Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7595/2006-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
INJUNÇÃO
TRIBUNAL COLECTIVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/01/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
Decisão: CONFLITO DECIDIDO
Sumário: I- As varas cíveis são os tribunais competentes para as acções declarativas ordinárias, de valor superior à alçada da Relação, emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro que foram distribuídas por não ter sido possível apor em procedimento de injunção a fórmula executória ou porque foi deduzida oposição ou porque se frustrou a notificação do requerido (Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, artigos 7.º e 16.º em conjugação com o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho.
II- Fixando-se a competência no momento em que a acção é proposta, no caso de acção de processo comum ordinário que se segue ao requerimento frustrado de injunção estamos face a acção declarativa cível de valor superior à alçada da Relação em que a lei prevê a intervenção do tribunal colectivo cuja intervenção pode ser requerida pelas partes (artigos 97º/1, alínea a) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e artigo 646.º/1 do C.P.C.
III- Essa possibilidade deve ser aferida relativamente ao momento em que a acção é proposta (artigo 22.º/1 da Lei n.º 3/99) ainda que mais tarde se possa verificar alguma das situações contempladas no referido artigo 646.º do C.P.C. que afaste a intervenção do tribunal colectivo, situação esta que é exactamente a mesma que se coloca relativamente a qualquer acção declarativa ordinária que seja instaurada.
IV- Não se vê razão para que uma acção declarativa que siga a forma de processo ordinário seja tramitada e julgada em juízo cível apenas porque respeita a transacção comercial o que possibilitou a utilização do procedimento de injunção que não teve sequência.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:


1. Suscitou-se conflito de competência entre  o 5º Juízo Cível e a 2ª Vara Mista de Competência Cível do tribunal da comarca de Loures que, negando a própria, se atribuem mutuamente competência, para conhecimento do pedido deduzido pela sociedade M.[…] contra S […]

2. A sociedade A. pretende a condenação da sociedade ré  no pagamento da quantia de 18.111 euros (dezoito mil cento e onze euros)  com juros de mora vencidos e vincendos, até integral e efectivo pagamento, liquidando-se os vencidos em 2173,32 euros, o que perfaz um quantitativo líquido de 22.118,25 euros.

3. O valor reclamado resulta de transacção comercial efectuada entre A. e Ré.

4. A A. propôs procedimento de injunção no tribunal territorialmente competente como lhe é facultado pelo artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro.

5. No entanto não foi possível apor a fórmula executória, que abre as portas do procedimento executivo, porque  se frustrou a notificação da sociedade requerida.

6. Foram então os autos sujeitos a distribuição que coube à 2ª vara Mista de Competência Cível para aí correr termos sob a forma de processo comum.

7. Refere a requerente que, depois de ter sido notificada da distribuição, juntou aos autos petição na qual resumia os factos que deram origem ao processo e ofereceu as provas do que alegava.

8. Por decisão notificada à requerente em 4-4-2006 a Vara Mista declarou-se incompetente com o argumento de que a competência das varas, face ao disposto no artigo 97.º/1, alínea a) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro,

“ não é determinada só pelo facto de as acções terem valor superior à alçada do tribunal da Relação, mas também de as acções seguirem uma forma processual que, desde início, faça prever como normal a intervenção do  tribunal colectivo, como é o caso das acções ordinárias”.

9. De acordo com a decisão,  o processo em causa não prevê, quer originariamente, quer posteriormente a intervenção do tribunal colectivo pois conforme resulta do artigo 17.º/1 do Decreto-Lei n.º 269/98, depois da distribuição determinada pela dedução de oposição, aplica-se o procedimento dos artigos 3º e 4º do mesmo diploma onde nunca se prevê a intervenção do Tribunal Colectivo.

10. Assim sendo, vale a regra residual constante do artigo 99.º da LOFTJ segundo a qual os juízos cíveis serão competentes para os processos cíveis que não sejam da competência das varas cíveis.

11. Remetido, por força de tal decisão, o processo para os juízos cíveis, foi proferida, agora no juízo cível, decisão considerando o juízo cível incompetente visto que o artigo 7º do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-lei nº 107/2005, de 1 de Julho

“ veio alterar não só o Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, que havia aprovado o regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância, mas também o  Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, que estabeleceu o regime especial relativo a atrasos de pagamento em transacções comerciais”.

12. Ora, prossegue a decisão,

“ dispõe o n.º2 do artigo 7º […] que ‘ para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum’, acrescentando o seu n.º 4 que ‘ as acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos”.

13. Ora, nos presentes autos está em causa o cumprimento de uma obrigação emergente de transacção comercial de valor superior à alçada do tribunal da Relação e, assim sendo, não restam dúvidas de que a forma de processo a seguir será a comum (acção declarativa com a forma de processo ordinário) e não a especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.

Apreciando:

14. Podemos considerar assente, para decisão do presente conflito, que estamos face a um pedido de valor superior à alçada da Relação emergente de transacção comercial.

15. O processo de injunção começou  por se aplicar ao cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1ª instância (artigo 1º do Decreto-Lei n.º 269/98 de 1 de Setembro, diploma preambular ao anexo  do qual consta o regime dos procedimentos a que se refere esse artigo 1º)

16. Mais tarde, com o Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro, foi alterado o artigo 7º do anexo ao Decreto-Lei nº 269/98.

17. Este preceito dizia na redacção primitiva:

Artigo 7.º (do anexo ao DL 269/98)

(Noção)

Considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1º do diploma preambular.

18. E passou a prescrever a partir do DL 32/2003:

Considera-se injunção  a providência que tem por fim  conferir força executiva  a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações  a que se refere o artigo 1º do diploma preambular , ou das obrigações emergentes  de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro.

19. O artigo 7º do DL 38/2003 passou a prescrever:

Artigo 7º

Aplicação do regime de injunção

1- O atraso de pagamento  em transacções comerciais nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida
2- Para valores superiores à alçada do tribunal de 1ª instância, a dedução de oposição  em processo de injunção  determina a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.

20. Assim, a partir deste DL 38/2003, a injunção passou a ser possível no caso de dívida comercial independentemente do montante.

21. No que respeita às outras dívidas, o limite continuava  ser a alçada do tribunal de 1º instância.

22. A partir do Decreto-lei nº 107/2005, de 1 de Julho o artigo 1º do diploma preambular ampliou a possibilidade de recuso à injunção, tratando-se de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, no caso de  “ valor não superior à alçada da Relação”.

23. Ora desde a redacção primitiva que, para o caso de ser deduzida oposição ou frustrada a notificação do requerido, que a lei manda seguir, com as necessárias adaptações, os termos do procedimento declarativo que consta do capitulo I do anexo ( veja-se o artigo 17.º/1 do diploma anexo ao DL 269/98).

24. É esse o procedimento declarativo a adoptar seguramente quando as partes recorrem à injunção mas não conseguem obter a aposição de fórmula executória, seja por que foi deduzida oposição, seja porque a oposição se frustrou.

25. Nos casos, porém, em que se está face a dívida emergente de transacção comercial, a primitiva redacção do artigo 7º do DL 3272003, acima transcrito, mandava remeter o processo para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum, ou seja, aplicando-se a forma ordinária ou sumária consoante o valor da acção excedesse ou não excedesse à alçada da Relação.

26. Não se aplicava, portanto, o procedimento declarativo constante do capitulo I anexo ao DL 269/98.

27. A  partir do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho o referido artigo 7º do DL 32/2003 sofreu alteração, assim;

Artigo 7º

Procedimentos especiais

1- O atraso de pagamento  em transacções comerciais nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.
2- Para valores superiores à alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação do procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum.
3- Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais.
4- As acções destinadas a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transacções comerciais, nos termos previstos no presente diploma, de valor não superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos.

28. Significa isto que a partir do DL n.º 107/2005 as acções de dívida a que seja aplicável o procedimento de injunção cujo valor não seja superior à alçada da Relação seguem os termos da acção declarativa especial para cumprimento de obrigações emergentes de contratos, incluindo-se, é claro, as fundadas em transacções comerciais.

29. Esta acção declarativa especial não admite, na verdade, a intervenção do tribunal colectivo.

30. Se a lei tivesse prescrito que as acções de dívida a que seja aplicável o processo de injunção seguissem esta forma especial, independentemente do seu valor, não estaríamos, com efeito, face a acção declarativa cível da competência das varas cíveis.

