Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
915/13.6TBALM.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
RETRIBUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -Tendo os réus celebrado escritura pública de compra e venda com interessado que lhe foi indicado pela autora, mediadora imobiliária, no âmbito de um “Contrato de Mediação Imobiliária”, o incumprimento de tal contrato por parte dos réus não afasta a obrigação de pagamento da respectiva comissão, verificando-se que constitui mero expediente por parte dos réus contraentes de se eximirem a esse pagamento.
-O contrato de mediação imobiliária só está concluído caso o negócio se realize, independentemente de vir ou não a ser cumprido, adquirindo a mediadora o direito a receber a comissão quando o seu trabalho influi na conclusão do negócio.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I-RELATÓRIO:


“N... - Mediação Imobiliária, Lda” intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo experimental, prevista no DL nº 108/2006 de 8 de Junho, contra F... e M..., pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento da quantia de € 6.150,00,  acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que celebrou com os réus contrato de mediação imobiliária, em regime de não exclusividade, relativamente à fracção autónoma designada pelas letras “BF”, sita no 2º andar direito, com entrada pelo nº 975, da Rua das Lousas, Ap. 24, Valongo.

A autora angariou interessados para a compra do imóvel, pelo preço de € 50.000,00 (valor pretendido pelos réus), mas que estes se recusaram a vender depois de haver reserva assinada pelos compradores, S... e marido D..., acompanhada de um cheque assinado pelo marido D..., no montante de € 2.500,00.

Mais tarde, a autora veio a ter conhecimento de que, em 28 de Abril de 2011, os réus haviam alienado a referida fracção àqueles clientes da autora, S... e D..., sem pagar à autora qualquer remuneração.

A autora solicitou aos réus o pagamento dos serviços a ela devidos, mas os réus recusam-se a pagar-lhe a comissão que lhe é devida.

Contestaram os réus, referindo que desconhecem se a autora existe juridicamente, qual é a sua gerência e quem a vincula. E ainda que lhe foi dada a conhecer uma reserva mas que, depois disso, nada mais lhe foi comunicado pela autora, tendo acabado por vender aos compradores, uma vez que estes os procuraram directamente, insatisfeitos com a actuação da autora.

Foi proferida SENTENÇA que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido.

Não se conformando com a sentença, dela recorreu a autora, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

I-O presente recurso visa a impugnação da sentença recorrida, quer quanto à questão de facto, quer quanto à questão de direito.
II-Antes de mais, entende a autora que em vária sede a decisão recorrida é inválida/nula, quer por omissão de pronúncia, quer por contradição entre a matéria dada como assente, fundamentação e a decisão, nos termos expostos, e como melhor se demonstrará nas seguintes conclusões. Depois
III-São as seguintes as respostas constantes da decisão recorrida quanto à questão de facto de que a autora discorda:
-A forma como o tribunal a quo entendeu responder aos factos nas alíneas a), b), c), e), f), g) e h)
IV-O tribunal da 1ª instância, sob a perspectiva da autora deveria ter dado como provada, sem qualquer limitação, a resposta à matéria de facto das alineas a), b), c), e), f), g) e h)
V-Não o tendo feito, o tribunal de 1ª Instância, deve sempre em qualquer caso alterar as respostas a tais alíneas da mateira, a Relação de Lisboa, nos termos dos poderes que a lei lhe confere, v.g. artigo 662º do CPC, visto estarem reunidos nos autos todos os pressupostos legais para o efeito – o que se requer e no que se confia.
VI-A autora baseia e fundamenta esta sua pretensão nos seguintes elementos probatórios:
-o alegado pelas partes, quer em sede da p.i., quer em sede da contestação;
-nos documentos juntos com a p.i., quanto ao contrato de Mediação Imobiliária, Aditamento ao Contrato, Ficha de Reserva, escritura de compra e venda e a carta de interpelação dos réus para o pagamento da comissão devida;
-no depoimento da testemunha R... prestado na audiência de 17/09/2015, Gravação digital de 00.00.19 a 00.19.39;
-no depoimento pela testemunha D... prestado na audiência de 17 de Setembro de 2015, Gravação digital de 00.45.15 a 01.06.15;
VII-É sabido que a lei portuguesa estabelece o princípio da livre apreciação de provas – artº 655º do CPC.
VIII-Trata-se, no entanto, de um poder/dever vinculado.
IX-Isto para concluir, em sede geral que o princípio da livre apreciação da prova não é um principio desvinculado, “absoluto” e muito menos “arbitrário”.
X-O tribunal valorou erradamente a prova à qual a lei confere valor pleno (documentos autênticos e não impugnados pelas partes), valorou indevidamente quer no sentido positivo, quer no sentido negativo, o depoimento do réu, não valorou adequadamente a perícia realizada ao local, valorou de forma incorrecta a prova testemunhal e permitiu até a produção de prova testemunhal a factos que não devia conceder, tudo conforme exposto
XI-No entender do autora, também a solução dada pelo tribunal a quo, para a questão de direito, é errónea.
XII-Antes de mais, alterada a decisão da 1ª instância sobre a questão de facto, por maioria de razão, deve alterar-se a decisão de direito, no sentido da procedência total da acção.
XIII-A autora veio apresentar a juízo vários pedidos contra os réus, a saber:
“.. e os réus condenados a pagar à autora a quantia de € 6.896,38, acrescida de juros legais até integral e efectivo pagamento”.
XIV-Ora, face à matéria que deve dar-se como provada, nos termos expostos, pelo tribunal as als. a), b), c), e), f), g) e h) dos factos não provados, e assim o pedido no petitório, valorou indevidamente quer no sentido positivo, quer no sentido negativo, a prova testemunhal, tudo conforme exposto.
XV-No entender da autora, também a solução dada pelo tribunal a quo, para a questão de direito, é errónea.
XVI-Antes de mais, alterada a decisão da 1ª instância sobre a questão de facto, por maioria de razão, deve alterar-se a decisão de direito, no sentido da procedência total da acção.
XVII-Com efeito, está dado como provado que os réus assinaram um contrato de mediação com a autora, que os réus posteriormente reduziram o valor do imóvel, por aditamento ao contrato, que a autora, diligenciou no sentido de encontrar interessados na aquisição do imóvel dos réus, que os compradores que realizaram o negocio com os réus, viram o imóvel com a autora, efectuaram uma reserva para esse imóvel dos réus, pelo preço que este queriam e que acabaram por efectuar o negócio.
XVIII-Ora, face a este quadro, tem a autora direito a receber a comissão que lhe é devida pelos réus, face ao cumprimento das suas obrigações.
XIX-Donde só se possa concluir pela procedência de tal pedido contra os réus.
Acresce que,
XX-A sentença recorrida errou também na apreciação (consideração de outras normas de direito que utilizou para afastar indevidamente a responsabilidade dos réus).
XXI-Está porém dado como assente que os réus realizaram contrato de mediação imobiliária com a autora.
XXII-Está dado como assente que os réus alteraram o preço inicial pelo qual colocaram à venda o seu imóvel, através de um aditamento ao contrato.
XXIII-Está dado como assente que os compradores do imóvel dos réus, realizaram uma reserva daquele imóvel através da autora.
XXIV-Há nexo causal entre a actividade desenvolvida pela autora, no âmbito do contrato celebrado com os réus, durante a sua vigência e o negócio que estes vieram posteriormente a celebrar, com os clientes angariados pela autora.
XXV-A remuneração é devida porque o contrato previsto foi realizado (nº 1 do artº 18º do Decreto-Lei nº 211/2004).
XXVI-O resultado a que a autora se obrigou (conseguir interessado na realização do negócio) foi atingido.
XXVII-Tal resultado está, como visto, demonstrado quer face à matéria dada como assente nos autos, pelo que deveria o tribunal ter condenado os réus a pagar à autora a comissão devida
XXVIII-O que uma decisão não pode, é dar como provado/assente determinados factos (diga-se essenciais para a verificação do direito da autora) e, depois, decidir que talvez não tenha sido pela intervenção da autora que os clientes que esta angariou, tivessem adquirido o imóvel.
XXIX-Pelo que antes de mais, a autora entende que a sentença nesta parte é também nula por contradição entre a matéria dada como assente, os fundamentos e a decisão
XXX-Assim a autora considera a subsunção de direito errada, face à matéria dada como assente.
XXXI-Uma coisa não pode ser o que é, e a sua contrária simultaneamente.
XXXII-O que uma decisão não pode, é dar como assente todos os factos essenciais e, depois, decidir que nada se encontra provado e tecer considerações completamente desajustadas - existe desde logo, aqui e à partida, uma insanável contradição
XXXIII-Violou, assim a sentença recorrida, por erro na aplicação da lei, diversas disposições legais, nomeadamente as normas dos artigos 5º, 152º, 411º, 412º, 413º, 414º, 607º, 649º, 655º e 662º todos do CPC e artº 2º e 18º, do Decreto-Lei nº 211/2004 e artº 342º e 1154º do Cód. Civil
Termina, pedindo que seja revogada a decisão recorrida e substituir-se por outra que julgue a acção procedente por provada, alterando-se antes de mais, se necessário, a decisão recorrida quanto à questão de facto.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II-FUNDAMENTAÇÃO.

