Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2373/18.0T8CSC.L1-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUSÊNCIA DE SEGURO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
RESPONSÁVEL CIVIL
CONDENAÇÃO SOLIDÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:  1.No regime actual do Seguro Automóvel Obrigatório, em caso de acidente de viação, conhecido o responsável que não beneficie de seguro válido e eficaz, sendo o Fundo de Garantia Automóvel garante da satisfação das indemnizações perante a vítima, o litisconsórcio necessário tem como consequência relevante aumentar a possibilidade de o Fundo obter ressarcimento do pagamento efectuado.
2.  Apesar da obrigação do FGA e do responsável civil não serem verdadeiramente solidárias, no contexto do artigo 497º do Código Civil, antes de solidariedade imprópria ( imperfeita ou impura),  certo é que, perante o lesado,  ambos respondem solidariamente, como se afirma no artigo 54º, nº3, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de agosto; tal comportará  a  necessidade de  condenação solidária dos demandados, alcançando,  assim, em economia de tempo e meios,  a definição dos pressupostos  do direito de sub-rogação do FGA, sob pena de o regime processual propugnado redundar em “pura inutilidade”.    
3. A intervenção correctiva do juízo equidade no valor compensatório fixado pelos danos não patrimoniais deverá ter em conta o padrão jurisprudencial tendencial seguido em casos análogos –artigo 8º, nº3, do Código Civil - em razão das exigências do princípio da igualdade e da uniformização das decisões judiciais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:   Acordam os Juízes da 7ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa

 I. Relatório
V…, melhor identificada nos autos, intentou acção declarativa e processo comum contra, Fundo de Garantia Automóvel, pedindo que seja condenado a pagar a quantia de €47.459,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência de acidente de viação de que foi vítima, sendo que o condutor responsável não detinha seguro válido do veículo. 
 Alegou em síntese que, o sinistro ocorreu no dia 31.01.2017, em S. João do Estoril - Cascais, quando seguia como passageira da viatura XX-XX-XX (ciclomotor), que por exclusiva culpa do seu condutor, provocou o embate com o automóvel ligeiro YY-YY-YY, causando a queda da Autora que ficou inconsciente, foi hospitalizada, advindo as lesões correspondentes e a incapacidade parcial permanente, bem como todos os demais danos alegados e dos quais pretende ser ressarcida.
O Réu contestou, invocando a ilegitimidade passiva, por não ter sido demandado o condutor da viatura responsável pelo sinistro; por impugnação, entende excessivos os valores peticionados em razão da extensão e natureza dos danos da Autora e a jurisprudência em casos semelhantes, pugnando pela sua absolvição.
A Autora requereu a intervenção provocada de S…, condutor do motociclo em que seguia como passageira. Admitida a intervenção, o citado não apresentou contestação.   
Dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador e fixados o objecto da causa e temas de prova, seguiu-se a realização de perícia médico –legal.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, o Tribunal a quo proferiu sentença, conforme dispositivo que se transcreve - «Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência, condeno o R. Fundo de Garantia Automóvel a pagar à A. …a quantia de €5.110,00, absolvendo-o nos demais pedidos.
Custas pela A. e pelo R., na proporção do respectivo decaimento, sendo que a R. delas está isenta e sem prejuízo do apoio judiciário concedido à A.»    
2.Do Recurso
2.1. Inconformada, a Autora interpôs recurso, culminando as alegações com as conclusões que se transcrevem:
«1.ªA ação deu entrada em 23/07/2018 e apenas veio a ser proferida Douta Sentença passado quase 3 anos, ou seja, em 04/05/2021, contudo, não se condenou a Recorrida em juros e desvalorizou-se os danos sofridos pela Recorrente.
2.ªNa fundamentação da Douta Sentença Recorrida refere-se que o tribunal formou a sua convicção, tendo-se em “especial consideração a perícia médico-legal pedida ao INML”, mas com o devido respeito pela opinião em contrário não foi tido em conta a mesma, pois não se deu como provado que: a)Houve uma repercussão temporária na atividade profissional de 31/01/2017 a 31/03/2017, conforme folha 5 do relatório e conclusão constante da folha 6 do mesmo; b)Teve um quantum doloris fixável em grau 4, pelo tipo de lesões resultantes e pelo tratamento efetuado (em concreto, uso do colete de Jewett, conforme folha 5 do relatório; b.1.Aliás, na Douta Sentença Recorrida foi dado como não provado o uso do colete de Jewett; c)Foi causado um défice funcional permanente da Integridade Física-Psíquica de 3 pontos, conforme página 5 e conclusões página 6; d)As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, conclusões de página 6;
3.ªAssim, devem os factos constantes na conclusão anterior ser dados como provados.
4.ªOs factos não provados com os n.ºs 4 a 6, devem ser dados como provados face à prova produzida, porquanto: a) No relatório do Hospital de Cascais junto aos autos em 28/02/2019 consta a 01/02/2017 que de acordo com os SS do Hospital a Recorrente estava a trabalhar como empregada de balcão; b) No relatório do INML consta que houve uma Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 31/01/2017 a 31/03/2017. c)A Recorrente nas declarações de parte de 29/09/2020, conforme consta do depoimento dactilografado da mesma, constante do documento 1, que se dá como reproduzido com a duração de 9m54s, referiu (…..)
