Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4605/2006-7
Relator: ISABEL SALGADO
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CASA DE PORTEIRO
PARTE COMUM
ARRENDAMENTO
TÍTULO CONSTITUTIVO
HABITAÇÃO
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I- A assembleia de condóminos pode arrendar partes comuns de edifício constituído em propriedade horizontal ainda que a parte comum, de acordo com o título constitutivo, esteja afectada a habitação de porteira.
II- O arrendamento da referida fracção para actividade comercial, posto que destine a fracção a fim diverso, não lhe subtrai a natureza de parte comum.
III- O aludido contrato não sofre do vício da nulidade em razão da impossibilidade jurídica (artigo 280.º do Código Civil) de se proporcionar à aludida parte comum utilização diferente visto que a lei não proíbe que, por acordo de todos os condóminos, o título constitutivo da propriedade horizontal seja alterado, afectando-se a outra finalidade as dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro (artigos 1419º, e 1422º/2, alínea c) do Código Civil).
IV- O arrendamento outorgado pelos condóminos em 1978 vincula os sucessivos adquirentes das várias fracções por transmissão da respectiva posição, salvo acordo ou convenção ulterior distinta com repercussão relevante no subsistente arrendamento.

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.  

I – RELATÓRIO

C.[…] intentou acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra L.[…] e C.[…] Lda., pedindo, na qualidade de proprietária de uma das fracções do prédio em regime de propriedade horizontal, devidamente identificado, que os RR. sejam condenados a restituir o andar onde têm instalado os seus escritórios, que constitui parte comum e está destinado a habitação de porteira.          

 Os RR contestaram, excepcionando a ilegitimidade da Autora, dada a necessidade da intervenção de todos os condóminos, e em consequência, a absolvição da instância, ou assim não se entendendo, pugnam pela sua absolvição do pedido, uma vez que se encontram no local em virtude de ter sido dado em arrendamento para fins de comércio, como autorização camarária para o efeito, invocando além do mais o abuso de direito na reivindicação impetrada.

Em reconvenção e para a hipótese de proceder a acção, reclamam o pagamento de indemnização correspondente às obras e melhoramentos realizados na dita fracção.

Proferiu-se de seguida sentença que julgou improcedente a excepção da ilegitimidade e procedente a acção, condenando os RR. no pedido de restituição do andar e absolveu a Autora do pedido reconvencional.

Inconformados com a sucumbência, os Réus interpuseram recurso recebido como apelação e com efeito meramente devolutivo, o que se manteve.

Tendo alegado culminam nas seguintes conclusões:
a) O tribunal julgou improcedente a excepção de ilegitimidade da apelada ao abrigo do artº1405,nº2 do CCivil.
b) O nº2 do artº1405 do CC ocupa-se apenas da legitimidade para as acções de reivindicação e a legitimidade deverá aferir-se em função dos poderes que a lei atribui aos comproprietários em relação à coisa comum.
c) Não tem a apelada, desacompanhada dos demais condóminos, legitimidade para intentar e fazer seguir uma acção de anulação com vista ao reconhecimento da existência, ou não, de vício que enferme o contrato de arrendamento, com a correspondente declaração de nulidade do mesmo.
d) Deve proceder a excepção de ilegitimidade-excepção dilatória deduzida e serem os RR. Absolvidos da instância.
e) Ao não decidir assim, a sentença recorrida violou o disposto nos artº26,28, 493, nº2 e 494 e) do CPC.
f) Pretende a apelada a declaração de nulidade do contrato de arrendamento celebrado entre os apelantes e os demais condóminos.
g) Os apelantes desde 1978 que estão e desenvolvem ininterruptamente as respectivas actividades no 6º andar Dto., ao abrigo do arrendamento celebrado com os demais condóminos.
h) A presente acção deu entrada em juízo em 21/4/03.
i) Está prescrito o direito da apelada a ver declarado nulo o contrato de arrendamento, operando-se os efeitos previstos no artº304 do CCivil.
j) Constituindo o arrendamento uma relação de natureza obrigacional, e considerando a apelada que esta deliberação era contrária à lei dispunha, nos termos do artº1433 do CCivil de 10 dias , contados da primeira deliberação, para requerer a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação da deliberação, o que não fez.
k) Nos termos do nº4 da mesma disposição legal, o direito da apelada a propor a acção de anulação, caducou decorridos 60 dias sobre a data da deliberação.
l) Entendeu a sentença que o negócio jurídico celerado entre os condóminos e os apelantes é nulo, nos termos do artº1422, nº2 al) c do CCivil.
m) O artº1422, nº2 al) c do CCivil não é uma norma legal imperativa.
n) O título constitutivo da propriedade horizontal pode ser alterado por vontade dos condóminos-artº1419 do CCivil.
o) O tribunal interpretou e aplicou mal o direito, mormente os artº1422, nº2 al) c e 294 do CCivil.
p) Está-se perante uma norma de carácter supletivo, as partes acordaram quanto à conformação do título constitutivo da propriedade horizontal à situação existente desde 1978.
q) É errado o entendimento do tribunal ao dizer ser indiferente a autorização do presidente da CM de Almada, pois que sem esta não pode ser celebrada a escritura de alteração do título constitutivo da propriedade horizontal.
r) Ao contrário do que entende o tribunal ainda que todos os condóminos estejam de acordo nos termos e para os efeitos do artº1419 do CCivil, sem a necessária autorização camarária não é realizável a escritura.
s) Desde 1984 que os condóminos são sabedores da necessidade de proceder à alteração do título constitutivo e que os apelantes aguardam a celebração da escritura rectificativa.
t) O caos dos autos configura uma situação típica em que é válido o contrato de arrendamento, tendo caducado o seu direito a reagir.
u) Á data do ajustamento do arrendamento entre as partes vigorava e era aplicável o artº1029 do CCivil na versão introduzida pelo DL 67/75, d e19/2 e que se manteve em vigor até ser revogado pelo artº5 do DL 321B/90, 15/10.
v) Os apelantes têm direito, em caso de procedência da acção, a ser ressarcidos pelas obras necessárias e voluptuárias realizadas na fracção sub judice.
w) Sendo, para o efeito, equiparadas ao possuidor de boa-fé, nos termos do prescrito nos artº1273 a 1275 do CCivil.
x) O tribunal não considerou provado este facto quando o devia ter incluído em sede de factos provados.
y) A apelada é sempre responsável pela sua quota-parte no pagamento da indemnização requerida, nos termo do nº1 do artº1405 do CCivil in fine.
z) Não tendo o tribunal considerado provados os factos que subjazem ao pedido reconvencional, e em caso de decaimento da pretensão dos apelantes, duas hipóteses se abrem.
aa) Realização do julgamento para prova dos factos referentes à reconvenção, ou condenação no valor que vier a ser apurado em sede de liquidação de sentença.
bb) Mas deverá sempre ser reconhecido o direito de retenção do bem até integral ressarcimento dos valores respeitantes às obras.    

Pretende, em consequência, a revogação da sentença e a procedência da apelação.

A Autora juntou contra-alegações defendendo em suma o acerto do julgado.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A. OS FACTOS

A instância recorrida fixou como provada a factualidade seguinte a qual não foi posta em crise no recurso:

1.Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Almada, sob o nº (….), o prédio urbano (….), 1º…e 6º andar para habitação e 12 inquilinos, com habitação para porteira e um atelier, sito na Rua (….), em Almada.

2.Por escritura pública de 26/10/1972 (….) o prédio foi constituído em regime de propriedade horizontal, com catorze fracções autónomas (….) e tendo ficado como partes comuns a todas as fracções (…) e o sexto andar direito […] destinado à casa da porteira, composto de um vestíbulo, duas casas assoalhadas, casa de banho, cozinha e dois terraços privativos, sendo um confinante com a (….)

3.Sobre este prédio, encontra-se inscrita, por apresentação (….) de 20/11/72, a constituição de propriedade horizontal.

4. A partir de Setembro de 1978 a habitação da porteira deste prédio foi dada em arrendamento ao primeiro Réu; este espaço foi inicialmente utilizado pelo primeiro Réu enquanto profissional liberal, e posteriormente, pró ambos os RR, que aí instalaram os seus escritórios passando a exercer a sua actividade profissional.

