Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26175/16.9T8LSB.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: LABORAÇÃO CONTÍNUA
TEMPO DE TRABALHO
USOS DA EMPRESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I. Os usos laborais são práticas reiteradas no tempo no relacionamento entre a empresa e o conjunto dos seus trabalhadores que, embora desacompanhadas da convicção da sua obrigatoriedade (nisso se distinguindo do costume), geram expectativas nas partes de que se continuarão a repetir no futuro.

II. Uma vez constituídos, os usos da empresa produzem efeitos jurídicos na esfera dos trabalhadores e integram o seu contrato de trabalho, só podendo a empresa alterar a correspondente conduta se com isso os mesmos concordarem.

III. A consideração pela empresa de uma pausa especial como tempo de trabalho diariamente repetida ao longo de três anos relativamente a todos os trabalhadores em regime de laboração contínua em certos departamentos, apesar de ter sido revogado o IRC ao abrigo do qual antes aquela assim o considerava, é tempo suficiente para a sua consolidação como uso da empresa.

(Sumário elaborado pelo relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AAA – Sindicato (…)  e BBB – Sindicato (…) CCC– Sindicato de (…) e DDD – Sindicato (…), intentaram a presente acção declarativa com, processo comum, contra EEE– Serviços de …, S. A., pedindo que a ré fosse condenada:

a) a título principal:
- a reconhecer aos trabalhadores em regime de laboração contínua nos departamentos designados SDA1, SDA2 e no INOC, o direito a que seja considerada como parte integrante do seu período normal de trabalho diário a pausa diária de 60 minutos enquanto se mantiverem no regime da laboração contínua;
- a manter o direito dos mesmos trabalhadores a um dia de descanso compensatório quando cada um deles perfaz, com a soma do tempo de trabalho com as pausas diárias de 60 minutos, o período diário de 7.06 horas;
- a reconhecer como trabalho suplementar o tempo da pausa especial diária de 60 minutos prestado a partir de 1 de Junho de 2016 dos mesmos trabalhadores enquanto não se efectivarem os pedidos anteriores;

