Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2333/17.8T9ALM-A.L1-5
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: –Em caso de condenação por crime de abuso de confiança fiscal, a declaração de insolvência do responsável civil não tem por efeito a apensação do processo penal ao processo de insolvência, a qual se limita às ações mencionadas nos arts. 85.º e 86.º, do CIRE, para julgamento pelo tribunal da insolvência, cuja competência nunca se estende ao processo penal.

–Conforme se extrai do Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 1/2014 “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”

–Porém, o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal, cujo conhecimento é da competência do tribunal penal, não se confunde com uma ação declarativa para reconhecimento de crédito, a que se refere o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2014.

–Na falta de composição extrajudicial do litígio, sendo o processo penal o único meio de o lesado ver reconhecido o seu direito a indemnização, a declaração de insolvência do demandado não constitui motivo gerador de inutilidade superveniente da ação civil “enxertada” naquele processo.”

–A declaração de insolvência de uma sociedade, embora provoque a sua dissolução, não provoca a sua extinção nem a extinção do procedimento criminal contra ela instaurado, inexistindo identidade analógica entre a morte inerente à pessoa singular e a dissolução de pessoa colectiva.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–


No Juízo Local Criminal de Almada, Comarca de Lisboa, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 2333/17.8T9ALM, onde são arguidos V. , SA. e J. , foram estes julgados e condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 30.°, n.° 2 e 79.° do Código Penal 107.°, n.°s 1 e 2, Regime Geral das Infracções Tributárias aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho nas penas de, respectivamente, 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), num montante total de € 4500.00 (quatro mil e quinhentos euros) e de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz o montante de € 2100.00 (dois mil e cem euros).

Mais foram condenados solidariamente, pela procedência do pedido de indemnização civil contra ambos deduzidos pelo Instituto da Segurança Social, IP., no pagamento da quantia de € 80.922.94 respeitante às cotizações vencidas e não pagas mencionadas no ponto 8 dos factos provados, acrescidas dos juros vencidos e vincendos, calculados de harmonia com o disposto no artigo 16.°, do Decreto-Lei n.° 73/99, de 16 de Março.

Desta sentença veio recorrer a arguida sociedade V.,  SA., de cujas motivações formulou as seguintes conclusões:
“1)– Todos os créditos contra a insolvente têm de ser obrigatoriamente verificados e reclamados em sede de processo de insolvência.
2)– No que tocante ao pedido de indemnização cível concluiu o tribunal a quo com base no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº95/2018 que o facto da recorrente ser insolvente não determina, per si, a inutilidade superveniente da lide do pedido de indemnização cível.
3)– Com base no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de maio de 2013, cumpre declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, para as ações declarativas propostas pelo credor contra o devedor após o trânsito em julgado da sentença que declara a insolvência.
4)– Nestes termos, entende a recorrente que esta jurisprudência é aplicável para os pedidos de indemnização civil enxertada no processo penal.
5)– A recorrida não pretende ver reconhecido não mais que um direito de crédito.
6)– Para ver reconhecido o seu crédito, deveria a recorrida ter lançado mão da reclamação de créditos ou da verificação ulterior de créditos nos termos do artigo 146º, do C.I.R.E em sede de processo de insolvência.
7)– Com a declaração de insolvência extingue-se o ente coletivo a quem poderia ser imputado a responsabilidade criminal, consequentemente acarretando a extinção do procedimento criminal.
8)– O acórdão recorrido viola expressamente as normas dispostas na alínea e) do artigo 277º do Código de Processo Civil, o artigo 4º do Código de Processo Penal, o artigo 127º do Código Penal e os artigos 85º e 46º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas.”
Termina no sentido de ser revogada a sentença recorrida, substituindo esta sentença por outra que declare extinta a instância e a responsabilidade criminal relativa à recorrente.

O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo respondeu à motivação do recurso concluindo:
“1.– A declaração de insolvência não determina a inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de indemnização civil, conforme consta quer da decisão recorrida quer do próprio recurso, pelo que o pedido de indemnização civil tinha e foi bem apreciado pela MMa. Juiz a quo.
2.– A recorrente encontra-se em processo de liquidação, e por isso, ainda mantém personalidade jurídica.
3.– A declaração de insolvência de uma sociedade, embora provoque a sua dissolução, não provoca a sua extinção nem a extinção do procedimento criminal contra ela instaurado, apenas tal ocorrendo depois do registo da sua dissolução e do encerramento da liquidação fazem extinguir aquelas.”
Termina pela manutenção inalterada da decisão recorrida.

Subiram os presentes autos de recurso em separado apesar de o regime de subida fixado no despacho que o admitiu – cf. fls. 8 – ter determinado a sua subida nos próprios autos.

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto nos autos.
 
II.–

É pacífica a jurisprudência do S.T.J. no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Como se afigura resultar das conclusões formuladas pelo recorrente, as questões postas são:
- Se a instância cível deveria ter sido declarada extinta por inutilidade superveniente da lide;
- Se já ocorreu a extinção do procedimento criminal.
 
Com interesse para o conhecimento das questões postas importa reter que resulta dos autos o seguinte:
O Instituto de Segurança Social, deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos demandados, tendo por fundamento a falta de pagamento das retribuições retidas e não entregues à segurança social, por parte dos arguidos, no período constante da acusação, pedindo a final a condenação solidária dos mesmos no pagamento da quantia de € 80.922, 94, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, calculados de acordo com a legislação especial de que beneficia a demandante (fls. 857 a 858). 
Antes do início da audiência e julgamento veio a arguida pessoa colectiva pugnar que se declare extinto o pedido de indemnização cível deduzido contra si, por inutilidade/impossibilidade superveniente da lide decorrente da declaração de insolvência, nos termos e com os fundamentos constantes de fls. 896 a 899.

Na sentença final foi proferida decisão quanto a esta concreta questão nos seguintes moldes: 
“Pese embora a controvérsia anteriormente existente a respeito importa ter presente o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5 /2018, de 30-10 que tendo-se debruça sobre a controvérsia anteriormente existente sobre a matéria agora suscitada pela arguida quanto ao desfecho do pedido contra si formulado pelo Instituto de Segurança social atenta a sua situação de insolvência, concluiu que a «A insolvência do lesante não determina a inutilidade superveniente da lide do pedido de indemnização civil deduzido em processo penal.»
Termos em que louvando-nos na posição no mesmo expresso e cujo teor aqui damos por reproduzido por mera economia processual, se indefere a pretensão formulada pela sociedade arguida.”

Veio ainda na referida sentença a ser proferida decisão condenatória quanto ao pedido de indemnização civil formulado com a condenação referida no primeiro parágrafo do ponto I do relatório que antecede.

Por relação a esta concreta questão, o cerne da argumentação da recorrente reside no facto de a sociedade arguida, à data do julgamento e tal como se retira do facto provado 1 se encontrar já em liquidação, em resultado de sentença declarativa de insolvência datada de 31.01.2014 - como o recorrente admite e a sentença o refira, embora sem uma concreta indicação dessa realidade na matéria de facto provada – e a declaração de insolvência por força do disposto nos art.ºs 85º n.º 1, 46º n.º 1, 47º n.º 1 e 90º, todos do CIRE, bem como do Ac. de Fixação de jurisprudência n.º 1/2014, determinar a inutilidade superveniente da lide com a consequente extinção da instância nos termos do art.º 287º al. e9 CPC.

Conforme se extrai deste invocado AFJ 1/2014 “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”

Porém, tal como se refere na argumentação expendida no posterior AFJ 5/2018, in DR 1.ª série, n.º 209 de 30 de Outubro de 2018, mormente na decorrência do desfilar de argumentos no ponto 3 do mesmo:
 “Por força do princípio de adesão, o titular do direito a indemnização, fundada na prática de crime, apenas no processo penal pode ver reconhecido o seu direito a ser indemnizado e determinado o quantitativo da indemnização pelos prejuízos causados (nos termos do disposto nos arts. 71.º a 84.º, do CPP). Só após o reconhecimento do direito e a determinação do quantitativo indemnizatório é que se torna claro qual o crédito de que emerge a obrigação de indemnizar. E somente quando não ocorra o cumprimento desta obrigação e após o vencimento da dívida [isto é, tratando-se de obrigação resultante de ato ilícito, como tal não sujeita a interpelação, o vencimento do obrigação só se dá quando o crédito e torna líquido, o que pressupõe que o
pedido de indemnização seja julgado procedente pela sentença condenatória., pelo que o vencimento da obrigação ocorre, neste caso, a partir da citação, data a partir da qual o devedor se constitui em mora (artigo 805.º, n.º 3, do Código Civil) (cf. Inocêncio Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., 2010, Coimbra: Coimbra Editora, p. 256-7)] assiste ao credor o direito intervir no processo de insolvência para obter o pagamento da dívida pelo produto da liquidação dos bens do devedor. Deverá, então, ser reclamado o crédito no processo de insolvência no prazo fixado ou posteriormente até ao encerramento do processo de insolvência (cf. arts. 1.º, 3.º, 47.º, 90.º, 128.º, 146.º, n.º 1, e 230.º, do CIRE).

A declaração de insolvência do responsável civil não tem por efeito a apensação do processo penal ao processo de insolvência, a qual se limita às ações mencionadas nos arts. 85.º e 86.º, do CIRE, para julgamento pelo tribunal da insolvência, cuja competência nunca se estende ao processo penal.

