Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4125/17.5T8LSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
DISPENSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sendo a taxa de justiça fixada em função do valor da causa, ela pode ser dispensada ou reduzida pelo juiz na parte correspondente ao valor da causa que exceda o de 275.000€, se a especificidade da situação o justificar, o que não é manifestamente o caso quando, do processado, apenas se pode dizer que nada teve de excepcionalmente complexo, isto é, que foi um processado normal (e, no caso, a taxa remanescente é de 306€).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

Requerimentos do B e do F de 11/09/2018, para dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente ou redução da mesma:
A acção tem o valor de 301.509€.
A taxa de justiça devida inicialmente, pelo recurso, é de 8UC (= isto é, 816€ = 102 x 8), pelo valor de 275.000€.
Pelos restantes 26.509€, os requerentes terão de pagar mais 306€ (= 1,5UC [153€] x 2), por força da nota final da tabela I.
Os requerentes querem pois ser dispensados de pagar 306€/cada, considerando que o valor total de 1122€ de taxa de justiça para cada não é minimamente proporcional ao serviço que lhes foi prestado nos presentes autos (isto ao mesmo tempo que dizem que não está em causa o respeito pelo trabalho levado a cabo pelo tribunal), tendo em conta a tramitação (que não exigiu, segundo dizem, uma actividade jurisdicional anormal por parte do tribunal), a complexidade da acção (que não seria especial - recorrem para o efeito ao disposto no art. 530/7 do CPC), o comportamento processual das partes (que não teriam tido manobras dilatórias ou utilizado expedientes processuais) e a utilidade económica do mesmo para os requerentes. Subsidiariamente, requerem a redução da taxa de justiça. E sugerem que o acórdão se devia ter pronunciado oficiosamente sobre aquela dispensa, por força do art. 6/7 do RCP, pelo que, não o tendo feito, pode ser requerida a reforma da decisão sobre custas (art. 616/1 do CPC) para que haja decisão expressa sobre tal dispensa.
A pretensão dos requerentes é manifestamente improcedente: o facto de a tramitação nada ter tido de anormal e o recurso não ter especial complexidade, apenas não permite a condenação em taxa de justiça especial. Ou seja, há acções/recursos com tramitação anormal e de especial complexidade, há acções normais e há casos em que, grosso modo, pela sua extrema simplicidade (devido ao comportamento das partes e às circunstâncias particulares do processado em concreto), se justifica a dispensa ou redução do pagamento da taxa de justiça remanescente. Ou seja, três graus; o facto de não se verificarem as características do grau mais grave, não implica que se verifiquem as características do menos grave. Pelo que, invocar que não se verificam os requisitos para considerar o recurso de especial complexidade, por exemplo, nada tem a ver com os requisitos necessários para permitir a dispensa ou redução do pagamento da taxa remanescente.
Como já se disse no ac. do TRP de 09/07/2014, proc. 850/07.7TJPRT-D.P1 (não publicado): I - Grosso modo, o art. 6/1 do RCP prevê uma tributação para uma acção normal, o art. 6/5 do RCP (e art. 530/7 do CPC) uma tributação para uma acção especialmente complexa e o art. 6/7 do RCP uma outra para uma acção especialmente simples (= acção que fica claramente aquém de um padrão médio de complexidade” [do ac. do STJ de 12/12/2013, proc. 1319/12.3TVLSB-B.L1.S1]). II. Uma acção especialmente simples, não é o equivalente a uma acção que não seja especialmente complexa, pelo que não basta que não se verifiquem os índices do art. 530/7 do CPC para que uma acção passe a ser uma acção especialmente simples.
Quanto ao argumento da utilidade económica que a parte tira do resultado da acção, ou melhor, no caso, do recurso, argumento que os requerentes nem sequer desenvolvem, ele foi utilizado pelo referido ac. do STJ de 12/12/2013, para um caso em que o recorrente “não se movia dentro do âmbito da causa principal, em que a pretensão de tal montante seria definitivamente apreciada, mas apenas dentro de um procedimento cautelar que, no máximo, culminaria na emissão de uma decisão provisória e cautelar, de natureza estritamente conservatória, incidente sobre o congelamento de determinada garantia bancária.” No caso dos autos, os requerentes evitaram, ao menos para já, a condenação no pedido que era de 301.509€…
Outra hipótese de utilização do argumento da utilidade económica é o de comparar o valor da acção com o valor da taxa de justiça e, se eles forem próximos, ver nisso um índice da desproporcionalidade (veja-se, por exemplo, a argumentação do ac. do TRL transcrita pelo ac. do STJ referido). Ora, no caso, basta comparar o valor de 306€ com o valor do recurso (301.509€, ou seja, quase 1000 vezes mais) para se perceber porque é que os requerentes invocam a questão da utilidade económica e depois não a desenvolvem.
Mas, no fundo, o argumento da utilidade económica traduz apenas a regra do art. 529/2 do CPC, isto é, de que: a taxa de justiça corresponde ao montante […] fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do RCP”, pelo que não deve ser utilizado como critério autónomo. Daí que, o ac. do STJ de 12/12/2013, citado acima, depois de ter utilizado o argumento da utilidade económica no sentido referido antes, mais à frente já o utilizou precisamente neste sentido (: “aplicando tal interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a simplicidade formal da tramitação processada nas instâncias, mas também o elevadíssimo valor da causa e da utilidade económica dos interesses a ela associados (várias vezes superior ao referido patamar de 275.000€)…” É que a taxa de justiça, como também diz o art. 529/2 do CPC, “corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente […]” e não tem nada a ver com a utilidade que se tira de uma acção/recurso, isto é, com o vencimento da acção ou do recurso, pois que a parte vencedora nem sequer suporta, a título definitivo, a taxa de justiça, já que esta vai entrar em regra de custas e quem a suporta, a título definitivo, é a parte que perdeu o recurso.
Por fim, as taxas de justiça, uma espécie do género dos tributos, pressupondo embora uma contraprestação específica, assentando pois na prestação concreta de um serviço público, não são preços, não pressupondo a equivalência económica entre o montante pago e o valor do serviço prestado pela administração e não podem, por outro lado, ser determinadas de modo a neutralizar a dimensão redistributiva do sistema fiscal (até aqui utilizou-se aquilo que é dito nas págs. 14 a 16, do Curso de Direito Tributário de Jónatas E. M. Machado e Paulo Nogueira da Costa, Coimbra Editora, 2009), pelo que alguma proporcionalidade têm de manter, não sendo razoável que apesar do valor da acção/recurso crescer, a taxa mantenha o seu valor, pois que, assim, aqueles que têm maiores recursos económicos acabam por pagar, em termos relativos, menos do que os que têm menores possibilidades económicas.
E esse maior valor também se justifica de modo a desincentivar o pedido de valores absurdos pelos autores e réus reconvintes e a sobreocupação do sistema judicial por grandes litigantes ou litigantes de massa e que se tal ocorrer que, ao menos, se pague por isso.
Sendo que, a aplicação tabelar, cega, generalizada e automática da dispensa ou redução em causa – nos termos actuais com que são formulados os pedidos de dispensa e redução da taxa de justiça remanescente (mesmo quando a taxa de justiça remanescente é de apenas 306€), com requerimentos no essencial idênticos e sem consideração pelos casos concretos e com argumentos semelhantes a muitos outros que são transcritos em muitos acórdãos versando a mesma questão, quando os casos que merecem tal dispensa são aqueles que se referem a dezenas ou mesmo centenas de milhares de euros por, por exemplo, recursos que não chegam a ser admitidos ou processos que são decididos sem instrução (vejam-se, apenas por exemplo, o caso do ac. do TC n.º 421/2013, em que estava em causa o valor de 118.360,80€, o do STJ de 12/12/2013, já citado, em que estavam em causa 156.213€, o do STJ de 24/05/2018, proc. 1194/14.3TVLSB.L1.S2, em que estavam em causa os valores de 111.690€, 55.845€ e 12.393€, ou o do TC de 21/11/2018, n.º 615/2018, numa questão conexa, em que estavam em causa 57.936€) -, frustraria todos aqueles fins.
Pelo que a interpretação que está implícita nesta leitura dos arts. 6 e 14/9 do RCP em nada ofende os princípios da igualdade, proporcionalidade, do acesso ao direito e da garantia da tutela jurisdicional efectiva, invocados tabelarmente pelos requerentes.
Entretanto, assinale-se que o acórdão dos autos, proferido numa apelação com tramitação normal – em que participaram três juízes de um tribunal superior - tem 92 páginas; apreciou várias questões e estava em causa 1 recurso com cinco contra-alegações dos 6 réus.
Sendo que tudo isto terá estado naturalmente presente no espírito dos subscritores do acórdão reclamado, que não terão julgado, assim, verificados os pressupostos da dispensa ou redução em causa. Parafraseando o ac. do STJ de 13/07/2017, 669/10.8TBGRD-B.C1.S1, pode naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que não se consideraram verificados os pressupostos de que dependeria tal dispensa.
Em suma, o recurso nada teve de especial: nem de especial complexidade, nem de especial simplicidade. Estamos perante um caso normal e uma taxa de justiça final, para cada uma das partes, que nada tem de desproporcional ou desadequado ao serviço prestado.
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Pelo exposto, vão indeferidos os pedidos de reforma do acórdão (requerimentos de dispensa e de redução do pagamento da taxa remanescente).
O B e o F vão condenados, cada um, em 3 UC de taxa de justiça (tendo em conta o art. 7/1 do RCP, a tabela II do mesmo, o valor que está em causa, a extensão dos requerimentos e a manifesta improcedência deles).
Lisboa, 10/01/2019
Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues