–A Requerida foi constituída em 10.11.1995, sendo então o capital social de PTE 5.000.000$00 repartido pelos seguintes accionistas:
a)- M… – 33,2%
b)- R… – 33,2%
c)- F… – 33,2%
d)- M… C…(mulher de M… e Mãe de R… e F…) – 0,2%
e)- Actividades H…, Lda. (sociedade detida pela família a 100%) – 0,2%.
3)–A sociedade M…, SA, (adiante M… com o NIPC …, tem sede na Av. … e o capital social de 750 000,00 € – cfr. certidão comercial permanente junta em anexo r.i. como doc. nº 2 que se dá por reproduzida.
4)–A sociedade “M…” foi constituída em 1976 pelo Pai do Requerente, M…, tendo como atividades principais o comércio de peças e acessórios para veículos de duas rodas, bem como a comercialização destes e resulta da transformação em sociedade de uma empresa em nome individual iniciada há 80 anos por M…
5)–A sociedade “M…” foi criada e mantida com cunho eminentemente familiar pelo Pai, como forma de prover ao sustento e criação de riqueza para a família e ser por isso mesmo um património a deixar para os seus filhos e gerações vindouras.
6)–A sua gestão, em termos orgânicos, assentava por isso nessa base familiar e na confiança mútua que a mesma deveria gerar.
7)–Tendo sempre em vista a prossecução do interesse da sociedade como forma de prolongamento da família.
8)–A sociedade prosperou e chegou a avolumar um considerável montante de reservas e permitindo aos sócios, e em especial ao Pai, adquirir um conjunto de imóveis de relevante valor patrimonial.
9)–A composição do seu capital social, antes de ser criada a “SGPS”, era a seguinte:
a)- M… – 33,2%
b)- R… – 33,2%
c)- F… – 33,2%
d)- M… C… (mulher de M…e Mãe de R… e F…) – 0,2%
e)- Actividades H…, Lda. (sociedade detida pela família a 100%) – 0,2%
10)–Como reflexo desta estrutura familiar, a sociedade tinha três administradores - Pai, Requerente e R… -, sendo prática da empresa e seus sócios que todas as decisões fossem tomadas e assumidas por todos os sócios, especialmente as mais relevantes para a sua vida, como operações relativas ao seu capital, instalações, desenvolvimento de linhas de negócio, e equipamentos necessários ao seu funcionamento.
11)–A repartição igualitária entre sócios um dos princípios estruturantes desta sociedade “M…”.
12)–Os accionistas de ambas as sociedades, visando a obtenção de determinados benefícios fiscais, tomaram a decisão de constituir a Requerida com o propósito de passarem para a esfera patrimonial desta última a totalidade das ações representativas do capital social da M…, de que, à data, eram titulares.
13)–Por esse motivo, uma vez constituída a Requerida, os seus accionistas dando cumprimento ao propósito da sua constituição, deliberaram a aquisição pela mesma da totalidade das referidas ações – cfr. atas n.ºs 2 e 3 da assembleia geral da Requerida, juntas com a oposição e que se dão por reproduzidas.
14)–As acções em causa seriam vendidas ao preço de PTE 6.400$00, no valor global de PTE 960.000.000$00 (contravalor Eur 4.788.460,00€).
15)–Não tendo a Requerida liquidez suficiente para efectuar o pagamento do preço acordado, o seu acionista R… fez transferir de uma conta da sua titularidade junto do BCP, para a conta DO de que a Requerida era titular junto do Banco CISF a referida quantia total – cfr. doc. nº 5 junto com a oposição, que se dá por reproduzido.
16)–Quantia que a Requerida utilizou como suprimentos dos seus accionistas para efetuar o pagamento do preço de aquisição da totalidade das acções representativas do capital social da M…
17)–Para além dos referidos suprimentos, em 2001 e em 2002, os accionistas da Requerida vieram a constituir novos suprimentos no valor global de € 209.640,00, fixando-se a totalidade dos suprimentos realizados pelos accionistas da Requerida ao valor global de € 4.998.100,00 (quatro milhões novecentos e noventa e oito mil e cem euros).
18)–A partir do decesso do pai, o capital social passou a pertencer em exclusivo ao Requerente e seu irmão R…, em partes iguais (50% - 50%), representado à razão de 2.500 acções com o valor nominal de € 10, cada.
19)–Estrutura familiar da empresa que não se alterou com a criação da “SGPS”, nem com a venda da totalidade das acções representativas do capital social da “M…” à dita “SGPS”, ficando esta a deter a totalidade (100%) do capital daquela.
20)–Os accionistas decidiram que os esforços e dedicação empresarial continuassem a produzir-se na sociedade “operacional”, a “M…”, ficando a “SGPS” com um papel meramente simbólico de detenção da integralidade do capital social da “M…” e de mera administração e gestão formal da sociedade “operacional”.
21)–A administração da SGPS foi deixada a cargo de um só administrador (“administrador único”), sendo designado para o efeito R…
22)–O Requerente foi designado Presidente da Mesa da Assembleia Geral.
23)–Todas as decisões, quer na “SGPS”, quer na “operacional M…”, eram tomadas de comum acordo entre todos e todo o capital era detido em partes iguais.
24)–A Requerida tem como sua única participada a “M…, S.A.” (“M…”), que é uma sociedade que se dedica ao comércio de venda de máquinas e acessórios - cfr. certidão comercial permanente junta em anexo à r.i. como doc. nº 2 que se dá por reproduzida.
25)–Sem que tenha sido pactuada qualquer condição de reembolso dos suprimentos, desde 1996 que os acionistas têm vindo a ser reembolsados.
26)–A Requerida utilizou a liquidez resultante dessa distribuição de dividendos, para, em primeira linha, fazer face às despesas correntes da sua actividade e constituir reservas livres, e, posteriormente, proceder à amortização parcial do crédito de suprimentos, de forma igualitária entre os seus accionistas.
27)–Assim, o resultado líquido positivo obtido em cada exercício pela M… era repartido em duas partes: uma delas destinada à constituição de reservas livres da referida sociedade e a outra a ser entregue à Requerida a título de distribuição de dividendos, o que aliás, decorre das atas das assembleias gerais ordinárias da M… – cfr. doc. nº 8 junto com a oposição, que se dá por reproduzido.
28)–Os valores de cada uma dessas partes tinham em consideração, vários factores entre os quais se destacam as necessidades de investimento que se perspetivavam terem de ser colmatadas pela M… no ano subsequente.
29)–Este critério, que foi sempre aceite pelo Requerente, permitiu, simultaneamente:
i.- à Requerida, manter o seu equilíbrio financeiro;
ii.- à M…, desenvolver a sua actividade de forma sustentada; e
iii.- aos accionistas da Requerida, serem reembolsados dos valores por si mutuados à mesma a título de suprimentos.
30)–Até ao momento foram reembolsadas as seguintes quantias:





31)–Por deliberação datada de 26-04-2019, o administrador único da Requerida, destituiu o Requerente do seu cargo de administrador, e nomeou a sua filha (do administrador) R… C… para o cargo de administradora em substituição do Requerente – cfr. doc. nº 1 junto com a oposição e que se dá por reproduzido.
32)–Na sequência da destituição do cargo de administrador da M… cessaram os benefícios que lhe haviam sido atribuídos e foi cortado o acesso do Requerente ao seu correio eletrónico da sociedade, assim como a toda a informação referente ao grupo de sociedades.
33)–Estas deliberações são objecto de acção de anulação que se encontra a correr termos neste Tribunal.
34)–O Requerente convocou a reunião da Assembleia Geral para deliberar sobre os documentos de prestação de contas relativas ao exercício de 2018, em 24 de Setembro de 2019.
35)–O Requerente em 7 de Outubro de 2019 comunicou ao administrador único que pretende reaver a totalidade do valor de € 1.100.000 (um milhão e cem mil euros) de que é credor da sociedade C…, SGPS S.A. a título de suprimentos.
36)–No dia 9 de Outubro de 2019 foi informado que se encontravam à sua disposição, para consulta na sede da sociedade, os documentos de prestação de contas e o relatório do revisor oficial de contas, acompanhado da respetiva certificação – cfr. cópia de doc. nº 9 junto com o r.i., que se dá por reproduzido.
37)–Ao contrário do que sucedeu em todos os anos anteriores, esses documentos não vinham acompanhados das acima aludidas “Considerações sobre as Demonstrações Financeiras”.
38)–O Requerente votou contra a aprovação das contas, pelas razões que deixou consignadas em acta – cfr. doc. nº 11 junto com a p.i., que se dá por reproduzido.
39)–O Requerente não confia na boa gestão do dinheiro de que é credor.
40)–No início de 2018 a Bridgestone cessou, de forma unilateral o contrato de concessão que mantinha com a M…, facto que teve um impacto nas vendas e, consequentemente, nos resultados referentes ao exercício de 2018, por os seus produtos da Bridgestone assumirem um papel relevante no cross selling dos demais produtos.
41)–A M… tem de pagar sempre a pronto a mercadoria que adquire aos seus fornecedores, tendo, amiúde, de efectuar tal pagamento com a encomenda, só recepcionando a mercadoria cerca de um a dois meses depois.
42)–A sociedade M…, no âmbito da comercialização de acessórios tem vindo, ao longo dos anos, a desenvolver relações comerciais com diversos fornecedores, sendo a mesma a representante exclusiva em Portugal dos veículos motorizados da marca Kynco, dedicando-se ainda à venda de peças de diversas marcas para esse tipo de veículos.
43)–A sociedade M…, para se manter no mercado como representante exclusiva das motos de marca Kynco, necessitar de fazer investimentos para criar canais de distribuição próprios.