A) Fundamentação de facto.

Mostra-se assente a seguinte matéria de facto:

A)A autora é uma sociedade que tem por objecto Social a mediação imobiliária e administração de imóveis por conta de outrem (documento fls. 108 e artº 1º PI).
B)A autora, é detentora da licença AMI 7424. (documento nº 1, fls. 15 e artº 2º PI).
C)Em 15 de Julho de 2010, no âmbito da sua actividade comercial, autora e réus celebraram acordo denominado de “Contrato de Mediação Imobiliária”, pelo período de nove meses, no âmbito do qual, os réus declararam ser donos de uma fracção autónoma designada pelas letras “BF”, sita no 2º andar direito com entrada pelo nº 975 da Rua das Ousas, Ap. 24, conforme contrato escrito junto a fls. 16 a 18 – (artº 3º PI).
D)Por sua vez, a autora obrigou-se, no âmbito de tal contrato, a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra daquele imóvel, pelo preço de € 60.000,00, desenvolvendo para o efeito acções de promoção – (artº 4º PI).
E)Mais tendo sido acordado que qualquer alteração ao preço fixado deveria ser comunicada, de imediato, por escrito à autora, e que tal contrato era efectuado em regime de não exclusividade – (artº 5º PI).
F)No âmbito do referido contrato, ficou ainda convencionado que a remuneração a atribuir à autora seria na quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio viesse a ser efectivamente concretizado, acrescido de IVA à taxa legal – (artº 6º PI).
G)E ainda, "cláusula 5ª", do referido contrato, foi aposta uma cruz, na opção aí prevista, de que, o total da remuneração, nunca poderia ser inferior a 5.000,00 euros, acrescida de IVA à taxa legal em vigor – (artº 7º PI).
H)Em Setembro de 2010, os réus decidiram baixar o preço pelo qual pretendiam alienar o imóvel de € 60.000,00 para € 50.000,00, no sentido de facilitar a sua venda, tendo efectuado o aditamento que constitui documento 3, a fls. 19 – (artº 10º PI).
I)S... e marido D... ficaram interessados na compra da fracção supra identificada, pelo preço de € 50.000,00 – (artº 11º PI).
J)S... e D... assinaram uma ficha de reserva para o referido imóvel dos réus junto da autora – (artº 12º PI).
K)Como é prática comum nas empresas de Mediação Imobiliária, a formalização da intenção de compra dá-se sempre, num primeiro momento, pelo preenchimento de uma ficha de reserva (contrato com um clausulado específico para o efeito), acompanhado pela entrega um cheque assinado pelo marido, D..., no montante de € 2.500,00, datado de 02/02/2011, com o objectivo de titular a reserva da compra do referido imóvel dos réus, ficando o mesmo na posse da imobiliária como fiel depositária do mesmo – (artº 13º PI).
L)De tal proposta de reserva efectuada pelos potenciais compradores, a autora deu de imediato conhecimento ao réu marido, tendo-lhe comunicado a reserva efectuada pelos referidos D... e S..., o valor por estes proposto para a aquisição (50.000,00 €) e que esta reserva se encontrava acompanhada de um cheque no valor de € 2.500 - (artº 14º PI).
M)A autora veio a ter conhecimento de que, em 28 de Abril de 2011, na Primeira Conservatória de Registo Predial da Maia, os réus haviam alienado o imóvel acima melhor descrito, por escritura pública, a S... e marido D... – (artº 20º PI).

B)Fundamentação de direito.