5.ªPara além disso, também os números 7 e 9 dos factos não provados devem ser dados como provados, face à prova produzida, porquanto: a)No relatório do Hospital de Cascais junto aos autos em 28/02/2019 consta a 01/02/2017 que de acordo com os SS do Hospital que a Recorrente tem uma filha com o nome L..; b)A Recorrente nas declarações de parte de 29/09/2020, conforme consta do depoimento dactilografado da mesma, constante do documento 1, que se dá como reproduzido com a duração de 9m54s, de 2m29s a 2m43 referiu: (….). c.1.Aliás, a Recorrente nas declarações de parte de 29/09/2020, conforme consta do depoimento dactilografado da mesma, constante do documento 1, que se dá como reproduzido com a duração de 9m54s, de 2m45s a 4m59s referiu: (…)
6.ªCom o devido respeito pela opinião em contrário é um facto notório que devido às sequelas do sinistro a Recorrente não podia cuidar da filha e das lides domésticas e que tinha que pagar a quem o fizesse.
7.ª Para além disso, é evidente que tendo sofrido uma fractura na plataforma vertebral superior da 6.ª vertebra dorsal, conforme facto provado n.º 10, a Recorrente esteve impedida de fazer desporto.
8.ª A Recorrente tinha apenas 22 anos de idade à data do sinistro, era saudável e não padecia de qualquer doença ou defeito físico (facto provado n.º 14) e sofreu um dano estético de grau 1 numa escala de 7 graus, conforme relatório do INML, pelo que é evidente que sofreu abalo psíquico e preocupação com o seu estado e futuro.
9.ª Aliás, a Recorrente nas declarações de parte de 29/09/2020, conforme consta do depoimento dactilografado da mesma, constante do documento 1, que se dá como reproduzido com a duração de 9m54s, de 5m02s a 6m57s referiu: (…)
10.ª Assim, face à prova produzida devem ser dados como provados os números 8, 10 e 11 dos factos não provados.
11.ª Na fundamentação da Douta Sentença refere-se que não se considera as declarações de parte da Recorrente por a mesma ser interessada no desfecho da causa e não ter trazido elementos de prova confessional que alterem a prova produzida, contudo, desde 2013 e face ao art.º 466.º do C.P.C. deixou de ser só admitido o depoimento de parte (quanto à confissão), pelo que o Tribunal deve apreciar livremente as declarações de parte na parte que não constituam confissão, face a esse entendimento as declarações de parte não teriam qualquer interesse.
12.ª Com o devido respeito pela opinião em contrário, tal fundamentação é errada e retira importância ás declarações de parte, que podem ter a maior utilidade para a Decisão, o que é o caso dos presentes autos.
 13.ª Da fundamentação da Douta Sentença Recorrida consta que: “Porém, da prova produzida resultam provados apenas alguns dos danos não patrimoniais invocados pela A. ...”, contudo, com o devido respeito pela opinião em contrário é evidente que foram causados também danos patrimoniais à Recorrente, porquanto: a)No relatório do INML consta que a Recorrente teve uma repercussão temporária na atividade profissional de 31/01/2017 a 31/03/2017, conforme folha 5 do relatório e conclusão constante da folha 6 do mesmo e no relatório do Recorrido Fundo de Garantia, junto com a P.I. Como documento 5 na pág. 2 consta que esteve incapacitada de 01/02/2017 a 31/03/2017. a.1.Com efeito, deve ser considerado que, pelo menos durante 2 meses a Recorrente esteve incapacitada para o trabalho. a.2.Aliás, é evidente que face às sequelas que a Recorrente sofreu que teria que estar em repouso e impedida para o trabalho. a.3.Face à alteração da matéria de facto quanto ao n.º 4 dos factos não provados, a Recorrente apenas nesses 60 dias deixou de receber 1.300€ (650€x2meses), ou, mesmo que tal facto não fosse dado como provado sempre se teria de condenar em perdas salariais de acordo com o salário mínimo nacional que era 557€ em 2017, pelo que deve alterar-se a Douta Sentença Recorrida e condenar-se a Recorrida a pagar à Recorrente 1.114€ (557€x2meses) a título de perdas salariais. b)Face à alteração da matéria de facto quantos aos n.º 7 e 9, alegada em 18. a 25. deve ser fixada indemnização inerente ao apoio de terceira pessoa e não sendo dado como provado qual o valor inerente a esse apoio deveria considerar-se o salário mínimo nacional. b.1.Assim, durante os 4 meses que a Recorrente necessitou desse apoio, considerando apenas o salário mínimo nacional teve uma despesa de 2.228€ (557€x4meses), pelo que deve alterar-se a Douta Sentença Recorrida e condenar-se a Recorrida em 2.228€ inerente ao apoio de terceira pessoa, ou, relegar-se esse dano para execução de sentença.
14.ª Para além disso, na Douta Sentença Recorrida entendeu-se que não há danos para o futuro, o que contraria o relatório do INML onde consta que: a)Foi causado um défice funcional permanente da Integridade Física-Psíquica de 3 pontos, conforme página 5 e conclusões página 6; b)As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, conclusões de página 6;
15.ª Com o devido respeito pela opinião em contrário é evidente que as sequelas do sinistro vão limitar a Recorrente, que tinha apenas 22 anos à data do sinistro, em termos pessoais e profissionais, pelo que devem esses danos ser valorizados, pelo que, conforme se alegou em 49. A 53., tendo em conta apenas o salário mínimo nacional de 557€, se não for admitida a alteração ao n.º 4 dos factos não provados e a IPP de 3 pontos fixada pelo INML no relatório deve fixar-se uma indemnização de 6.434,71€ (557€x14mesesx27,505831x3%), a título de danos patrimoniais futuros.