31. De facto, prescrevendo o artigo 97.º/1, alínea a) da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro) que compete às varas cíveis “a) a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de valor superior à alçada do tribunal da Relação em que a lei preveja a intervenção do tribunal colectivo” não basta que o valor seja superior à alçada do tribunal da Relação, impõe-se ainda que, na sua tramitação, a lei admita a intervenção do tribunal colectivo.

32. O problema não se suscita no que respeita aos procedimentos especiais a que alude o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 269/98 visto que a lei manda aplicar o regime especial da acção declarativa apenas às acções cujo valor não exceda a alçada da Relação.

33. Nas injunções que excedem a alçada da Relação ( que são as injunções respeitantes a obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro), já os autos devem ser remetidos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum conforme resulta do disposto no artigo 7.º do DL n.º 32/2003, disposição aplicável a tais obrigações

34. Assim, a acção seguirá a forma de processo comum ordinário (artigo 461.º e 462.º do C.P.C.) e não se vê razão alguma para que uma acção declarativa ordinária, apenas porque teve a sua génese, digamos assim, em injunção, não prossiga no tribunal que a lei considera especialmente vocacionado para julgamento das acções de maior valor, quase sempre mais complexas e venha a ser surpreendentemente remetida para o juízo cível, tribunal de competência residual (artigo 99.º da Lei n.º 3/99).

35. Ora, tramitando-se a acção com a forma de processo comum ordinário é bom de ver que, no momento da distribuição, rectius no momento da remessa para o tribunal competente, não se pode excluir a possibilidade de intervenção do tribunal colectivo, pois estamos face a uma acção declarativa cível em que a lei prevê a intervenção do tribunal colectivo (ver artigo 646.º do Código de Processo Civil) à semelhança do que sucede com qualquer outra acção declarativa que siga a forma de processo ordinário. Mais tarde, pode dar-se o caso de não haver lugar a intervenção do tribunal colectivo ou porque não foi requerido ou porque se verificou um dos casos de inadmissibilidade contemplado nas várias alíneas do artigo 646.º/2 do C.P.C. Não há aqui, porém, nada de novo.

36. O regime vigente afigura-se coerente porque dá tratamento processual igual àquilo que é igual, não se justificando uma distinção apenas porque o processo, na fase inicial, seguiu o procedimento de injunção.

37. Agora trata-se de discutir a pretensão, em sede declarativa, inviabilizado que ficou o acesso imediato ao duro regime da acção executiva.


Concluindo:

I- As varas cíveis são os tribunais competentes para as acções declarativas ordinárias, de valor superior à alçada da Relação, emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro que foram distribuídas por não ter sido possível apor em procedimento de injunção a fórmula executória ou porque foi deduzida oposição ou porque se frustrou a notificação do requerido (Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, artigos 7.º e 16.º em conjugação com o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei nº 107/2005, de 1 de Julho.
II- Fixando-se a competência no momento em que a acção é proposta, no caso de acção de processo comum ordinário que se segue ao requerimento frustrado de injunção estamos face a acção declarativa cível de valor superior à alçada da Relação em que a lei prevê a intervenção do tribunal colectivo cuja intervenção pode ser requerida pelas partes (artigos 97º/1, alínea a) da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro e artigo 646.º/1 do C.P.C.
III- Essa possibilidade deve ser aferida relativamente ao momento em que a acção é proposta (artigo 22.º/1 da Lei n.º 3/99) ainda que mais tarde se possa verificar alguma das situações contempladas no referido artigo 646.º do C.P.C. que afaste a intervenção do tribunal colectivo, situação esta que é exactamente a mesma que se coloca relativamente a qualquer acção declarativa ordinária que seja instaurada.
IV- Não se vê razão para que uma acção declarativa que siga a forma de processo ordinário seja tramitada e julgada em juízo cível apenas porque respeita a transacção comercial o que possibilitou a utilização do procedimento de injunção que não teve sequência.

Assim, e decidindo o conflito julga-se competente para tramitação e julgamento da presente acção a 2ª vara Mista de Competência Cível do tribunal da comarca de Loures.

Sem custas

Lisboa, 1 de Fevereiro de 2007

(Salazar Casanova)
(Silva Santos)
(Bruto da Costa)