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável por força do seu artigo 5º nº 1, em vigor desde 1 de Setembro de 2013, são as seguintes:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto;
- A questão de direito.

NULIDADE DA SENTENÇA.
Argumenta a apelante que a sentença é nula, por omissão de pronúncia e por contradição entre a matéria dada como assente, os fundamentos e a decisão.

Cumpre decidir.

Embora não o invoque expressamente, a apelante refere-se ao preceituado no artigo 615º nº 1 alªs c) e d) do Código de Processo Civil.

Importa conhecer das aventadas nulidades da sentença, tal como expresso no requerimento da apelante.

O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), preceitua o seguinte:
“1.Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
2.É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.
3…”.
Dispõe o artigo 615° n°1 nas alíneas c) e d) do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando:
c)os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d)o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A nulidade da alínea c) - contradição entre a decisão recorrida contida no acórdão e a sua fundamentação.

Esta nulidade ocorre quando o raciocínio do juiz aponta num sentido e, no entanto, decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente[1].

Tende por vezes a confundir-se com o erro de julgamento.

Anselmo de Castro[2] considera que a alínea c) nem tem autonomia em relação à alínea b) (falta de fundamentação de facto e de direito).

E em relação à alínea sublinha que só existe nulidade quando falta em absoluto a fundamentação.

Não faltando em absoluto, haverá fundamentação errada, que contende apenas com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produzindo nulidade.

Esta nulidade remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos.
Por vezes torna-se difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, que é aquele que está na origem da decisão.

No acórdão do STJ de 30/9/2010[3], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error júris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”.

Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artº 668º do CPC, são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito[4].

Ora, no caso dos autos, a verdade é que a apelante invoca erradamente esta nulidade a propósito da sua discordância quanto ao erro de julgamento, ou seja, quanto à apreciação pelo tribunal da matéria de facto.

É que basta ler a sentença para concluir imediatamente que os fundamentos apontam no sentido da decisão proferida, pelo que não padece do apontado vício, sendo totalmente descabida tal afirmação, pois que o raciocínio lógico seguido na decisão teria de conduzir à improcedência da acção, não existindo qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, pois o inverso é que conduziria a eventual nulidade.

Coisa diversa é a apelante discordar da decisão da matéria de facto, o que se irá tratar de seguida.

Conclui-se, pois que a sentença não padece do apontado vício.

A nulidade da alínea d) – omissão de pronúncia.

Esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608° n°2 do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".

Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Como já ensinava o Professor Alberto dos Reis[5] " São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão".

Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[6].

Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente deve conhecer (artigo 608° n° 2 do CPC) à excepção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pela anterior conhecimento de outros. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui[7]

Tomadas estas considerações, diremos que também esta nulidade é manifestamente descabida, pois a respectiva argumentação não constitui mais do que uma simples consideração ou argumento lateral produzido pela apelante, sem qualquer interesse para a boa decisão da causa.

Foram especificados os fundamentos de facto e de direito da parte dispositiva da sentença, que não são contraditórios com esta, e houve pronúncia sobre todas as questões que cumprira conhecer, sem que tenha ocorrido qualquer omissão de pronúncia.
Para tal conclusão basta percorrer a sentença na sua forma e substância.

IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO.
A autora impugna a decisão proferida na primeira sobre matéria de facto dada como não provada relativamente às alíneas A) e B).

A sentença deu como não provado.
a)Que a autora tenha efectuado esforços e diligências no sentido de encontrar potenciais interessados para a compra do imóvel acima identificado.
b)Que tenha sido a autora quem angariou os compradores, no sentido de conseguir que estes exteriorizassem uma decisão final de adquirir a fracção acima identificada.

A matéria da alínea A) corresponde ao alegado pela autora no artigo 8º da petição inicial, enquanto a da alínea B) teve origem no alegado no artigo 11º e 12º da mesma petição inicial.

Entende a apelante que tais factos devem ser provados, ou seja, que a autora desenvolveu esforços no sentido de encontrar potenciais compradores e ainda que foi a autora que angariou os compradores que efectivamente adquiriram o imóvel.

Cumpre decidir.

Efectivamente, mostra-se provado que:
“I)S... e marido D... ficaram interessados na compra da fracção supra identificada, pelo preço de € 50.000,00 – (artº 11º PI).
J)S... e D... assinaram uma ficha de reserva para o referido imóvel dos réus junto da autora – (artº 12º PI).
K)Como é prática comum nas empresas de Mediação Imobiliária, a formalização da intenção de compra dá-se sempre, num primeiro momento, pelo preenchimento de uma ficha de reserva (contrato com um clausulado específico para o efeito), acompanhado pela entrega um cheque assinado pelo marido, D..., no montante de € 2.500,00, datado de 02/02/2011, com o objectivo de titular a reserva da compra do referido imóvel dos réus, ficando o mesmo na posse da imobiliária como fiel depositária do mesmo – (artº 13º PI).
L)De tal proposta de reserva efectuada pelos potenciais compradores, a autora deu de imediato conhecimento ao réu marido, tendo-lhe comunicado a reserva efectuada pelos referidos D... e S..., o valor por estes proposto para a aquisição (50.000,00 €) e que esta reserva se encontrava acompanhada de um cheque no valor de € 2.500 - (artº 14º PI).”

Vejamos, então, os depoimentos das testemunhas:

R..., funcionária da autora desde 2010, não conhece pessoalmente os réus, apenas manteve contactos telefónicos e via email com o réu.
Advogado A: explicou que não conhece pessoalmente o Sr. F... mas que falou com ele diversas vezes ao telefone com o Sr. F..., gostaria agora que começasse por explicar
porque é que falou ao telefone com o Sr. F..., porque é que ele aparece, como é que o conhece?
R...: Eu estou ligada à área processual, ou seja sou eu que trato dos financiamentos do nossos clientes, e como eu recebi uma reserva de compra do imóvel que o Sr. F... tinha em Valongo, falei com ele no sentido de dizer que ia proceder ao financiamento e logo que tivéssemos o financiamento aprovado iríamos partir para a avaliação e de seguida a escritura essa é a minha função
Advogado A: pelo que eu percebi.
R...: eu falei com ele nesse sentido, tinha havido uma reserva para o apartamento dele e o financiamento ia decorrer normalmente
Advogado A: Ou seja interveio já numa fase posterior … no âmbito de um contrato de mediação, o que eu queria esclarecer é, o Sr. F... celebrou um contrato de mediação com  a sua entidade empregadora certo?, ou neste caso com a Era, certo?
R...: certo
Advogado A: …a publicitação do imóvel, as visitas ao imóvel, …
R...: Isso é da área comercial
Advogado A: …área comercial…
R...: Eu sou processual
Advogado A: E sabe quem é a pessoa que tratou da parte inicial deste processo? Terá sido uma Srª Dona.
R...: não sei.
Advogado A: não sabe se foi uma Srª D...
R...: A D... é a Directora comercial, foi ela que … foi ela que me passou o processo físico.
Advogado A: neste caso foi ela que … então daquilo que tem conhecimento directo … começou por dizer que .. interveio quando lhe chega uma ficha de reserva, foi isso que disse.
R...: exactamente
Advogado A: pronto e essa ficha de reserva, sabe a informação que constava dessa ficha de reserva, se estava assinada, se não estava assinada, o valor que estava aposto na mesma, o que é que leva o potencial comprador, a preencher uma ficha de reserva…
R...: o processo quando chega à minha posse já está concluído, ou seja, ficha de reserva assinada por ambos os intervenientes, com um cheque a mostrar a boa fé, quer do vendedor, quer do comprador, esse cheque de reserva é mesmo reserva, que é devolvido depois no acto da escritura de compra e venda, portanto eu quando recebi o processo já vinha devidamente, essa ficha de reserva assinada por ambas as partes
Advogado A: certíssimo, então se calhar acompanhou, da deslocação de um potencial comprador Sr. J..., que há-de ter assinado a ficha de reserva e se deslocou à Era, num determinado dia, para obter o levantamento desse cheque.
R...: correcto.
Advogado A: recorda-se, pode-nos explicar, circunstanciar no tempo, o que é que o Sr. disse, qual foi a atitude, se consegue explicar ao tribunal sobre esse dia.
R...: Consigo sim Senhora,
Advogado A: nesse dia, recorda-se, circunstanciar no tempo
R...: isso já foi há algum tempo, espere um bocadinho, o cliente, eu reuni nesse dia com o Senhor D... e com a esposa no dia 16 de Fevereiro de 2011, nesse dia, o Senhor F... tinha informado a nossa loja via email, que não ia vender o apartamento por 50 mil euros, mas sim por 60 e a minha função foi  informar o nosso cliente que o Senhor F..., pensou melhor e já não queria vender o apartamento por 50 mas sim por 60, havia aqui uma diferença de valores bastante significativa, que são 10 mil euros.
Advogado A: disse que essa informação veio via email?
R...: veio via email, exactamente.
Advogado A: do Sr. F... para a Era.
R...: exactamente.
Advogado A: tem o email consigo? Tem uma fotocópia.
R...: tenho à minha frente um email, exactamente que diz que.
Advogado A: se puder ler
R...: este é outro desculpe
Advogado A: veja com calma.
R...: é melhor falar com a minha colega D... ela é que está na área comercial.
Advogado A: então se quiser prosseguir com o seu raciocínio, estava a falar do email que alterava o valor dos 50 mil para os 60 mil.
R...: quando eu tive que dar esta informação ao nosso cliente, ao D... e à esposa.
Advogado A: foi a R... que contactou os senhores, os potenciais compradores para dar essa informação.
R...: exactamente no dia 16 em que eu reuni com eles, para lhes dar essa informação, foi quando eles não concordaram e eu já tinha o financiamento aprovado, quer no Banco Espírito Santo, agora Novo Banco, mas era na altura o Banco Espírito Santo, e a Caixa Geral de Depósitos, para os 50 mil euros que foi a proposta aceite pelas partes … os clientes bruscamente tentaram puxar pela ficha de reserva onde estava o cheque, da intenção de compra, não satisfeitos com isso, eu não tenho autorização de entregar o cheque a não ser que não haja financiamento, essa é as condições da reserva, como tal eu tinha o financiamento aprovado e eu não podia entregar o cheque sem ter autorização da minha gerente, neste caso que é a dona da loja, eram para aí sete e meia da noite já não conseguia ter ninguém na loja, foi muito mau e os clientes acharam por bem chamar a polícia, chamaram a polícia, escreveram no livro de reclamações, ora eu estou ali a cumprir ordens, não podia entregar seja o que for de livre e espontânea vontade, portanto isto foi o que se passou, o financiamento estava aprovado, eu tinha financiamento aprovado em dois bancos, eles iriam optar pelo melhor, que achassem conveniente, isto é os clientes é que resolvem … eu depois entreguei-lhes o cheque, porque não havia mais nada já estavam, a tentar fazer o negocio directamente … portanto perante isto eu não podia fazer mais nada Senhora Drª.
Advogado A: D. R... esclareça-me aqui uma questão, para obter este financiamento do Senhor D... e da D. S... foi necessário solicitar informação aos potenciais compradores?
R...: os potenciais compradores forneceram-me recibos de vencimento, declarações da entidade patronal a dizer que ambos são efectivos extractos bancários, toda a documentação para eu poder viabilizar o processo de financiamento.
Advogado A: e essa documentação sempre lhe foi entregue …
R...: exactamente entregues por eles em mão Srª Drª.
Advogado A: Agora diga-me outra coisa D. R..., como é que se deu a descoberta de que este imóvel tinha acabado por ser vendido aos efectivos compradores que a Era acabou por angariar.
R...: isso é uma parte feita por mim à posterior, tendo eu dúvidas que o cliente F..., tão interessado em vender o imóvel, todos os dias a ligar para a loja, diariamente, a perguntar na área comercial quando é que vendem o apartamento, quando é que vendem, nesse dia que nós fechamos o negócio, depois de muita confusão o Sr. F... queria saber se o processo iria demorar muito tempo, em relação à escritura, mas de repente do nada aparece algum que é conhecido do Sr. D..., uma solicitadora, que está a administrar o Condomínio desse prédio, que é amiga pelo visto do Sr. F... e do Sr. D...
Advogado A: Peço desculpa D. R... que agora foi um pouco rápido, está-se a referir a uma senhora solicitadora.
R...: que é amiga do Sr. F... e pelos vistos também foi ou é amiga do Sr. D..., portanto quando o Sr. F... mandou um email a dizer que prescindia de vender o imóvel e que ... claro que nós na área processual o que é que temos que fazer é ir à conservatória e ver se o apartamento esta vendido ou não, … portanto eu fui … não posso precisar o dia, fui à Conservatória e detectei que esse nosso cliente tinha feito directamente com o Sr. F... e que o imóvel foi vendido por 50 mil euros e o financiamento foi na Caixa Geral de Depósitos , é isso que eu tenho a dizer Srª Drª.
Advogado A: D. R... essa srª solicitadora recorda-se do nome
R...: não sei
Advogado A: mas referiu que era gestora do imóvel
R...: eu falei com ela, porque era ela que me fornecia a documentação do imóvel, visto que o Srº F... estava em Lisboa e não estava aqui no Norte
Advogado A: e a que titulo é que esta srª solicitadora lhe entregava a informação do próprio imóvel?
R...: a pedido do sr. F..., como deve calcular, não foi a meu pedido, foi a pedido do srº F..., foi o srº F... que deu autorização a esta srª solicitadora falar comigo.
Advogado A: diga-me uma coisa D. R... tem algum conhecimento, esta parte se calhar é mais para a outra testemunha, em que fase do processo é que os clientes, os vossos clientes tomam conhecimento da existência destes compradores, desta ficha de reserva do cheque, em que fase é que isso se dá.
R...: a entrega do cheque não, deixe-me rectificar, o cheque fica sempre na minha posse,
Advogado A: a entrega do cheque dos potenciais compradores a vós.
R...: o que é que quer perguntar exactamente, não percebi a sua pergunta.
Advogado A: em que momento é que os vossos clientes sabem
R...: isso é área comercial.
Advogado A: D. R... em algum momento foi dito aos compradores que teriam que aumentar o valor.
R...: Srª Drª já lhe disse a si que foi na altura em que o srº F... ter dito que não vendia pelos 50 mil euros, eu tive que chamar os clientes para os informar que o Srº F... já não vendia pelos 50 mas sim pelos 60 e foi a partir dai que houve aquela peixeirada toda na nossa loja, desculpe a expressão mas foi o que se passou, chamar a polócia.
Advogado A: D. R... só aqui uma pergunta pessoal, da sua experiencia de 5 anos neste ramo.
R...: não tenho 5 anos, Srª Drª eu tenho 20 anos.
Advogado A: .. neste caso em concreto na sua opinião a vossa actuação foi no sentido de adequado e suficiente para a realização deste contrato.
 Se na sua opinião a mediadora agiu de forma adequada e suficiente à conclusão do contrato
R...: com toda a certeza Srª Drª”

