Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1309/12.6TVLSB-A.L1-8
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
REMOÇÃO DO CABEÇA DE CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Enquanto a cabeça-de-casal se mantiver no cargo terá de praticar os respectivos actos que o exercício dos seus poderes de administração da herança comportam, até à liquidação e partilha dessa herança.
2. No exercício dessas funções a cabeça-de-casal pratica actos que, pela sua natureza continuada, poderão ser lesivos dos restantes interessados da herança, a exigir, por conseguinte, que uma vez verificadas tais circunstâncias, se ponha termo a essa situação para se acautelar os eventuais direitos daqueles.
3. Sendo o património hereditário constituído por estabelecimentos comerciais ou empresas, pode dizer-se que essa actividade é indissociável da boa e corrente gestão dessas empresas. Por conseguinte, quem as administra deve estar à altura do cargo, e possuir as qualidades necessárias para o exercício e desempenho cabal de tais funções, e ser capaz de administrar o património hereditário com competência, prudência e zelo. Sob pena de prejudicar séria, grave e irreparavelmente os direitos dos restantes herdeiros.
4. Se os Requerentes conseguirem provar que a cabeça-de-casal não possui qualificação ou quaisquer conhecimentos profissionais ou de gestão que lhe permitam assegurar, pessoal e adequadamente, a boa administração das sociedades comerciais cujas participações sociais integram o acervo de bens da herança, aberta por óbito de seu pai, preenchidos se mostram os requisitos indispensáveis ao deferimento da providência cautelar de remoção do cabeça-de-casal solicitada ao Tribunal, nos termos estatuídos na alínea d), do nº 1, do art. 2086º do Código Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – 1. Relatório
JOÃO, ISIDORO e NUNO Requereram a presente providência cautelar comum contra MARIA pedindo que – sem audiência prévia da Requerida – seja esta «removida do cargo de cabeça-de-casal nos termos do disposto no artigo 2086.º do Código Civil e nomeando-se o herdeiro Nuno – e aqui Requerente – como cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do Exmo. Senhor Joaquim – cf. fls. 25.
Alegaram, para o efeito, e em síntese que:
No dia do falecimento de seu falecido pai, tiveram os Requerentes conhecimento de que este, no dia 19/03/2012, tinha celebrado casamento, por procuração, com a Requerida.
Quanto ao referido casamento, corre neste momento termos uma acção interposta pelos Requerentes para declaração da sua inexistência ou anulação, devido ao comportamento da Requerida, descrito nos autos, e forma como conseguiu, antes da morte do de cujus, celebrar matrimónio com aquele.
A conduta da Requerida após a morte do falecido revela ainda indícios da postura que esta pretenderá também assumir, enquanto cabeça-de-casal perante os demais herdeiros legitimários, nomeadamente o propósito de afastar os Requerentes da partilha e administração dos bens de seus pais, para que possa actuar como bem entende.
Postura essa que prejudica os Requerentes, causando seríssimas e fundadas dúvidas sobre a forma como a Requerida exercerá o cargo, «deixando de fora» os Requerentes e não defendendo os interesses destes.
Acresce que a Requerida não possui habilitações literárias que a tornem apta a desempenhar as funções que tal cargo acarreta, tem características de vivência pessoais que desaconselham, devido ao seu passado em casa de “alterne”, tem mais de 70 anos, e sofre de graves problemas de saúde, o que, tudo junto, e o demais que se alega, irá comprometer o exercício das funções de cabeça-de-casal.
Por isso deve ser removida.

2. Citada, a Requerida deduziu oposição à providência quer impugnando a matéria alegada pelos Requerentes, quer excepcionando.
a) Por excepção invocou a incompetência absoluta do Tribunal “a quo”, a impropriedade do meio utilizado e a falta ou insuficiência de causa de pedir do requerimento inicial;
b) Por impugnação rebateu os factos invocados pelos Requerentes, tendo concluído no sentido da improcedência da providência cautelar, com a sua absolvição do pedido.

3. Foi elaborada decisão pelo Tribunal “a quo” que julgou improcedentes todas as excepções, fazendo-o nos seguintes termos:
3.1. Quanto à excepção de incompetência material – pronunciou-se no sentido de que a competência em razão da matéria objecto da acção principal – aferição da qualidade de herdeiro – é uma questão de natureza exclusivamente cível, para a qual são competentes, não os Tribunais de Família, mas sim os Tribunais especializados Cíveis, devendo ser dirimida perante os Tribunais Judiciais Comuns a questão de saber se a Requerida deve, ou não, ser removida das funções de cabeça-de-casal, por se tratar de uma questão que não recai no elenco das competências dos Tribunais de Família.
3.2. Quanto à ineptidão da petição inicial – considerou não existir no caso concreto a nulidade invocada, por estar devidamente identificada a causa de pedir, consubstanciada no risco que constitui para a herança a manutenção da Requerida no exercício do cargo de cabeça-de-casal, mostrando-se a providência cautelar fundamentada em termos que permitem apreender todos os elementos em que a mesma assenta.
3.3. Quanto à excepção de “impropriedade do meio utilizado” – defendeu que o facto de a remoção da cabeça-de-casal constituir um incidente do inventário não significa que só possa ocorrer no âmbito desse processo, pois a partilha de bens da herança pode ter lugar também por via do procedimento simplificado de sucessão hereditária (cf. arts 210.º-A a 210.º-R do Código do Registo Civil e Portaria n.º 1594/2007, de 17 de Dezembro) e, nesta medida, justifica-se que a colocação da questão da eventual inaptidão de funções do cabeça-de-casal possa ter lugar em processo autónomo, nomeadamente quando a urgência seja justificada e se mostrem preenchidos os restantes pressupostos legais dos arts 381.º e segts do CPC, tanto mais que não se mostra pendente qualquer processo de inventário.
Nestes termos, julgou improcedente a excepção.

4. Por fim, o Tribunal “a quo” indeferiu a providência cautelar, fundamentando a sua decisão, em síntese, nos seguintes termos:
a) Deu por verificado o requisito da probabilidade séria da existência do direito, invocado pelos Requerentes, de, enquanto herdeiros, poderem exercitar as providências que se mostrem adequadas a remover alguém do cargo de cabeça-de-casal da herança respectiva;
b) Mas considerou que quanto ao requisito do fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao direito invocado pelos Requerentes, estes não lograram assinalar em que é que tal lesão se traduz, até porque o exercício do cargo de cabeça-de-casal “não envolve qualquer especial conhecimento”, nem exige qualquer qualificação para o seu desempenho.
Com base em tais premissas indeferiu a presente providência cautelar “por não se encontrarem reunidos os requisitos necessários para que possa proceder”, “designadamente, o pressuposto legal do receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável aos Requerentes”.

5. Inconformados os Requerentes Apelaram, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
1. São manifestos os vícios de que enferma a sentença recorrida, que indeferiu liminarmente o procedimento cautelar comum para remoção da Recorrida do cargo de cabeça-de-casal, apresentado pelo Recorrentes, sem que estes tenham sequer logrado produzir qualquer prova ou tenham sido convidados pelo Meritíssimo Juiz “a quo” a aperfeiçoar o seu requerimento inicial.
2. Com efeito, os pressupostos essenciais para o decretamento do presente procedimento cautelar comum, e consequente remoção da Recorrida do cargo de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do Exmo. Senhor Joaquim, encontram-se efectivamente preenchidos in casu.
3. Analisando os pressupostos para o decretamento do procedimento cautelar comum requerido pelos ora Recorrentes, bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar que existe in casu uma probabilidade séria da existência do direito invocado pelos ora Recorrentes porquanto: “assiste aos ora Requerentes, com séria probabilidade, o direito de requerer que outrem não seja considerada como herdeira do património do falecido.”
4. Da prova carreada aos autos resulta claramente demonstrada e provada a qualidade dos Recorrentes de descendentes, e herdeiros legitimários, do Exmo. Senhor Joaquim – facto que é, aliás, reconhecido e aceite pela ora Recorrida.
5. No que ao preenchimento do requisito do fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito, entendeu o Tribunal “a quo”, não estar observado tal requisito porquanto: i) os Recorrentes não apontaram um concreto prejuízo gerado pela actuação da Requerida no património da herança que lhe cabe administrar enquanto cabeça-de-casal; e ii) que o exercício do cabecelato não envolve especial conhecimento ou qualificação para o seu desempenho.
6. Ora, os Recorrentes jamais poderão aceitar e conformar-se com tal entendimento.
7. O procedimento cautelar tem por fim obviar ao perigo na demora da declaração e execução do direito, afastando o receio de dano jurídico por meio de medidas que limitam os poderes ou impõem obrigações àquele que se encontra em conflito com os Requerentes da providência.
8. Estando em causa os direitos dos Recorrentes enquanto herdeiros legitimários no âmbito da herança aberta por óbito do seu pai, o Exmo. Senhor Joaquim, a gravidade da lesão deve ser aferida atendendo ao risco elevado que os Recorrentes terão de suportar na sua esfera jurídica em virtude da má gestão e administração dos bens que compõem a herança por parte da Requerida, a qual exige especiais conhecimentos de que a ora Recorrida claramente não dispõe e que exige a tomada de decisões de especial importância que poderão resultar, quando mal ajuizados os riscos que as envolvem, na diminuição e perda dos activos que constituem a herança, sobretudo atento os bens que compreendem tal herança num ambiente economicamente desfavorável como aquele que presentemente se atravessa. Facto que torna notória a lesão grave do seu direito que os Recorrentes terão de suportar caso se confirme o não decretamento da presente providência cautelar.
9. O “caminho” que o processo principal tem de percorrer até que seja proferida uma decisão final que possa declarar a não qualidade de herdeira da ora Recorrida no âmbito da herança aberta por óbito do de cujus, se afigura ainda longo, sendo manifestamente desequilibrada a sujeição dos Recorrentes ao perigo de verem diminuídos ou gravemente prejudicados os seus direitos enquanto herdeiros legitimários por via de uma má e deficiente administração dos bens que compõem a herança aberta por óbito do seu pai por parte da Recorrida que, manifestamente, não reúne os requisitos mínimos para um desempenho adequado do cabecelato.
10. O Tribunal “a quo” não deveria ter indeferido o presente procedimento cautelar sem sequer permitir a produção de prova Requerida, sobretudo assentando a sua decisão na alegada não concretização dos prejuízos que a manutenção da Recorrida no cargo de cabeça-de-casal acarreta e acarretará para os Recorrentes e atenta a relevância da prova testemunhal para esclarecimento deste ponto em concreto e consequente descoberta da verdade material e boa decisão da presente causa.
11. Conforme entendimento do Ilustre Prof. Teixeira de Sousa, ainda que não expressamente previsto no artigo 234.º-A do CPC, o despacho de aperfeiçoamento da petição de procedimento cautelar decorre não só dos princípios da economia processual, inquisitório e cooperação, como do princípio geral da correcção, postulado no artigo 508.º n.º 1 alínea b), n.º 2 e 3 do CPC, pois não obstante inserir-se na fase da condensação, tem como pressuposto que antes dela não haja qualquer intervenção do juiz, mas havendo-a, nada impede que essa correcção se faça em fase anterior.
12. É verdade que os Recorrentes põem em causa a competência da ora Recorrida para o exercício adequado do cargo de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu pai – capacidade e competência que não reconhecem, efectivamente, à Recorrida – todavia, o artigo 2086.º do Código Civil não traduz uma norma taxativa, «limitando-se» a exemplificar os casos em que a remoção do cargo de cabeça-de-casal pode ser imposta, sendo certo que ao Julgador resta ainda margem para, em função da situação concreta, e apelando a uma interpretação sistemática dos fundamentos legais para a remoção do cabecelato, impor tal pena noutras situações que não aquelas especificamente referidas no aludido artigo 2086.º do CC.
13. Sucede que o Tribunal “a quo” “considerou que a incompetência pessoal da Recorrida para o exercício do cargo de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do de cujus não se apresenta como motivo para justificar a sua remoção do cargo por entender que esta pode “passar procuração para o efeito a quem disponha de especiais conhecimentos que nessas áreas se exijam”.
14. O fundado receio dos ora Recorrentes resulta, desde logo, do facto de a qualidade de herdeira da ora Recorrida no âmbito da sucessão aberta por óbito do falecido ser alvo de processos judiciais pendentes, sendo que o exercício do cargo de cabeça-de-casal por outrem que não os herdeiros do de cujus e a quem não é reconhecida a competência e capacidade para tal, naturalmente acarreta graves e dificilmente reparáveis prejuízos para os Recorrentes, sobretudo atentos os bens que compreendem esta herança e, particularmente, as sociedades comerciais ali incluídas, de cariz fundamentalmente familiar.
15. O decretamento do presente procedimento cautelar afigura-se como a única forma de assegurar o efeito útil da decisão que venha a ser proferida na acção principal onde se reclama o reconhecimento e declaração judicial da não qualidade de herdeira da Recorrida no âmbito da herança aberta por óbito do de cujus.
16. A Recorrida não tem a qualificação profissional nem os conhecimentos de gestão que lhe permitam assegurar, pessoal e adequadamente, a boa administração das sociedades comerciais cujas participações sociais integram o acervo de bens da herança aberta por óbito do pai dos ora Recorrentes.
17. Outro aspecto fundamental a atender é o cariz de base familiar destas sociedades comerciais que se revela contrário à hipótese avançada pela sentença recorrida de que pode a Recorrida nomear um procurador para exercer o cargo de cabeça-de-casal.
18. Os Recorrentes sempre acompanharam de perto a administração de tais sociedades comerciais, inclusivamente através do desempenho de cargos nos órgãos sociais das mesmas, reunindo as qualidades profissionais e pessoais exigidas ao cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu pai.
19. O “cargo de cabeça de casal e o seu exercício não configuram um mero dever, apesar da sua gratuitidade (art. 2094.º do CC), constituindo também um direito, como interessado na herança e como interessado com uma relação tendencialmente mais próxima do de cujus e o seu acervo hereditário do que os outros interessados, ainda que, por vezes, essa proximidade seja apenas uma presunção legal, que não uma realidade física. O cargo de cabeça de casal e o seu exercício configuram um dever, do qual se pode ser desonerado mediante pedido de escusa (art. 2085.º do CC), e um direito, do qual se pode ser destituído mediante remoção (art. 2086.º do CC)” – vide, neste sentido, o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 19/06/2012.
20. A conduta da Recorrida para com os Recorrentes, nos termos que se encontram melhor descritos no seu requerimento inicial, e que demonstram uma vontade de manter os Recorrentes à margem da discussão e decisão das questões relacionadas com a morte e herança do de cujus, pai dos Recorrentes, traduz-se necessariamente e dão corpo ao receio justificado dos Recorrentes de que a sua conduta, enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu pai, cause prejuízos graves e dificilmente reparáveis aos direitos dos Recorrentes enquanto herdeiros legitimários deste.
21. Face aos factos ora reafirmados pelos Recorrentes e devidamente alegados em sede de requerimento inicial perante o Tribunal “a quo”, forçosamente se conclui que diferente decisão se impunha àquele douto Tribunal que, perante o claro preenchimento, in casu, de todos os requisitos de que a lei faz depender o decretamento do procedimento cautelar comum, deveria ter decretado e ordenado a remoção da Recorrida do cargo de cabeça-de-casal e, consequentemente, nomeado o Recorrente Nuno cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do de cujus.
22. Pelo que, o Tribunal “a quo” não deveria ter indeferido o requerimento inicial apresentado sem sequer permitir a produção de prova.
23. Deve, pois, ser conferido provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que:
a) Decrete o procedimento cautelar nos termos requeridos mediante a remoção da Recorrida do cargo de cabeça-de-casal e nomeação do Recorrente Nuno enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do falecido;
b) Ou, caso assim não se entenda, substituindo-se a decisão recorrida por outra que ordene o prosseguimento dos autos e subsequente produção de prova;
c) Ou, ainda, proferido despacho que convide os Requerentes/Recorrentes a aperfeiçoarem o seu requerimento inicial.

6. Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela confirmação do decidido.
7. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.

II – ENQUADRAMENTO FÁCTICO-JURÍDICO:
1. Em matéria de factualidade provada, pode ler-se na decisão recorrida o seguinte:
“3. - Fundamentação de facto:
“Considerando as posições expressas pelas partes nos articulados e bem assim os documentos infra referenciados, juntos aos presentes autos – e, bem assim, aos autos de acção declarativa em apenso –, mostra-se indiciariamente assente a qualidade de descendentes do falecido dos ora Requerentes, a celebração do casamento do falecido com a ora Requerida, por procuração, em 19 de Março de 2012, o falecimento do pai dos Requerentes no passado dia 1 de Abril de 2012 (resultando esta factualidade evidenciada em face dos documentos juntos aos autos e que os reportam).
A demais factualidade alegada e invocada pelas partes é irrelevante para a apreciação dos presentes autos”. [1]

2. É sabido que são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do recurso.
Salienta-se, contudo, que este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, [2] bem como, nos termos dos arts. 660º, nº 2 e 713º, nº 2, do CPC, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Posto isto, temos que:
3. O objecto do recurso centra-se em duas questões essenciais:
 Primo, a questão de saber se estão preenchidos os pressupostos essenciais para o decretamento do presente procedimento cautelar comum para remoção da Recorrida do cargo de cabeça-de-casal, da herança aberta por óbito do de cujus, mais concretamente se, in casu, se pode considerar verificado o requisito legal do fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito (ao direito dos Requerentes).

E isto porque, relativamente aos restantes requisitos legais, o Tribunal “a quo” decidiu que os mesmos estavam preenchidos. Por tal facto, desta parte não foi interposto qualquer recurso pelos Requerentes/Apelantes.
Assim sendo, transitada se encontra a decisão no que concerne a ter considerado como verificados os restantes pressupostos legais, nomeadamente a probabilidade séria da existência do direito invocado no requerimento inicial.
Secundo, suscitam os Recorrentes a questão de saber se o Tribunal “a quo“ poderia ter indeferido liminarmente o presente procedimento cautelar sem produção de prova (pois não foi permitido aos Requerentes/Apelantes apresentá-la), e sem ter previamente convidado os Requerentes a aperfeiçoar o seu requerimento inicial.
Questão igualmente pertinente face ao que o Tribunal “a quo” inseriu na matéria de facto “provada”, concluindo que “a demais factualidade alegada e invocada pelas partes é irrelevante para a apreciação dos presentes autos”.
Ora, uma conclusão dessa natureza indicia desde logo que o MMº Juiz “a quo” considerou que toda a demais factualidade alegada pelos Requerentes era irrelevante para a apreciação da causa, tanto que não procedeu à audição das respectivas testemunhas arroladas para aferir da existência dos pressupostos legais da providência cautelar requerida, e/ou da pertinência e oportunidade da presente providência.
Quando afinal, parece que não seria assim tão irrelevante, já que acabou por decidir no sentido de não estar preenchido o referido pressuposto legal.
Daí que seja pertinente suscitar a seguinte questão:
- Será que a decisão nos autos dispensava essa prova?...
É matéria de que se cuidará igualmente em sede recursória.

4. Algumas considerações sobre o procedimento cautelar comum:
4.1. Os Requerentes/Apelantes instauraram a presente providência cautelar comum pedindo, em síntese, que a Requerida fosse removida do cargo de cabeça-de-casal e nomeado, em sua substituição um dos herdeiros Requerentes.

Por sua vez o Tribunal “a quo” julgou improcedente o presente procedimento cautelar, sem que tivesse procedido à respectiva produção de prova, fundamentando a improcedência no seguinte vector fundamental: a “inexistência de qualquer apontamento concreto de prejuízo gerado pela actuação da Requerida no património da herança que lhe cabe administrar, enquanto cabeça-de-casal”. Para concluir pela inexistência do requisito legal citado.

Insurgiram-se os Requerentes contra tal entendimento. E desde já se adianta que lhes assiste razão, porquanto a decisão proferida não ponderou devidamente os argumentos aduzidos por aqueles, nem fez uma correcta interpretação jurídica dos pressupostos legais atinentes ao procedimento cautelar comum tendo em conta o caso em análise.

4.2. Com efeito, os Recorrentes instauraram o presente procedimento cautelar comum nos termos do actual art. 381º (e segts.) do CPC.
E como é consabido, este normativo foi alterado com a reforma processual de 1995, pelo que o entendimento jurisprudencial então sufragado, antes das referidas alterações legislativas, não pode servir de referência, salvo se se compaginar com a nova realidade jurídico-normativa vertida nos preceitos correspondentes.
Vem isto a propósito de a sentença proferida, não obstante se referir ao CPC na actual redacção, se estribar em jurisprudência muito anterior à referida reforma, nos termos que surgem citados a fls. 122 e 123.
Ora, com as alterações introduzidas em 1995 instituiu-se, conforme se salienta no relatório preambular do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, uma verdadeira acção cautelar geral especialmente vocacionada para a tutela provisória de quaisquer situações não especialmente previstas e disciplinadas, comportando o decretamento das providências conservatórias ou antecipatórias adequadas a remover o periculum in mora concretamente verificado e assegurar a efectividade do direito ameaçado.
E se é verdade que foi esta a ratio que presidiu à reforma e que aparece também referenciada nos autos, não se pode, contudo, abstrair do seu verdadeiro sentido e deixar de extrair dos normativos e entendimentos doutrinário e jurisprudencial actuais o necessário espírito e alcance.

4.3. Segundo a norma que estabelece o âmbito das providências cautelares não especificadas – art. 381º do CPC – o direito ameaçado e o interesse do Requerente da providência cautelar tanto pode fundar-se num direito já efectivamente existente, como numa situação jurídica emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, porventura ainda não proposta, ou em sentença ainda não proferida.
De acordo com o novo regime assiste-se, hoje, à preocupação de acentuar duas vertentes essenciais da justiça cautelar: por um lado, a urgência do procedimento e, por outro, a efectividade do acatamento da providência ordenada.
É neste contexto que o art. 381º do CPC exige, para o decretamento de uma providência cautelar dessa natureza, a concorrência dos seguintes requisitos:
a) - Probabilidade séria da existência do direito tido por ameaçado ou que venha a emergir de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor;
b) - Que haja fundado receio de que outrem, antes de proferida decisão de mérito, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito;
c) - Que a providência Requerida seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado;
d) - Que ao caso não convenha nenhuma das providências tipificadas no CPC;
e) – Que o prejuízo resultante da providência não seja superior ao dano que com ela se pretende evitar.
E de acordo com os termos impostos pelo art. 387º do CPC, tal providência só poderá ser decretada se, cumulativamente, se verificarem os seguintes requisitos legais:
a) Haja probabilidade séria da existência do direito;
b) E se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
Sendo de realçar que para a verificação do primeiro pressuposto basta um mero juízo de verosimilhança ou probabilidade, exigindo-se, quanto ao segundo, o fundado receio de lesão.
O fundado receio de lesão grave ou dificilmente reparável, enquanto pressuposto legal destas providências cautelares não especificadas, tem sido entendido como constituindo a manifestação do requisito comum a todas as providências e denominado de periculum in mora.
A este propósito deve atender-se que a lei determina que o receio deve ser fundado, mas suficientemente.
Ou seja, “deve estar apoiado em factos que permitam afirmar, com objectividade e distanciamento, a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo”. [3]
Segundo este Autor, o denominado fundado receio terá a mesma significação que a expressão utilizada no art. 406º, nº 1, do CPC, no qual o legislador faz apelo, a propósito do arresto, ao “justificado receio” ou ao “justo receio” de perda de garantia patrimonial, “pressupondo em ambas as normas a iminência da verificação ou repetição de uma lesão no direito”. [4]
Adverte, no entanto que, o critério de aferição não deve ser reconduzido à certeza inequívoca… bastando, por isso, que se mostre razoavelmente fundado esse pressuposto.
Para depois esclarecer que:
“As circunstâncias em que o juiz deve ter por justificado o receio de lesões futuras devem ser apreciadas objectivamente, tendo em conta o interesse do Requerente que promove a medida e o do requerido que com ela é afectado, as condições económicas de um e outro, a conduta anterior e a sua projecção nos comportamentos posteriores”.
E concluir que:
“Para cobrir o risco de decisões injustas, em prejuízo do Requerente ou do requerido, atribuiu-se ao juiz o papel de “fiel da balança”, devendo formar o seu juízo de acordo com as circunstâncias do caso concreto depois de produzida a prova apresentada pelas partes e de se esgotar o dever de inquisitoriedade perante a situação de facto submetida à sua apreciação”. [5]

4.4. Para além do exposto importa atentar que, pese embora se considerar que se mostram fora da protecção concedida pelo procedimento cautelar comum as lesões de direitos já inteiramente consumadas, já não se afigura defensável o mesmo entendimento quando se esteja perante lesões de natureza continuada ou repetida. Com tendência para se prolongarem no tempo.
Situação em que se pretenderá, naturalmente prevenir, evitar e pôr termo à continuação ou repetição de actos lesivos e para a qual se mostra como adequado o recurso ao procedimento cautelar comum com o consequente decretamento de uma providência que, em concreto, vise pôr fim à referida lesão de direitos com essa natureza.

4.5. Posto isto, e reportando-nos concretamente ao caso sub judice, não serão necessárias exaustivas considerações para se concluir pela justeza da pretensão dos Recorrentes e pela precipitação do Tribunal “a quo”.
Desde logo porque num processo complexo desta natureza não se pode concluir, sem que tivesse lugar a produção de qualquer prova, com o mínimo de certeza, que o Tribunal “a quo” se encontrava munido dos respectivos elementos que o habilitassem a decidir com equilíbrio e segurança.
A verdade é que, em termos abstractos, enquanto a Requerida se mantiver no cargo (e referimos em abstracto, porquanto em concreto desconhece-se, por não ter sido produzida prova, quaisquer factos que envolvam a forma como desempenhará o cargo, e que (in)competências revela) terá de praticar os respectivos actos que o exercício dos seus poderes de administração comporta, enquanto cabeça-de-casal da herança.
Actos que, pela sua natureza continuada, poderão ser lesivos dos restantes interessados da herança, a exigir, por conseguinte, que se ponha termo a essa situação para se acautelarem os eventuais direitos dos Requerentes.
Ora, a herança é uma “universitas juris” representada, enquanto subsiste, pelo cabeça-de-casal, a quem cabe a administração da herança até à sua liquidação e partilha, nos termos que constam do art. 2079º do CC.
E no exercício de tal cargo compete à cabeça-de-casal a prática de todos os actos que se mostrem indispensáveis à administração dos bens, neles se incluindo a movimentação de todos os depósitos bancários constituídos ao tempo da abertura da herança, e existentes nas contas correntes bancárias, a cobrança de quaisquer dívidas activas da herança, a aplicação e distribuição de rendimentos e a gestão de todo o património que a integre – cf. arts. 2089º, 2087º, 2092º e 2093º, todos do CC.
E sendo o património hereditário constituído por estabelecimentos comerciais ou empresas pode dizer-se que essa actividade é indissociável da boa e corrente gestão dessas empresas. A exigir, por conseguinte, que quem as administra esteja à altura do cargo, e possua as qualidades necessárias para o exercício e desempenho cabal de tais funções e que seja capaz de administrar o património hereditário com competência, prudência e zelo.
Sob pena de poder ser removido do cargo de cabeça-de-casal.
Com efeito, a lei comina com a sanção da remoção, sem prejuízo de outras sanções que ao caso couberem, todo o cabeça-de-casal que, nomeadamente, “não administrar o património hereditário com prudência e zelo” – alínea b), do nº 1, do art. 2086º do CC – e “revelar incompetência para o exercício do cargo” – alínea d) da mesma norma.
A este propósito pode ler-se em Antunes Varela e Pires de Lima, que a incompetência pressupõe que a pessoa nomeada revele, no desempenho do cargo, não possuir as qualidades necessárias para o preenchimento da função que lhe foi confiada. [6]
Igual incompetência revelará se com a sua conduta ameaçar lesar os interesses dos restantes herdeiros.
E essa incompetência, enquanto inaptidão para o exercício do cargo, terá de decorrer da matéria de facto alegada e provada nos autos, ainda que em sede cautelar.

4.6. No presente procedimento cautelar o pedido formulado pelos Requerentes foi no sentido de a Requerida ser “removida do cargo de cabeça-de-casal” da herança aberta por óbito do de cujus.
Para tanto alegaram diversas razões que enquadraremos, em síntese, nas seguintes categorias:
· Na da sua incompetência pessoal – baseada em diversos factores que vão desde a sua falta de idoneidade para o cargo (tendo os Recorrentes invocado, entre outras circunstâncias fácticas, o seu passado de “alterne”), o estado de saúde e a sua idade de mais de 70 anos;
· Na sua impreparação para a função – pela inexistência de conhecimentos teóricos ou académicos, cultura, ciência, formação ou saber;
· E na sua falta de experiência profissional no ramo – pela ausência de currículo, conhecimentos ou qualquer experiência no exercício de tal actividade ou qualquer outra de natureza similar.

Considerou, porém, o Tribunal “a quo” que “a incompetência pessoal da Recorrida para o exercício do cargo de cabeça-de-casal” da herança aqui em causa não se apresenta como motivo para justificar a sua remoção do cargo, nomeadamente, porque aquela pode “passar procuração para o efeito a quem disponha de especiais conhecimentos que nessas áreas se exijam”…
Argumentos que não podem de modo algum ser acolhidos por se desconsiderar, de todo, a realidade social, jurídica e económica que preside ao mundo empresarial e à administração de qualquer sociedade comercial nos tempos que correm, agravada pelos momentos conturbados que se vivem na actual sociedade portuguesa, num ambiente social e economicamente muito desfavorável ao exercício de quaisquer actividades económicas, com reflexos negativos e até nefastos para a saúde de todo o comércio, fruto da grave crise que se atravessa.
Sendo embora verdade que a cabeça-de-casal pode passar procuração a outrem que disponha desses conhecimentos, não pode contudo deixar de se atentar que a procuração não lhe retira nem a demite dos seus poderes de fiscalização dos actos do procurador, nem do dever de prestar contas aos respectivos herdeiros e restantes interessados pela administração da herança até à sua liquidação e partilha.
Nem tão pouco a desonera de ponderar os riscos ou de tomar decisões de especial importância sobre as questões que o dia-a-dia de uma empresa suscita e que, como defendem e bem, os Recorrentes, poderão ser ampliados, e tomar proporções incontroláveis e/ou irremediáveis quando mal ajuizados os riscos que as envolvem, com as consequentes repercussões negativas na diminuição e perda dos activos que constituem a herança, sobretudo atentos os bens que compreendem o acervo hereditário.
E para tanto, tem a cabeça-de-casal de possuir e demonstrar capacidade para o exercício de tal cargo, nomeadamente, saber gerir e administrar a herança aqui em causa. Sob pena de prejudicar séria, grave e irreparavelmente os direitos dos Requerentes.
Gerir empresas exige, no mínimo, preparação, experiência, capacidade e conhecimentos de gestão, possibilidades de acompanhamento das actividades desenvolvidas e poder decisório.
Matéria que apesar de alegada pelos Apelantes ao longo dos autos, e repetida exaustivamente - reafirmando que a Requerida não possui competências para tal, a ponto de requererem a sua remoção - não foi objecto de prova, por não ter sido determinada pelo Tribunal “a quo” e atempadamente produzida.

4.7. Ora, se os Requerentes conseguirem provar que associada à falta de condições pessoais da Requerida (pela sua avançada idade, pelo seu estado de saúde, etc…) a mesma não possui qualificação, experiência ou quaisquer conhecimentos profissionais ou de gestão que lhe permitam assegurar, pessoal e adequadamente, a boa administração das sociedades comerciais cujas participações sociais integram o acervo de bens da herança, aberta por óbito do pai dos ora Recorrentes, preenchidos se mostram os requisitos indispensáveis ao deferimento da providência cautelar solicitada ao Tribunal, nos termos estatuídos na alínea d), do nº 1, do art. 2086º do CC.
Por outro lado, parece no mínimo temerário e injustificado defender, sem produção de qualquer prova, que, no caso sub judice, inexiste o pressuposto legal do “fundado receio”.
Não só pelas razões já expostas, mas também porque a densificação do conceito do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável se pode bastar com a constatação “de um acto que seja capaz de gerar uma dificuldade notável, importante para o exercício do direito”. [7]
Quer isto dizer que, se esse acto/facto se provar, se for repetido, ou se tiver potencialidade para se prolongar no tempo, mais grave será ainda a lesão que poderá provocar. E será dificilmente reparável o direito invocado pelos Requerentes da providência, que verão dessa forma mais agravados os danos desencadeados ou entretanto ocorridos. Com a consequente lesão grave dos direitos que os Requerentes/Recorrentes pretendem acautelar.
Tudo isto para se concluir que o Tribunal “a quo” não deveria ter indeferido o presente procedimento cautelar sem permitir a produção de prova requerida – atenta a relevância da prova testemunhal para esclarecimento destes pontos em concreto –, tanto assim que assentou a sua decisão na alegada não concretização dos prejuízos que acarreta e acarretará para os Recorrentes a manutenção da Recorrida no cargo de cabeça-de-casal.
Actividade probatória que se impõe, ainda mais, se se atentar no princípio da descoberta da verdade material e da justa composição da lide.
5. Deve, contudo, centrar-se a produção da prova no apuramento da matéria factual que releva para se aferir da eventual incompetência da Requerida para o exercício do cargo de cabeça-de-casal, porquanto, tal como se diz na sentença posta em causa e que apenas nesta parte se acompanha, a condição pessoal imputada pelos Requerentes à Requerida, relativamente ao seu passado e vida pessoal de eventual “alterne”, só por si, não releva para a decisão a proferir no âmbito desta providência cautelar. E enquanto tal, não importa discutir.
Como dizia Alberto dos Reis, é pelo fim ou pela função, e não pela estrutura, que a actividade cautelar se pode distinguir da actividade declarativa e da actividade constitutiva.[8]
Ideia que também perpassa no Acórdão da Relação do Porto,[9] onde se refere que a providência “surge como antecipação e preparação duma providência/acção ulterior; prepara o terreno e abre o caminho a uma providência/acção final”.
Não se confunde, por conseguinte, com esta. Com a acção final, com a acção de que é dependência.
Não estamos no domínio da acção declarativa de anulação do casamento que os Requerentes vão propor, como dependência desta providência. Mas sim no âmbito de um procedimento cautelar.
Para o procedimento cautelar importa, isso sim, cingir a prova à aptidão para o desempenho do cargo da cabeça-de-casal, à prova da sua eventual (in)competência para o exercício do cargo, inexistência de conhecimentos e experiência profissional, etc… tanto mais que a Requerida já tem 70 anos de idade.
E porque essa prova não foi feita, não se pode sufragar a decisão do Tribunal “a quo”, que denegou a providência cautelar Requerida.
Razão pela qual se julga procedente a Apelação e se revoga a decisão recorrida.

6. Quanto aos demais argumentos suscitados pelos Recorrentes nas suas alegações, prejudicados ficam em face do que antecede e que se decidiu.

III – Em Conclusão:
1. Enquanto a cabeça-de-casal se mantiver no cargo terá de praticar os respectivos actos que o exercício dos seus poderes de administração da herança comportam, até à liquidação e partilha dessa herança.
2. Neles se incluem a movimentação de todos os depósitos bancários constituídos ao tempo da abertura da herança, e existentes nas contas correntes bancárias, a cobrança de quaisquer dívidas activas da herança, a aplicação e distribuição de rendimentos e a gestão de todo o património que a integre – cf. arts. 2089º, 2087º, 2092º e 2093º, todos do CC.
3. No exercício dessas funções a cabeça-de-casal pratica actos que, pela sua natureza continuada, poderão ser lesivos dos restantes interessados da herança, a exigir, por conseguinte, que uma vez verificadas tais circunstâncias, se ponha termo a essa situação para se acautelar os eventuais direitos daqueles.
4. Sendo o património hereditário constituído por estabelecimentos comerciais ou empresas, pode dizer-se que essa actividade é indissociável da boa e corrente gestão dessas empresas. Por conseguinte, quem as administra deve estar à altura do cargo, e possuir as qualidades necessárias para o exercício e desempenho cabal de tais funções, e ser capaz de administrar o património hereditário com competência, prudência e zelo. Sob pena de prejudicar séria, grave e irreparavelmente os direitos dos restantes herdeiros.
5. Se os Requerentes conseguirem provar que a cabeça-de-casal não possui qualificação ou quaisquer conhecimentos profissionais ou de gestão que lhe permitam assegurar, pessoal e adequadamente, a boa administração das sociedades comerciais cujas participações sociais integram o acervo de bens da herança, aberta por óbito de seu pai, preenchidos se mostram os requisitos indispensáveis ao deferimento da providência cautelar de remoção do cabeça-de-casal solicitada ao Tribunal, nos termos estatuídos na alínea d), do nº 1, do art. 2086º do CC.

IV – Decisão:
- Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso e, em consequência:
1. Revoga-se a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”;
2. Determina-se o prosseguimento dos autos com a consequente produção de prova;
3. A produção de prova deve circunscrever-se aos factos que relevam para aferição dos requisitos legais indispensáveis para a eventual remoção da cabeça-de-casal, por incompetência, nos termos que foram retratados e definidos supra, nomeadamente nos pontos 4.5), 4.6) e 5).
- Custas a cargo da Requerida, enquanto parte aqui vencida.

Lisboa, 14 de Fevereiro de 2013.

Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
António Manuel Valente
Ilídio Sacarrão Martins
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[1] Sublinhado nosso. Conclusão extraída pelo Tribunal “a quo” e que, desde já se adianta, não podemos subscrever pelas razões que aduziremos nos pontos seguintes.
[2] Cf. Ac. do STJ, de 5/4/89, in BMJ, 386º/446, plenamente actual nesta parte, e Rodrigues Bastos in “Notas ao Código de Processo Civil”, Vol. III, pág. 247.
[3] Neste sentido veja-se António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil – Procedimento Cautelar Comum – III Volume, págs. 87 e segts (sublinhado nosso).
[4] Ibidem, obra citada.
[5] Cf. Obra citada, pág. 91, sublinhado nosso.
[6] Cf. Autores citados, in “Código Civil Anotado”, IV Vol., pág. 145.
[7] Cf. Moitinho de Almeida in “Providências Cautelares Não Especificadas”, pág. 22, num comentário bastante actual nesta parte, já complementado pelo entendimento dos Autores aqui citados.
[8] Cf. Alberto dos Reis, em artigo publicado in BMJ, nº 3, pág. 32.
[9] Neste sentido cf. Acórdão da Relação do Porto, datado de 17/07/1999, in CJ., T. IV, pág. 201.