O pedido de indemnização civil deduzido em processo penal, cujo conhecimento é da competência do tribunal penal, não se confunde com uma ação declarativa para reconhecimento de crédito, a que se refere o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2014.
Na falta de composição extrajudicial do litígio, sendo o processo penal o único meio de o lesado ver reconhecido o seu direito a indemnização, a declaração de insolvência do demandado não constitui motivo gerador de inutilidade superveniente da ação civil “enxertada” naquele processo.”

Daqui se extraiu a conclusão jurisprudencial que constitui o entendimento a seguir “A insolvência do lesante não determina a inutilidade superveniente da lide do pedido de indemnização civil deduzido em processo penal.”

Compreendida a referida distinção entre os pedidos de indemnização civil em acções declarativas puramente civis e os pedidos feitos em processo penal em cumprimento do princípio da adesão, nenhuma razão assiste à recorrente na alegação de aplicabilidade, ao caso, da jurisprudência fixada no referido AFJ 1/2014.
Decai, por esta via, o recurso neste particular.

A outra questão posta no recurso, agora de um modo inovatório na medida em que o tribunal recorrido não foi confrontado com a mesma, é a de saber se, conforme alegado pela recorrente, a declaração de insolvência constitui um dos fundamentos da dissolução das sociedades e essa dissolução equivale à morte da recorrente, razão pela qual deveria ter sido declarada extinta a alegada responsabilidade criminal da recorrente nos termos do artigo 127º do Código Penal.

Chama ainda em abono da sua tese o teor de decisões jurisprudenciais como o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (in www.dgsi.pt) Acórdão de 09/02/11, Processo nº 0617/10, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto (in www.dgsi.pt) Acórdão de 27/06/07, Processo nº 0742535, o Supremo Tribunal Administrativo no âmbito do recurso n.º 1057/07, embora não identifique a data da decisão, e o disposto nos art.ºs 1007°, al. e), do Código Civil, 141º do Código das Sociedades Comerciais, embora assuma a objecção decorrente da manutenção da personalidade jurídica, como dispõe o art.º 146°, n.º 2, do CSC e a necessidade de adequada adaptação do conceito civilístico de personalidade jurídica das pessoas colectivas para o domínio jurídico-criminal às valorações a este subjacente.

Por mais voltas argumentativas que a recorrente dê para concluir que a declaração judicial de insolvência da pessoa colectiva equivale à sua morte e, com a falada adequação, dali extrair que também ocorre a morte para efeitos jurídico penais e do art.º 127º CP, a consequência que retira da declaração de insolvência não pode merecer a nossa adesão.

Tal como se refere no ac. STJ de 02/05/2006, disponível em www.gde.mj.pt/jstj: “Para que as pessoas colectivas sejam susceptíveis de responsabilidade criminal é necessário que a lei expressamente o diga. Todavia, mesmo quando está prevista na lei a responsabilidade criminal das pessoas colectivas, os titulares dos órgãos daquelas continuam a ser susceptíveis de responsabilização penal no exercício dessas funções. (Ac. do STJ de 2 de Fevereiro de 2000, proc.nº 606/99- 3ª, SASTJ, nº 38, 68).

Contudo, o artigo 12º do CP “é particularmente impressivo quando exige a vontade como elemento essencial para que a responsabilidade possa ser imputada ao agente da infracção (Faria e Costa, in Aspectos fundamentais da Problemática da Responsabilidade objectiva no Direito Penal Português, separata do Bol da Fac. De Dir. de Coimbra, p. 47) “(Maia Gonçalves, ibidem)

Este desiderato legal já tradicionalmente era considerado pelo artigo 7º do RJIFNA.

A responsabilização criminal da pessoa humana é norteada pela ideia de culpa na violação do bem jurídico, ao passo que a responsabilização criminal da pessoa colectiva é norteada pela actividade ou omissão ilegal na prossecução dos seus fins, com implicações nefastas para a realidade social onde se encontra estruturada.

Daqui resulta que se a responsabilidade penal das pessoas colectivas ou equiparadas resulta de leis próprias, de igual modo a extinção da responsabilidade das mesmas deve resultar de forma específica do teor de tais leis.

Isto significa, por outro lado que a morte como causa de extinção da responsabilidade criminal prevista no artigo 127º do Código Penal, não equivale a dissolução da pessoa colectiva, como causa da sua extinção.

A morte é uma realidade biológica, produtora de efeitos jurídicos, em que por intransmissível a responsabilidade criminal, a mesma fica totalmente apagada.

Mas a dissolução da pessoa colectiva, é um conceito jurídico de extinção da pessoa colectiva que não exclui a responsabilização da mesma, por actos praticados na sua vida jurídica.

Como bem salienta o Exmo Procurador-Geral Adjunto em seu douto Parecer: “(...)em sede contra-ordenacional e relativamente a situações de fusão, o Supremo Tribunal de Justiça fixou já Jurisprudência no sentido de que "a extinção, por fusão, de uma sociedade comercial com efeitos do artigo 112. alíneas a) e b), do Código das Sociedades Comerciais, não extingue o procedimento por contra-ordenação praticada anteriormente à fusão nem a coima que lhe tenha sido aplicada " (Acórdão para Fixação de Jurisprudência n° 5/2004 de 02/06/2004, publicado no Diário da República, n. 141, Série I-A de 21/06/2004).
(...)

A assimilação a extensão ou a equiparação da noção de "morte ", exclusiva, na natureza e na configuração directamente normativo-jurídica, das pessoas singulares às formas de extinção das pessoas colectivas para os efeitos de determinar a aplicabilidade (ou as dimensões relevantes de aplicabilidade) dos artigos 127. e 128., n. 1, do Código Penal e 90. do RGDMOS, só poderá, pois, ter lugar se e enquanto puder compreender-se e ser pensada nos critérios e instrumentos metodológicos do pensamento analógico... ".

(...)A extinção de uma pessoa colectiva diversamente, por ser uma criação instrumental do direito, pode não determinar, por si mesma, que nada de si permaneça, continuando alguma substância afecta ao desempenho, ainda, sob uma outra perspectiva jurídico-funcional, das finalidades da pessoa colectiva que foram a sua razão de ser ... ".

Aliás, como resulta do mesmo acórdão (e assinalado também no douto Parecer do Ministério Público nesta Relação), «a “morte”, como categoria da natureza com relevância normativo-jurídica, é co-natural ao homem; as pessoas colectivas, como tal, não estão tocadas pelo momento da “morte”, que faz cessar a personalidade da pessoa singular (artigo 68º nº 1, do Código Civil); as pessoas colectivas, neste sentido, não “morrem”, embora, como entidades com existência determinada por actos de vontade de criação e de extinção, possam extinguir-se, deixando, então, de ser construções instrumentais do homem para agirem com centros autónomos de imputação de direitos e deveres.”

Inexiste identidade analógica entre a morte inerente à pessoa singular e, a dissolução de pessoa colectiva, para que possa fazer-se uma interpretação extensiva como fez a decisão recorrida.

Como resulta das conclusões da motivação de recurso, “a responsabilidade criminal por infracções fiscais e contra a Segurança Social, nos termos do RJIFNA e do RGIT atinge pessoas singulares e colectivas, podendo estas ter ou não personalidade jurídica.

Por outro lado, os entes equiparados a pessoas colectivas, designadamente as sociedades irregulares e as associações de facto podem ser responsabilizadas criminalmente, nos termos dos arts. 7° e 7°-A do RJIFNA e 7°, nº 1 e 5 do RGIT, bem como do art. 11° do Cód. Penal.

A. S. não carece de gozar de personalidade jurídica para ser responsabilizada criminalmente pelos crimes que lhe são imputados, nem é pelo facto de a não ter que se extingue a sua responsabilidade, quer à luz do RJIFNA, quer à luz do RGIT.

É irrelevante que por os representantes da sociedade arguida (também eles arguidos nos autos) terem registado a dissolução e encerramento das contas da S (sendo certo que subsistem quantias em dívida pelo menos à Segurança Social), seja declarado extinto o procedimento criminal contra a referida arguida.

Aliás, quando existe extinção da sociedade comercial, nos termos do disposto no artº 160º nº 2 do Cód. Das Sociedades Comerciais, excepcionam-se os casos de acções que estejam pendentes e em que a sociedade seja parte (artº 162º), casos de passivo superveniente (artº 163º), pelo que permanecerem relações de crédito ou de débito a pessoa jurídica não se extingue com o encerramento da liquidação.

Do exposto é pois de concluir que a extinção do procedimento criminal instaurado contra uma Sociedade Comercial não se extingue com a extinção da própria Sociedade operada nos termos do disposto no nº 2° do artigo 160° do Código das Sociedades Comerciais, não equivalendo tal extinção à morte prevista nos artigos 127° e 128° nº 1 ° do Código Penal.” (sublinhados nossos)

Embora de um modo não inteiramente coincidente com a solução acima citada com origem na jurisprudência do Supremo Tribunal, também o Ac. da Relação de Évora de 26.09.2017, invocado na resposta do M.º P.º permite uma resposta negativa à pretensão da recorrente em ver extinto o procedimento criminal contra si instaurado pela sua “morte”, enquanto pessoa colectiva, como consequência da declaração de insolvência quando decidiu no ponto I do sumário “A declaração de insolvência de uma sociedade, embora provoque a sua dissolução, não provoca a sua extinção nem a extinção do procedimento criminal contra ela instaurado”.
Não assiste pois razão à recorrente.

III.–
Em face do exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.




Lisboa, 26 de Março de 2019.


(Feito e revisto pelo 1º signatário).


João Carrola
Luís Gominho