44)–Consta do Balanço da requerida relativo a 31 de Dezembro de 2017: 



45)-Consta do Balanço da M.., SA, relativo a 31 de Dezembro de 2018:


46)-Consta da Demonstração dos Resultados da M…, SA, relativo ao período findo em 31 de Dezembro de 2018:


47)-Consta do Balanço da M…, SA, relativo a 31 de Dezembro de 2019:
ACTIVO


48)-Consta da Demonstração dos Resultados da M…, SA, relativo ao período findo em 31 de Dezembro de 2019:

       
49)–Na sequência de candidatura apresentada pela sociedade M… aos Incentivos à Liquidez - Programa APOIAR -, foi concedido o apoio à mesma no montante de € 40.000,00.
50)–Em 30/12/2020 foi efectuado o 1º pagamento relativo a tal apoio no montante de € 20.000,00.
*

Factos Não Provados
Com interesse para a decisão da causa não estão provados os factos alegados em oposição aos dados como provados, bem como os de que não foi feita prova bastante para criar no tribunal tal convicção, nomeadamente:
i.- R… deu instruções ao revisor oficial de contas para que este deixasse e juntar as “Considerações sobre as Demonstrações Financeiras” ao seu relatório de fiscalização e certificação legal de contas relativas a 2018, nas quais sempre estiveram discriminadas as “Participações Financeiras” e os “Financiamentos obtidos”, respeitantes a suprimentos efetuados pelos acionistas à sociedade.
ii.- A omissão das ditas “Considerações” enquadra-se numa tentativa do administrador único de vedar o reembolso dos mesmos ao aqui Requerente.
*

Decidida que se encontra a impugnação da matéria de facto e fixada a mesma em conformidade com o referido, passemos a conhecer das questões suscitadas pelos recorrentes em termos de Direito.
*

C)–O Direito

Entendeu o tribunal a quo fixar o prazo para pagamento do crédito de que o requerente F… é titular sobre a requerida C…, SGPS, SA, crédito esse resultante de suprimentos efectuados por aquele à sociedade, nos seguintes termos:
A)–750.000,00 € (setecentos e cinquenta mil euros) até 31 de Dezembro de 2021;
B)–350.000,00 € (trezentos e cinquenta mil euros) nos sete anos subsequentes, à razão prestacional anual de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) até ao dia 31 de Dezembro.

