Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
56086/14.6YIPRT.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: CONTRATO DE DEPÓSITO BANCÁRIO
CARTÃO DE CRÉDITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I.Os avisos e instruções do Banco de Portugal constituem regulamentos, integrando o nível hierarquicamente inferior das fontes de direito administrativo e bancário.

II.Como tais, estão subordinados à lei, dependem de lei habilitante e não poderão inovar (apenas serão admitidos regulamentos de execução) em áreas constitucionalmente reservadas à lei (princípio da reserva material de lei).

III.O disposto nos avisos n.º 4/95 e 11/2001 do Banco de Portugal, no que concerne à emissão de cartões de crédito, deve ser articulado com o regime jurídico dos contratos de crédito aos consumidores, sucessivamente previsto no Dec.-Lei n.º 359/01, de 21.9 e Dec.-Lei n.º 133/2009, de 02.6.

IV.Da articulação do constante nos diplomas regulamentares e legais referidos em III resulta que o requisito da forma exigida para a celebração de contrato de emissão de cartão de crédito a favor de uma pessoa singular, cuja utilização não seja condicionada a fins profissionais ou empresariais, não é ad substantiam mas ad probationem.

V.Deve considerar-se provada a celebração de contrato de emissão de cartão de crédito, se o réu a confessar e bem assim confessar a dívida decorrente do saldo negativo invocado pelo banco emitente, ainda que não seja junto aos autos documento comprovativo da redução a escrito desse contrato.

VI.A natureza formal ou consensual dos contratos de abertura de conta bancária e de depósito bancário é questão controvertida na doutrina e na jurisprudência; porém, in casu, as exigências formais quanto à prova de tais contratos mostram-se preenchidas mediante a exibição de ficha de abertura de conta, contendo a assinatura do réu - cuja autenticidade foi por este confirmada em audiência final - bem assim a respetiva identificação, data, número e tipo de depósito bancário a ela associado (depósito à ordem), tudo acrescido de confissão, pelo réu, da celebração do contrato de depósito e bem assim da dívida, invocada pelo banco, resultante de descoberto em conta tolerado por este.

VII.Não se tendo provado acordo quanto a juros remuneratórios e moratórios atinentes aos contratos e créditos referidos em V e VI, nem se tendo provado interpelação prévia para o respetivo pagamento, a credora instituição bancária terá, quanto a juros, direito ao pagamento de juros de mora, à taxa prevista no § 3.º do art.º 102.º do Código Comercial, contados desde a citação (in casu, notificação, ao abrigo do regime das injunções).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


Em 22.4.2014 Banco Espírito Santo, S.A., a quem sucedeu no processo Novo Banco S.A., apresentou no Banco Nacional de Injunções requerimento de injunção contra Joaquim, pedindo que este fosse notificado para pagar ao requerente a quantia de € 8 757,43, sendo € 1 472,78 a título de capital e € 7 131,65 a título de juros moratórios, e ainda juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

Alegou, em síntese, que no exercício da sua atividade celebrou com o requerido um contrato de depósito bancário à ordem, que identificou. Desde 26.11.2002 existe na referida conta um descoberto bancário no valor de € 1 246,99, a cujo reembolso o requerido não procedeu, não obstante ter conhecimento da dívida em virtude da receção dos extratos mensais da conta. Também no exercício da sua atividade o requerente celebrou com o requerido um contrato de atribuição de cartão de crédito, que identificou. Na sequência da utilização pelo requerido desse cartão encontra-se em dívida, desde 20.5.2007, o valor de € 225,79, que o requerido nunca regularizou, não obstante ter conhecimento dessa dívida pela receção mensal dos extratos do cartão.

Estão em dívida as aludidas quantias, a título de capital, a que acrescem, nos termos contratuais, juros remuneratórios à taxa, respetivamente, de 22% e de 19,908% e juros moratórios, respetivamente, à taxa de 2% e de 11,544%, no valor, quanto ao descoberto bancário, de € 6 622,13, e quanto ao cartão de crédito, no valor de € 539,22, mais 4% a título de imposto de selo.

O R. deduziu oposição, arguindo a prescrição dos juros. Mais afirmou, quanto ao cartão de crédito, desconhecer se devia ou não a quantia peticionada, pois há muito que não tem conhecimento dos extratos mensais do cartão, pois mudou de residência e depois foi assaltado, tendo ficado sem qualquer documento bancário. Assim, também não pode comprovar se o referido cartão de crédito estava ou não associado a uma conta bancária em seu nome individual. Quanto aos juros remuneratórios e moratórios, o R. alegou desconhecer a data a partir da qual eles são calculados, assim como se as taxas utilizadas são ou não as contratuais, pelo que requereu que o A. juntasse aos autos o original dos contratos.

O R. concluiu pela procedência da exceção invocada e pela improcedência da ação, por não provada e consequente absolvição do pedido.

A convite do tribunal o A. respondeu à exceção, aceitando a prescrição parcial dos juros reclamados, pelo que reduziu o pedido, quanto a juros, para o valor, vencido à data do pedido de injunção, de € 1 570,09 quanto ao saldo a descoberto e de € 373,82 quanto ao cartão de crédito.

Realizou-se audiência final e em 05.01.2017 foi proferida sentença em que se julgou a ação improcedente por não provada e consequentemente se absolveu o R. do pedido.