16.ª Face aos factos dados como provados e ao relatório do INML os danos não patrimoniais sofridos pela Recorrente são graves, porquanto: a)A Recorrente à data do acidente tinha 22 anos, e antes do acidente, era saudável e não padecia de qualquer doença ou defeito físico, conforme n.º 14 dos factos provados; b)Sofreu, entre outras lesões, fractura na plataforma vertebral superior da 6.ª vertebra dorsal, conforme n.º 10 dos factos provados; c)Ficou com uma cicatriz na face anterior da perna direita, com 3x1 de maior eixo oblíquio para baixo e para fora, conforme n.º 10 dos factos provados; d)Teve um quantum doloris fixável em grau 4, pelo tipo de lesões resultantes e pelo tratamento efetuado (em concreto, uso do colete de Jewett, conforme folha 5 do relatório do INML; e)Foi-lhe causado um défice funcional permanente da Integridade Física-Psíquica de 3 pontos, conforme página 5 e conclusões página 6 do relatório do INML; f)As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, conclusões de página 6 do relatório do INML;
17.ª Assim, com o devido respeito pela opinião em contrário, face aos factos dados como provados o valor de 5.000€ fixado na Douta Sentença Recorrida é irrisório, para além de não ter sido fundamentada essa condenação, pois, apenas se refere que “atendendo a que não tiveram a gravidade que a A. lhes quis dar” e que “não logrou provar-se a eventualidade de danos futuros”.
18.ª Com efeito, na Douta Sentença Recorrida não foi feita uma análise criteriosa dos factos dados como provados e dos elementos constantes dos autos, caso contrário o valor atribuído aos danos não patrimoniais da Recorrente seria muito superior, conforme tem sido entendido pela Jurisprudência Dominante: a)Ac. De 11/11/2020, Relator Abrantes Geraldes – Idade 19 anos, com IPP de 3 pontos, exigindo esforços acrescidos suplementares - 17.500 euros; b) Ac. de 20/11/2019, Relator Nuno Oliveira - Idade 18 anos, com IPP de 2 pontos, 20.000€; c)Ac. De 09/01/2019, Relatora Catarina Serra – Idade 14 anos, com IPP de 1 ponto, 10.000€; d)Ac. de 7/6/2018, Relatora Rosa Tching – Idade 32 anos, com IPP de 5 pontos, 50.000€; e)Ac. de 16/3/2017, Relatora Maria Trigo - IPP de 2 pontos, 25.000€;
19.ª Assim, deve alterar-se a Douta Sentença Recorrida e condenar-se a Recorrida a pagar à Recorrente o montante de 25.000€ a título de danos não patrimoniais.
20.ª Na petição inicial foram pedidos juros legais, mas na Douta Sentença Recorrida não se condenou a Recorrida em juros, nem se apreciou esse pedido, apesar, de o acidente ter ocorrido há mais de 4 anos e a ação há quase 3 anos, com efeito, a não condenação beneficia a Recorrida, que se recusou a pagar a indemnização e prejudica gravemente a Recorrente que se viu privada da mesma, pelo que deve a Recorrida ser condenada em juros sobre o valor total da indemnização.
 21.ª Na Douta Sentença Recorrida foi feita uma interpretação errada do disposto nos art.ºs 483.º, 496.º, 563.º, 564.º e 805.º do C.C. e 466.º e 607.º do C.P.C. Nestes termos e nos demais de direito deve alterar-se a Douta Sentença Recorrida: a)Alterando-se a matéria de facto. E, b)Condenar-se a Recorrida a pagar à Recorrente a quantia de 9.776,71€ a título de danos patrimoniais e 25.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros desde a citação; Junta: 1 documento Assim, se Fará a Costuma Justiça!!!»
*
2.2.  Igualmente inconformado, o Réu interpôs recurso da sentença.
Encerra as alegações com as seguintes conclusões:
 «A) A douta Sentença recorrida não condenou o ora recorrente solidariamente com o Réu/Interveniente S.. no pagamento da indemnização devida à Autora.
B) O Fundo de Garantia Automóvel é um mero garante na satisfação de indemnizações decorrentes de acidentes de viação, não só deve a ação ser, obrigatoriamente, interposta contra o responsável civil e contra o Fundo de Garantia Automóvel, sob pena de ilegitimidade, nos termos do art.º 62º n.º 1 do D.L. 291/2007 de 21 de agosto, como a respetiva condenação deverá ser solidária. C) A douta Sentença violou, assim o disposto no art.º 62º n.º 1 do DL 291/2007 de 21 de agosto. Termos em que, revogando-se a douta sentença recorrida, no âmbito delimitado pelo objeto do presente recurso, se fará, como sempre, JUSTIÇA.»
Não foram juntas contra-alegações.
Os recursos foram admitidos como de apelação e efeito devolutivo.
*
Corridos os Vistos, cumpre decidir.
3.Objecto dos Recursos          
O thema decidendum é delimitado pelas conclusões do Recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso - artºs. 635º n.º 4 e 639º nºs. 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Posto o que, como se alcança das conclusões dos apelantes, cabe decidir:
a) Se à Autora é devida indemnização em valor superior ao sentenciado, em face dos danos provados e não considerados, actualização monetária pelo tempo decorrido e os valores arbitrados pela jurisprudência em casos análogos;
b)Se o interveniente, responsável pelo acidente e não detendo seguro válido, deverá ser condenado solidariamente com o FGA.    
Desiderato que envolve a apreciação dos seguintes tópicos recursivos:
- Impugnação da matéria de facto;
- A valorização indemnizatória dos danos apurados e os casos análogos na jurisprudência;
- A obrigação do responsável civil pelo sinistro e a posição de garante legal do FGA caso aquele não detenha seguro válido da viatura.   
 II.FUNDAMENTAÇÃO
A. Os Factos
O Tribunal a quo deu por provada a factualidade seguinte:
1 – No dia 31 de Janeiro de 2017, pelas 10h50m, na Rua Campo Santo, Galiza, São João do Estoril, concelho de Cascais, ocorreu um sinistro entre as viaturas XX-XX-XX e YY-YY-YY.
2 - O XX é um ciclomotor de 2 rodas marca Malaguiti F-12 e o YY um automóvel ligeiro de passageiros, marca Mazda, DJ1.
3 - Na data e hora a que se faz referência em 1 a A. era passageira do XX, o Qual era conduzido pelo seu proprietário S…, conforme consta do auto.
4 - O local do acidente é composto por duas faixas de rodagem, com dois
sentidos, com 7 metros de largura.
5 - O XX seguia de sul para norte na Rua Campo Santo, Galiza, São João do Estoril e o YY em sentido oposto.
6 - O XX ao chegar junto da passadeira para peões existente nessa rua em frente À oficina auto virou à esquerda cortando a linha de trânsito do YY.
7 - O XX embateu na parte frontal do YY, sendo que mudou de direcção invadindo a faixa de rodagem do YY.
8 – O veículo XX não tinha seguro de responsabilidade civil.
9 - O R. assumiu a responsabilidade pelo pagamento dos danos do sinistro, que viessem a provar-se e dentro dos limites da lei.
10 - Como consequência do sinistro, a A. sofreu, entre outras lesões, fractura na plataforma vertebral superior da 6.ª vertebra dorsal, sem limitação da mobilidade da coluna dorso lombar, com dor à apalpação e exigência de esforço acrescido e abrasão na perna direita, que deixou uma cicatriz na face anterior da perna direita, com3x1 de maior eixo oblíquio para baixo e para fora, tendo a consolidação médico legal das referidas lesões sido fixada em 31.03.2017.
11- Após o acidente a A. foi assistida no Hospital Dr. José de Almeida, em Cascais e posteriormente foi seguida no SNS, em consultas de rotina.
12 - A A. para obter o auto de ocorrência gastou 90€.
13 – A A. gastou 20€ para obter a certidão de nascimento.
14 - A A. nasceu em 03/08/1994, sendo que à data do sinistro, tinha 22 anos de idade e era uma saudável e não padecia de qualquer doença ou defeito físico conhecidos.
E, Não Provado:
1 – No momento do acidente a A. estivesse a usar capacete.
2 – A A. tenha sofrido TCE com perda de conhecimento.
3 –A A. tenha realizado diversos tratamentos de recuperação; tenha condicionantes na mobilidade da coluna vertebral dolorosas; tenha usado um colete de Jewett; tenha dores ao movimentar a coluna vertebral; tenha dificuldades em subir e descer escadas; tenha feito e continue a fazer diversos tratamentos de recuperação e que ainda terá que continuar a fazê-los; tenha dificuldades em permanecer por longos períodos na posição em pé ou sentada; tenha dificuldades em realizar mudanças de posição e transferências; não consiga conduzir por longos períodos de tempo; não consiga segurar sacos de compras com pesos superiores a 2-5Kg; tenha muitas dificuldades em segurar a filha ao colo; no consiga usar calçado de salto alto; não consiga realizar tarefas domésticas que impliquem esforços físicos; não consiga exercer atividade desportiva exigente para a coluna; tenha dores nas mudanças de tempo; tenha limitações para atividades que exijam especial força física; tenha tido uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 4/7; tenha uma repercussão permanente na actividade sexual de 4/7; tenha sofrido um quantum doloris de 5/7; vá necessitar de consulta anual de ortopedia, medicação analgésica e tratamentos de fisioterapia; tenha ficado com uma incapacidade parcial permanente de 5 pontos, segundo as tabelas nacionais de incapacidade, prevendo-se o seu agravamento para o futuro, compatíveis com o exercício da sua profissão de copeira, mas que exigem esforços acrescidos; tenha tido um TCE com perda de conhecimento.
4 - À data do sinistro a A. trabalhasse como copeira e auferisse 650€/mensais e 9.100€/anuais.
 5 - Devido às sequelas do sinistro, a A. de1.2.2017 a 31.5.2017, tenha estado impedida de trabalhar, nem que nesse período tenha tido um prejuízo de 2.600,00€.
6 - Durante esse período de convalescença e recuperação a A. não tenha exercido a sua profissão de copeira nem qualquer outra.
7 - A A. tenha uma filha, que à data do sinistro tinha 4 anos de idade, nem que nos 4 meses após o acidente, a A. tenha necessitado do apoio de empregada doméstica para tratar da mesma e da lida doméstica, e que tenha tido um custo de 2.228€ (557€x4meses), com o apoio de terceira pessoa.
8 – Fosse dinâmica, robusta, alegre e bem-disposta, interessada por tudo o que a rodeava e que o acidente tenha causado à A. um forte abalo moral e psíquico e preocupação com o seu estado, nem que tenha ficado muito deprimida devido às sequelas do sinistro.