Recorreram ambas as partes, invocando o requerente que os suprimentos deverão ser restituídos na íntegra e de imediato. Para o caso de se entender que deve ser observado um determinado fracionamento, deverá ser tido em atenção que a sociedade dispõe de disponibilidades para realizar tal reembolso, deverá ser mantido o pagamento inicial de € 750.000,00 até 31/12/2021 e fraccionado o restante num período de 2 anos.
Por sua vez, a requerida C…, SGPS, SA, alegou que a decisão recorrida não respeita o critério determinado pelo artigo 245º do CSC. Diz que o que foi relevante para a decisão foi apenas o facto de a sociedade M… ter capacidade económica e financeira para deliberar a distribuição de dividendos à recorrente, sua accionista, dividendos esses que, por sua vez, poderão ser utilizados por esta para reembolsar o requerente e o seu outro accionista dos suprimentos prestados. Sustentou que a M…, todavia, face aos montantes que terá que despender para se reposicionar no mercado e poder continuar a desenvolver a sua actividade, não poderá, sob pena de descapitalização, reembolsar os suprimentos ao requerente nos termos determinados.

Analisemos então a questão.

O processo especial de fixação judicial de prazo trata-se de um processo de jurisdição voluntária, estabelecendo o artigo 1026º do C.P.Civil que:
“Quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indica o prazo que repute adequado”.
A parte contrária é citada para responder e havendo resposta, o juiz decide, depois de efectuadas as diligências probatórias necessárias – artº 1027º, nºs 1 e 2.
Nos processos de jurisdição voluntária verifica-se o predomínio da equidade sobre a legalidade nos critérios do julgamento, estabelecendo expressamente o artigo 987º do CPC que: “Nas providências a tomar, o tribunal não está adstrito a critérios de legalidade estrita, devendo adotar, em cada caso, a solução que julgue mais adequada”. Como refere Alberto dos Reis, in Processos Especiais, vol. II, Coimbra Editora, 1982, pág. 400, o julgador “não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente, tem liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa”.    
«Quer isto dizer que o julgador deve fazer apelo aos critérios de adequação e proporcionalidade, à justa repartição dos encargos e dos benefícios entre as partes, procurando ponderar os seus interesses globais. Enquanto o juízo de conveniência implica que a “solução adotada satisfaça o interesse prosseguido”, o juízo de oportunidade “implica que essa solução é adotada no momento adequado à satisfação desse interesse”, o que significa que estes critérios concedem ao órgão jurisdicional uma certa margem de liberdade de decisão perante o caso concreto quando possa optar por uma de entre as várias soluções possíveis» - cfr Joana Costa Lopes, in Processos Especiais, vol. II., Coord. Rui Pinto e Ana Alves Leal, pag. 104.  

Encontra-se assente que a Requerida C…, SGPS, S.A. é uma sociedade que, como o próprio nome indica, tem como objeto a gestão de participações sociais noutras sociedades, encontrando-se devidamente constituída e legalizada para o desenvolvimento dessa actividade. Foi constituída em 10.11.1995, sendo então o capital social de PTE 5.000.000$00 repartido pelos seguintes accionistas:
a)- M… – 33,2%
b)- R… – 33,2%
c)- F… – 33,2%
d)- M… C…(mulher de M… e Mãe de R… e F…) – 0,2%
e)- Actividades H…, Lda. (sociedade detida pela família a 100%) – 0,2%.

A sociedade “M…” foi constituída em 1976 pelo pai do requerente, M…, tendo como actividades principais o comércio de peças e acessórios para veículos de duas rodas, bem como a comercialização destes e resulta da transformação em sociedade de uma empresa em nome individual iniciada há 80 anos por M…
A composição do seu capital social, antes de ser criada a “SGPS”, era a seguinte:
a)- M… – 33,2%;
b)- R… – 33,2%;
c)- F… - 33,2%;
d)- M… C… (mulher de M… e mãe de R… e F…) – 0,2% e
e)- Actividades H…, Lda (sociedade detida pela Família a 100%) – 0,2%.