O A. apelou da sentença, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
I.A Recorrente, NOVO BANCO, S.A., intentou contra o Recorrido, Joaquim, em 22.04.2014, requerimento de injunção, pelo valor de € 8.604,43 (Oito Mil, seiscentos e quatro Euros e quarenta e três Cêntimos), acrescido de juros vincendos calculados sobre o capital em divida, desde o incumprimento até à data de entrada do presente procedimento (quanto ao Contrato de Abertura de Conta foram peticionados a título de juros remuneratórios à taxa de 19.908% acrescidos de juros moratórios à taxa de 11.544% e respectivo imposto de selo à taxa de 4%, quanto ao Contrato de atribuição de Cartão de Crédito foram peticionados juros remuneratórios à taxa de 22.000% acrescidos de juros moratórios à taxa de 2.000% e respectivo imposto de selo à taxa de 4%), face ao incumprimento do Contrato de Abertura de Conta, contrato esse com o n.º (…), e do Contrato de atribuição de Cartão de Crédito com o nº (…) – cfr. Contratos já juntos aos autos como Doc. 1 e Doc. 2;
II. Com efeito, a Recorrente celebrou com o Recorrido, em 04 de Janeiro de 1999, um Contrato de Abertura de Conta e um Contrato de atribuição de Cartão de Crédito através do qual este passou a ser titular de um cartão de crédito com o número (…);
III.Sucede, porém, que o Recorrido não liquidou à Recorrente desde 26.11.2002, o saldo devedor existente na referida conta à ordem, que resultou num descoberto bancário no valor de € 1.246,99, de que o Recorrido não procedeu ao reembolso, não obstante o conhecimento da dívida decorrente da recepção mensal dos extractos da conta de depósitos à ordem supra identificada, nem tão pouco liquidou o saldo em dívida resultante da utilização do referido cartão, que se encontra em dívida desde 20.05.2007 o valor de 225,79, não obstante ter conhecimento dessa dívida pela recepção mensal dos extractos do cartão;
IV.Assim sendo, a Recorrente peticionou a condenação do Recorrido no pagamento da quantia total de € 8.604,43 (Oito Mil, seiscentos e quatro Euros e quarenta e três Cêntimos), quantia essa resultante do somatório i) do capital em dívida, no valor de € 1.472,78; ii) dos juros vencidos, no valor de € 7.131,65, calculados sobre o capital em dívida às taxas supra referidas e peticionadas, desde a data do incumprimento – 20.05.2007 e 26.11.2002 – até à data de entrada da Petição Inicial em 22.04.2014; iii) da taxa de injunção, no valor de € 153,00;
V.Face à citação do Réu, o mesmo veio apresentar oposição à acção a 13.01.2015, motivo pelo qual o requerimento de injunção passou a ser uma acção especial de cumprimento de obrigação pecuniária;
VI.Na referida oposição, o aqui Recorrido alegou em síntese: a prescrição dos juros peticionados; bem como veio alegar, sem prova, que “não sabe se pagou ou não” a quantia referente ao cartão de crédito, desculpando-se que mudou de residência e posteriormente foi assaltado tendo ficado sem documento bancário; em relação ao contrato de abertura de conta curiosamente nada alegou;
VII.Notificado a aqui Recorrente para responder a contestação apresentada, o mesmo veio reduzir o seu pedido com referência à data de 16.10.2014 - data em que o requerimento de injunção passou a ser uma acção especial de cumprimento de obrigação pecuniária - bem como veio impugnar toda a defesa apresentada uma vez que o Recorrido confessou no art. 8º da oposição apresentada, ao consignar expressamente que “não sabe se pagou ou não” a quantia peticionada;
VIII.O que salvo o devido respeito mais que ninguém deveria ser o Opoente a ter a certeza se pagou ou não a quantia peticionada, pelo que ao dizer que “não sabe se pagou ou não”, equivale o mesmo a uma confissão, nos termos do art. 574 nº 3 do C.P.C;
IX.Relativamente a alteração de residência, a Recorrente consignou ainda desconhecer a mesma e nem se diga que teria obrigação de a conhecer, uma vez que o R. nunca comunicou a alegada alteração de morada para a sua actual;
X.Quanto ao alegado assalto mais uma vez o R. não comunicou nem juntou prova de tal ocorrência, de forma a que a Recorrente remetesse 2ª via dos documentos bancários; mais fez junção aos presentes autos dos dois contratos - Contrato de Abertura de Conta e Contrato de atribuição de Cartão de Crédito e dos respectivos extractos bancários referentes aos mesmos;
XI.Nesta sequência, a Mma. Juiz pronuncia-se quanto ao demais no sentido em que incumbia ao Recorrente a prova da “(...) celebração dos contratos, uso do dinheiro e juros acordados, uma vez que tais factos gerariam a obrigação, por parte do R., do respetivo pagamento”.
XII.Por esse motivo,a Mma. Juiz a quo considerou a acção totalmente improcedente, não reconhecendo o direito da Recorrente a receber do ora Recorrido a quantia peticionada.
XIII.Realce-se que o Recorrido apenas contestou por excepção, e na parte impugnada nunca pôs em causa a celebração ou não dos contratos, muito pelo contrário – reitere-se a aludida confissão.
XIV.De igual modo, em sede de audiência de discussão e julgamento – e que ficou dado como assente -, confessou este não só “ter aberto a conta em causa nos autos, bem como ser sua a assinatura constante da ficha de assinaturas de fls 58”, bem como “admitiu ter conhecimento da existência dos débitos de capital referidos no requerimento de injunção.”.
XV.Dito isto, os factos neste particular articulados, deveriam ter sido considerados como provados, ao abrigo do disposto no n.º2 do art. 574.º do C.P.C., que prevê que se consideram ADMITIDOS POR ACORDO os factos que não forem impugnados, porque o R. nunca os impugnou ou colocou em causa a celebração dos contratos, bem como o uso do dinheiro.
XVI.Ao desconsiderar o efeito cominatório deste preceito legal, desconsiderando não só o articulado, a documentação junta, bem como a confissão do Recorrido – confissão que este jamais retirou – a Sentença viola não só o regime da falta de impugnação sobre determinados factos, como ainda o princípio da prova.
XVII.Pelo que, não há duvidas que estamos perante uma decisão surpresa prevista no art. 3.º n.º3 do C.P.C.,
em que o Recorrente foi surpreendido com a decisão para a qual as suas exposições, factuais e jurídicas, não foram tomadas em consideração, na medida em que o Opoente confessou ter celebrado os dois contratos aqui em causa, bem como confessou ser devedor do valor peticionado. Pelo que, constituindo tal decisão uma surpresa com violação do princípio do contraditório, a Sentença deverá ser revogada.
XVIII.Na verdade contam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre a matéria de facto favorável a Recorrente.
XIX.Isto posto, os termos e para os efeitos do disposto no art.º 640º, n.1 do C.P.C., impugna-se a Sentença ora recorrida, quanto aos factos que se consideram incorrectamente julgados, reputando errónea a resposta dada pelo Tribunal à matéria de facto, nomeadamente, ao considerar não provado os seguintes pontos “a. No prosseguimento da sua atividade bancária o A. celebrou com o R. o contrato de atribuição de cartão de crédito com o n.º (…); b. Na sequência da utilização pelo R. do supra mencionado cartão, encontra-se em dívida desde 20.05.2007 o valor de €225,79 (duzentos e vinte e cinco euros e setenta e nove cêntimos); c. O R. nunca regularizou a dívida referida em b., não obstante ter conhecimento da mesma; d. Os juros remuneratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de atribuição de cartão de crédito identificado em a. foi de 19.908%; e. Os juros moratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de atribuição de cartão de crédito identificado em a. foi de 11.544%; f. O R. celebrou igualmente com o A. um contrato de depósito bancário à ordem com o n.º (…); g. Desde 26.11.2002, existe na referida conta à ordem um descoberto bancário no valor de €1.246,99 de que o R. não procedeu ao reembolso, não obstante o conhecimento da dívida decorrente da receção mensal dos extratos da conta de depósitos à ordem supra identificada; h. Os juros remuneratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de depósito bancário à ordem identificado em f. foi de 22.000%; i. Os juros moratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de atribuição de cartão de deposito bancário identificado em a. foi de 2.000%.”.
XX.Os referidos pontos dados como não provados, deveriam ter decisão contraria face ao exposto supra no recurso quanto à matéria de facto, uma vez que não resta dúvidas, que o ónus da prova, que cabia ao Recorrente, quanto à autoria da celebração dos contratos e uso do dinheiro deverá considerar-se como satisfeito e completado com a referida confissão dos contratos escritos, apresentados, aceite e reconhecidos pelo R., uma vez que o mesmo não invocou a falsidade dos documentos juntos, nem tão pouco impugnou a assinatura constante, bem como pelos extractos juntos, cumprindo assim o seu dever de ALEGAR, e deixou ao Recorrido o dever de PROVAR o contrário, sendo que o Recorrente muniu o Tribunal com os documentos essenciais para a descoberta da verdade, bem como apresentou todo o historial do cliente.
XXI.Mais, o ónus da prova por si só, nada releva em termos de se dar ou não, um facto como provado ou não provado, ou seja, como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição Revista E Actualizada, Coimbra Editora, 1982, a pág. 304: “O significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de não se fazer prova do facto.”.
XXII.De acordo com as regras do ónus da prova, em suma, opera o preceituado no disposto no art. 342.º do C.C, em que àquele que invoca um direito, cabe fazer prova dos factos constitutivos do mesmo (nº 1), e a prova dos factos extintivos do direito, compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2).
XXIII.Pelo que, e referindo-se mais uma vez, os documentos juntos pela Recorrente, que constituem documentos particulares com força probatória plena, nos termos do art. 376.º do C.P.C, bem como o depoimento e declarações de parte do R. (gravado), a confissão efectuada pelo R. no seu requerimento de oposição, constitui-se uma confissão expressa nos termos do art. 352.º do C.P.C, e que impunham dar-se como provados os pontos referidos, uma vez que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova produzida nos autos e não valorou correctamente a força probatória dos documentos constantes dos autos e da confissão do R. em sede de Audiência Discussão e Julgamento.
XXIV.O Recorrente entende que a reformulação da decisão de facto nos termos supra expostos, permite a revogação da decisão aqui recorrida, uma vez que a prova produzida impunha, sem margem para dúvidas, a improcedência da oposição, e assim a substituição por sentença que julgue totalmente procedente o pedido formulado.
XXV.Pelo supra exposto, e em conformidade, a aqui Recorrente pretende a alteração da decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a referida matéria de facto, nos termos do artigo 662º, n.º 1 do C.P.C., e recorrer, igualmente, da errada interpretação e aplicação do Direito, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 639.º n.º2 do C.P.C., porquanto, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo viola os artigos 342.º, 352.º, 364.º nº 2, 376.º, 405.º, 406.º, 559.º, 762.ºn.º1, 798.º, 804.º, 817.º, 1142.º e 1145.º n.º1, todos do Código Civil, e n.º2 e n.º 3 do art. 574. do C.P.C, uma vez que os requisitos legalmente impostos encontram-se totalmente verificados, impondo decisão diversa. e recorrer, igualmente da Sentença pela existência de nulidade, nos termos do art. 615.º n.º1 al. c) do C.P.C., devendo a mesma ser declarada procedente, bem como o presente recurso, e em consequência seja proferida decisão que condene o R. na totalidade do pedido.
XXVI.Face ao supra exposto, e salvo o devido respeito, a decisão não pode merecer acolhimento, desde logo, porque é manifestamente injusta a decisão proferida ao considerar como considerou e absolvendo o Opoente.
O apelante terminou pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e substituída por outra que julgasse a oposição improcedente e determinasse o pagamento da quantia peticionada.

O R. contra-alegou, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I– Bem andou a douta decisão recorrida quando julgou totalmente improcedente por não provada a acção, absolvendo o R., ora apelado, do pedido.
II– Os factos considerados provados e não provados, bem como, a motivação que levou a essa conclusão, foram correctamente avaliados à luz da regra da livre apreciação, da prova documental, da prova por declarações de parte e testemunhal.
III– Ou seja, o Tribunal a quo, analisou e apreciou toda a prova constante dos autos e a que foi produzida em audiência de discussão e julgamento, concatenando, entrecruzando e confrontando-os entre si.
IV– Bem como, retirou dessa prova, as inerentes ilações e pertinentes presunções judiciais, dando cumprimento, ao disposto no artº 351º do CC.
V– O apelante não fez prova do seu direito, uma vez que não juntou aos autos os contratos celebrados com o apelado e, por isso, não provou os factos constitutivos do seu direito, não cabendo ao apelado provar o contrário, como se pretende.
VI– Exigindo a lei, que a prova se faça por documento escrito, não pode a mesma ser substituída por outro tipo de prova, nomeadamente a confissão, ainda que expressa.
VII– Tratando-se de uma formalidade ad substantiam, aplica-se o nº 1, do artº 364º do CC e não o seu nº 2.
VIII– Não existe na douta decisão recorrida nenhuma nulidade.
IX– Não poderia ter sido outra a valoração da prova e por isso, ter a matéria de facto dada como provada a constante dos pontos i) a iv) e como não provada a dos pontos a) a j).
X– A douta sentença recorrida não é uma decisão surpresa, não se verificando nenhuma violação do principio do contraditório, nos termos do nº 3, do artº 3º do CPC.
O apelado terminou pedindo que fosse negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Foram colhidos os vistos legais.

FUNDAMENTAÇÃO.

As questões suscitadas pelo apelante no seu recurso, emergentes das respetivas conclusões, e que há que conhecer, são as seguintes: decisão surpresa; nulidade da sentença; impugnação da matéria de facto; direito do A..
Primeira questão (decisão surpresa)
Na formulação da Constituição da República Portuguesa (CRP), “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos” (n.º 1 do art.º 20.º da CRP). A defesa dos direitos e interesses em tribunal deverá fazer-se mediante processo equitativo (n.º 4 do art.º 20.º da CRP), o que pressupõe dar às partes em conflito a possibilidade de exporem as suas razões e de apresentarem as suas provas, em igualdade de circunstâncias, inclusive em resposta à atuação processual da contraparte (cfr., v.g., artigos 3.º, 4.º, 415.º do CPC). Mais, o juiz deve abster-se, a não ser em caso de desnecessidade, de “decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (n.º 3 do art.º 3.º do CPC). Repele-se as chamadas “decisões surpresa”.

O apelante diz-se surpreendido com a decisão proferida, que entende ter posto em causa o exercício do seu direito ao contraditório.

É manifesta a sem razão da invocação de tal qualificação da decisão recorrida como decisão surpresa, com o sentido tido em vista no art.º 3.º do CPC. No processo o A. teve ao seu alcance o exercício de todas as faculdades de expor as suas razões e produzir as suas provas, conforme decorre do Relatório supra. Note-se que o A. foi até expressamente notificado pelo tribunal tanto para responder à matéria de exceção arguida pelo R. na sua oposição, como para juntar aos autos “o contrato e extratos a que respeita o seu requerimento inicial” (despacho a fls 56). Produzidas as provas e realizada audiência final, o tribunal a quo avaliou as provas produzidas e atribuiu-lhes o sentido e valor que achou por adequados, em termos que, por terem conduzido a um juízo de “não prova” dos factos alegados pelo A., poderão desagradar a este ou até surgir-lhe como inesperados – mas que se atêm ao que constituía o objeto do processo e se incluía na matéria em debate.

Nesta parte, pois, o apelante carece de razão.

Segunda questão (nulidade da sentença)
O apelante entende que a sentença é nula, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. c) do CPC.
Esse dispositivo comina de nulidade a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.

O apelante não explicita de qual ou quais os vícios incluídos na aludida norma padecerá a sentença.

Certo é que não padece de nenhum deles. Na sentença o tribunal a quo considerou que os direitos invocados pelo A. deveriam sustentar-se em contratos reduzidos a escrito, que não poderiam ser substituídos por outro meio de prova, nomeadamente por confissão. Assim, apesar da confissão do R., uma vez que o A. não apresentou, no juízo do tribunal a quo, os aludidos contratos, este julgou a ação improcedente. Não se descortina qualquer contradição entre os fundamentos explicitados e a decisão proferida, nem qualquer ambiguidade ou obscuridade.

A apelação também improcede, pois, nesta parte.

Terceira questão (impugnação da matéria de facto).

O tribunal a quo deu como provada a seguinte.

Matéria de facto.
1.O A. Novo Banco S.A. é uma sociedade comercial sob a forma de anónima, que se dedica à atividade bancária.
2.O banco A. enviava extratos mensais do cartão para morada do R..
3.O banco A. enviava extratos mensais da conta de depósitos à ordem para morada do R..
4.O R. mudou de residência.

O tribunal a quo enunciou os seguintes.

Factos não provados.
a.No prosseguimento da sua atividade bancária o A. celebrou com o R. o contrato de atribuição de cartão de crédito com o n.º (…).
b.Na sequência da utilização pelo R. do supra mencionado cartão, encontra-se em dívida desde 20.05.2007 o valor de €225,79 (duzentos e vinte e cinco euros e setenta e nove cêntimos).
c.O R. nunca regularizou a dívida referida em b., não obstante ter conhecimento da mesma.
d.Os juros remuneratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de atribuição de cartão de crédito identificado em a. foi de 19.908%.
e.Os juros moratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de atribuição de cartão de crédito identificado em a. foi de 11.544%.
f.O R. celebrou igualmente com o A. um contrato de depósito bancário à ordem com o n.º (…).
g.Desde 26.11.2002, existe na referida conta à ordem um descoberto bancário no valor de €1.246,99 de que o R. não procedeu ao reembolso, não obstante o conhecimento da dívida decorrente da receção mensal dos extratos da conta de depósitos à ordem supra identificada.
h.Os juros remuneratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de depósito bancário à ordem identificado em f. foi de 22.000%.
i.Os juros moratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de atribuição de cartão de crédito identificado em a. foi de 2.000%.
j.O R. foi assaltado, tendo ficado sem qualquer documento bancário, ou outro.

O Direito.
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPC “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (n.º 2 alínea a) do art.º 640.º do CPC).

O apelante entende que devem ser dados como provados os factos supra alinhados sob as alíneas a), b), c), d), e), f) g), h) e i).

Para tal aponta a posição do R. expressa na oposição, o depoimento por este prestado na audiência final e os documentos juntos aos autos.

O tribunal a quo fundamentou o seu juízo quanto aos factos não provados pela seguinte forma:
Por um lado temos a confissão do R. que reconhece ter aberto uma conta com um amigo numa agência do banco A. em Massamá, bem como a existência de um cartão de crédito associado a essa conta e também o capital em dívida num e noutro caso.
Por outro lado temos o disposto no art. 364º do Cód. Civil com a epígrafe “Exigência legal de documento escrito”, nos termos do qual:
“1. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
2. Se, porém, resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório.”.

Ora, quer o contrato de depósito bancário, quer o contrato de atribuição de cartão de crédito têm obrigatoriamente que ser reduzidos a escrito, cfr. resulta dos Aviso n.º 4/2009 (estabelece um conjunto de deveres de informação a prestar pelas instituições de crédito no âmbito da atividade de receção, do público, de depósitos bancários simples, aplicando-se a todas as modalidades de depósitos previstas no DL nº 430/91, de 2.11, e às respetivas contas e publica, em anexo, uma ficha de informação normalizada para depósitos, a qual deve ser disponibilizada ao cliente em momento anterior ao da abertura de conta de depósito); Aviso n.º 11/2001 (que define cartões de crédito e de débito, e as condições de utilização destes instrumentos de pagamento) e Aviso n.º 11/2005 (estabelece as condições e requisitos de abertura de contas de depósito bancário) todos do Banco de Portugal, donde resultam as exigências documentais de suporte e a forma escrita dos contratos em causa.

Sucede que nos presentes autos, e não obstante para tal efeito ter sido expressamente notificado, não apresentou o banco A. os contratos que constituem causa de pedir nos presentes autos, sendo certo que tal questão foi, também expressamente suscitada pela contraparte.

Exigindo-se como forma da declaração negocial, documento escrito (particular), não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior, o que não aconteceu porquanto aos autos apenas foram juntos os extratos de conta alegadamente enviados ao cliente, quer do cartão quer da conta de depósito à ordem, bem como a ficha de abertura de conta e um “print” informático relativo ao cartão de crédito.

Da lei não resulta que o documento é exigido apenas para prova da declaração, tendo ao invés múltiplas funções atenta a importância dos interesses em causa, pelo que não pode ser substituído por confissão expressa.

É este o fundamento de se terem os contratos por não provados.”

Vejamos.

O A. apresentou, como fonte dos seus direitos, dois contratos que teria celebrado com o R.: um “contrato de depósito bancário à ordem” e um “contrato de atribuição de cartão de crédito”.

Na contestação o R. admitiu ser titular de um cartão de crédito do A., mas refugiou-se na mudança da sua residência e num assalto à mesma, que o teriam privado de qualquer documento bancário, para alegar desconhecimento sobre se existiria a aludida dívida emergente do cartão de crédito, bem assim sobre se este estaria ou não associado a uma conta bancária em seu nome individual.

Os invocados assalto e mudança de residência não constituiriam, cremos, razão para libertar o R. dos efeitos do ónus de impugnação previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 574.º do CPC, no que concerne à alegação da celebração dos aludidos contratos, posto que se considerasse não aplicável a exceção atinente à exigência de prova por documento escrito (n.º 2 do art.º 574.º). Quanto à existência in concreto das dívidas e seu montante, e bem assim a contratualização de juros, admite-se que o posicionamento do R. devolveria ao A. o encargo de os provar (art.º 342.º n.º1 do CC).

No decurso da audiência o R. prestou depoimento que, por se considerar ter natureza confessória, foi alvo de assentada (art.º 463.º do CPC), ficando escrito o seguinte:
1.O réu admitiu ter aberto a conta em causa nos autos, bem como ser sua a assinatura constante da ficha de assinaturas de fls 58;
2.O réu admitiu ter conhecimento da existência dos débitos de capital referidos no requerimento de injunção.”

Assim, por força da não impugnação da existência dos contratos em sede de articulados e da expressa confissão judicial da abertura da conta em causa nos autos e da existência dos débitos de capital, dir-se-ia que estes deveriam ser julgados provados (artigos 574.º n.º 2 do CPC e 358.º n.º 2 do Código Civil). Porém, obstando a tal, o tribunal a quo invocou o disposto no art.º 364.º do Código Civil, que transcreveu. O tribunal a quo entendeu que dos avisos do Banco de Portugal n.º 11/2001, 11/2005 e 4/2009 resulta que quer o contrato de depósito bancário, quer o contrato de atribuição de cartão de crédito têm obrigatoriamente de ser reduzidos a escrito. Ora, entendeu o tribunal a quo, o A. não apresentou tais documentos. Por outro lado, a confissão do R. seria inoperante, pois da lei não resulta que o documento é exigido apenas para prova da declaração.

O Banco de Portugal tem reconhecimento constitucional (art.º 102.º da CRP).

Cabe-lhe, além do mais, exercer a supervisão (supervisão comportamental) das instituições de crédito e sociedades financeiras, instituições de pagamento e instituições de moeda eletrónica, estabelecendo regras de conduta no relacionamento destas com os clientes (cfr. art.º 17.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal - Lei n.º 5/98, de 31.01., com as alterações publicitadas, e art.º 76.º n.º 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – RGICSF, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 398/92, de 31.12, com as alterações publicitadas).

Essas regras, normalmente apresentadas sob a forma de avisos (publicados na 2.ª série do Diário da República – art.º 59.º n.º 2 da LOBP), contêm normas jurídicas. Os avisos do Banco de Portugal são, pois, regulamentos, integrando o nível hierarquicamente inferior das fontes de direito administrativo e bancário (cfr. José Simões Patrício, Direito Bancário Privado, Lisboa, Quid Juris, 2004, p. 84; Augusto de Athayde, Augusto Albuquerque de Athayde e Duarte de Athayde, Curso de Direito Bancário, vol. I, Coimbra Editora, 2009, 2.ª edição, p. 60). Como tais, estão subordinados à lei, dependem de lei habilitante e não poderão inovar (apenas serão admitidos regulamentos de execução) em áreas constitucionalmente reservadas à lei (princípio da reserva material de lei) (Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2014, 2.ª edição, pp. 204 a 211; Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7.ª edição, pp. 833 a 842, 844 e 845). Tal decorre, desde logo, do disposto nos n.ºs 5 e 7 do art.º 112.º da CRP.

Os avisos do Banco de Portugal citados na sentença recorrida não se encontravam em vigor à data em que, segundo o A., foram celebrados o “contrato de depósito bancário à ordem” e o “contrato de atribuição de cartão de crédito”: 04 de janeiro de 1999.

Nessa data vigorava, quanto à “abertura de contas de depósito”, a Instrução n.º 48/96, do Banco de Portugal. As instruções do Banco de Portugal, na medida em que contenham normas jurídicas, ou seja, regras gerais e abstratas com força vinculativa, também têm a natureza de regulamentos (cfr., v.g., José Simões Patrício, ob. e loc. cit.; Augusto de Athayde e outros, ob. e loc. cit.), sendo publicadas no Boletim Oficial do Banco de Portugal (art.º 59.º, n.º 3, al. a) da LOBP).

