Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9264/18.2T8SNT-A.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: DIREITOS DE PERSONALIDADE
CÔNJUGE
RESPONSABILIDADE CIVIL
DIVÓRCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: · Os créditos constituídos em data anterior à nomeação do administrador provisório em processo especial de revitalização, mas cuja definição estivesse, nessa data, em discussão nos tribunais, têm de se considerar litigiosos;
· As acções pendentes em que estejam em causa créditos litigiosos não se extinguem nos termos do art. 17º-E, nº 1 do CIRE, visando-se, por esse meio, a protecção dos credores;
· O conteúdo destes créditos litigiosos apenas se definirá através da decisão respectiva, não sendo incluídas no plano de recuperação;
· As acções relativas a créditos litigiosos e que não integram o plano de recuperação não estão abrangidas pela extinção imposta pelo art. 17º-E, nº 1 do CIRE;
· Os créditos litigiosos que não foram atendidos no plano de recuperação, não estão limitados pelo citado art. 17º-F, nº 10 do CIRE, o qual apenas se aplica aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão de nomeação do administrador, razão pela qual tais créditos não podem ser reclamados no âmbito de processo especial de revitalização;
· A não extinção de acções relativas a créditos litigiosos que não foram objecto de reconhecimento (com eventual modificação) no PER, determina que o titular desse crédito possa intentar a competente acção executiva para obter a satisfação desse crédito, não estando vinculado ao plano de recuperação homologado em sede de PER.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO

1. Por apenso à execução contra si intentada por B., veio a executada, A. deduzir os presentes embargos de executado alegando que o crédito reconhecido pela sentença dada à execução foi modificado, quer quanto ao seu valor, quer quanto ao seu vencimento por força da sentença transitada em julgado de homologação do PER, o que determina a extinção da execução.
2. A exequente contestou, pugnando pela improcedência da oposição à execução.
3. Foi proferido despacho saneador-sentença, no qual se proferiu decisão em que se julgaram improcedentes os embargos.
4. Inconformada, a executada recorre desta sentença, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
A. A Recorrida apresentou contra a Recorrente ação executiva peticionando o pagamento da quantia global de € 321.490,21.
B. O título dado à execução é uma sentença que condena a Recorrente a pagar à Recorrida o valor de €164.431,20, acrescido de juros de mora contados à taxa legal aplicável às transações comerciais desde a data de vencimento da fatura e a data da petição inicial.
C. A Recorrente apresentou oposição à execução mediante embargos de executado.
D. O Tribunal a quo proferiu sentença que julgou os embargos de executado procedentes.
E. Na sentença, o Tribunal a quo, identificou que as questões que careciam de apreciação judicial, a saber:
 Da não modificação do crédito da exequente, em virtude da homologação do plano de recuperação;
. Da condenação da exequente no pagamento dos danos causados à executada, a apurar em sede de liquidação de sentença, e em multa correspondente a 10% do valor da execução;
. Subsidiariamente, da redução dos juros peticionados no valor de €131.960,30 para o montante de €131.472,08.
F. O Tribunal a quo entendeu que o crédito da Recorrida assume a natureza de crédito litigioso e que não se encontra abrangido no âmbito de aplicação do plano aprovado em sede de PER da Embargante, aqui Recorrente.
G. A questão em discussão no presente recurso é aferir se a execução - de que os presentes embargos são apenso – deveria ter sido declarada extinta em virtude da homologação do PER da Recorrente.
H. A Lei 16/2012 introduziu no sistema processual português um novo procedimento judicial – o Processo Especial de Revitalização (PER).
I. O processo especial de revitalização destina-se a permitir aos devedores que se encontra em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com este acordo conducente à sua revitalização.
J. De acordo com o regime jurídico do PER o plano de recuperação aprovado vincula todos credores, ainda que estes não tenham participado nas negociações ou votado favoravelmente o mesmo.
K. O Recorrente logrou alcançar um acordo com os seus credores, os quais por unanimidade, aprovaram um plano de recuperação.
L. A Recorrente pretendia com a apresentação dos embargos de executado que a execução fosse declarada extinta e, consequentemente, o crédito da Recorrida fosse satisfeito em igualdade de circunstâncias com os restantes credores.
M. Contudo o Tribunal a quo entendeu que se a ação declarativa que se encontrava em curso aquando da apresentação e homologação do PER não foi extinta – por força da aplicação do regime do artigo 17º-E do C.I.R.E. – a Recorrida (por à data ser titular de um crédito litigioso) não está vinculada pelo plano homologado em sede de PER.
N. Salvo o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal a quo confunde o efeito da apresentação e aprovação do PER relativamente às ações executivas e às declarativas.
O. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que o Tribunal a quo cita na decisão em crise, e utiliza para fundamentar a sua decisão, propugna solução diversa da decisão recorrida.
P. O crédito da Recorrida é anterior à apresentação do PER e homologação do Plano de Recuperação e encontrava-se judicialmente impugnado.
Q. De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, citado na sentença em crise, no que concerne aos créditos litigiosos (…) O prosseguimento justifica-se apenas nos casos em que o crédito não perdeu a sua natureza litigiosa nem foi reconhecido no plano de recuperação. A leitura que fazemos da parte final do artigo 17.º-E do CIRE, conjugada com as finalidades próprias do PER, permite concluir com segurança que o legislador efetivamente não pretendeu incluir na extinção das ações por força da homologação do plano de recuperação aquelas onde se discutem créditos que continuam a necessitar de definição jurisdicional para que possam ser satisfeitos, ainda que em obediência àquele plano. (…)
R. O citado acórdão é claro ao referir que a manutenção das ações declarativas tem como finalidade a discussão da existência do crédito em si e não a forma da sua realização/satisfação.
S. Quer a doutrina quer a jurisprudência mais avalizadas são taxativas na interpretação quanto à forma de satisfação do crédito (outrora) litigioso: deverá obedecer aos termos estipulados em sede de plano de recuperação.
T. A tutela jurisdicional de que carece o crédito litigioso é uma realidade distinta da cobrança/satisfação deste a ser efetuada em momento posterior.
U. A definição material do crédito litigioso constituído em momento anterior à negociação e homologação do plano (mas definido após a aprovação), não confere a este credor o exercício material deste direito de forma privilegiada relativamente aos restantes credores e deve ser tratado nos mesmos termos dos restantes credores, sob pena de violação do princípio da igualdade entre credores e da constituição de um privilégio a favor do “credor litigioso” que a lei não atribuí.
V. Aos créditos litigiosos (i) não será aplicável o regime da extinção previsto no artigo 17º-E, n.º 1, do C.I.R.E. – por forma a garantir a tutela jurisdicional efetiva – e (ii) após o respectivo reconhecimento judicial o pagamento de tal crédito terá que ser efetuado de acordo com os termos do plano aprovado (Cfr. artigo 17-E, n.º 10, do C.I.R.E.).
W. A vinculação do plano de recuperação ao credor que viu o seu crédito ser judicialmente definido, determina a impossibilidade do recurso à ação executiva para satisfação desse crédito por aplicação do regime do artigo 17-E, n.º 1, do C.I.R.E.
X. Caso contrário, estaremos perante uma violação da ratio do regime jurídico do procedimento especial de revitalização e, acima de tudo, da violação do princípio do estado de direito democrático, do princípio da igualdade e o direito a tutela jurisdicional efetiva, todos constitucionalmente garantidos, inconstitucionalidade que desde já se invoca para todos os efeitos legais.
Y. Caso assim não se entenda, importa chamar à colação o facto de o plano de recuperação prever que os créditos cuja origem seja comprovadamente anterior à data da entrada da petição inicial do presente processo em Tribunal e cuja eventual existência venha a ser posteriormente invocada e reconhecida, serão tratados nas exatas condições previstas no presente Plano de Recuperação para os créditos de igual categoria/natureza.
Z. Deste modo, o plano de recuperação da Recorrente previu a possibilidade do crédito da Recorrida poder vir a ser reconhecido judicialmente e consagrou que, nessa situação, tal crédito seria objecto do tratamento previsto no plano de recuperação para os créditos de igual categoria/natureza.
AA. A aprovação e homologação do plano de recuperação no processo especial de revitalização vincula os credores, mesmo os que não tenham participado nas negociações ou discordem desse plano, e até mesmo aos que não tenham reclamado os seus créditos.
BB. Com a aprovação e homologação do plano de recuperação todos os credores ficam vinculados ao termos aí definidos, incluindo os créditos litigiosos constituído em momento anterior ao PER mas cujo reconhecimento judicial ocorreu posteriormente à homologação deste”.

5. Em sede de contra-alegações, a exequente defendeu a improcedência do recurso.

II. QUESTÕES A DECIDIR

Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões submetida a recurso, delimitada pelas aludidas conclusões, são:
- determinar se a execução a que os autos estão apensos deveria ter sido extinta face ao PER da executada;
- determinar se a exequente está vinculada pelo plano de recuperação homologado em sede de PER.
é determinar o reflexo da homologação do PER relativo à executada no crédito exequendo.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença sob recurso considerou assentes os seguintes factos:

1. Em 28 de Março de 2008, a exequente intentou contra a executada acção declarativa de condenação, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste- Sintra – Juiz 4, sob o n.º 1816/08.5TBAMD;
2. Tendo em 10-01-2017 sido proferida sentença, em que se condenou «a A. a pagar à A. [a exequente] a quantia de €165.431,20 acrescida de juros de mora á taxa dos juros comerciais que entre a data do vencimento da factura e a data da entrada da petição inicial 28.03.2008 se cifram em €16999,83, e dos juros vincendos até efectivo e integral pagamento desde o referido capital»;
3. Conforme consta do relatório da sentença, a executada, impugnou a versão dos factos carreados pela A., por lhe ser alheia;
4. A referida decisão foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 20-12-2017;
5. Tendo dado entrada em 2014, correu termos no Tribunal do Comércio de Lisboa, 1.º Juízo de Lisboa sob n.º 73/14.9TYLSB, o processo especial de revitalização da executada;
6. Na relação de créditos, constam como credores reconhecidos as seguintes entidades: 3I E… III A LP; 3I E… III B LP; 3I G. PLC; I…C. I. S.A.; I.S.S..; M….; P….
7. Em 03-07-2014, foi proferida sentença de homologação do plano de recuperação relativo ao acordo entre a devedora [a executada] e os credores;
8. Consta do plano de recuperação e de reestruturação financeira, a fls.., que «os créditos cuja origem seja comprovadamente anterior à data da entrada da petição inicial do presente processo em Tribunal e cuja eventual existência venha a ser posteriormente invocada e reconhecida, serão tratados nas exactas condições previstas no presente Plano de Recuperação para os créditos de igual categoria/natureza»;
9. E, bem assim, o «pagamento integral dos restantes créditos reconhecidos e constante da Lista Provisória de Créditos, com perdão integral dos respectivos juros de mora entretanto vencidos e vincendos. Estes créditos serão pagos em 10 (dez) prestações anuais, correspondendo cada uma delas a 10% (dez por cento) do valor do capital constante da Lista Provisória de Créditos. A primeira prestação vencer-se-á 5(cinco) anos após o trânsito em julgado da sentença que vier a homologar o Plano de Recuperação e as seguintes do mesmo dia nos anos subsequentes»”.
*

IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Face ao teor das alegações de recurso e às questões a decidir, há que salientar que, quanto à modificação do crédito da exequente em virtude da homologação de PER, defende a apelante que a vinculação do plano de recuperação ao credor que viu o seu crédito ser judicialmente definido determina a impossibilidade do recurso à acção executiva para satisfação desse crédito por aplicação do regime do art. 17-E, nº 1, do CIRE., sob pena de violação do princípio do estado de direito democrático, do princípio da igualdade e do direito a tutela jurisdicional efectiva.
Alega ainda que o plano de recuperação da executada, ora apelante, previu a possibilidade do crédito exequendo poder vir a ser reconhecido judicialmente e consagrou que, nessa situação, tal crédito seria objecto do tratamento previsto no plano de recuperação para os créditos de igual categoria/natureza.
Vejamos.
Tal como resulta do art. 17º-A, nº 1 do CIRE, o processo especial de revitalização é um processo dirigido a empresas que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda têm viabilidade económica, sendo, por isso, susceptíveis de recuperação.
Destina-se a permitir ao devedor estabelecer negociações com os respectivos credores com o objectivo de estabelecer um acordo conducente à sua revitalização, continuando a exercer a sua actividade por forma a evitar a insolvência.
Nos termos do art. 17º-E, nº 1 do CIRE, a nomeação de administrador judicial provisório “obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação”.
Esta paralisação das acções para cobrança de dívidas contra o devedor enquanto decorrerem as negociações tem como objectivo a concretização desse acordo e impedir o aparecimento de novos credores que inviabilizem esse acordo.
Importa também referir que a posição maioritária na jurisprudência quanto ao que se entende por “acção para cobrança de dívidas” é a de que esse conceito abarca também as acções declarativas, designadamente as relativas ao cumprimento de obrigações pecuniárias. Nesse sentido, vide, Ac. STJ de 18-09-2018, proc. 190/13.2TBVNC.G1.S1 in www.dgsi.pt e ampla doutrina e jurisprudência aí referida.
Por outro lado, o art. 17º-F, nº 10 do CIRE determina que “a decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal”.
Assim sendo, haverá que compatibilizar os direitos que emergem da existência de um acordo entre os credores e da constituição de créditos após a nomeação de administrador judicial provisório e da decisão de homologação do plano de recuperação.
A primeira questão com que nos deparamos é apurar se a presente execução deveria ter sido extinta em virtude do PER da executada, tal como defendido pela apelante.
Para tanto, há que relembrar que decorre dos factos assentes que o crédito da exequente tem origem em acção declarativa intentada em 28-03-2008, na qual foi proferida sentença condenatória em 10-01-2017,confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 20-12-2017, sendo a presente execução de 2018.
Mais está assente que o processo especial de revitalização da executada deu entrada em juízo em 2014, não constando da relação de créditos o crédito dos autos, tendo sido proferida sentença de homologação do plano de recuperação relativo ao acordo entre a devedora e os credores em 03-07-2014.
Destes factos extrai-se que a presente execução ainda não havia sido instaurada aquando da nomeação do administrador judicial, não estando ainda o crédito reconhecido.
E a execução entretanto instaurada para obter a satisfação do crédito deveria ter sido extinta nos termos do art. 17º-E, nº 1 do CIRE?
Após efectuar uma detalhada análise da questão, entendeu o tribunal recorrido que o art. 17º-E, nº 1 do CIRE não se aplica aos “créditos que, não tendo sido reconhecidos, permaneçam litigiosos ou ilíquidos no momento da homologação do plano de recuperação”, concluindo que “os créditos litigiosos, na concepção exposta, não são reclamáveis, nem o seu exercício pode ser limitado processualmente, tendo de se concluir, em conformidade com a teleologia exposta, que não são vinculados pelo plano, nos termos do art. 17.º-F, n.º 10 do CIRE. Face ao exposto, também não são limitados no seu exercício material”.
Parece-nos ser este o entendimento correcto.
Tal como determina o art. 579º, nº 3 do CC, “diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado”.
Assim, e para o que os autos interessa, têm de se considerar litigiosos todos os créditos constituídos em data anterior à nomeação do administrador provisório, mas cuja definição estivesse, nessa data, em discussão nos tribunais, tal como é o caso dos autos, o que se constata facilmente das datas referidas.
Tal como vem sendo entendido pela doutrina e pela jurisprudência, as acções pendentes em que estejam em causa créditos litigiosos não se extinguem nos termos do art. 17º-E, nº 1 do CIRE, visando-se, por esse meio, a protecção dos credores.
Como se escreve no Ac. TRP, de 14-12-2017, proc. 5831/15.4T8OAZ.P1, “… a impossibilidade de instaurar acções para cobrança de dívidas contra o devedor enquanto decorrerem as negociações, ou a suspensão das acções existentes, destina-se justamente a prevenir uma eventual inviabilização de um acordo por força do aparecimento de credores que invocam créditos ainda por definir.
De todo modo, este objectivo deve sempre compaginar-se com os direitos dos credores, surjam estes antes ou depois da nomeação do administrador ou da homologação do plano. Ou seja, o afastamento dos credores por parte daquele que agora é revitalizando só poderá ser feito em relação aos que podiam reclamar o seu crédito no processo de revitalização; aos demais deverá sempre ser-lhes oferecida tal possibilidade sob pena de lhes ser negado um direito que, naturalmente, sempre lhes assistiria”.
Donde, o conteúdo destes créditos litigiosos apenas se definirá através da decisão respectiva, não sendo incluídas no plano de recuperação.
Por esse motivo, as acções relativas a créditos litigiosos e que não integram o plano de recuperação não estão abrangidas pela extinção imposta pelo citado art. 17º-E, nº 1 do CIRE. Neste sentido, Ac. STJ de 18-09-2018, proc. 190/13.2TBVNC.G1.S1 citado na sentença recorrida.
Revertendo ao caso dos autos, conclui-se que a acção declarativa referida em 1. dos factos assente não foi declarada suspensa nos termos do art. 17º-E, nº 1 do CIRE, nem o deveria ter sido, não tendo sido extinta.
Consequentemente, a correspondente acção executiva também não deve ser extinta nos termos e para os efeitos do art. 17º-E, nº 1 do CIRE, já que o direito da exequente apenas se concretizou em momento posterior, não sendo afectado pela pendência do PER.
Da não extinção da acção declarativa em causa, a qual, relembre-se, definiu o direito da exequente, decorre que este direito e respectivo crédito não foram tidos em consideração no plano de recuperação, aprovado anteriormente à data da decisão final, pelo que não está contido no mesmo, como bem se refere na sentença recorrida.
Entende-se, pois, que os créditos litigiosos que não foram atendidos no plano de recuperação, não estão limitados pelo citado art. 17º-F, nº 10 do CIRE, o qual apenas se aplica aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão de nomeação do administrador, razão pela qual tais créditos não podem ser reclamados no âmbito de processo especial de revitalização.
Nos presentes autos, não constando a exequente da listagem de credores reconhecidos no processo especial de revitalização, mas constando do plano homologado que este se aplica aos créditos cuja origem seja comprovadamente anterior à data da entrada da petição inicial do presente processo em Tribunal e cuja eventual existência venha a ser posteriormente invocada e reconhecida (cfr. nº 8 dos factos assentes), a questão que se coloca é se este plano modifica ou não o crédito exequendo.
A sentença recorrida entendeu que executada não é vinculada pelo plano homologado, mesmo considerando tal menção.
Insurge-se a apelante com esta interpretação, referindo que o Ac. do STJ citado na decisão recorrida refere “que a manutenção das ações declarativas tem como finalidade a discussão da existência do crédito em si e não a forma da sua realização/satisfação”, mais transcrevendo parte desse acórdão para abono de tal tese.
Antes de mais, cumpre referir que a transcrição do acórdão efectuada em sede de alegações é a transcrição de um excerto da obra “Os efeitos processuais do PER e os créditos litigiosos, III Congresso do Direito da Insolvência, de Artur Dionísio Oliveira
Nesse obra, e tal como citado no aresto em referência, diz-se “A parte final do n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE abre uma excepção à extinção das acções para cobrança de dívida por força da aprovação e homologação de um plano de recuperação, admitindo que o próprio plano preveja a sua continuação.
Já vimos que essa excepção visa, sobretudo, as acções declarativas
(…)
De uma forma mais abrangente e completa podemos afirmar que aquele prosseguimento foi pensado para os créditos que necessitam de ulterior definição jurisdicional. Claro que, havendo reconhecimento destes créditos no plano de recuperação, esta definição ulterior não será necessária, nada obstando à extinção das acções. O prosseguimento justifica-se apenas nos casos em que o crédito não perdeu a sua natureza litigiosa nem foi reconhecido no plano de recuperação”.
Desta citação podemos, pois, retirar que as acções declarativas para cobrança de dívidas anteriores à homologação do plano não devem ser extintas e ainda que as mesmas devem prosseguir nos casos em que o crédito não perdeu a sua natureza litigiosa nem foi reconhecido no plano de recuperação, tal como no caso vertente.
Donde, aquele autor defende que se deve “excluir do âmbito de aplicação da norma que fixa como efeito da homologação de um plano de recuperação a extinção das acções para cobrança de dívidas pendentes contra o devedor, as situações em que os créditos continuam a necessitar de definição jurisdicional para que possam ser cobrados, ainda que com as limitações introduzidas pelo plano homologado”.
Por outro lado, o Ac. TSJ em análise defende tal posição, podendo ler-se no mesmo que:
“Concordamos inteiramente com estas abordagens doutrinárias, de sorte que é de concluir que a devida interpretação da lei vai no sentido de que as ações que versem sobre créditos litigiosos que não foram objeto de reconhecimento (com eventual modificação) no PER estão excluídas da extinção imposta pelo n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE. Mesmo que esta interpretação não procedesse, sempre a desaplicação da lei se imporia em caso que tal, isto por violação do art. 20º da Constituição da República Portuguesa”.
Donde, não assiste razão à apelante na interpretação que faz deste aresto, nem das normas em causa, já que a não extinção de acções relativas a créditos litigiosos que não foram objecto de reconhecimento (com eventual modificação) no PER, determina que o titular desse crédito possa intentar a competente acção executiva para obter a satisfação desse crédito.
Daqui se retira que a exequente não está vinculada ao plano de recuperação homologado em sede de PER, tal como decidido em primeira instância.
Defende ainda a apelante que o exercício deste direito de forma privilegiada relativamente aos restantes credores viola o princípio do estado de direito democrático, o princípio da igualdade e o direito a tutela jurisdicional efectiva.
Antes de mais, há que referir que o exercício do direito de crédito da exequente não se assume como um privilégio quanto aos demais credores, seja por estar em condições de igualdade com os demais credores que não tiveram intervenção na negociação do plano, por deterem créditos litigiosos, seja por estar em situação de desfavorecimento relativamente aos que tiveram essa intervenção e lograram, por esse motivo, estabelecer condições para o ressarcimento dos seus créditos.
Por outro lado, a sua não efectivação levaria sim à violação do direito a tutela jurisdicional efectiva ínsito no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, porquanto impediria a exequente de obter a satisfação do seu crédito em momento prévio, mormente através da extinção prevista no art. 17º-E, nº 1 do CIRE.
Acresce que a tutela de defesa da executada se mostra assegurada através da participação desta no competente processo executivo, assim se salvaguardando os direitos da executada constitucionalmente consagrados.
Donde, conclui-se pela inexistência da violação de qualquer princípio constitucional.
A finalizar, há ainda que atender à posição da apelante quando defende que o seu plano de recuperação “previu a possibilidade do crédito da Recorrida poder vir a ser reconhecido judicialmente e consagrou que, nessa situação, tal crédito seria objecto do tratamento previsto no plano de recuperação para os créditos de igual categoria/natureza”.
A este propósito, a sentença recorrida entendeu que a executada não está vinculada pelo plano homologado mesmo na parte em que este dispõe sobre os créditos cuja origem venha a ser invocada e reconhecida posteriormente à data da instauração do PER.
Ora, considerando que a exequente não está vinculada ao plano de recuperação em causa por o seu crédito ser litigioso, por maioria de razão, a mesma não pode ser abrangida pelas medidas nele constantes sem efectuar a competente reclamação.
Não tendo a mesmo sido efectuada, o crédito da exequente mantém inalterado e não é afectado pelo aludido plano de recuperação, por não lhe ser aplicável os arts. 17º-E, nº 1 e 17º-F, nº 10 do CIRE.
Por outro lado, importa salientar que o crédito da exequente apenas surge em momento posterior ao da homologação do plano, pelo que não foi o mesmo nem reclamado, nem reconhecido nesse plano, não tendo sido abrangido no mesmo.
Por outro lado ainda, o facto referido em 8., e no qual a apelante sustenta a sua tese, determina para a sua aplicação o reconhecimento do crédito no âmbito do processo de revitalização, o que não é, manifestamente, o caso.
Donde, e tal como já se referiu, a exequente não está vinculada ao plano de recuperação homologado em sede de PER, tal como decidido em primeira instância, o que determina a improcedência da apelação.

V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 2 de Julho de 2019

Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Maria Amélia Ribeiro