Os accionistas de ambas as sociedades, visando a obtenção de determinados benefícios fiscais, tomaram a decisão de constituir a Requerida com o propósito de passarem para a esfera patrimonial desta última a totalidade das ações representativas do capital social da M…, de que, à data, eram titulares.
Por esse motivo, uma vez constituída a Requerida, os seus accionistas dando cumprimento ao propósito da sua constituição, deliberaram a aquisição pela mesma da totalidade das referidas acções – cfr. actas n.ºs 2 e 3 da assembleia geral da Requerida, juntas com a oposição.
As acções em causa seriam vendidas ao preço de PTE 6.400$00, no valor global de PTE 960.000.000$00 (contravalor Eur 4.788.460,00€).
Não tendo a Requerida liquidez suficiente para efectuar o pagamento do preço acordado, o seu accionista R… fez transferir de uma conta da sua titularidade junto do BCP, para a conta DO de que a Requerida era titular junto do Banco CISF a referida quantia total, quantia que a Requerida utilizou como suprimentos dos seus accionistas para efectuar o pagamento do preço de aquisição da totalidade das acções representativas do capital social da M…
Para além dos referidos suprimentos, em 2001 e em 2002, os accionistas da Requerida vieram a constituir novos suprimentos no valor global de € 209.640,00, fixando-se a totalidade dos suprimentos realizados pelos accionistas da Requerida ao valor global de € 4.998.100,00 (quatro milhões novecentos e noventa e oito mil e cem euros).
A partir do decesso do pai, o capital social passou a pertencer em exclusivo ao Requerente e seu irmão R…, em partes iguais (50% - 50%), representado à razão de 2.500 acções com o valor nominal de € 10, cada.
A estrutura familiar da empresa não se alterou com a criação da “SGPS”, nem com a venda da totalidade das acções representativas do capital social da “M…” à dita “SGPS”, ficando esta a deter a totalidade (100%) do capital daquela.
Sem que tenha sido pactuada qualquer condição de reembolso dos suprimentos, desde 1996 que os accionistas têm vindo a ser reembolsados, utilizando a requerida a liquidez resultante da distribuição de dividendos efectuada pela M…, para, em primeira linha, fazer face às despesas correntes da sua actividade e constituir reservas livres, e, posteriormente, proceder à amortização parcial do crédito de suprimentos, de forma igualitária entre os seus accionistas.
Assim, o resultado líquido positivo obtido em cada exercício pela M… era repartido em duas partes: uma delas destinada à constituição de reservas livres da referida sociedade e a outra a ser entregue à Requerida a título de distribuição de dividendos, conforme decorre das actas das assembleias gerais ordinárias desta sociedade.
Estabelece o artº 1º, nº1, da LSGPS - Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro – que: “As sociedades gestoras de participações sociais, adiante designadas abreviadamente por SGPS, têm por único objeto contratual a gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”.

Daqui resulta, como refere Engrácia Antunes, As sociedades Gestoras de Participações Sociais, in Direito das Sociedades em Revista, Ano I, Vol. I, Almedina, Março de 2009, pág. 95, o objecto da SGPS consiste na gestão e não na mera titularidade de participações sociais. Não se trata, no entanto, de uma qualquer gestão da carteira de participações sociais mas numa gestão estratégica dessas participações. Como diz o referido autor: “(…) mediante o exercício das posições de voto inerentes às participações sociais em carteira, o que verdadeiramente a sociedade participante pretende é assumir a «gestão estratégica» do conjunto das actividades e negócios sociais das respectivas participadas. Numa palavra, as SGPS portuguesas reconduzem-se ao modelo das «holdings» directivas, afastando-se assim inequivocamente das chamadas «holdings» financeiras.”     
Neste sentido Ana Perestrelo de Oliveira, Questões Avulsas em torno dos artigos 501º e 502º do Código das Sociedades Comerciais, RDS, IV, 2012, 4, pág. 876: «Conforme é comummente afirmado, a SGPS configura-se como “holding de direcção” ou “holding directiva”, o que significa que, apesar de não desenvolver directamente a actividade económica, utiliza a aquisição e gestão das participações sociais não como “fim em si mesmo” mas como “meio em relação a um fim”, visando a intervenção ativa na condução dos negócios sociais das participadas. Ao contrário da holding puramente financeira, não tem meramente como objectivo a rentabilização do investimento através da gestão das participações, assente numa lógica de risco. Antes se visa intervir e controlar ativamente a vida das participadas.
(…) a lei prevê expressamente que a sociedade exerça uma actividade económica ainda que através do exercício dos poderes inerentes à titularidade do capital social, o que significa que as SGPS são constituídas não apenas para gerar participações sociais mas para influir no exercício da actividade económica através do exercício dos poderes que decorrem da sua posição social.
(…)
Por outras palavras, a “holding de direcção” dirige – por definição – a sociedade-filha, desde logo através do exercício do poder de influência inerente aos votos de que dispõe – o que já por si bastaria para justificar o recurso à protecção conferida pelo artigo 502º, ex vi do artigo 11º do decreto-lei nº 495/88, de 30 de dezembro – ou através de outros quaisquer meios. Além de o carácter de jure ou de facto do poder da SGPS ser, em rigor, completamente irrelevante, veremos, de qualquer forma, que ele tem direto arrimo no artigo 503º, plenamente aplicável.
Se há acordo que a SGPS se configura como holding de direcção e se esta se caracteriza, como dito, por dirigir efectivamente a atuação das participadas, não há fundamento para rejeitar o poder de direcção sobre a participada nos termos do artigo 503º do CSC quando a SGPS detenha 100% do capital social. A aplicação dessa norma é pura decorrência, não só da remissão legal, mas da própria opção que a lei tomou quanto à configuração da SGPS não como pura holding financeira mas sim como holding de direcção».