b) subsidiariamente:
- a reconhecer aos trabalhadores dos departamentos designados de SDA1, SDA2 e no INOC que seja considerada como parte integrante do seu período normal de trabalho diário a pausa diária de 60 minutos enquanto se mantiverem no regime de laboração contínua;
- a reconhecer-lhes como trabalho suplementar o tempo da pausa especial diária de 60 minutos a partir de 1 de Junho de 2016, tendo para tanto alegado, sucintamente, que:
- desde há mais de 40 anos que, na Ré – anteriormente nos ex-… e ex – … Portugal – existem serviços que funcionam 24 horas por dia e 7 dias por semana, sendo abrangidos pelo regime de laboração contínua;
- desde, pelo menos, o AE publicado no BTE de 1981 (BTE 1.ª série, n.º 23 de 22 de Junho de 1981), que os trabalhadores em serviço de laboração contínua tinham direito, como parte integrante do seu período normal de trabalho, a uma pausa diária de 60 minutos, designada de 'Pausa Especial';
- independentemente da filiação dos seus trabalhadores a Ré sempre conferiram tal direito a todos os trabalhadores em serviço de laboração contínua;
- tal pausa especial aplicava-se sempre, houvesse ou não serviço para realizar durante esse período;
- a pausa especial esteve consagrada nos sucessivos instrumentos de regulamentação colectiva, pelo menos desde o ACT de 1981 dos TLP até ao AE de 2007 (publicado n.º BTE, 1.ª Série, n.º 14, de 15 de Abril de 2007), deixando de se encontrar prevista a partir da vigência do ACT de 2013 (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 20, de 29 de Maio de 2013);
- a partir da entrada em vigor do ACT de 2013, apesar de não estar consagrada a pausa, a Ré continuou a reconhecer aos trabalhadores em serviço de laboração contínua o direito à pausa como parte integrante do período diário normal de trabalho;
- a partir de 1 de Junho de 2016, a Ré, em alguns departamentos; deixou de reconhecer o direito à pausa de 60 minutos como parte integrante do período diário normal de trabalho aos trabalhadores em serviço de laboração contínua;
- na mesma Direcção existem departamentos, em regime de laboração contínua, nos quais a Ré manteve o direito à pausa especial e em outros não;
- tal alteração foi aplicada aos turnos das 8 h às 16 h e das 16 h às 24 h (e não aos turno das 24 h às 8 h nem aos trabalhadores que praticam 40 horas semanais);
- após 1 de Junho de 2016 só quando o trabalhador tem que permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade é que tal intervalo é considerado tempo de trabalho;
- por via da pausa especial diária de 60 minutos, os trabalhadores ao fim de 7 dias de trabalho tinham direito a um dia de descanso compensatório adicional (anualmente tinham mais 33 dias de descanso);
- concluíram que tal regime fora determinante e decisivo para os trabalhadores aderirem ao regime de turnos com horário contínuo e que estamos perante um regime especial praticado há longos anos na empresa e já consolidado na esfera jurídica individual dos trabalhadores em regime de laboração contínua;
- o regime do ACT de 2013, que substituiu o regime de pausa especial convencional por outro em que o intervalo para refeição só entra no cômputo do horário de trabalho desde que o trabalhador permaneça no posto de trabalho ou na proximidade para intervir em caso de necessidade, só deve ser aplicado a novos serviços.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificada, a ré contestou, por excepção, alegando falta de pagamento da taxa de justiça e ineptidão da petição inicial por contradição entre causas de pedir e pedidos, e por impugnação, sustentando a falta de fundamento da acção, com os seguintes fundamentos:
- a denominada 'pausa especial' é apenas uma das particularidades de uma das formas de organização do trabalho – no caso, o regime de laboração contínua;
- a forma de organização do trabalho compete em exclusivo ao empregador, estando na sua disponibilidade a definição dos horários de trabalho;
- a 'pausa especial' nada tem a ver com a maior penosidade do trabalho, pois, para esse efeito a Ré instituiu o subsídio dominical e a prestação compensatória;
- a 'pausa especial' sempre correspondeu ao intervalo de descanso entre períodos de trabalho diário;
- a Ré considerou a 'pausa especial' como compreendida no tempo de trabalho (e ainda considera em situações de excepção) e desconsiderou tal contabilização ao abrigo do poder exclusivo de organização do tempo de trabalho;
- a partir de 1 de Junho de 2016 a Ré organizou as escalas de trabalho, de modo a que o intervalo de descanso, entre períodos de trabalho diário, não fosse considerado como tempo de trabalho;
- a partir da referida data, os departamentos identificados na petição inicial, sujeitos a período de trabalho semanal de 35 h ou 35,5 h, deixaram de contemplar, como tempo de trabalho, o intervalo de descanso, entre períodos de trabalho;
- a Ré não tem necessidade dessa disponibilidade dado que o período de descanso ou refeição não é idêntico para todos os trabalhadores, funcionando no período alargado de 12 h – 15 h;
- posteriormente a 1 de Junho de 2016 a Ré não ordenou a nenhum trabalhador sujeito a um período de trabalho semanal de 35 h ou 35,5 h que permanecesse disponível para prestar a sua actividade durante o intervalo de interrupção do período de trabalho diário;
- concluindo pela conformidade legal das alterações introduzidas nas escalas de trabalho.

Proferido despacho saneador, foram julgadas improcedentes as excepções invocadas, julgada válida a instância e dispensada a selecção dos factos assentes e a organização da base instrutória.

Na audiência de julgamento as partes acordaram parcialmente quanto à matéria de facto e procedeu-se à produção de prova e alegações, com observância das formalidades legais, conforme acta de fls. 241 a 247 dos autos.

Por despacho constante da acta de fls. 248 a 255 procedeu-se à fixação da matéria de facto provada e não provada, que não foi objecto de reclamação.

Posteriormente ao despacho saneador, não ocorreram nulidades.