9 - Se tenha visto impedida de cuidar da sua filha, que praticasse desporto e devido às sequelas do sinistro esteja impedida de o fazer.
10 – A A. passe a maior parte do tempo em casa e tenha deixado de conviver com as outras pessoas.
11 – Devido às sequelas do acidente se sinta triste: nem que tenha ficado incapacitada para toda a vida, com apenas 23 anos de idade; nem que se sinta diferente das outras pessoas em virtude das sequelas do acidente; tenha danos estéticos consideráveis; não consiga fazer esforços que exijam especial força física; tenha perdido a alegria de viver; tenha de fazer tratamentos médicos e tomar medicação para o resto da vida; não tenha conseguido recuperar o seu equilíbrio emocional, após o sinistro.
12 – A situação clínica da A. tenha tendência para se agravar e que se perspective um agravamento da incapacidade para o futuro.
13 - A A. tenha que ter consultas médicas de ortopedia, fazer tratamentos de MFR e de tomar medicamentos (analgésicos), para o resto da vida.
14 - A A. vá necessitar de terceira pessoa para realização de algumas tarefas domésticas que impliquem esforços físicos.
B. O Direito
1. Do recurso da Autora
1.1 Erro de julgamento da matéria de facto 
A apelante cumpriu em regularidade os requisitos da impugnação da matéria de facto em alinhamento com o disposto nos artigos 639º, nº1 e 640º, nº1 e nº2, do CPC. 
a. Acerca da matéria de facto provada
No entender da apelante, a decisão do primeiro grau não  elencou, como devia, entre os  factos provados, que  constam do relatório pericial, i.e, que houve uma repercussão temporária na atividade profissional da Autora de 31/01/2017 a 31/03/2017; teve um quantum doloris fixável em grau 4;que à  Autora foi atribuído um défice funcional permanente da Integridade Física-Psíquica de 3 pontos; que as sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
Assiste-lhe razão.
O Tribunal a quo alicerçou-se no teor do aludido relatório médico pericial; o ponto 10 dos factos provados refere  que, a Autora” sofreu, entre outras lesões,...” indiciando  o carácter exemplificativo, e  aludida factualidade é mencionada  na fundamentação da decisão.[1]
Parece irrecusável, pois, na melhor técnica, que tal factualidade deverá integrar o elenco dos factos provados;  traduzindo repercussões na saúde e integridade física da Autora, relevadas com nexo de causalidade com o acidente na discussão e conclusões do  relatório médico pericial, assumem importância crucial na decisão do objecto da causa, i.e, na avaliação do quantitativo monetário a atribuir, concatenados com os demais factos e,  visto o disposto nos artigos 483º e 496º do Código Civil.        
Donde, adita-se à matéria de facto provada que:      
- A Autora sofreu défice funcional temporário parcial de 31/01/2017 a 31/03/2017.
- O quantum doloris foi fixado no grau 4 pelo tipo de lesões resultantes e pelo tratamento efetuado, em concreto, uso do colete de Jewett.   
- À Autora foi atribuído défice funcional permanente da Integridade Física-Psíquica de 3 pontos; e o
- dano estético permanente foi  fixado no grau 1. 
b. Acerca dos factos não provados
Sustenta a apelante que o ponto 3 dos factos não provados, relativo ao uso do colete Jewett, deverá ser eliminado.
O relatório pericial atendeu a esse facto na fixação do grau de dor, e também a informação clínica regista, em suficiência, o uso pela Autora de colete Jewett, pelo que procede nesse tocante a impugnação.
Argumenta ainda que, os pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9 10 e 11 dos factos não provados deverão ser dados como provados, de acordo com os elementos constantes dos documentos clínicos juntos e das suas declarações na audiência de julgamento.
Nessa vertente improcede a pretensão impugnatória.
Assim, quanto à alegada situação profissional de copeira e vencimento auferido de 650,00 Euros, a Autora não juntou qualquer prova documental ou outra que atestasse a existência do vínculo laboral, sendo de fácil acesso, não podendo o tribunal bastar-se com a mera proclamação da interessada, que de resto, conforme resulta das transcrições do seu depoimento, se limitou a acompanhar a pergunta do Mandatário com a alocução “certo...!”  
Nessa medida, também não é possível estabelecer que nesse período de incapacidade temporária, a Autora deixou de auferir o vencimento total de Euros 2.600,00.
Ademais, a existir esse vínculo profissional aquando do acidente, certamente a circunstância seria comunicada à Segurança Social, que suportaria  cerca de 70% do valor salário em  situação de Incapacidade temporária para o trabalho, e nenhum elemento documental se encontra nos autos neste domínio.[2]
Quanto à alegada contratação de terceira pessoa que lhe prestou à Autora ajuda nos cuidados da filha e nas lides domésticas, por cerca de 4 meses, a quem pagou o valor Euros 2.2228,00, independe de não se questionar que a Autora tenha uma filha, não foi feita prova desse encargo. Note-se que, acerca de tal gasto e circunstância de necessidade de auxílio as declarações da Autora não mereceram credibilidade, desacompanhadas de qualquer outro tipo de prova, sendo fácil v.g. indicar o depoimento da aludida Marina.     