Os resultados do exercício destas empresas consistem em grande parte na distribuição dos lucros das suas participadas.
Conforme resulta dos factos supra referidos, a requerida SGPS é detentora da totalidade do capital social da sociedade M… e para aquisição de tal capital social foram realizados suprimentos àquela pelos dois sócios – o requerente e o assistente R… Não foi pactuado qualquer prazo para reembolso dos suprimentos por parte da sociedade, encontrando-se ainda por reembolsar ao requerente € 1.100.000,00.

Estabelece o artº 243º, nº1, do CSC:
“Considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o crédito fique tendo carácter de permanência”.

Como refere Alexandre Mota Pinto, in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Coord. Jorge Coutinho de Abreu, Vol. III, Almedina, págs 651 e 652: “Através do contrato de suprimento o sócio disponibiliza, durante um certo tempo, dinheiro ou outros bens fugíveis a favor da sociedade.
Pelo mesmo contrato, a sociedade, que recebe a prestação do sócio, fica obrigada a restituir a este o dinheiro, ou outros bens fungíveis que lhe foram entregues. A restituição dos bens emprestados constituiu, pois, a prestação típica da sociedade, sendo que a obrigação de restituição constitui elemento essencial do contrato de suprimento, permitindo distingui-lo de outras figuras (v.g. de contribuições a fundo perdido, em que o sócio renuncia ao respectivo reembolso, ou de adiantamentos efetuados por conta de um aumento de capital futuro).”

In casu, muito embora as partes aceitem a existência dos suprimentos e que não foi estabelecido prazo para o respectivo reembolso, não existe consenso relativamente ao prazo em que tal reembolso deve ser efectuado.
Atento o disposto no artº 245º, nº1, do CSC, não tendo sido estabelecido prazo para o reembolso dos suprimentos, é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil; na fixação do prazo, o tribunal terá, porém, em conta as consequências que o reembolso acarretará para a sociedade, podendo, designadamente, determinar que o pagamento seja fraccionado em certo número de prestações.
Nestas situações, o sócio credor não pode exigir livremente, em qualquer momento, os suprimentos prestados sem prazo de reembolso. Esse regime implicaria graves prejuízos para a sociedade que, tendo, nomeadamente, investido os fundos emprestados, poderia ver-se, de um momento para o outro, confrontada com a obrigação de os restituir. Por isso a lei prevê que sócio e sociedade acordem na determinação do prazo de reembolso e não existindo acordo, que essa fixação seja efectuada pelo tribunal.