Vejamos agora o depoimento da testemunha D..., directora comercial da autora desde 2007, não conhece pessoalmente os réus, apenas manteve contactos telefónicos e via email com o réu.
Advogado A: vamos precisar aqui que nos ajude a algumas questões mais comerciais da fase inicial da venda do imóvel do Srº F..., começo por lhe perguntar que diligencia é que foram tomadas para promover a venda deste imóvel em especifico?
D...: Nós começamos por fazer com todos os clientes que querem vender uma casa, é celebrado um contrato de mediação imobiliário, onde é determinado o valor e depois começamos a fazer visitas aos imóveis, depois de fazer as visitas se houver um cliente interessado preenche uma ficha de reserva que é apresentada ao cliente vendedor do imóvel e depois vai para a área processual para crédito ou para fazermos a escritura.
Advogado A: correcto, neste caso em contrato foi celebrado um contrato de mediação imobiliária como referiu e bem e houve visitas ao imóvel?
D...: sim, o contrato foi celebrado por mil euros, na altura foi dito ao Sr. F... que esse valor onde estava inserido o imóvel dele não era esse o valor de mercado, era um valor exagerado, o valor de mercado correcto seria na ordem dos 45 a 50 mil euros … mas o Sr. F... insistiu em colocar os 60 mil euros para o valor de venda, como não houve procura para o imóvel por esse valor então o Sr. F... desidiu baixar o valor para os 50 mil euros e fez um aditamento ao contrato de mediação para esse valor, pelo valor de 50 mil euros começaram a aparecer mais interessados, fizemos varias visitas ao imóvel, tenho aqui na minha frente varias fichas de visita ao imóvel pelos mil euros.
Advogado A: Fizemos quem?
D...: os nossos comerciais, eu aqui só fiz o fecho do negócio.
Advogado A: então deste imóvel não fez nenhuma visita
D...: Fiz com outros clientes, não com este.
Advogado A: há então fez visitas a este imóvel, com outros potenciais compradores, que não o Srº D... é isso?
D...: sim, sim outros.
Advogado A: sabe-me dizer, não sei se tem aí à sua frente
D...: tenho, eu tenho aqui fichas de visita
Advogado A: quantas fichas de visita foram feitas para este imóvel
D...: três
Advogado A: incluindo a do Srº D...
D...: a do Srº D... foi outra
Advogado A: e quem fez essa visita com o Srº D... se não foi a D. D..., foi um colega comercial, foi isso?
D...: foi o comercial Carlos e a Filipa, não fui eu, eu só fiz o fecho do negócio.
Advogado A: então o processo não começou por si, houve um colega, que fez a visita e depois é que passou para si, é isso?
D...: correctamente
Advogado A: não sabe como é que
D...: funciona sempre assim , nós recebemos o cliente, vemos o que é que o cliente quer, fazemos uma selecção e vamos com o cliente em visitas
Advogado A: mas diga-me uma coisa, por que é se deu esta visita do Srº D... ao imóvel, já me disse que não foi a D. D... que o acompanhou mas .. explique-me.
D...: sim eu cheguei a falar com eles lá na loja e percebi aquilo que eles queriam, a minha função é essa ajudar os nossos comerciais a perceber aquilo que o cliente quer e faço a selecção dos imóveis e o comercial vai em visitas
Advogado A: peço desculpa interromper neste caso em concreto, como é que o srº D... apareceu, chegou à loja e disse que tinha visto o anúncio no site, como é que se deu em concreto?
D...: ele veio à loja disse que queria comprar um T2 em Valongo
Advogado A: que queria compra desculpe?
D...: um T2 em Valongo, e nós colocamos o do srº F...
Advogado A: Então o Srº D... apareceu na loja a dizer que queria comprar em T2 em Valongo foi isso que disse?
D...: sim, sim
Advogado A: e depois a D... … imperceptível... entre os quais estava este imóvel do srº F... é isso
D...: sim
Advogado A: passando a parte referente às visitas … tem conhecimento ou acompanhou a parte do preenchimento da própria ficha de reserva ….
D...: sim
Advogado A: sabe por que valor foi preenchida a ….
D...: eu vou explicar, depois das visitas serem feitas e os clientes mostrando interesse em reservar os imóveis, preenchem uma ficha de reserva, que neste caso foi feita pelo valor que estava à venda, não houve negociação foi feita a reserva pelos 50 mil euros, o srº D... e a Sandra quiseram comprar o imóvel, reservaram, a reserva foi feita no fim de semana, não tinham cheques que depois na semana a seguir ficaram de ir ao banco buscar o cheque para anexar à ficha de reserva, foi assim que fizeram, na semana a seguir vieram trazer o cheque, que foi anexado à ficha de reserva e trouxeram a documentação toda para depois encaminhar o processo para a D. R... para a parte processual
Advogado A: porque é que foi assinada a ficha de reserva
D...: para que o imóvel não possa ser mostrado a mais ninguém, …
Juiz: a testemunha tem que falar mais devagar porque nós ….
Advogado A: D. D... estávamos a pedir para falar mais devagar, com um pouco mais de calma ….. a pergunta que lhe coloquei foi quem assinou a ficha de reserva, foi assinada por quem?
D...: a ficha de reserva foi assinada pelo D..., cliente comprador, na semana em que ele trouxe o cheque de reserva para juntar à ficha, a ficha foi enviada via email para o srº F... para ter conhecimento que já tinha cliente interessado na compra do imóvel pelos 50 mil euros.
Advogado A: na sequência desse email enviado para o srº F..., com a ficha de reserva assinado pelo srº D... o que é que ocorreu de seguida, houve resposta a esse email, houve algum telefonema, o que é que aconteceu?
 D...: não o srº F... não nos respondia via email, ele ligou-nos e disse-nos que tudo bem aceitava a proposta e dissemos que o cliente tinha financiamento, então o processo foi entregue à D. R... para marcar com o cliente e o banco, na altura tanto a Caixa como o banco BES financiavam o valor que os clientes queriam pedir de financiamento.