Essa instrução foi emitida à luz do art.º 7.º do DL n.º 454/91, de 28.12, diploma que aprovou o regime jurídico do cheque sem provisão, artigo esse que estabelecia que competia ao BP “fixar os requisitos a observar pelas instituições de crédito na abertura de contas de depósito e no fornecimento de impressos de cheques, designadamente quanto à identificação dos respectivos titulares e representantes, e ainda transmitir às instituições de crédito instruções tendentes à aplicação uniforme do disposto neste capítulo.

Essa instrução tem como destinatárias as instituições de crédito (n.º 1 da Instrução) e determina os cuidados que a instituição deverá ter na identificação dos titulares (e, quando for caso disso, dos seus representantes) na abertura de uma conta de depósito, regulando os elementos que, para esse efeito, deverão figurar nas respetivas “fichas de abertura”.

Nela não se encontra qualquer imposição quanto à forma ou prova da abertura da conta, ou seja, quanto à forma e consequente força probatória e validade do respetivo contrato.

O aviso n.º 11/2005, do Banco de Portugal, referido na sentença recorrida, reforçou, sempre com invocação dos poderes de supervisão do BP e da competência que lhe fora cometida pelo referido art.º 7.º do Regime Jurídico dos Cheques sem Provisão, o regime inicialmente instituído pela Instrução n.º 48/96, impondo agora, para além de particulares cuidados na identificação dos interessados, também a obrigação de disponibilização aos clientes, previamente à abertura de contas de depósito, de “um exemplar das condições gerais que regem o contrato a celebrar, em papel ou, com a concordância daqueles, noutro suporte duradouro que permita um fácil acesso à informação nele armazenada e a sua reprodução integral e inalterada” (n.º 1 do art.º 3.º do aviso), cabendo à instituição de crédito fazer prova de que cumpriu essa obrigação (n.º 2 do art.º 3.º).

Por outro lado, quanto aos elementos de identificação, passou a constar que na respetiva ficha de abertura de conta de depósito devem ser recolhidos, além do mais, no caso de pessoa singulares, o “nome completo e assinatura” (art.º 9.º, 1), a)).

Sobre a matéria da forma exigível quanto à abertura de conta bancária e celebração de contrato de depósito bancário existe controvérsia, havendo quem sublinhe, na falta de disposição legal expressa em contrário (art.º 219.º do Código Civil), a natureza consensual, não necessariamente formal, desses contratos, e quem alinhe por visão contrária.

Assim, na jurisprudência, em acórdão proferido pelo STJ em 04.6.2015 (processo 3852/09.5TJVNF.G1.S1), após se aduzir, em consonância com a doutrina (vide Menezes Cordeiro, Direito Bancário, Almedina, 6.ª edição, pp. 539 e s.), que o “contrato de abertura de conta é o contrato celebrado entre o banqueiro e o seu cliente, pelo qual ambos assumem deveres recíprocos relativos a diversas práticas bancárias. Opera como um ato nuclear cujo conteúdo constitui, na prática, o tronco comum dos atos bancários subsequentes, distinguindo-se destes”, acrescenta-se que esse contrato “não dispõe de regime legal explícito, assentando, no essencial, nas cláusulas contratuais gerais dos bancos e nos usos bancários. Corresponde a um contrato socialmente típico e a sua celebração postula algumas “formalidades”, sem que, contudo, a lei exija uma determinada forma para a sua celebração”. Reportando-se ao aviso n.º 11/2005 do Banco de Portugal, e à “ficha de abertura” aí mencionada, expende-se no ora citado acórdão do STJ que “a menção a esse documento, assim como a referência à obrigatoriedade das instituições de crédito disponibilizarem aos seus clientes, previamente à abertura de qualquer conta de depósito, um exemplar das condições gerais que regerão o contrato a celebrar (artigo 3.º, n.º1 do Aviso), não alteram, porém, a natureza consensual do negócio.” E acrescenta-se: “No caso do contrato bancário de abertura de conta, sem prejuízo dos deveres a que as instituições financeiras estão sujeitas por decorrência da regulamentação bancária, não existe qualquer exigência legal relativa à forma de celebração do contrato.” E, referindo-se ao contrato de depósito bancário, contrato distinto do de abertura de conta, expende-se que “o mesmo que sucede com outros contratos bancários, como seja, o contrato de depósito bancário que a doutrina classifica como consensual” (embora se dê nota da não unanimidade neste ponto), valendo, “assim, para o contrato de abertura de conta, os argumentos invocados para a defesa da natureza consensual do contrato de depósito bancário, porquanto, ainda que, por via dos usos bancários ou do recurso a cláusulas contratuais gerais, tenham habitualmente ambos os contratos expressão num documento escrito ou suporte equivalente, não requer a lei para a sua validade qualquer formalidade especial.”
Admitindo que o contrato de abertura de conta não está sujeito a forma legal, “o que à partida exclui a sua invalidade por inobservância de forma (art.220 do C. Civil)”, constituindo, antes, um contrato sujeito a forma convencional, por isso afastável por vontade das partes (art.º 223.º do Código Civil), pronunciou-se o acórdão do STJ, de 27.02.2014, processo 244/1999.E1.S1 (consultável, tal como todos os outros referidos neste acórdão, na base de dados do IGFEJ).

Propendendo para a tese de que o contrato de abertura de conta é, tal como o contrato de depósito, “um negócio convencional, cuja assinatura será essencial para a sua validade jurídica”, veja-se o acórdão do STJ, de 31.3.2011, processo 281/07.9TBSVV.C1.S1.

Na doutrina, a par da defesa, em regra, do caráter meramente consensual, não formal, do contrato de abertura de conta e/ou do contrato de depósito (João Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, 2001, pp. 332 e 333; Carlos Lacerda Barata, “Contrato de Depósito Bancário”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, II volume, Direito Bancário, Almedina, 2002, pp. 30, 48; Paula Ponces Camanho, Do contrato de depósito bancário (Natureza jurídica e alguns problemas de regime), Almedina, 2005, p. 123 e nota 365), também surgem vozes que apontam que, hoje em dia, os contratos bancários são predominantemente formais, nomeadamente o depósito bancário e a abertura de conta (José Engrácia Antunes, “Os contratos bancários”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, volume II, Almedina, 2011, pp. 82, 87).

Independentemente da posição que se adote em relação às exigências formais do contrato de abertura de conta bancária e do seu acessório e frequentemente simultâneo contrato de depósito bancário (v.g., José Engrácia Antunes, ob. cit., pp. 85 a 88, 92 a 95), o certo é que, no caso dos autos, a celebração do contrato de abertura de conta e de depósito bancário mostra-se formalizada por escrito. Atente-se na “ficha de abertura de conta” documentada a fls 58 dos autos: nela está aposta a assinatura do R., conforme este confessou em audiência, bem assim a sua identificação, data (04.01.1999), número e tipo de depósito bancário a ela associado (depósito à ordem). Note-se que nada obsta a que a redução a escrito de um contrato se baste com a assinatura de um dos contraentes: vide, quanto ao mútuo, o disposto no art.º 1143.º do Código Civil (cfr., neste sentido e quanto aos contratos bancários, maxime abertura de conta, Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 242 e 243, 289, 541).

Além disso, à subscrição dessa ficha de abertura de conta sucedeu-se a emissão de extratos da respetiva conta de depósito à ordem, juntos aos autos, que o R. impugnou por não estarem assinados e ser alheio à sua emissão, não os tendo nunca recebido, mas que, sem prejuízo de só por si não provarem a veracidade do teor das inscrições neles registados (vide Fernando Conceição Nunes, “Depósito e conta”, in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, II volume, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 84), incutem a convicção, nos termos do art.º 349.º do CC, de que efetivamente tais contratos foram celebrados.
Assim, atendendo também à confissão do R. e à posição por si adotada na contestação, supra referida, entendemos que deve ser dada como provada a celebração do aludido contrato de depósito bancário à ordem e bem assim o saldo negativo, no valor de € 1 246,99, aliás constante no extrato de fls 76 dos autos. Note-se que está aqui em causa um descoberto em conta alegadamente não sujeito a um acordo prévio, mas apenas assente numa relação de facto, porventura de confiança, que o possibilitou, que “não carece de acordo escrito ou de assentimento formal do depositante, diversamente do que sucede no típico mútuo bancário, provando-se, assim, por mera confissão tácita ou ficta resultante da não impugnação dos factos articulados (artigo 567.º/2 do C.P.C.)” - acórdão do STJ, de 28.5.2015, processo 198/14.0TVLSB.L1.S1.

Já quanto aos juros remuneratórios invocados pelo A. e à convenção sobre juros moratórios, o R. não os admitiu ou confessou, antes os impugnou, pelo que, na falta de prova produzida quanto ao a esse respeito convencionado entre as partes, deve manter-se a sua “não prova”.

Analisemos agora a questão da celebração do “contrato de atribuição de cartão de crédito”.

Quanto à data da celebração desse contrato, apenas em sede de alegação o apelante veio declarar que ocorreu na mesma data da abertura da conta (04.01.1999). Porém, na ficha de abertura de conta não consta a atribuição de cartão de crédito. O print informático constante a fls 58 v.º, alegadamente respeitante ao cartão, não menciona data. O documento mais antigo, referente a esse cartão, constante nos autos, data de 11.12.2003 (doc. n.º 4, fls 60). Centrar-nos-emos, pois, nessas datas, para analisar o direito aplicável na análise da questão da prova nesta matéria.

Quanto à prova atinente ao cartão de crédito, na sentença recorrida invocou-se o disposto no aviso n.º 11/2001 do Banco de Portugal.

Na data alegada pelo apelante, 04.01.1999, vigorava, em matéria de cartão de crédito, o Aviso n.º 4/95. Este aviso foi emitido com invocação do disposto na alínea a) do art.º 4.º do Dec.-Lei n.º 166/95, de 15.7. Este diploma continha o regime jurídico da emissão dos cartões de crédito (foi revogado pelo Dec.-Lei n.º 157/2014, de 24.10) e na referida alínea a) do art.º 4.º estipulava-se que competia ao BP “definir, por aviso, as condições especiais a que ficam sujeitas as sociedades previstas no artigo 2.º, bem como a emissão e a utilização dos cartões de crédito”.

No ponto 2.º do referido Aviso estabelecia-se que “as relações entre os emitentes e os titulares de cartões de crédito devem ser reguladas por contrato escrito (a seguir designado por contrato)”.
Igual preceito foi inserido no Aviso que se sucedeu àquele, com a mesma legislação habilitante, o Aviso n.º 11/2001, mencionado na sentença recorrida (ponto 3.º do Aviso).

Nesta área haverá, contudo, que levar em consideração normas de lei material, que à data sub judice se encontravam no regime dos contratos de crédito ao consumo, previsto pelo Dec.-Lei n.º 359/91, de 21.9. Este diploma legal regulava os contratos de crédito ao consumidor, concedido, nomeadamente, sob a forma de utilização de cartões de crédito (cfr. al. a) do n.º 1 do art.º 2.º). Aí se estabelecia que o contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar ao consumidor no momento da respetiva assinatura (n.º 1 do art.º 6.º). A não observância dessa exigência acarretava a nulidade do contrato (n.º 1 do art.º 7.º), presumindo-se imputável ao credor, mas a sua invalidade só poderia ser invocada pelo consumidor (n.º 4 do art.º 7.º), o qual poderia provar a existência do contrato por qualquer meio, desde que não invocasse a sua nulidade (n.º 5 do art.º 7.º). Neste último caso, a obrigação do consumidor quanto ao pagamento seria reduzida ao montante do crédito concedido e o consumidor manteria o direito a realizar o pagamento nas condições que tivessem sido acordadas ou que resultassem do uso (al. b) do n.º 6 do art.º 7.º).

Este regime mantém-se à luz do Dec.-Lei n.º 133/2009, de 02.6, que atualmente rege os contratos de crédito aos consumidores (cfr. artigos 4.º, n.º 1, al. c), 12.º n.º 1 – embora agora, além do papel, o contrato possa ser exarado noutro suporte duradouro – 13.º, n.ºs 1, 5, 6, 7, al. a)).

Do regime supra referido resulta que o requisito da forma exigida para a celebração do aludido contrato não é ad substantiam mas ad probationem (art.º 364.º n.º 2 do CC; neste sentido, cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 19.10.2017, processo 74963/15.5YIPRT.L1-2). Ou seja, haverá que articular entre si, da forma referida, o constante nos diplomas regulamentares e legais atinentes a esta matéria (neste sentido, Joana Vasconcelos, “O contrato de emissão de cartão de crédito”, in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio Almeida Costa, Univ. Católica Portuguesa, 2002, pp. 731 a 737).