Diz Alexandre Mota Pinto, ob. cit., pág. 663: “o juiz pode, por um lado, estabelecer um prazo de pagamento que variará em função da situação financeira da sociedade. Sendo o suprimento um crédito a longo prazo, o sócio que financiou por esse meio a sociedade poderá, perfeitamente, suportar um prazo superior a um ano. Por outro lado, o juiz poderá utilizar a faculdade que o legislador lhe reconhece, de fracionar o pagamento num certo número de prestações, o que permitirá fixar prazos de pagamento superiores.” Não poderá, no entanto, “fixar um prazo tão longo que, em termos práticos equivaleria à sua não fixação”.  
Nesta fixação o juiz deve ter “em conta as consequências que o reembolso acarreterá para a sociedade” e no que concerne ao juízo sobre estas consequências, continua o mesmo autor: “(…) ao fixar o prazo o juiz não pode abstrair da configuração concreta que o suprimento assume enquanto prestação substitutiva de capital. Na realidade, é distinta a situação de uma sociedade que pode obter crédito no mercado, e por esse meio, pagar os suprimentos, da de uma outra sociedade que, face à sua crise financeira e à ausência de meios próprios terá muita dificuldade em efectuar o reembolso.
Ou seja, o tribunal não pode deixar de ter em conta o critério material de identificação dos suprimentos, concedendo um prazo mais alongado nas hipóteses em que (face ao balanço da sociedade) é notório que os suprimentos se encontram a substituir capital, e um prazo menos alongado quando essa função não seja tão notória.
Por outro lado, e embora o artigo 245º, 1, refira que o juiz deve, apenas, ter em conta as consequências do reembolso para a sociedade, parece-nos que não pode deixar de ter em conta uma visão global sobre a estabilidade da sociedade, incluindo a posição dos seus credores”.  

Dada a relação societária existente entre a requerida e a sociedade M…, para efeitos de fixação do prazo de reembolso dos suprimentos por aquela ao requerente, há que analisar o que ficou demonstrado em termos da situação económica e financeira da M…
Conforme resulta das respectivas demonstrações de resultados, as vendas efectuadas por esta de 2017 para 2019 passaram de cerca de 3,4 para 1,8 milhões de euros.
No entanto, analisando os balanços da sociedade, verifica-se, em termos de valores do activo corrente:
                                                             
Estes elementos dizem-nos que a sociedade M… dispõe, no imediato, de mais de 2,4 milhões de euros e se é certo que os bens existentes em stock poderão vir a não ser revendidos pelo valor estimado, o que é certo é que a M… dispõe de “inventários” avaliados em valor superior a 1,5 milhões de euros e não consta que nos anos de 2017, 2018 e 2019 não consta que tenham sido contabilizadas depreciações de stocks.

Ficou demonstrado que a sociedade em causa necessita de fazer investimentos para criar canais de distribuição próprios. Não se apurou, no entanto, em quanto importarão concretamente tais investimentos, nem as perspectivas e segmentos de mercado que se pretende atingir com os mesmos, quando terá lugar a sua concretização, não tendo sido juntos documentos tendentes a demonstrar quais os investimentos a realizar em concreto e os depoimentos das testemunhas também não permitiram a prova da factualidade em causa.

Como refere o Mmº Juiz a quo há também que tomar em consideração a possibilidade de o accionista R… reclamar o seu crédito de suprimentos junto da sociedade requerida. Diz Raúl Ventura, in Sociedade por Quotas, vol. II, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 1989, pág. 136: “…os credores por suprimentos são sócios e os suprimentos têm uma função social. Assim como os sócios devem ser igualmente tratados para outros efeitos, assim o devem ser para este”.  
      