Realizada a audiência de julgamento, a Mm.ª Juíza preferiu a sentença, na qual julgou a acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolveu a ré do pedido.

Inconformados, os autores interpuseram recurso, pedindo que seja julgado procedente e revogada a douta sentença, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
"1. No caso sub judice está em causa a protecção legal da duração do tempo de trabalho, sendo o direito à pausa especial uma prática constante, uniforme, pacífica e integrante de um uso da empresa para os trabalhadores da laboração continua, que reduz o tempo de trabalho.
2. Todavia a douta sentença, sem fundamento legal, tratou juridicamente a pausa especial como se a mesma fosse um intervalo do tempo de trabalho para descanso ou refeição.
3. Ora não existe fundamento legal, face às normas convencionais do AE da 2007 da PT Comunicações, em vigor até Dezembro de 2013, para que a pausa especial tenha qualquer correlação com os intervalos de descanso ou para tomar refeições.

4. A cláusula 41.ª n.º 1 do último AE da PTC, em que a pausa especial esteve consagrada, dispunha o seguinte:
1.- Considera-se parte integrante do período normal de trabalho a pausa diária de sessenta minutos a que têm direito os trabalhadores exclusivamente ocupados com o tráfego telefónico e telegráfico das estações telefónicas de horário permanente, incluindo as dos centros de grupos de redes já automatizados e os trabalhadores que exerçam funções em serviços de laboração contínua. (v. AE da PTC publicado no BTE n.º 14 1.ª série de 15/04/2007).

5. Sem prejuízo do direito à pausa especial os trabalhadores em funções de laboração contínua também tinham o direito ao intervalo de descanso, este sim destinado ou não à refeição o qual se encontrava previsto na cláusula 42.ª n.º 1 do supra citado AE de 2007 nos seguintes termos: 'Considera-se intervalo de descanso a interrupção intercalada no período normal de trabalho diário, destinada ou não a refeição'.
6. Por conseguinte, o direito à pausa especial, não pode ser equiparado a um intervalo de descanso destinado ou não à refeição, pois também a norma do intervalo de descanso era cumulativamente aplicável aos trabalhadores da laboração contínua sem qualquer exclusão de um desses direitos.
7. Assim, da aplicação das duas normas convencionais do mesmo AE de 2007, supra citadas, pode entender-se que o direito à pausa especial visa, exclusivamente, a limitação da duração do tempo de trabalho correlacionada com a penosidade do mesmo em regime de laboração continua.
8. O intervalo de descanso nos termos em que foi consagrado no ACT de 2013, com a designação de intervalo de descanso com presença, com a duração máxima de 60 minutos para os trabalhadores da laboração contínua tem correspondência com o disposto no Código do Trabalho, no artigo 197.º n.º 2 alínea d).
9. Seja no ACT de 2013 seja no Código do Trabalho, para ser compreendido no tempo de trabalho, está em causa um intervalo de descanso para refeição no qual o trabalhador tem de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele para poder ser chamado a prestar trabalho em caso de necessidade.
10. Ora não existe qualquer identidade entre a realidade jurídica que constitui a designada 'pausa especial' e o designado intervalo de descanso com presença para refeição.
11. Não é possível, por falta de base legal, afirmar que o anterior regime convencional da pausa especial foi substituído pelo actual regime convencional do designado intervalo de descanso destinado a refeição, com presença pois trata-se de regimes completamente distintos e que não são susceptíveis de ser confundidos, que na actualidade quer historicamente.
12. É certo que a norma de pausa especial constante do AE de 2007 da PTC foi revogada pelo ACT de 2013.
13. Todavia, não se aceita a conclusão da douta sentença ao considerar não ser um caso relevante a circunstância de após a revogação da norma de pausa especial, verificada com a entrada em vigor do ACT de 2013, publicado no BTE n.º 20, 1.ª série de 29 de Maio de 2013, ter sido mantido o direito a essa pausa até 1 de Junho de 2016.
14. A realidade é que durante 3 anos a Ré manteve o direito à pausa especial aos trabalhadores da laboração contínua, apesar de já não existir a norma que a consagrava.
15. A que acresce a circunstância de que todos os trabalhadores sindicalizados e não sindicalizados, em regime de laboração contínua, desde pelo menos 1981, beneficiaram do direito à pausa especial que se encontrou convencionalmente consagrado até Maio de 2013 e que, a partir desta data, apesar de não se encontrar convencionalmente consagrado, foi mantido durante 3 anos, ou seja, até Junho de 2016.
16. Assim no contexto supra descrito o direito à pausa especial tornou-se uma prática constante, uniforme e pacifica integrante dum uso da empresa.
17. Consequentemente, não podia a Ré, unilateralmente, retirar o direito à pausa especial dos trabalhadores de laboração contínua conforme sucedeu a partir de Junho de 2016.
18. Acresce que não existe qualquer disposição expressa que contrarie o direito à pausa especial, sendo certo que o regime consagrado no ACT de 2013 de intervalo de descanso com presença não colide nem afasta ou substitui o mencionado direito à pausa especial, como se demonstrou.
19. Conforme acima se alegou, não é possível, por falta de base legal, afirmar que o anterior regime convencional da pausa especial foi substituído pelo actual regime convencional do designado intervalo de descanso destinado a refeição, com presença, pois são regimes completamente distintos.
20. Tem assim de se considerar como vinculativo o uso na empresa por, no mínimo, 35 anos, do direito à pausa especial dos trabalhadores da laboração contínua, à margem da aplicação das sucessivas convenções colectivas, pois foi sempre conferido tal direito aos trabalhadores não sindicalizados e foi mantido por mais 3 anos após a revogação da norma convencional que previa tal direito, o qual não foi objecto de substituição por qualquer outro regime".