Finalmente, quanto à alteração do estado emocional e psicológico da Autora após o acidente, contrastante com a robustez física, boa disposição e alegria de viver anteriores.   Ora, não se duvida , à luz da experiência , que uma jovem de 22 anos saudável beneficiasse desse bem-estar geral; o que definitivamente não resultou provado, foi que as dores, incómodos e preocupação associados ao acidente em concreto e as sequelas específicas, ultrapassado o período de cerca de 60 dias de recuperação, deixassem o alegado rastro do foro depressivo ou de perda das  anteriores capacidades.
Em suma, com ressalva do aludido ponto3., improcede integralmente a impugnação quanto aos factos não provados, acompanhando-se na íntegra a convicção do Tribunal a quo.          
1.2. O valor indemnizatório   
Estabilizada a matéria de facto provada, assente a dinâmica do acidente e a responsabilidade exclusiva do condutor do ciclomotor pela ocorrência, importará agora aferir do acerto dos montantes indemnizatórios atribuídos à Autora em razão dos danos resultantes e reclamados. 
A discordância da apelante quanto à sentença assenta, em primeiro lugar, na desconsideração em sede de danos patrimoniais da quantia de 1.300€ (650€x2meses), que deixou de receber a título de salário, como copeira no período de incapacidade parcial temporária.
Como exposto no ponto 1.1, não ficou provado que a Autora à data do acidente mantivesse actividade profissional e dela auferisse rendimento.
Donde, apesar da provada uma IPT fixada por 60 dias, não existe fundamento legal para condenar o responsável no pagamento de salários deixados de auferir entre aquela data e o termo da situação de incapacidade, a título de lucros cessantes, não se provando a verificação do dano patrimonial em concreto.
Diferente questão, que não se confunde com a referida perda de salários, a incapacidade parcial temporária verificada corresponderá a um dano físico, não restringido ao plano da actividade estritamente profissional, a reflectir-se no quantum indemnizatório por danos não patrimoniais.        
Na verdade, os danos não patrimoniais estendem-se por diversas componentes com variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária; o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que subsistiram e as sequelas irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima, com rebate na incapacidade permanente parcial.
A apelante dissente também do julgado por não ter sido considerado a título de dano patrimonial os quantitativos reclamados pelo pagamento a terceira pessoa a quem pagou durante 4 meses; tal apreciação por igual motivação mostra-se prejudicada atenta a falta de prova do facto gerador do dano.
Sustenta ainda a apelante, que ao entender o tribunal a quo não haver danos para o futuro, contraria o relatório do INML, que fixou um défice funcional permanente da Integridade Física-Psíquica de 3 pontos, pois apesar de sem repercussão na actividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, implica esforços suplementares.   
Que dizer?
Tal como resulta da fundamentação da sentença a final, concluiu-se “(…)  que não logrou provar danos futuros, não havendo que remeter para execução de sentença para apurar esses danos, como pretende a Autora.”
Neste segmento decisório, o que se atendeu foi à ausência de prova (e de direito à correlativa indemnização) quanto aos peticionados danos futuros em razão do agravamento da situação clínica da Autora e para toda a vida, e os quais constam nos pontos 3 e 12 dos factos não provados, designadamente que o quadro clínico tenha tendência para se agravar.
E, isentando qualquer dúvida, o alegado agravamento para o futuro da incapacidade funcional fixada, foi excluído expressamente no relatório de perícia médica – a pág. 5 – “Na situação em apreço não é de perspectivar a existência de Dano Futuro (considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamnete certa e segura, por corresponder a evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico.”
Donde, também neste segmento não ocorre motivo para alteração do decidido.
Continuando.
O Tribunal a quo seguiu o critério (solução de direito admissível) de valoração da incapacidade parcial permanente enquanto dano não patrimonial, e apesar de forma algo lacónica, fixou o respectivo montante total indemnizatório em Euros 5.000,00, assente na respectiva gravidade e danos provados e, o disposto no artigo 496º, nº1 do Código Civil.
A apelante pretende que tais danos sejam valorados nos seguintes termos- enquanto dano patrimonial futuro, tendo em conta o salário mínimo nacional de 557€, e a IPP de 3 pontos fixada pelo INML, fixar-se uma indemnização de 6.434,71€ (557€x14mesesx27,505831x3%), e em simultâneo, atenta aquela incapacidade funcional, aditando o quantum doloris de 4 e o dano estético de grau 1, reclama a título de danos não patrimoniais o montante de 25.000€.       
Cumpre aquilatar do acerto do valor total arbitrado a título de danos não patrimoniais na sentença recorrida.
Conforme é pacífico na jurisprudência e doutrina, a fixação da compensação monetária dos danos morais (por definição não postulam um prejuízo material, correspondendo a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indirectamente compensável através dos benefícios que o dinheiro permite alcançar) passa pela articulação, entre a ponderação das circunstâncias concretas da pessoa atingida, e, o crivo do padrão objectivo, com apelo às regras da boa prudência, de bom senso prático e de justa medida das coisas, procurando que a compensação pecuniária de algum modo reponha o statu quo ante.
Neste conspecto, em harmonia com o estabelecido no artigo 496º do Código Civil, deverá o montante pecuniário da compensação a título de danos morais fixar-se equitativamente, atendendo às circunstâncias do caso, como a gravidade do dano, o grau de culpabilidade, e a situação económica do responsável e do lesado. 
Finalmente, a indemnização deverá acompanhar o padrão jurisprudencial tendencialmente aplicado em casos análogos –artigo 8º, nº3, do Código Civil - em razão das exigências do princípio da igualdade e da desejada uniformização das decisões judiciais.