Considerando tudo o apurado e ponderando as consequências que o reembolso acarretará para a sociedade, tem que se concluir que, contrariamente ao invocado pelo requerente, os factos não permitem concluir que os suprimentos ainda não restituídos ao requerente o devam ser na íntegra e de imediato. Tal situação, atento o valor avultado dos suprimentos a restituir, poderia colocar em risco a necessidade da requerida fazer face às despesas inerentes ao seu giro comercial, uma vez que, além do mais, como se sabe, é prática generalizada o pagamento por parte dos clientes não é efectuado de imediato, demorando, no mínimo, dois a três meses a ter lugar.
No entanto, também não há fundamento para fixar o prazo de restituição nos termos referidos pela requerida.  
Por um lado, não se pode deixar de atender ao facto de estarem em causa suprimentos prestados há mais de 20 anos. Por outro, sujeitar a restituição às condições referidas, que sempre se tratariam de condições de verificação incerta e como tal, não admissíveis para os efeitos em apreço ou ainda determinar que a restituição tenha lugar no prazo de 18 anos, em prestações, equivaleria, em termos práticos, à não fixação de qualquer prazo, o que também não é de todo admissível.
Contrariamente ao invocado pela requerida, não resulta dos elementos carreados para os autos que a sociedade M… se encontrasse à data da sentença proferida nos autos impossibilitada de distribuir lucros e dividendos em virtude da obtenção dos apoios recebidos para fazer face às vicissitudes decorrentes da pandemia de Covid-19.
Ficou demostrado que, na sequência de candidatura apresentada pela sociedade M… aos Incentivos à Liquidez - Programa APOIAR -, foi concedido o apoio à mesma no montante de € 40.000,00 e que em 30/12/2020 foi efectuado o 1º pagamento relativo a tal apoio no montante de € 20.000,00.
O Regulamento do Programa Apoiar foi aprovado pela Portaria nº 271-A/2020, de 24 de Novembro, estabelecendo o artº 14º desta mesma Portaria, com a epígrafe Obrigações dos beneficiários, que: “Durante o período de concessão do apoio, contado a partir da data de submissão da candidatura, e nos 60 dias úteis subsequentes à apresentação do pedido de pagamento final, o beneficiário não pode:
a)-Distribuir lucros e dividendos, sob qualquer forma, nomeadamente a título de levantamento por conta; (…)”

O período de concessão do apoio decorre entre a data da submissão da candidatura e os 60 dias subsequentes à apresentação do pedido de pagamento final e é durante este período que o beneficiário do apoio não pode distribuir lucros.

De acordo com o disposto no artº 9º, nº2, do mesmo diploma, os pagamentos obedecem aos seguintes procedimentos:
a)- É processado um pagamento automático inicial após a validação do termo de aceitação, no montante equivalente a 50 % do incentivo aprovado;
b)- O pedido de pagamento final, correspondente aos restantes 50 %, deve ser apresentado pelo beneficiário no Balcão 2020 no prazo mínimo de 60 dias úteis e máximo de 90 dias úteis, após o primeiro pagamento, podendo este prazo ser alterado por decisão da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Temático Competitividade e Internacionalização”.

Não foi invocado que tenha existido qualquer decisão a alterar o prazo para apresentação do pedido de pagamento final, pelo que tem que se concluir que tal pedido teria que ter sido apresentado pela M…até 7 de Maio de 2020. Foi até essa data que a sociedade se obrigou a não distribuir lucros ou dividendos.

Assim, quando terminou a audiência final nos presentes autos já havia terminado o prazo pelo qual a sociedade se encontrava obrigada a não efectuar tal distribuição.

Nestes termos, entendemos que, face ao que resultou provado, a distribuição imediata de dividendos no montante de 1,5 milhões de euros não afectará o funcionamento da actividade actual da sociedade, a qual, como se viu, tem em caixa e em depósitos mais de 2,4 milhões de euros.

Como de diz na sentença recorrida: “(…) se a M… vir a sua atividade reduzida ao ponto de essa atividade não se manter a si própria, não é à custa de dividendos que pode continuar a viver, salvo se tal for necessário por um período que não seja relativamente longo, a fim de que possa voltar a ser capaz de gerar fundos com vista ao autofinanciamento”.

Entendemos igualmente que a restituição do restante nos moldes fraccionados fixados pelo Mmº Juiz a quo também respeita as regras que resultam dos preceitos supra citados.
O prazo de restituição nos termos estabelecidos permite um equilíbrio entre os interesses da requerida e do sócio requerente, improcedendo, assim, os recursos interpostos. 
*

IV–DECISÃO

Por todo o exposto, acordam as Juízas deste Tribunal da Relação em:
a)-Rejeitar, por inadmissível, o articulado superveniente apresentado pela  requerida/apelante C…, SGPS, SA e
b)-Julgar improcedente o recursos de apelação interposto pelo requerente, bem como o interposto pela requerida, mantendo-se em consequência a sentença recorrida.
Custas do incidente respeitante à apresentação do articulado superveniente pela requerida, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs e do recurso por ambos os recorrentes – artº 527º do CPC
Registe e notifique.



Lisboa, 10/05/2022


           
Manuela Espadaneira Lopes
Paula Cardoso
Renata Linhares de Castro