Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
622/15.5TDLSB.L1-9
Relator: GUILHERMINA FREITAS
Descritores: ASSISTENTE EM PROCESSO PENAL
TAXA DE JUSTIÇA
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: I - A interpretação literal do n.º 4, do art. 8.º, do RCP, feita pelo MP na resposta ao recurso, que estará subjacente ao despacho recorrido, já que neste nada se diz de forma expressa, não se coaduna com o disposto no n.º 5 do mesmo preceito, no qual se refere O não pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito.”.
II - A utilização do plural “quantias” pressupõe que a notificação ao interessado imposta no n.º 4 do citado artigo refere-se não apenas ao pagamento da taxa de justiça sancionatória, mas também ao pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de instrução, que não tenha sido autoliquidada anteriormente. Isto é, o n.º 4, do art. 8.º, do RCP, prevê a hipótese de pagamento das duas “quantias” – a taxa de justiça omitida e a taxa de justiça sancionatória.
III - A interpretação proposta pelo MP constituiria uma desproporcionada restrição ao direito dos assistentes de acesso à justiça e aos tribunais.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório

1. Nos autos com o n.º 622/15.5TDLSB, que correm termos na 1.ª Secção de Instância Central de Instrução Criminal de Lisboa – Juiz 1, vieram os assistentes AS... e VN..., melhor id. nos autos, interpôr recurso do despacho proferido em 3/2/2015 na parte em que lhes indeferiu o pedido de abertura de instrução por falta de pagamento da taxa de justiça devida.

2. Da respectiva motivação extraiem as seguintes (transcritas) conclusões:

“A) - 0 recurso tem por fundamento o despacho de indeferimento do pedido de abertura de instrução alicerçado no facto dos recorrentes não terem procedido ao pagamento da taxa de justiça devida pelo pedido de abertura de instrução.

B) - 0 não pagamento da referida taxa de justiça deve-se a lapso grosseiro a que contribuiu o facto dos ora recorrentes terem, na data da apresentação do pedido de abertura de instrução, requerido a constituição de assistentes e pago as respectivas taxas, conforme se dispõe no artigo 8. °, n.°s 1 e 2 do RCP.

C) - Dispõe, contudo, o artigo 8.º do RCP (Regulamento das Custas Processuais), que se transcreve, (com exceção do sublinhado):

1 - A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente.

2 - A taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo.

3 - 0 documento comprovativo do pagamento referido nos números anteriores deve ser junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo, devendo o interessado ser notificado no acto para o efeito.

4 – Na falta de apresentação do documento comprovativo nos termos do número anterior, a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com um acréscimo de taxa de justiça de igual montante.

5 - O não pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito.

D) - Acontece que os recorrentes nunca foram notificados pela Secretaria, para procederem ao pagamento da taxa de justiça referente ao pedido de instrução, acrescida de multa de igual montante, como dispõe o n.° 4 do artigo 8.° do RCP.

E) - Assim sendo, somente decorrido o prazo concedido no n.º 4 do artigo 8.º do RCJ, sem que os ora recorrentes fizessem prova do pagamento, através da junção dos comprovativos, poderia o meritíssimo juiz proferir a decisão "indefiro o pedido de abertura de instrução" e determinar o desentranhamento do requerimento de abertura de instrução;
F) - Procedimento este mais consentâneo com o disposto no artigo 287.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, ou seja " 0 requerimento (abertura de instrução) só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução"
G) - Igual procedimento encontra-se vertido na lei adjectiva civil, vidé, entre outros, os artigos 486.º - A e 685 - D do Código do Processo Civil, que se tornariam redundantes, no caso se acolhesse o despacho sub judice proferido pelo meritíssimo juiz do tribunal a quo.
H) - De igual forma, a sustentação do entendimento do tribunal a quo, teria como consequência uma injustificada restrição dos direitos dos recorrentes, violadora dos mais elementares direitos de defesa consagrados na Constituição, designadamente no artigo 20.º, situação que se verificaria no caso dos recorrentes serem impedidos de defender tais direitos em sede do presente processo crime, com a recusa do pedido de abertura de instrução.