Aqui chegados, na avaliação da situação concreta danosa da Autora, afigura-se, que o valor total de Euros 5.000,00 atribuído, se situa abaixo da mediana padronizada pela jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça, em casos paralelos e aproximados.
Veja-se a título de exemplo e com paralelismo com o caso em juízo,  o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.09.2018, que fixou o montante de Euros 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, na situação de uma jovem de 28 anos com deficit funcional de 5 pontos.[3]
Com semelhança aproximada à situação dos autos, também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.06.2016, foi atribuída à vítima de 21 anos, com o deficit funcional de  3 pontos, a indemnização de Euros 20.000,00.[4]  
Justifica-se, por isso, intervenção correctiva.
Assim, atendendo à idade jovem da Autora, aos danos que padeceu e sequelas advenientes, traduzidos na sua capacidade funcional diminuída no grau 3, atentos os esforços acrescidos para o desempenho pessoal e laboral, o dano estético de 1, e o quantum doloris e grau 4, a culpa exclusiva do condutor do ciclomotor na produção do acidente, ponderando ainda o tempo decorrido desde o sinistro (5 anos) considera-se equitativa a indemnização no valor de Euros 20.000,00.
Por último, não vinga o pedido de pagamento de juros de mora desde a citação, posto que, a indemnização foi arbitrada em actualidade e conforme à doutrina do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09.05.2002, ou seja, que nesse pressuposto, os juros são devidos apenas desde a data da prolação da sentença.
3. Do recurso do Réu FGA.
O dissentimento do Réu apelante cinge-se à exigência de condenação solidária do interveniente, condutor do veículo no pagamento da indemnização.
Antecipamos, que não pode o apelante deixar de ter razão, uma vez que da sentença recorrida não consta qualquer alusão à responsabilidade final do interveniente citado nos autos na qualidade de condutor do veículo sem seguro, condenando (apenas) o Réu FGA no montante indemnizatório atribuído à Autora.
É consabido que vigorando o regime legal do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, a intervenção e atribuições do FGA visa garantir a indemnização devida por qualquer «responsável civil» por acidente, que seja provocado com intervenção de veículo automóvel sem seguro válido ou eficaz ou por veículo automóvel desconhecido.[5]
Trata-se, assim, de uma obrigação imposta por lei justificadamente explicável pela especial natureza e específicas finalidades do Fundo.[6]
Apelando à fundamentação do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.04.2012, a existência do FGA e das respectivas atribuições, estão “ligadas à necessidade de assegurar (garantir), perante terceiros lesados, o pagamento das indemnizações naquelas circunstâncias, ainda que com direito a exigir o posterior reembolso das quantias despendidas, sem deixar de ter presente os motivos que subjazem à consagração quer do seguro obrigatório de responsabilidade civil, quer do Fundo de Garantia Automóvel, bastando notar que, tendo sido desenvolvido a partir de diversas Directivas Europeias, o aludido seguro tem uma inequívoca finalidade social, visando acautelar de forma efectiva direitos dos lesados em consequência de acidentes de viação, libertando-os, na medida do possível, das vicissitudes ligadas à celebração ou não do contrato de seguro, ao respectivo conteúdo ou à solvabilidade dos responsáveis pelos danos decorrentes da sinistralidade automóvel. “[7]
Vejamos o quadro normativo aplicável.
De acordo com o disposto no artigo 80º, nº 1, do Decreto-Lei 291/2007, de 21 de agosto, a obrigação de seguro de responsabilidade civil constitui condição de admissibilidade dos veículos à circulação.
Na ausência do cumprimento de tal obrigação pelo condutor do veículo causador de sinistro, estabelece o artigo 47º, nº 1, do mesmo diploma legal que, é garantida ao lesado pelo Fundo de Garantia Automóvel a reparação dos danos causados por responsável incumpridor da obrigação de segurar; e, mais adiante, no artigo 49º, nº 1, estipula que, o Fundo “garante (…) a satisfação das indemnizações” por danos materiais quando o responsável, sendo conhecido, não beneficie de seguro válido e eficaz.
Nessa circunstância, previne o artigo 54º, nº 1, que “Satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado…”.
Da sub-rogação em tais termos decorre, segundo o nº 3 do artigo 54º, que “São solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo … o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro”.
Especificamente neste domínio prevê o artigo 62º, nº1 que, “As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo …e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade”.
Confrontando-se o ora estipulado com o anterior regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei nº 522/85, de 31/12 , também já o artigo  25º, nº3  do Decreto-Lei nº 522/85, dispunha que, “ «As pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro poderão ser demandadas pelo Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do nº 1, beneficiando do direito de regresso contra outros responsáveis pelo acidente, se os houver, relativamente às quantias que tiverem pago.”[8]
Do que há a retirar que na actual legislação optou-se claramente por aumentar a possibilidade de o Fundo obter ressarcimento do pagamento efectuado, permitindo estender a demanda a todo e qualquer responsável pelo acidente.