5.Por requerimento de 10/11/83, Luís […] invocando a qualidade de administrador do condomínio deste prédio, requereu ao Presidente da CM de Almada autorização para que o respectivo 6ºandar Dto., destinado a habitação de porteira, passasse a ser considerado atelier; este requerimento foi deferido por despacho de 5/12/83.

6.Pelo menos nos anos de 1986,2001, 2002 e 2003 foram emitidos recibos de rendas referentes a este 6ºdto, umas vezes a favor do 1ºRéu, outras da 2ªRé.

7.Está inscrita sobre o prédio acima referido, por apresentação de 30/5/1996, a aquisição pela Autora, por compra, da fracção autónoma N.

8.A 4/2/2001, 10/572001, 19/12/2001 e 21/4/2001, e 14/2/2002, realizaram-se reuniões da assembleia deste prédio, nas quais esteve a Autora representada, em todas elas tendo sido versado o arrendamento do 6ºdto.

9.A acção entrou em juízo em 21/4/2003.
     
B.FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Balizado o objecto do recurso pelas conclusões recursivas, a questão a dirimir exige o tratamento das seguintes sub-questões:
 
1. Da legitimidade processual da Autora, proprietária de uma das fracções autónomas;

2. Da natureza e validade do contrato de arrendamento invocado pelos RR.
 
3. Da necessidade e instrução dos factos que fundam o pedido reconvencional.

1. Quanto à primeira das matérias jurídicas a tratar.

Avaliando o tipo de acção pela causa de pedir e pedido, identificamos uma típica acção real para reivindicação/restituição do referido andar, fracção autónoma e parte comum do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, fundando a autora, condómina e proprietária, a sua pretensão na alegada nulidade do contrato de arrendamento celebrado com os RR, e portanto, na ausência de título que legitime aqueles no uso da fracção, parte comum do prédio e a qual está destinada à habitação da porteira.

Estamos, tal como se descreve, no domínio das relações jurídicas complexas entre os condóminos no tocante às partes comuns e terceiro.

Nos termos do artº26 do CPC:
“ 1-o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer.
         2- O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
 3- Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
   
“O que se pretende saber, através do requisito da legitimidade, é que posição devem ter as partes perante a pretensão deduzida em juízo, para que o juiz possa e deva pronunciar-se sobre o mérito da causa, julgando a acção procedente ou improcedente. A legitimidade das partes, assim concebida como pressuposto processual, distingue-se dos requisitos que interessam ao mérito da causa (1).”
 
 A Autora é proprietária da fracção N, assumindo por inerência, no regime da propriedade horizontal o estatuto de condómina.

Com efeito, cada condómino é, a um tempo, proprietário exclusivo da sua fracção, e a outro, comproprietário das partes comuns do edifício, assim o estabelece o artº1420 do CCivil.

Sabemos que a propriedade horizontal tem como órgãos administrativos a assembleia de condóminos e o administrador, e os poderes de representação em juízo que lhe são conferidos por lei (2).

Todavia, e salvo melhor opinião, não estando sequer em causa relações de carácter obrigacional (acção proposta por todos os condóminos, seguindo o regime aplicável da compropriedade art.º 1405, nº1 do CC, ou é proposta pelo administrador na execução de funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia art.º 1437, nº 1 CC), então, e como prescreve o artº1405, nº2 do CCivil, o condómino pode isoladamente agir em juízo para “reivindicar” de terceiro parte comum,  

Donde, alegando a autora que a afectação para fim diferente do determinado na escritura de constituição de propriedade horizontal da fracção correspondente ao 6º andar direito, parte comum do edifício, ofende o seu direito sobre a mesma, é apodíctico concluir pela sua legitimidade para, por si, demandar os RR, no pressuposto que estão a ofender esse seu direito sobre as partes comuns.

Improcede nesta parte o recurso.

2. Segunda questão posta.
 
Sustentam os recorrentes que a sentença errou ao partir da premissa da imperatividade da norma ínsita no artº1422,nº2 al) c do CCivil, devendo, outrossim, relevar-se a existência do acordo dos condóminos quanto à afectação da casa da porteira ao arrendamento para atelier/escritório dos RR, situação do conhecimento de todos, existindo, inclusive, a autorização camarária necessária para proceder à alteração da escritura de constituição de propriedade horizontal.

A situação factual que interessa ao pedido de restituição do andar e reposição do fim definido como parte comum pode, segundo os factos provados, resumir-se assim:

- Em 1978, com o conhecimento e acordo dos condóminos do prédio, o 6º andar direito, definido no título de propriedade como casa de habitação da porteira, foi dado de arrendamento ao Réu e posteriormente alargado à Ré, o qual por eles é utilizado desde então como atelier e local de exercício de profissão liberal, contra o pagamento de renda mensal.

- A autora adquiriu a propriedade da sua fracção em 1996, e pelo menos, nos anos de 2001 a 2003 participa nas assembleias e nas quais foi abordado o assunto.  

Vejamos.

O título constitutivo da propriedade horizontal é o instrumento que define as relações entre os condóminos e fixa a fruição de cada uma das fracções, sua composição e individualização e sob registo tem eficácia erga omnes, e no caso, é incontroverso que aquela fracção está destinada expressamente ao fim da habitação/casa da porteira.

Tudo está, pois, em saber, se o acordo de vontade dos condóminos quanto ao arrendamento é neste momento oponível à Autora, na qualidade de condómina desde 1996, e, se paralelamente, os Réus demonstram dispor de título válido que afaste a ilicitude de tal detenção, legitimando a utilização que vêm fazendo do local.

Nesta ordem de raciocínio, teremos de aferir da legalidade da actuação dos condóminos, enquanto decidiram dar de arrendamento a dita fracção aos Réus, sendo despicienda a questão da validade formal do contrato celebrado, como de resto é sublinhado pelo Sr. Juiz a quo.

De caminho, refira-se também que, como decorre da ressalva feita no art.º 294 do CCivil, nem todas as violações de normas imperativas acarretam a nulidade do negócio jurídico.

Assente que foi com o acordo dos condóminos, o qual remonta a 1978, (sublinhe-se que a construção do prédio data de 1972), que se alterou a afectação/ destino da casa da porteira do prédio, importa saber se este desvio ao fim específico da fracção – parte comum em causa, deverá como exarado na douta sentença, considerar-se verdadeira violação a norma imperativa, e como consequência ter-se por nulo.

No mencionado artº1422, nº2 c) do CCivil, pode ler-se:

Nº2 É especialmente vedado aos condóminos:

a)(…)

b)Destinar a sua fracção a usos ofensivos dos bons costumes.

c)Dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada;
d)(…)
Nº3 (….)
Nº4 (…)

Antes de mais, cremos que a questão deverá ser recolocada em sede de outro preceito legal que não o indicado.

O disposto neste normativo reporta-se somente a um conjunto de limitações ao exercício dos direitos de cada condómino, sendo que o inciso 2º, dirige-se especificamente ao uso e afectação do condómino em relação à sua própria fracção.

Não cremos, pois, constituir a melhor hermenêutica, estender a sua aplicação ao destino/afectação das partes comuns do imóvel em propriedade horizontal que agora está em causa na lide, até porque, para tanto, dispõem expressamente os artº1418,1419 e 1421 do CCivil.    

Com efeito, a lei prevê expressamente que os condóminos venham a alterar o destino de cada fracção, incluindo aquelas que no título sejam parte comum, desde que tal o convencionem, retirando, desde logo, o cariz de norma imperativa súbdito sensu.

No art. 1419°, nº1 do C. Civil contempla-se a possibilidade de «modificação do título» constitutivo da propriedade horizontal por escritura pública havendo acordo de todos os condóminos.

Posto o que, perante o quadro factual do caso espécie, poderá dizer-se que o contrato de arrendamento acordado entre os condóminos e os Réus traduz a postergação de uma norma imperativa relativa à defesa de interesses de ordem pública?

Parece-nos que a resposta é claramente negativa, resguardado o respeito por opinião diversa.

Senão vejamos.

Deve entender-se por ordem pública o conjunto de princípios fundamentais inerentes ao sistema jurídico que o Estado e a sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam sobre as convenções privadas.

A formulação normativa do artº1419 do CCivil não induz a presença de uma norma imperativa em sentido estrito.

Por seu turno, se pensarmos acerca da razão de ser de uma casa de porteiro, ligada ao conforto dos moradores e até ao prestígio acrescido dos edifícios, logo apontamos para concluir que, a respectiva existência não constitui, por certo, um valor de equidade tão forte para toda a sociedade, que não permita, a contendo da vontade dos condóminos do prédio, a alteração da sua inicial afectação para outro fim.

Trata-se de uma parte comum do prédio, mas, a casa da porteira, não está por isso fora do comércio jurídico e da vontade das partes interessadas. Outrossim, a realização dos negócios jurídicos sobre ela estão condicionados ao regime legal da propriedade horizontal.

Seria, aliás, incongruente com a vontade declarada dos condóminos e legítimos titulares dos direitos sobre as partes comuns.    

Ademais, a circunstância de a casa de porteira, cujo fim é a habitação, ter sido dada em arrendamento para exercício de profissão liberal aos Réus, não altera, em última análise, a sua definição e condição de parte comum do edifício e não exclui a fracção do regime de compropriedade de todos os condóminos, incluindo a Autora.        

Observe-se ainda, que o exigido acordo entre os condóminos sobre a matéria foi efectivamente alcançado, e recolheram, inclusivamente, a necessária e prévia autorização camarária, não logrando apenas materializar-se em forma de alteração escritural do título constitutivo da propriedade horizontal.

Note-se ainda em abono do relativo relevo deste ponto, o artº1418, nº2al) a do CCivil, considera meramente facultativa a inscrição no título constitutivo da propriedade horizontal o fim a que se destina cada fracção ou parte comum, pelo que menoriza a omissão da alteração do registo em conformidade a que não se procedeu no caso em apreço.

Querendo com tal significar-se que, a actuação dos condóminos em apreço não é violadora do disposto no art.º 280 do CCivil, e não ocorre, por conseguinte, o vício da nulidade do contrato de arrendamento previsto no artº286 do CCivil e no qual se respalda a decisão sindicada (3).

Admitindo, porém, em hipótese de raciocínio, que não ocorrendo o motivo mais severo que é a nulidade do contrato, se verificaria o vício da anulabilidade, também, a razão não está do lado da Autora.

Para destruir os efeitos do contrato, a autora dispunha de um prazo de um ano, prazo que já decorreu nesta data, conforme o estabelecido no artº287 do CCivil, sendo que na qualidade de proprietária de uma fracção desde 1996, tem conhecimento nas assembleias versando este assunto, pelo menos, desde 2001.

Escusado será ainda sublinhar que, à margem do quadro legal dos vícios apontados e pelos quais vimos que o contrato celebrado não é atingido, a transmissão do direito de propriedade das fracções ao longo do tempo vincula os novos adquirentes ao anteriormente estabelecido pelos antecessores quanto às partes comuns, e salvo acordo ou convenção ulterior distinta.        

Do que tudo o que se deixa dito se conclui, perfilar-se como inteiramente legítima a detenção e ocupação do 6º andar Dto. por banda dos recorrentes, por virtude de lhes ter sido arrendado para aí exercerem actividade liberal, por acordo dos condóminos desde 1978.

Neste desenvolvimento da solução adequada à lide, fica prejudicada a apreciação das demais questões subsidiariamente suscitadas pelos recorrentes.


IV -DECISÃO  

Donde, concluindo e pelas razões expostas, decide este Tribunal da Relação em conceder provimento à apelação e revogar a douta sentença.

As custas ficam a cargo da apelada.


Lisboa, 7 de Novembro de 2006

Isabel Salgado
Soares Curado
Roque Nogueira



____________________________
1.-In Antunes Varela Manual de Processo Civil, 2ª ed, pag. 130.

2.-In. Rui Vieira Miller, “A Propriedade Horizontal no Código Civil”, 1998, pag.249.

3.-Ver regime das invalidades in Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 1976, pag.470 e Seg.,