I) - Aos órgãos de soberania, neste caso, aos tribunais, cabe a administração judiciosa dos interesses dos cidadãos e a composição harmoniosa dos mesmos, assente, entre outros, no principio da colaboração e no dever de informação, sendo que a admissão do pedido de instrução é a única forma de, constitucionalmente, ser garantido aos recorrentes o direito à defesa dos seus legítimos interesses de cidadania, expressos quer na reparação material, quer na salvaguarda da moral e bons costumes sociais.

J) - Como se refere no douto Acórdão da 1.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto no proc. 159.10.9TAVLP.P1.."competia ao Tribunal, antes da prolação da decisão com produção do efeito preclusivo, notificar os requerentes da constituição como assistentes para a efetivação, no prazo de dez dias, do pagamento omitido...", neste caso do pagamento da taxa de justiça relativo ao pedido de abertura de instrução. "A omissão desta notificação importa supri-la."
L) - Mais refere o dito Acórdão que:
• «A norma constitucional (artigo 20.°) não específica o conteúdo do direito de intervenção do ofendido, remetendo para a lei ordinária a sua densificação. 0 que a lei não pode é retirar ao ofendido, direta ou indirectamente, o direito de participar no processo que tenha por objeto a ofensa de que foi vítima. 0 critério que transparece da jurisprudência do tribunal constitucional traduz-se na inadmissibilidade de o legislador ordinário restringir o direito de intervenção do ofendido no processo de forma desadequada, desnecessária ou arbitrária (Acs. 338/06 e 325/06)»
• «No que respeita ao exercício dos direitos que a lei processual atribui ao assistente decide-se, de modo idêntico, que o mesmo não pode sofrer restrições excessivas ou desproporcionadas - ou seja, o ofendido não pode ser privado daqueles poderes processuais que se revelam decisivos para a defesa dos seus interesses - Acs. 205/01 e 464/03... "
• "Questão é, como desde longa data vem entendendo o mesmo Tribunal Constitucional, que se observe uma "qualquer formalidade de aviso ou comunicação sobre as consequências do não pagamento".

• 'Ditar a imediata deserção do recurso pelo simples não cumprimento do ónus de pagamento da taxa [..], em determinado prazo, sem que ocorra qualquer formalidade de aviso ou comunicação ao arguido (neste caso aos assistentes) sobre as consequências desse não pagamento a norma em apreço (artigo 20.° da Constituição) procede a uma intolerável limitação do direito de recurso e consequentemente ao direito de defesa em processo penal" [TC 5, 75/96]

PEDIDO:

Deste modo, o Despacho/decisão recorrido não pode subsistir, pelo que deve o mesmo ser revogado e ser substituído por outro a ordenar a notificação dos Assistentes (ora Recorrentes) para pagarem a taxa de justiça e para procederem à sua apresentação no prazo de 10 dias, com um acréscimo de taxa de justiça de igual montante.

Assim decidindo, farão a devida

                          JUSTIÇA”

3. O recurso foi admitido por despacho de fls. 121 dos autos.

4. O MP junto da 1.ª instância apresentou resposta ao recurso, concluindo que ao mesmo deverá ser negado provimento.

5. Nesta Relação a Digna Procuradora Geral Adjunto apôs o seu visto, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 416.º do CPP, nada tendo acrescentado à resposta do MP em 1.ª instância.

6. Colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

É pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, do conhecimento das questões oficiosas (art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP).

A questão suscitada pelos recorrentes consiste em saber se o despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro a ordenar a notificação dos assistentes para, no prazo de 10 dias, pagarem a taxa de justiça devida pela abertura de instrução, acrescida de taxa de justiça de igual montante e procederem à apresentação do documento comprovativo do pagamento de tais quantias, no referido prazo, em conformidade com o disposto no art. 8.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do Regulamento das Custas Processuais.

2. A decisão recorrida

É do seguinte teor a decisão recorrida (transcrição):

“No caso de a instrução ser requerida pelo assistente, o mesmo terá de autoliquidar a respectiva taxa de justiça (cf. art. 8.º, n.ºs 1 e 2 do RCP).

No caso concreto os assistentes apenas auto liquidaram o pagamento da taxa de justiça devida pela constituição como assistente (cf. se alcança de fls. 84 a 92 dos autos).

Em face do exposto, e por falta de pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de instrução, indefiro o pedido de abertura de instrução (cf. art. 8.º, n.º 2 do RCP).

Notifique.

Oportunamente, arquive.”

 

3. Analisando

Alegam os recorrentes que o Sr. Juiz do Tribunal a quo não poderia ter dado sem efeito o requerimento de abertura de instrução, por falta de pagamento da taxa de justiça devida, uma vez que não foram notificados pela secretaria para, no prazo de 10 dias, pagarem a taxa de justiça devida pela abertura de instrução, acrescida de taxa de justiça de igual montante e procederem à apresentação do documento comprovativo do pagamento de tais quantias, no referido prazo, em conformidade com o disposto no art. 8.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do Regulamento das Custas Processuais.

Cremos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que lhes assiste razão.

Dispõe o art. 8.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo DL n.º 34/2008 de 26/2, que:

1 - A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente.

2 - A taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é auto liquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo.

3 - 0 documento comprovativo do pagamento referido nos números anteriores deve ser junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo, devendo o interessado ser notificado no acto para o efeito.

4 – Na falta de apresentação do documento comprovativo nos termos do número anterior, a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com um acréscimo de taxa de justiça de igual montante.

5 - O não pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito.

No presente caso os assistentes autoliquidaram o pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistentes, mas não autoliquidaram o pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de instrução.

Porém, resulta dos autos que a secretaria não os notificou nos termos do disposto no n.º 4, do art. 8.º, do RCP, ou seja, para juntarem aos autos, no prazo de 10 dias, documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de instrução, acrescida de taxa de justiça de igual montante.

A interpretação literal do n.º 4, do art. 8.º, do RCP, feita pelo MP na resposta ao recurso, que estará subjacente ao despacho recorrido, já que neste nada se diz de forma expressa, não se coaduna com o disposto no n.º 5 do mesmo preceito, no qual se refere “O não pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito.”

A utilização do plural “quantias” pressupõe que a notificação ao interessado imposta no n.º 4 do citado artigo refere-se não apenas ao pagamento da taxa de justiça sancionatória, mas também ao pagamento da taxa de justiça devida pela abertura de instrução, que não tenha sido autoliquidada anteriormente. Isto é, o n.º 4, do art. 8.º, do RCP, prevê a hipótese de pagamento das duas “quantias” – a taxa de justiça omitida e a taxa de justiça sancionatória.

A interpretação proposta pelo MP constituiria uma desproporcionada restrição ao direito dos assistentes de acesso à justiça e aos tribunais.

Assim sendo, há que revogar o despacho recorrido, que indeferiu o pedido de abertura de instrução apresentado pelos assistentes, ora recorrentes, o qual deverá ser substituído por outro que ordene a sua notificação para, no prazo de 10 dias, pagarem a taxa de justiça devida pela abertura de instrução, acrescida de taxa de justiça de igual montante e procederem à apresentação do documento comprovativo do pagamento de tais quantias, no referido prazo, em conformidade com o disposto no art. 8.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do Regulamento das Custas Processuais, sob pena de, não o fazendo, ficar sem efeito o requerimento de abertura de instrução.


III. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9.ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso dos assistentes, revogando-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que ordene a sua notificação para, no prazo de 10 dias, pagarem a taxa de justiça devida pela abertura de instrução, acrescida de taxa de justiça de igual montante e procederem à apresentação do documento comprovativo do pagamento de tais quantias, no referido prazo, em conformidade com o disposto no art. 8.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5 do Regulamento das Custas Processuais, sob pena de, não o fazendo, ficar sem efeito o requerimento de abertura de instrução.

Sem custas.

Lisboa, 4 de Junho de 2015
Processado e revisto pela relatora, a primeira signatária, que assina a final e rubrica as restantes folhas (art. 94.º, n.º 2 do CPP).

Guilhermina Freitas

José Sérgio Calheiros da Gama