Advogado A: Nessa parte a D. R... já nos esclareceu, queria agora aqui perceber no preenchimento da ficha de reserva, portanto chegou a haver … foi aceite a proposta pelo srº F... e por isso é que o processo seguiu para a D. R...
D...: exactamente
Advogado A: em que momento… foi neste momento em que foi enviada a ficha de reserva por email para o srº F... que o srº F... passou a ter conhecimento da identificação deste potencial comprador, é neste momento que em regra se dá a identificação…
D...: exactamente
Advogado A: Agora tenho aqui uma segunda questão, o que é que ocorreu para depois de aceitar a proposta e do processo seguir para a D. R... o que é que ocorreu de seguida para ….
D...: pronto depois do processo seguir para a D. R... e dos clientes terem viabilidade bancária, o que aconteceu foi que o srº F... começou, depois de saber que eles tinham financiamento bancário aprovado, começou a dizer que já não queria vender pelos 50 mil euros, que não queria vender que não aceitava, que era pouco dinheiro, já queria 55, depois já falava em 60 mil euros, começou a criar muita confusão no processo, na mesma altura em que o srº F... dizia que já queria 60 mil euros pelo imóvel, nós temos sempre que informar os clientes de tudo o que se está a passar com o processo, para depois mais tarde não disserem que a culpa é nossa, que o cliente queria mais dinheiro, que como tinha viabilidade banharia já tinha mais dinheiro e começou a dizer que já não vendia, pronto e nós informamos os clientes compradores e quando nos apercebemos, foi uma situação muito desagradável porque eles começaram a dizer que já não queriam comprar que queriam desistir de tudo e tentamos desviar para outros imóveis para tentar não perder os clientes.
Advogado A: mais devagar, desistiram e tentaram encaminha-los para outros inoveis, o srº D..., é isso?
D...: claro nós informamos o srº D... de que o srº F... já não queria vender o imóvel pelos 50 mil euros mas sim pelos 60 mil então tentei arranjar uma alternativa para aquele cliente ….
Advogado A: já percebi, tentaram reencaminhar para outro imóvel?
D...: exactamente para não perdemos o cliente comprador, porque nós não temos culpa do cliente aceitar vender por um valor, pelos 50 mil euros e depois já não vendia por esse preço ….
Advogado A: certíssimo a D. R... fez referencia a um email enviado pelo sr. F... a dizer que já não queria vender pelo 50 mil mas que vendia por 60 mil euros, até pedi à D. R... para nos dizer a data e o teor desse email, mas disse que era melhor perguntar a si, D...: depois da confusão toda dos clientes irem à loja e começarem-me a dizer também que já não queriam comprar, nós recebemos um email na loja do Srº F... não a dizer que queria vender pelos 60 porque isso ele fez via telefone, não por email, mas sim a rescindir o contrato connosco, portanto a manifestar a intenção de não querer vender por valor nenhum,
Advogado A: esse email é datado de 21 de Fevereiro é isso?
D...: sim de 2011
Advogado A: esse está junto aos, o que eu queria esclarecer é que a sua colega
D...: só me recordo via telefone.
Advogado RR: portanto, a senhora diz que e não sei se ouvi mal que recebeu efectivamente um email mas que o srº Pinho telefonou para a mediadora também a dizer que não, que já tinha vendido o imóvel, foi isso que disse?
D...: Não, não foi isso que eu disse, o que eu disse foi que ele nos mandou um email, eu disse que ele ligou e disse que já não queria vender mais o apartamento, não queria vender a ninguém que desistia de vender, primeiro falou por telefone e depois fez via email para ficar registado.
Advogado RR: pois então portanto isso não tem a ver com, isso tem a ver com o facto da srª eventualmente ter dito que a ficha de reserva foi enviada por mail, é assim e não recebeu a contraproposta, não recebeu a contra ficha, foi nessa altura presumo então que o srº F... terá mudado de opinião.
D...: não o srº F... recebeu a ficha de reserva assinada pelo clientes compradores, tivemos a aceitação dele, disse-nos para tratarmos da viabilidade bancária, na altura ele disse também que não tinha forma de digitalizar e responder aquele email, com a assinatura dele na ficha e que portanto poderíamos continuar a seguir com o processo de compra, formos tratar do financiamento, estava tudo ok para o financiamento, quando o srº F... telefonou a dizer que afinal ia desistir de vender o imóvel.
Advogado RR: então nesta óptica a falta, na sua óptica a falta de assinatura de ficha de reserva não foi por não querer, mas foi por não ter o Srº F... não ter meios para lhe enviar a resposta, é isso que está a dizer.
D...: ele disse que não tinha forma de me enviar a aceitação da ficha de reserva, a assinatura não tinha forma de digitalizar, mas que aceitava e poderíamos prosseguir com o negocio, foi aquilo que fizemos.
Advogado RR: daí os srºs manterem no vosso site os 50 mil euros.
D...: mas os 50 mil euros foi o valor que o srº F... aceitou vender isso não tem nada a ver, isso é o valor anunciado na internet
Advogado RR: mas se a srª diz que houve vários clientes e que …..Imperceptível ….
D...: não, não é nada disso o srº F..., o que eu disse no início é que ele pôs à venda por 60, não havia interessados, baixamos o preço do imóvel, com a assinatura dele para 50 mil euros pusemos na internet anunciado por 50 mil euros, apareceram vários interessados, 4 interessados, o ultimo cliente, o D... foi o cliente que reservou o imóvel pelo valor de venda.
Advogado RR: permita-me a interrupção
D...: eu estou a dizer que está a confundir as visitas foram feitas antes da reserva, depois da baixa de preço, foram feitas visitas ao imóvel, depois da reserva não se levam mais clientes ao imóvel, o imóvel ficou reservado para aquele cliente”.