O R. é uma pessoa singular e não se mostra que a emissão do cartão de crédito foi condicionada à utilização para fins profissionais ou empresariais, ou seja, que seja alheia às finalidades de apoio ao consumo previstas na referida legislação – pelo que lhe são aplicáveis as normas supra referidas.

No caso destes autos, ignora-se se o contrato de emissão de cartão de crédito, alegado pelo A. e confessado pelo R., foi reduzido a escrito. O certo é que não foi junto aos autos (obviamente que o print informático, não assinado, constante a fls 58 v.º dos autos, não o consubstancia). Porém, o R. não só não negou a celebração de tal contrato como o confessou, conforme supra relatado (e também não arguiu a sua nulidade), pelo que também este contrato deverá ser julgado provado, bem como o saldo (capital) em dívida alegado pelo A., e confessado pelo R.. Já não assim, também, quanto aos juros remuneratórios e convenção quanto a juros moratórios, na medida em que quanto a essa matéria não houve aceitação pelo R. nem foi produzida prova.

Também não se dá como provado que o R. recebeu os extratos alegadamente enviados pelo A., uma vez que o R. negou a sua receção e a morada para a qual, conforme neles consta, foram enviados, não é a morada do R. constante na ficha de abertura de conta e o R. afirmou na audiência, sem ser desmentido por qualquer meio de prova, que nunca residiu no endereço para onde os extratos terão sido enviados.

Em suma, a impugnação da matéria de facto é parcialmente procedente e consequentemente a matéria de facto, provada e não provada, passará a ser a seguinte:

Factos provados.
1.O A. Novo Banco S.A. é uma sociedade comercial sob a forma de anónima, que se dedica à atividade bancária.
2.No prosseguimento da sua atividade bancária o A. celebrou com o R. o contrato de atribuição de cartão de crédito com o n.º (…).
3.O R. mudou de residência.
4.O banco A. enviava extratos mensais do cartão para morada do R..
5.Na sequência da utilização pelo R. do supra mencionado cartão, encontra-se em dívida desde 20.05.2007 o valor de €225,79 (duzentos e vinte e cinco euros e setenta e nove cêntimos).
6.O R. nunca regularizou a dívida referida em 5.
7.O R. celebrou igualmente com o A., em 04.01.1999, um contrato de depósito bancário à ordem com o n.º (…).
8.Desde 26.11.2002, existe na referida conta à ordem um descoberto bancário no valor de €1.246,99 de que o R. não procedeu ao reembolso.
9.O banco A. enviava extratos mensais da conta de depósitos à ordem para morada do R..

Factos não provados
a.Os juros remuneratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de atribuição de cartão de crédito identificado em 2 foi de 19.908%.
b.Os juros moratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de atribuição de cartão de crédito identificado em 2 foi de 11.544%.
c.O R. teve conhecimento da dívida referida em 8 decorrente da receção mensal dos extratos da conta de depósitos à ordem supra identificada.
d.Os juros remuneratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de depósito bancário à ordem identificado em 7 foi de 22.000%.
e.Os juros moratórios contratualmente estipulados entre A. e R. no contrato de depósito bancário à ordem identificado em 7 foi de 2.000%.
f.O R. foi assaltado, tendo ficado sem qualquer documento bancário, ou outro.

Quarta questão (direito do A.)
Está provado que em 04.01.1999 o A. e o R. celebraram um contrato de depósito bancário à ordem com o n.º 043049170000.

Esse negócio traz necessariamente associado (além do contrato de abertura de conta) uma conta-corrente bancária, pela qual se inscrevem e registam os créditos e débitos recíprocos das partes, através do mecanismo contabilístico da conta-corrente (cfr., v.g., José Engrácia Antunes, ob.cit., p.p. 90 e 91). Salvo convenção em contrário, a conta-corrente apenas regista saldos neutros ou credores a favor do cliente (José Engrácia Antunes, pp. 91 e 92). Mas pode acontecer que, sem prévio acordo expresso, o banco autorize a movimentação a débito da conta com saldo negativo, no que se traduz numa forma especial de concessão de crédito de curto prazo, v.g., para fazer face a necessidades momentâneas ou imprevistas, o chamado descoberto bancário (José Engrácia Antunes, ob. cit. p. 104). Na falta de outros elementos, será um ato de tolerância do banqueiro, ao qual serão tendencialmente aplicáveis as regras do mútuo bancário (Menezes Cordeiro, Direito Bancário, cit., p.p. 698 e 699), dando-se por aqui reproduzido o acima exposto quanto à sua prova. Quanto a juros remuneratórios, não se provaram, assim como nada se provou quanto à estipulação de juros moratórios. Por outro lado, também nada se provou quanto a interpelação do R. para pagar o saldo em dívida, pelo que a mora apenas será contabilizada a partir da notificação do R. para esta ação (art.º 805.º n.º 1 do CC). A taxa de juros de mora nas operações bancárias é, segundo o art.º 8.º do Dec.-Lei n.º 58/2013, de 8.5., uma sobretaxa não superior a 3%, a acrescer à taxa de juros remuneratórios aplicável à operação em causa.

In casu, não há juros remuneratórios aplicáveis (não se provou a sua estipulação contratual), pelo que haverá que aplicar, cremos, a taxa de juros legal supletiva prevista no § 3.º do art.º 102.º do Código Comercial.

Igual será a solução aplicável ao crédito emergente para o A. da utilização do cartão de crédito efetuada pelo R. ao abrigo do contrato referido em 2.

DECISÃO.
Pelo exposto, julga-se a apelação parcialmente provada e procedente e consequentemente revoga-se a sentença recorrida e em sua substituição julga-se a ação parcialmente provada e procedente e consequentemente condena-se o R. a pagar ao A. a quantia de € 1 472,78 (mil quatrocentos e setenta e dois euros e setenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal prevista no § 3.º do art.º 102.º do Código Comercial, vencidos desde a data da notificação do R. para esta ação e vincendos, até integral pagamento, e bem assim imposto de selo.
As custas da ação e da apelação são a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).



Lisboa, 06.12.2017



Jorge Leal
Ondina Carmo Alves
Pedro Martins