Interpretação que na doutrina é sublinhada por Arnaldo Filipe da Costa Oliveira, em comentário ao artigo 54º do actual regime, - «(..)ressarcindo o lesado, o FGA fica ex lege sub-rogado nos direitos deste contra o responsável (conhecido e sem seguro) do acidente) (…). Mas, para além deste direito contra o responsável civil, o DL 291/2007 veio ainda prever a responsabilidade solidária dos detentor, proprietário e condutor» – e conclui que «os direitos do lesado a que se refere o nº 1 do mesmo são os direitos contra o responsável civil e o obrigado ao seguro.» [9]
Num interessante artigo envolvendo um caso de jurisprudência do STJ, que motivou prévio reenvio ao Tribunal de Justiça Europeu, estando também em causa a intervenção do FGA, Maria Inês Oliveira Martins sublinha- «A opção do legislador pelo litisconsórcio necessário permite ao Fundo ter acesso aos argumentos e meios de prova que a pessoa considerada responsável apresenta ao tribunal, no que toca ao estabelecimento da sua responsabilidade perante a vítima. Porém, o efeito mais importante dessa regra é o de servir o direito de subrogação do Fundo: uma vez que este substituirá a vítima no direito que esta teria em relação ao responsável, torna-se especialmente relevante que o estabelecimento judicial dessa responsabilidade produza efeitos perante o Fundo.»[10]
De resto, também no anterior regime do Seguro obrigatório, a jurisprudência prevalecente alertava para a necessidade de dar utilidade ao regime da demanda litisconsorcial entre o FGA e o responsável civil sem seguro,  implicando a necessidade de condenação solidária dos demandados, sob pena de se concluir que o legislador, ao traçar o regime processual da acção, estaria a criar uma “pura inutilidade”, devendo definir-se, logo na medida do possível e sem mais dispêndio processual, os pressupostos de facto e jurídicos em que há-de basear o direito de sub-rogação do Fundo estabelecido no art.25º do DL 522/85, o que não seria possível sem a presença desse responsável civil.[11]
É certo que, tal como referenciado pela jurisprudência, a obrigação do FGA e a do responsável civil não são verdadeiramente solidárias, no contexto do artigo 497º do Código Civil, configurando a denominada solidariedade imprópria, imperfeita ou “impura”, uma vez que só nas relações externas, face ao lesado, é que ambos respondem solidariamente; no plano interno, paga a indemnização pelo Fundo, fica este investido nos direitos do credor – o lesado – podendo pedir do lesante o que pagou. [12]
Ora, comungando tal entendimento, surge, todavia, de fácil alcance interpretativo, que face ao lesado, o responsável civil e o FGA respondem, pelo que a condenação na indemnização dos danos sofridos terá de abranger todos os que por ela respondem e que na lide foram demandados, e, por conseguinte, no caso dos autos a sentença proceda à condenação solidária do Fundo e do responsável condutor e interveniente citado.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso da Autora, e procedente o recurso do Réu,  revogando a sentença em conformidade, e em consequência, condenam solidariamente o Réu FGA e o Interveniente S no  pagamento à Autora da indemnização no valor de Euros 20,000,00, a título de danos não patrimoniais;  e , o valor de Euros 110,00 por danos patrimoniais, acrescendo juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, vencidos desde a data da sentença proferida em primeira instância.
As custas dos recursos são a cargo da Autora na medida do seu decaimento.    

Lisboa, 25 de Janeiro de 2022
ISABEL SALGADO
CONCEIÇÃO SAAVEDRA
CRISTINA COELHO
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[1] V.pág.5 da sentença.
[2] O regime do Decreto-Lei n.º 59/89 tem na sua base danos por acidente de trabalho ou acto de terceiro que tenha determinado incapacidade temporária ou definitiva para o exercício de actividade profissional ou morte. Nestes casos, as instituições de segurança social pedem o «reembolso de montantes que tenham pago em consequência dos eventos referidos».
[3] Aresto proferido no proc-2172/14, disponível in www.dgsi.pt.
[4] No proc-59638/13 in Sumários do STJ, in open space.
[5] Intervenção limitada pelas exclusões previstas para o SORCA.
[6] O Fundo de Garantia Automóvel resulta do disposto na 2.ª Diretiva Automóvel (artigo 10.º da Diretiva de Codificação) que prevê a obrigação, por parte dos Estado -membros, de criarem um organismo que tenha por função reparar, pelo menos dentro dos limites da obrigação de seguro, os danos materiais e pessoais causados por: i) veículos não identificados, e ii) veículos em relação aos quais não tenha sido respeitada a obrigação de contratação de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.
[7]  No proc.º 3203/05.8TBMTJ.L1. S1, in www.dgsi.pt.
[8] Impondo já então o artigo .29 nº6 do DL 522/85 o litisconsórcio necessário passivo do FGA e do responsável civil, quando este seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz.
[9] In Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel: Síntese das Alterações de 2007 – DL 291/2007, 21 Agosto., 2008, pág. 99/100, acrescentando  que “(…) esse reforço de garantia vai mais longe ainda, ao estabelecer-se, no nº 4 do artº 54º, que «são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do n.º 1, os que tenham contribuído para o erro ou vício determinante da anulabilidade ou nulidade do contrato de seguro e ainda o comerciante de veículos automóveis que não cumpra as formalidades de venda relativas à obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel». “(…) estamos perante uma «musculação de regime».
[10]  Datado de 7.05.2021 in www.revistadedireito comercial.com.
[11] Cfr. também neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 8/5/96, C.J. ano XXI, tomo III, pág.225, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/3/2001, C.J. ano IX, tomo I, pág.266.
[12] V. Acórdãos  do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.09.2008, proferido no proc. 08A1994, e de 5.11.2009 – proc. 1350/1998.S1, disponíveis in www.dgsi.pt; e também no  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2013 – procº 480/2000.E1.S1, in Sumários STJ A culpa nos acidentes de viação na jurisprudência das Secções Cíveis (1996 a 2014), disponível in open space.