Conjugada toda esta prova, documental e testemunhal, podemos concluir que foi a autora quem angariou os compradores D... e S... para o apartamento dos réus.
Os factos provados nas alíneas I) a L) da Fundamentação de facto concorrem fortemente nessa convicção.

Por conseguinte, julgando procedente a apelação, nesta parte, considera-se provada a matéria que não ficou provada nas alíneas a) e b) da sentença recorrida.

Assim, acrescentam-se à Fundamentação de facto as seguintes alíneas:

N)A autora efectuou esforços e diligências no sentido de encontrar potenciais interessados para a compra do imóvel acima identificado – (artº 8º PI).
O)Foi a autora quem angariou os compradores, no sentido de conseguir que estes exteriorizassem uma decisão final de adquirir a fracção acima identificada – (artºs 11º e 12º PI).

Com a mesma prova testemunhal e documental, resta saber se foram demonstradas as alíneas c), d), e), f), g) e h) da matéria de facto não provada.

Tais alíneas tinham a seguinte redacção:
“c)Que os réus tenham comunicado à autora que já não aceitavam vender o referido imóvel pelo valor de € 50.000,00 – corresponde ao artº 15º da PI.
d)Que os réus se tenham recusado a assinar a ficha de reserva – artº 17º PI.
e)Que a autora tenha explicado aos compradores que estes teriam que subir o preço para a aquisição do imóvel, uma vez que os proprietários do mesmo já não pretendiam vender por aquele preço – artº 18º PI.
f)Que, face a esta postura dos proprietários, os compradores não aceitaram subir o preço, negando-se a efectuar uma proposta mais elevada, e sendo assim, desistiram do negócio – artº 19º PI.
g)Que a autora, quando teve conhecimento deste facto, interpelou os réus, solicitando o pagamento dos serviços a ela devidos, já que tinha realizado a venda ao seu cliente – artº 24º PI.
h) Que os interessados S... e D... tenham anulado a reserva efectuada junto da autora e exigido a restituição do valor entregue de € 2.500,00” – artº 23º da contestação.

Ora, de acordo com a prova documental e testemunhal, não podemos afirmar, com segurança, que tal matéria resultou provada.

A QUESTÃO DE DIREITO.

O contrato de mediação imobiliária foi celebrado entre as partes em 15 de Julho de 2010, sendo aplicável o regime jurídico constante no DL nº 211/2004 de 20 de Agosto, na redacção dada pelo DL nº 69/2011, de 15 de Junho.

O artigo 2º do DL 211/2004 (Objecto da actividade de mediação imobiliária) tem a seguinte redacção:

1-A actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel.

2-A actividade de mediação imobiliária consubstancia-se no desenvolvimento de:
a)Acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente;
b)Acções de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões.

3-As empresas podem ainda prestar serviços de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objecto do contrato de mediação imobiliária que não estejam legalmente atribuídos, em exclusivo, a outras profissões.
(…).
E o artigo 18º (Remuneração) consagra no seu nº 1 que “ a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”.

A questão nuclear dos presentes autos consiste em saber se foi feita a prova de que ambas as partes, com a mediação da autora, tinham chegado a uma decisão final de celebrar o contrato definitivo de compra e venda. Dito de outra forma, foi por causa da mediação da autora que os réus conseguiram vender o imóvel aos interessados D... e S...?
Perante os factos provados, incluindo as novas alíneas N) e O), a resposta não pode deixar de ser positiva.

Compulsando o contrato de mediação imobiliária celebrado entras a autora e os réus, verifica-se que, efectivamente, resulta das condições estabelecidas, relativamente à remuneração, que:
-No âmbito do referido contrato, ficou ainda convencionado que a remuneração a atribuir à autora seria na quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio viesse a ser efectivamente concretizado, acrescido de IVA à taxa legal – (F).
-E ainda, "cláusula 5ª", do referido contrato, foi aposta uma cruz, na opção aí prevista, de que, o total da remuneração, nunca poderia ser inferior a 5.000,00 euros, acrescida de IVA à taxa legal em vigor – (G).

Ora, conforme vem provado, no âmbito do contrato que celebrou com os réus, a autora promoveu a venda do imóvel, tendo angariado compradores (D... e S...) para o prédio dos réus, com quem acabaram por realizar a escritura pública de compra e venda de 28 de Abril de 2011.

Na verdade, tendo os réus incumbido a autora de promover a venda do imóvel, foram cumpridas as obrigações que advieram do contrato, designadamente, em relação à autora (mediadora).

Ora, a nosso ver, a autora cumpriu a sua obrigação resultante do contrato que celebrou com os réus, já que foi ela que conseguiu interessados para o pretendido negócio.

Se não fosse a actividade de mediação da autora, os réus nunca teriam conhecido os compradores D...  e S... e o negócio nunca se tinha concretizado.