Contra-alegou a ré, pedindo a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e a determinar que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito tendo nessa sequência a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta proferido parecer no sentido da improcedência da apelação.

Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito dos recursos, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa saber se:
a contabilização da pausa como tempo de trabalho durante cerca de três anos constitui-se num uso da empresa e nessa medida vinculativo para a apelada.
***

IIFundamentos.

1.Factos julgados provados:
"1.- A Ré presta serviços, cujo funcionamento tem que assegurar 24 horas por dia e 7 dias por semana, que estão abrangidos pelo denominado 'regime de laboração contínua'.
2.- O denominado 'regime de laboração contínua' consiste na laboração ininterrupta com rotação pelos diferentes turnos, podendo ser de folgas fixas ou rotativas, distinguindo-se do regime de turnos rotativos por este regime pressupor a laboração com interrupção diária e rotação pelos diferentes turnos, podendo ser de folgas fixas ou rotativas.
3.- A referida distinção do regime de trabalho em laboração contínua e em turnos rotativos encontrava-se consagrada nos AE’s dos ex-.., desde, pelo menos o AE publicado no BTE de 1981, publicado no BTE 1.ª série n.º 23 de 22 de Junho de 1981.
4.- Independentemente da filiação sindical dos seus trabalhadores, os ex-TLP e as empresas que lhe sucederam, nomeadamente a Ré, conferiram aos mesmos os direitos previstos nos acordos de empresa (AE’s) ou instrumentos de regulamentação colectiva que foram sendo celebrados.
5.- A 'pausa especial' esteve consagrada nos sucessivos instrumentos de regulamentação colectiva, pelo menos desde o ACT de 1981 dos … até ao AE de 2007, publicado no BTE, 1.ª série n.º 14, de 15 de Abril de 2007, deixando de se encontrar prevista a partir da vigência do ACT de 2013 publicado no BTE, 1.ª série, n.º 20, de 29 de Maio de 2013.
6.- O ACT de 2013 (cláusula 50.ª) substituiu o regime de pausa especial convencional por outro em que o intervalo para refeição só entra no cômputo do horário diário de trabalho desde que o trabalhador permaneça no posto de trabalho ou na sua proximidade para intervir em caso de necessidade.
7.- A Ré a partir de 1 de Junho de 2016 deixou de contabilizar como tempo de trabalho a pausa de descanso ou para tomada de refeições, de 60 minutos, como tempo de trabalho nos turnos das 8h às 16h e das 16h às 24h.
8.- Essa alteração foi aplicada aos turnos das 8h às 16h e das 16h às 24h, mas não ao turno das 24h às 8h, nem aos trabalhadores que praticam 40 horas semanais.
9.- Desde 1 de Junho de 2016, a escala dos trabalhadores afectos aos departamentos designados SDA1 (actualmente NOC1), SDA2 (actualmente NOC2) e INOC, com período de trabalho semanal de 35h e 35,5h, deixaram de prever como tempo de trabalho a pausa de 60 minutos para descanso ou tomadas de refeição.
10.- Entre o início de vigência do ACT de 2013 e a data referida em 9, a Ré manteve aos trabalhadores que prestam serviço em regime de laboração contínua, a organização dos horários e forma de contabilização dos tempos de trabalho até então praticados, que previam a 'pausa especial'.
11.- A alteração referida em 9, foi comunicada ao CCC através da carta cuja cópia se encontra a fls. 18 e 19 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
12.- A alteração referida em 9 não abrangeu todos os serviços da Ré que laboram em regime de 'laboração contínua'.
13.- Aos trabalhadores abrangidos pela alteração referida em 9, a Ré passou a aplicar o regime previsto na cláusula 50.º n.º 5 do ACT de 2013.
14.- A denominada 'pausa especial' correspondeu sempre ao intervalo para refeições e descanso.
15.- Desde 1 de Junho de 2016 os trabalhadores afectos aos departamentos referidos em 9 não têm que permanecer junto ao seu posto de trabalho nos períodos de intervalo para descanso ou refeição nem têm que estar disponíveis para a realização das suas tarefas, podendo sair das instalações da empresa.
16.- O período para descanso ou refeição não é o mesmo para todos os trabalhadores afectos a um mesmo turno e funciona no período entre as 12 horas e as 15 horas.
17.- Em cada turno presta actividade mais do que um trabalhador.
18.- Relativamente aos trabalhadores contratualmente sujeitos ao período de trabalho de 40 horas semanais, a Ré continuou a considerar o intervalo de descanso, entre os períodos de trabalho diário, como tempo de trabalho".

2.O direito.
Vejamos então a questão atrás enunciada, a qual, recorde-se, consiste em saber se a contabilização da pausa como tempo de trabalho durante cerca de três anos constitui-se num uso da empresa e nessa medida vinculativo para a apelada.
Conforme refere a sentença recorrida, com o que as partes concordam, de resto, as relações colectivas na empresa apelada são actualmente reguladas por um ACT publicado no BTE n.º 20, de 29-05-2013, o qual procedeu à revisão global do AE que
antecedeu e ali fora publicado no n.º 41,de 15-04-2007.
Para o que ao caso sub iudicio interessa, o AE de 2007 (cit. BTE, página 1036 e seguinte) estabelecia o seguinte:

Cláusula 41.ª
Pausa especial
1. Considera-se parte integrante do período normal de trabalho a pausa diária de sessenta minutos a que têm direito os trabalhadores exclusivamente ocupados com o tráfego telefónico e telegráfico das estações telefónicas de horário permanente, incluindo as dos centros de grupos de redes já automatizados e os trabalhadores que exerçam funções em serviços de laboração contínua.
2. Para acerto de escalas dos trabalhadores referidos no número anterior, desde que haja prévio acordo do trabalhador, podem, a título excepcional, ser fixados períodos normais de trabalho de nove horas, nos quais se integra a pausa respectiva, mantendo-se o período normal de trabalho semanal que lhes esteja atribuído.
3. Considera-se também parte integrante do período normal de trabalho diário a pausa diária de trinta minutos a que têm direito os demais trabalhadores aos quais tenha sido atribuída a modalidade de horário contínuo.

Cláusula 42.ª
Intervalo de descanso
1. Considera-se intervalo de descanso a interrupção intercalada no período normal de trabalho diário, destinada ou não a refeição.
2. O período normal de trabalho diário será interrompido por um ou mais intervalos de descanso de duração não inferior a trinta minutos nem superior a duas horas, salvo os casos em que seja fixado, por acordo, intervalo diferente.
3. A nenhum trabalhador deverá ser atribuído horário que implique a prestação de mais de cinco horas consecutivas de serviço.
4. Mantêm-se em vigor os intervalos de descanso em prática na empresa, ainda que de duração superior ou inferior aos limites fixados no n.º 2 desta cláusula.
Com relevo para a questão sindicada o ACT de 2013, que lhe sucedeu no tempo, nada referiu acerca daquela pausa especial e quanto à temática ora em apreço estabeleceu o seguinte (cit. BTE, página 83):

Cláusula 50.ª
Intervalo de descanso
1. Considera-se intervalo de descanso a interrupção intercalada do período normal de trabalho diário, destinada ou não a refeição.
2. O período normal de trabalho diário será, regra geral, interrompido por um ou mais intervalos de descanso de duração não inferior a 30 minutos nem superior a 2 horas, salvo os casos em que seja fixado, por acordo, intervalo diferente.
3. A nenhum trabalhador deverá ser atribuído horário que implique a prestação de mais de 5 horas consecutivas de serviço, salvo nas situações de acordo com o trabalhador em que pode ser definida a prestação de trabalho até 6 horas consecutivas.
4. A pedido do trabalhador e por acordo com este, o intervalo de descanso pode ser reduzido ou excluído.
5. Considera-se compreendido no tempo de trabalho, sendo designado de intervalo de descanso com presença, o intervalo de descanso destinado a refeição, em que o trabalhador tem de permanecer no espaço habitual de trabalho ou próximo dele, para poder ser chamado a prestar trabalho normal em caso de necessidade.

6. O intervalo de descanso com presença terá a seguinte duração máxima de:
a)- 60 minutos para trabalhadores que exerçam funções em serviços de laboração contínua;
b)- 30 minutos para os trabalhadores aos quais tenha sido atribuída a modalidade de horário contínuo;
c)- 60 minutos para os trabalhadores a quem por necessidade de serviço, seja alterado eventualmente o horário de trabalho normal diário para o período de trabalho nocturno.

7. O disposto nos números 5 e 6 pode ser instituído quando tal se mostre favorável ao interesse da entidade empregadora e não cause prejuízo ao funcionamento do serviço ou não origine situações de desigualdade no serviço.

Que a pausa especial de 60 minutos prevista no AE de 2007, por um lado, e o intervalo de descanso nele mas também agora previsto no ACT de 2013, ainda que e em moldes algo diferentes, por outro, correspondem a realidades diferentes não merece dúvidas de quaisquer espécie, desde logo porque se fossem uma e a mesma coisa não faria sentido que o seu tratamento fosse feito em duas normas daquele IRC.

No entanto, a norma que previa a pausa especial foi revogada e assim eliminada do quadro jurídico relevante uma vez que as partes contratantes do ACT de 2007 "considera[ra]m que as alterações às condições de trabalho ora efectuadas ao ACT em vigor, substituem todos os regimes existentes e conferem-lhe, na redacção resultante da presente revisão, um carácter globalmente mais favorável".[5]

De todo o modo, vimos atrás que "entre o início de vigência do ACT de 2013 e a data referida em 9, a Ré manteve aos trabalhadores que prestam serviço em regime de laboração contínua, a organização dos horários e forma de contabilização dos tempos de trabalho até então praticados, que previam a 'pausa especial'" (facto provado 10), o que nos remete para o período compreendido entre 03-06-2013 (data da sua entrada em vigor, considerando o estatuído nos art.os 519.º, n.º 1 do Código do Trabalho e 2.º, n.os 1, 2 e 4 Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro) e 01-06-2016 (facto provado 9).

Assim, a questão que interessa à apelação é, portanto, a de saber se a persistência da contabilização pela apelante da pausa especial como tempo de trabalho durante esse período de praticamente três anos se constituiu num uso da empresa e nessa medida será vinculativo para ela.

Como sabemos, o art.º 3.º do Código Civil estabelece que "os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são juridicamente atendíveis quando a lei o determine".

As relações laborais são reconhecidamente um dos campos em que tradicionalmente a lei reconhece relevância jurídica aos usos, o que actualmente também acontece uma vez que o art.º 1.º do Código do Trabalho estatui que "o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé".

Os usos são práticas reiteradas no tempo que, embora desacompanhadas da convicção da sua obrigatoriedade (nisso se distinguindo do costume), não deixam de gerar expectativas nas partes de que se continuarão a repetir no futuro. Sendo certo que caracteriza os usos da empresa a circunstância de corresponderem a práticas reiteradas, sim, mas gerais, ou seja, por ela direccionados ao seu relacionamento com o conjunto dos trabalhadores (o que os afasta das práticas individuais estabelecidas com cada um deles e que por isso não relevam neste domínio).[6]

Certo é que uma vez assim constituídos, os usos da empresa produzem efeitos jurídicos "na esfera do trabalhador, integrando o seu contrato de trabalho", pelo que "a alteração da conduta da empresa só poder[á] produzir efeitos se o trabalhador tive[r] dado o seu acordo".[7]

Questão importante e para a qual a lei não dá solução imediata é a de saber qual o período temporal de repetição da conduta para se poder considerar como sedimentada em uso da empresa.

A este propósito, refere Tiago Cochofel de Azevedo, na ob. cit., página 116, que "no que respeita ao tempo necessário a que o uso se consolide, a lei não estabelece qualquer regra ou critério, à semelhança aliás do que sucede com o regime constante do Código Civil, devendo matéria ser analisada casuisticamente. Naturalmente que, quanto maior for a frequência com que o uso é chamado a actuar maior será a probabilidade da prática nele corporizada se estabilizarem padrão de comportamento e regra de actuação, com a qual as partes podem legitimamente contar". E na mesma linha segue o Supremo Tribunal de Justiça, que por um lado considera que o tempo tem que "considerável", embora informe ser comum o entendimento de que "o lapso de tempo necessário a atender para que se considere constituído um uso de empresa depende da frequência da reiteração do comportamento do empregador, devendo ser apreciado em cada caso concreto".[8]

Porque assim é, não se estranhe que o Supremo tenha considerado que "quatro anos é tempo insuficiente para que se configure a existência de uma regra subjacente ao comportamento do empregador que durante esse lapso de tempo, anualmente, concedeu o gozo da terça-feira de Carnaval aos seus trabalhadores, pelo que não se pode considerar constituído um uso de empresa", pois que esse dia apenas se repete anualmente; embora, agora num quadro temporal mais alargado (de 1994 até 2013) e, portanto, de considerável maior número de actos praticados (19 vezes), já o mesmo tenha decidido que "configura-se uma prática constante, uniforme e pacífica integrante dum uso da empresa que justifica a tutela da confiança dos seus trabalhadores, pelo que não podia esta retirar unilateralmente o seu gozo a partir de 2014".[9]

Diferente daquela e mais aproximada desta se configura a situação sub iudicio, pois que, como sabemos, a prática (a consideração da pausa especial pela empresa como tempo de trabalho) foi diariamente repetida pela apelada (facto provado enumerado em 2) ao longo do assinalado lapso temporal de praticamente três anos e relativamente a todos os trabalhadores em regime de laboração contínua nos departamentos designados por SDA1, SDA2 e INOC (factos provados 9 e 10), pelo que consideramos ser o memo suficiente para a sua consolidação como uso da empresa. E não se diga que a tal obsta o disposto nos n.os 5 a 7 da cláusula 50.º do actual ACT uma vez que, por um lado e como de resto já o dissemos, a pausa especial é uma realidade diversa do intervalo de descanso aí previsto e, por outro, a consolidação do uso (em que actualmente se consubstancia) deu-se precisamente à sombra da vigência dessa norma.

Revertendo agora aos pedidos formulados na acção, uma vez que a prática em causa se consolidou como uso da empresa, a ré apelante não podia unilateralmente deixar de o observar e, por conseguinte, diremos que tendo-o feito nessa medida procede o primeiro dos formulados pedidos pelos autores apelantes, a saber, a condenação daquela "a reconhecer aos trabalhadores em regime de laboração contínua nos departamentos designados SDA1, SDA2 e no INOC, o direito a que seja considerada como parte integrante do seu período normal de trabalho diário a pausa diária de 60 minutos enquanto se mantiverem no regime da laboração contínua".

No que concerne ao segundo pedido, isto é, a condenação da ré apelante "a manter o direito dos mesmos trabalhadores a um dia de descanso compensatório quando cada um deles perfaz, com a soma do tempo de trabalho com as pausas diárias de 60 minutos, o período diário de 7.06 horas", diremos que se não provou que a apelante lhes concedia esse dia de descanso compensatório e, portanto, nesta parte a acção não podia nem pode proceder, pelo que nessa medida não pode prover-se a apelação.

Relativamente ao terceiro pedido, importa desde logo lembrar que consistia na condenação da ré apelante "a reconhecer como trabalho suplementar o tempo da pausa especial diária de 60 minutos prestado a partir de 1 de Junho de 2016 dos mesmos trabalhadores enquanto não se efectivar[…] o [primeiro] pedido[…]".

De acordo com o estatuído pelo art.º 226.º, n.º 1 do Código do Trabalho, "considera-se trabalho suplementar o prestado fora do horário de trabalho".

Ora, no caso sub iudicio sendo aquela hora diária de pausa para os identificados trabalhadores, naturalmente que não era de trabalho, uma vez que, como bem se referiu na sentença recorrida, os conceitos definem-se por exclusão de partes nos termos ditados pelo art.º 197.º do Código do Trabalho.[10]

Por conseguinte, na medida em que cada trabalhador tiver efectivamente cumprido o horário de trabalho e, além dele, gozado a pausa especial, deve esta ser considerada como trabalho suplementar e, por conseguinte, nesta medida terá que se prover a apelação.
***

IIIDecisão.
Termos em que se acorda conceder parcial provimento à apelação e nessa medida revogar a sentença recorrida e, em consequência:
i. condenar a apelada:
- a reconhecer aos trabalhadores em regime de laboração contínua nos departamentos designados SDA1, SDA2 e no INOC, o direito a que seja considerada como parte integrante do seu período normal de trabalho diário a pausa diária de 60 minutos enquanto se mantiverem no regime da laboração contínua; e
- a reconhecer como trabalho suplementar o tempo da pausa especial diária de 60 minutos gozada pelos mesmos trabalhadores a partir de 1 de Junho de 2016 em cada dia em que, além dela, tiverem cumprido o seu horário de trabalho.

ii. no mais, manter a sentença recorrida.
Custas pela apelada, na proporção de metade, pois que delas estão os apelados isentos (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil, 5.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho e 4.º, n.º 1, alínea f) e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).


Lisboa, 23-05-2018.


(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)


[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5]Cláusula 103.ª do citado ACT; quanto ao assinalado efeito revogatório, o mesmo decorre do disposto no art.º 503.º, n.os 1, 3 e 4 do Código do Trabalho.
[6]Tiago Cochofel de Azevedo, in da Relevância jurídica dos usos laborais, Universidade Católica Portuguesa, 2012, página 109.
[7]Acórdão da Relação do Porto, de 27-02-2012, no processo n.º 362/10.1TTVCT.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[8]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 09-03-2017, no processo n.º 401/15.0T8BRG.G1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[9]Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-11-2016, no processo n.º 1032/15.0T8BRG.G1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[10] Recorde-se que não tem aqui aplicação a alínea d) do n.º 2 do citado art.º 197.º do Código do Trabalho, uma vez que a (convencionada) "pausa diária de 60 minutos" em causa na apelação não se confunde com a "interrupção ou pausa no período
de trabalho" O aí prevista.