O contrato de compra e venda celebrado entre os réus e o D...  e a S... foi na sequência e por efeito das diligências levadas a cabo pela autora.

Tem sido entendimento da nossa jurisprudência que o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua actividade a única causa determinante da realização do negócio pretendido pelo comitente, ela contribuiu para a sua realização, bastando que se tenha limitado a dar a conhecer o nome de uma pessoa disposta a fazer determinado negócio[8].

Consideramos, assim, que, no caso dos autos, resulta da matéria de facto apurada que a autora teve uma influência decisiva na conclusão do negócio, existindo, pois, uma relação de causalidade entre esta e a actividade de mediação.

Assim, sendo em princípio admissível a denúncia do contrato de mediação, não podem valer os seus efeitos no sentido de a parte que interveio no contrato de mediação se querer eximir ao pagamento estipulado quando, pelas circunstâncias do caso, se verifique que a denúncia não constituiu senão um expediente, porventura grosseiro, destinado a dar ao denunciante a aparente liberdade negocial de contratar com a pessoa angariada sem qualquer responsabilização face ao mediador angariante[9].

A questão dos presentes autos reconduz-se, pois, à comprovação do nexo de causalidade entre a actividade desenvolvida pela mediadora e a verificação do resultado contratualmente previsto, não importando considerar-se o incumprimento do contrato por parte dos réus, válido ou inválido.

O acórdão da Relação de Lisboa de 11.11.2004[10], que se nos afigura bastante sugestivo, decidiu do seguinte modo:

“-No contrato de mediação a actividade essencial do mediador consiste na angariação de interessado para a transacção tida em vista, contrapondo-se-lhe a obrigação por parte do cliente de pagamento da retribuição estipulada.
-O pagamento só é devido quando o negócio se realize e, por isso, o contrato bilateral de mediação obriga ao pagamento ao mediador, uma vez verificada a condição legal ou imprópria da conclusão do negócio visado.
-No entanto o cliente não se pode valer da denúncia, efectivada depois de angariado o interessado, para se eximir ao pagamento da retribuição com o argumento de que, a partir e por causa da denúncia, ficou livre para contactar o interessado na realização da transacção por deixar de subsistir nexo causal entre a actividade do mediador exercida antes da denúncia e a realização do contrato.
-Igualmente traduz abuso do direito (artigo 334º do Código Civil) a pretensão do cliente de não pagar retribuição pela mediação com o argumento de que não houve qualquer acompanhamento no processo negocial por parte do mediador quando foi o cliente que, sem conhecimento do mediador, solicitou a colaboração de outra pessoa com a qual reiniciou os contactos com o interessado que foi angariado pelo mediador
-O mediador não está obrigado a influenciar o processo negocial designadamente no que respeita à estipulação dos elementos essenciais do contrato apresentando propostas visando o consenso das partes salvo se, para tal efeito, lhe for solicitado colaboração pelos intervenientes.
-O mediador terá direito à retribuição estipulada verificando-se que a realização do contrato resultou do facto da angariação do comprador com o qual o negócio foi celebrado ainda que os termos do contrato tenham resultado de negociações directas entre os interessados que o mediador pôs em contacto”.

Podemos, pois, concluir que os réus rejeitaram o contrato de mediação imobiliária com a finalidade de se eximir às suas responsabilidades contratuais (o pagamento da retribuição), utilizando tal direito que, sendo excepcional (artigo 406º do Código Civil), não é licitamente exercitável  para possibilitar desvios aos princípios da boa fé e à observância do princípio da lealdade e cumprimento das obrigações livremente assumidas.

Não é lícito que os réus aleguem que nada devem à autora, porque rejeitaram o contrato, sendo certo que venderam a casa objecto do contrato de mediação ao interessado angariado pela autora.

Entender-se de modo diverso, levaria ao resultado absurdo de que todos os clientes das mediadoras, depois de estas terem angariado o interessado na compra, denunciassem os contratos de mediação, para não terem de pagar a retribuição às mediadoras, sujeitando-se mesmo a serem condenados como litigantes de má fé.

Merecem, pois, proceder todas as conclusões das alegações da apelante.

CONCLUINDO.
-Tendo os réus celebrado escritura pública de compra e venda com interessado que lhe foi indicado pela autora, mediadora imobiliária, no âmbito de um “Contrato de Mediação Imobiliária”, o incumprimento de tal contrato por parte dos réus não afasta a obrigação de pagamento da respectiva comissão, verificando-se que constitui mero expediente por parte dos réus contraentes de se eximirem a esse pagamento.
-O contrato de mediação imobiliária só está concluído caso o negócio se realize, independentemente de vir ou não a ser cumprido, adquirindo a mediadora o direito a receber a comissão quando o seu trabalho influi na conclusão do negócio.

III-DECISÃO.

Pelo exposto, julgando-se procedente a apelação, revoga-se a sentença recorrida e, julgando-se a acção procedente e provada, condenam-se solidariamente os réus a pagar à autora a quantia de 6.150,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.
Custas pelos apelados.


Lisboa, 22/9/2016

Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Octávia Viegas


[1]Alberto dos Reis, in C.P.Civil Anotado, vol, V, pág 142 e A. Varela, J.M. Bezerra e S. e Nora, in Manual de Processo Civil, 1984, pág. 671.
[2]Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina 1982, pág 141 e 142.
[3]Proc. nº 341/08.9TCGMR.G1.S2, in www.dgsi.pt/jstj
[4]Ac. RC de 15.4.08, Proc.1351/05.3TBCBR.C1, in www.dgsi.pt/jtrc.
[5]Código de Processo Civil Anotado, Vol V, pág. 143. Cfr. Ac.STJ de 7.7.94, in BMJ n° 439, pág. 526 e de 22.6.99, in, CJ STJ II/1999, pág. 161 e da RL de 10.22004, in CJ I/2004, pág. 105.
[6]Ac. STJ de 21.12.2005, in www.dgsi.pt/jstj.
[7]Ac. STJ de 8.3.2001, in www.dgsi.jstj/pt.
[8]Cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 18/3/97, CJ, I/97.158, e de 31/5/01, CJ, II/01.108.
[9]Ac. RL de 11.11.2004 procº nº 5439/04, (Salazar Casanova) in www.dgsi.pt
[10]CJ V/2004, pág. 83.
Decisão Texto Integral: