Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
165/09.6IDELSB.L3-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: PENA DE MULTA
CÚMULO JURÍDICO DE PENAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I - Na determinação de uma pena única de multa em cúmulo jurídico, quando as penas parcelares tenham fixado quantias diárias diferentes, a quantia diária da pena única há-de ser determinada actualizadamente, isto é, levando em conta a situação económica e financeira do condenado no momento mais próximo da determinação do cúmulo;

II – Essa situação económica e financeira, normalmente, será a que resultar de indagação autónoma realizada para a audiência de cúmulo ou a que tiver sido dada como provada na condenação parcelar cujo julgamento tenha ocorrido em último lugar.

(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: *
Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
No Juízo Local Criminal de Sintra, por sentença de 21/03/2017, constante de fls. 1.011/1.021, relativamente aos Arg.[1] “AAA” e BBB, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 1.011) foi decidido o seguinte:
“… Nestes termos:
1-Decido condenar o arguido BBB, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nestes autos e no Processo n.º 164/09.8IDLSB do Juiz 9 da Instância Local Criminal de Lisboa – Comarca de Lisboa, na pena única de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de dois crimes de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, n.º 1, 2 e 4 e artigo 7.º do RGIT e artigo 30º, n.º 2 do Código Penal.
2-Decido condenar a arguida AAA. em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nestes autos e no Processo n.º 164/09.8IDLSB do Juiz 9 da Instância Local Criminal de Lisboa – Comarca de Lisboa, na pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa à razão diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a multa de € 3.040,00 (três mil e quarenta euros), pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de dois crimes de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, n.º 1, 2 e 4 e artigo 7.º do RGIT e artigo 30º, n.º 2 do Código Penal.
Não são devidas custas. …”.
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Não se conformando, a Arg. AAA interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 1.031/1.035, com as seguintes conclusões:
“… 1.  A Recorrente foi julgada e condenada no âmbito dos presentes autos e no âmbito do Proc. n.° 164/09.8IDLSB não tendo sido efectuado qualquer cúmulo jurídico anterior ao constante da sentença recorrida;
2. A sentença de que se recorre verifica a existência de uma situação de concurso e reconhece que se impõe a unificação de ambas as penas parcelares aplicadas.
3. Todavia, não respeitou tal sentença de cúmulo jurídico a proporcionalidade da pena única relativamente às penas parcelares anteriormente fixadas.
4. Por conseguinte, entende a Recorrente que a sentença de cúmulo é mais gravosa que as sentenças condenatórias anteriores.
5. A Recorrente fora condenada a uma pena de multa de 300 dias à razão diária de € 5,00, no valor global de € 1.500,00 e a uma pena de multa de 200 dias à razão diária de € 10,00, no valor global de € 2.000,00.
6. Sucede que, a soma de ambas as condenações representavam a condenação da Recorrente na multa global de € 3.500,00 e a sentença de cúmulo apenas reduziu tal condenação por força de ter verificado o concurso das infracções para € 3.040,00.
7. Tendo sido reduzido por força do cúmulo jurídico operado os dias de multa de 500 para 380 dever-se-ia ter mantido o valor diário de € 5,00 para cada dia, atento o facto da Recorrente não ter actividade e se encontrar em fase de encerramento, tal como se encontrava aquando da primeira decisão in casu.
8. Mais, ainda que se pretendesse manter a proporção entre o valor da condenação e os dias sempre seria de reduzir a expressão de tal condenação de € 3.500,00 para € 2.660,00 por ser este o valor proporcional correspondente aos 380 dias de multa, situação que de igual modo a sentença recorrida não respeita.
9. Acresce que, mesmo no tocante aos dias apurados a decisão não respeita a redução do montante global para valor que se fixe próximo dos dois terços motivo por que se entende que operado o cúmulo a Recorrente deveria ter sido condenada na pena única de 335 dias de multa à razão diária de € 5,00, o que perfaz um valor global de € 1.675,00.
10. Resulta, por isso, no entender da Recorrente que esta decisão viola o preceituado nos art.°s 77.º e 78.° CP, impondo-se a alteração da decisão proferida pelo Tribunal a quo no sentido de ser feito o cúmulo de ambas as penas em concurso e que, quando muito, seja respeitada a proporcionalidade indicada entre as penas parcelares e a pena única a aplicar.
Termos em que deve ser alterada a decisão proferida pelo Tribunal a quo por no entendimento da Recorrente violar o disposto nos art.° 77.º e 78.º CP, proferindo-se nova decisão que proceda ao cúmulo jurídico das penas em concurso fazendo-se assim a costumada e tão esperada JUSTIÇA! …”.
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A Exm.ª Magistrada do MP[2] respondeu ao recurso nos termos de fls. 1.041/1.046, com as seguintes conclusões:
“… 1 - A douta decisão não merece censura, devendo ser mantida na integra.
2 - Devendo a sentença ser mantida na integra. …”.
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Neste tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 1.055/1.056, em suma subscrevendo a posição assumida pelo MP na 1ª instância e pugnando pela improcedência do recurso.
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O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto:
“… II -FACTOS PROVADOS COM RELEVO PARA O CÚMULO:
Com relevância para a decisão da causa, resulta provado da análise dos autos, mormente das certidões judiciais e dos certificados de registo criminal, que os arguidos sofreram as seguintes condenações, transitadas em julgado, no âmbito dos processos que se passam a enunciar:
1- No âmbito dos presentes autos, por sentença datada de 27/11/2014, regularmente transitada em julgado em 24/9/2015, AAA. foi condenada pela prática, no 4.º trimestre de 2004, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, n.º 1, 2 e 4 e artigo 7.º do RGIT e artigo 30º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco) euros, o que perfaz o
2- No âmbito dos presentes autos, por sentença datada de 27/11/2014, regularmente transitada em julgado em 24/9/2015, BBB foi condenado pela de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, n.º 1, 2 e 4 do RGIT e artigo 30º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 9,00 (nove) euros, o que perfaz o montante global de € 1.800,00 (mil
Tais condenações têm por referência aos seguintes factos:
«1- A sociedade arguida, é uma sociedade por quotas, constituída em 30/09/2002, tendo por objecto “a construção civil”, com o CAE 43320-R3, inscrita no regime de periodicidade trimestral de IVA.
2- A sociedade arguida obriga-se com a assinatura de dois gerentes.
3- A gerência da sociedade desde do início da sua actividade pertence aos arguidos BBB e CCC, actuando estes em nome e no interesse da mesma, sendo os únicos responsáveis pelo cumprimento das obrigações legais e contratuais da sociedade, e pela gestão diária da sociedade.
4- Recaia sobre os legais representantes da sociedade-arguida, os arguidos BBB, e CCC diligenciar pela entrega das declarações do IVA decorrentes da actividade exercida pela sociedade.
5 - Quanto à declaração do IVA referente ao 4ºTrimestre de 2004 (2004/12T) foram entregues duas declarações, em momentos distintos, e ambas as ocasiões não foram acompanhadas dos respectivos meios de pagamento, assim,
6 - Os arguidos entregaram a 1ª declaração do IVA referente ao 4ºTrimestre de 2004, apurando-se IVA a pagar ao Estado no valor de €9.838,04, e após uma acção inspectiva da D. Finanças, em 05/10/08 procederam à entrega de uma 2ª declaração, de substituição, decorrendo do seu teor o montante de €7.543,57 a entregar ao Estado.
7 - Os arguidos BBB, e CCC apesar da sociedade-arguida ter recebido dinheiro a título de IVA pelos serviços prestados no período tributário em apreço, nomeadamente do cliente – DDD. e de dispor de meios financeiros para entregar o montante do IVA declarado e apurado a favor do Estado não o fizeram até à presente data, apropriando-se do dinheiro que sabiam ser devido à administração tributária.
8 - Os arguidos sabiam ter a obrigação legal de entregar à Fazenda Nacional o montante declarado a título de IVA do 4ºTrimestre de 2004, mas não quiseram cumprir tal obrigação, usando o dinheiro para fins diversos, designadamente para proveito da sociedade, como se lhe pertencesse.
9 - Os arguidos ao não entregarem ao Estado como lhes competia a quantia acima indicada, de €7.543,57, nem dentro dos prazos para entrega voluntária, nem nos 90 dias seguintes, nem mesmo após a notificação do art. 105 nº 4 al. b), do RGIT, actuaram por si e em representação da sociedade, querendo e conseguindo fazer sua quantia que sabiam ser devida ao erário público.
10 - Os arguidos actuaram de comum acordo, em conjugação de esforços, com o intuito de alcançarem vantagens patrimoniais que sabiam serem ilícitas, e obtidas à custa do prejuízo patrimonial da Fazenda Nacional - do Estado.
11 - Os arguidos BBB, e CCC agiram em nome próprio e em representação da sociedade arguida, de forma voluntária, livre e conscientemente, sabendo serem as suas condutas punidas por lei.
Mais se provou que:
12 – No período em causa nos autos, 4º trimestre de 2004, a sociedade arguida recebeu as seguintes quantias a título de IVA do cliente “DDD”:

Outubro de 2004€ 2.846,65
€ 1.671,07
€ 3.253,92
Novembro de 2004€ 2.145,51
€ 3.489,90
Dezembro de 2004€ 2.766,79
Total€ 16.173,84

13-A quantia mencionada em 9. não se mostra liquidada.».
14 - O arguido BBB vive com pais, encontrando-se actualmente a trabalhar na Alemanha, em empresa relacionada com limpezas industriais, auferindo em média a quantia de € 1.000,00.
15 – O arguido BBB possui o 7º ano de escolaridade.
16 – O arguido CCC vive com mulher, empregada de limpeza e filhos, de 11 e 7 anos de idade.
17 – O arguido CCC na sua actividade profissional aufere quantia de € 500,00, sendo que despende a quantia de € 450,00 a título de renda de habitação.
18 – Os arguidos não possuem antecedentes criminais.»
Os condenados não liquidaram as penas de multa em cúmulo em cada um dos processos.
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II -1- Por sentença datada de 7/11/2013, regularmente transitada em julgado em 26/01/2015, proferida no Processo n.º 164/09.8IDLSB do Juiz 9 da Instância Local Criminal de Lisboa – Comarca de Lisboa, foi a arguida “AAA” condenada pela prática, no 3.º trimestre de 2004, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, n.º 1, 2 e 4 e artigo 7.º do RGIT, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez) euros, o que perfaz o montante global de € 2.000,00 (dois
II -2- Por sentença datada de 7/11/2013, regularmente transitada em julgado em 26/01/2015, proferida no Processo n.º 164/09.8IDLSB do Juiz 9 da Instância Local Criminal de Lisboa – Comarca de Lisboa, foi o arguido BBB condenado pela prática, no 3.º trimestre de 2004, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105º, n.º 1, 2 e 4 e artigo 6.º do RGIT, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis) euros, o que perfaz o montante global de € 720,00 (setecentos e vinte euros); 
«A arguida AAA está, em sede de IVA, enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral. Por sua vez, os arguidos António Silva e Ruben Malhadinhas são sócios da sociedade arguida e as pessoas que a gerem, o que ocorre desde a data em que a constituíram até pelo menos à data dos factos seguidamente narrados.
Nessa qualidade, tomando todas as decisões necessárias para o normal funcionamento da empresa, nomeadamente, decidindo quanto aos seus pagamentos, seja a trabalhadores, fornecedores e estado e ao cumprimento das suas obrigações para com o Fisco.
A sociedade arguida prestava serviços onerosos sujeitos a IVA, cujo montante era calculado aquando dessa prestação e incluído no preço global dos mesmos que foram pagos.
O que deveriam declarar junto dos Serviços Fiscais até ao dia 15 do segundo mês seguinte ao do período, com a entrega das declarações e meios de pagamento.
Os arguidos remeteram as declarações de IVA, mas não os meios de pagamento.
Não pagaram o IVA que cobraram e apuraram no 3.º trimestre de 2004, no montante de € 8.771,35.
Foram notificados para o seu pagamento, acrescido dos juros respetivos e valor da coima aplicável, em 29/09/2009 e 01/10/2009, e para o fazerem no prazo de 30 dias, sob pena de, não o fazendo, os autos prosseguirem.
O que então, como até agora, não fizeram.
Sabiam os arguidos liquidar, cobrar e reter IVA, por conta e no interesse da administração fiscal, a quem sabiam ter que o entregar, o que então, como até agora, não fizeram, antes o utilizando para outros fins e propósitos.
Actuaram os arguidos livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas por Lei.»
À data dos factos, a sociedade arguida sofreu o impacto da crise generalizada no sector da construção civil e obras públicas, verificando-se dificuldades na cobrança do preço dos serviços prestados aos seus clientes.
O arguido BBB encontra-se a residir e trabalhar na Alemanha.
O arguido CCC é encarregado de obra.
Efetuaram uma confissão livre, integral e sem reservas dos factos imputados.»
*
III- Os condenados não sofreu outras condenações penais.
*
IV- Das condições atuais de vida:
O arguido BBB reside e trabalha na Alemanha, em part-time, na construção civil.
Aufere mensalmente cerca de € 800,00.
Vive sozinho, em quarto arrendado.
Tem mensalmente despesas que rondam cerca de € 500,00.
Não tem filhos.
Tem o 7.º ano de escolaridade.
De há muitos anos a esta parte que a sociedade AAA não tem atividade. …”.
*
É pacífica a jurisprudência do STJ[3] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[4], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.
Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes:
I – Medida da pena em cúmulo;
II – Como deve ser fixado o valor diário da multa em caso de cúmulo.
*
Cumpre decidir.
Antes do mais, importa consignar que não vislumbramos na decisão recorrida qualquer dos vícios previstos no art.º 410º/2 do CPP[5], que são de conhecimento oficioso[6] e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum[7].
*
I – O tribunal recorrido fundamentou da seguinte forma a determinação que fez das penas únicas de multa:
“… Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, bem como a interiorização que o mesmo fez quanto ao desvalor das condutas perpetradas.
Nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, a pena de multa aplicável em cúmulo, relativamente à sociedade AAA tem como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – in casu, 500 (quinhentos) dias de multa – e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – 300 (trezentos) dias de multa.
Nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, a pena de multa aplicável em cúmulo, relativamente ao arguido BBB tem como limite superior a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – in casu, 320 (trezentos e vinte) dias de multa – e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – 200 (duzentos) dias de multa.
Os arguidos não registam outras condenações penais nem anteriores nem posteriores.
As necessidades de prevenção geral são elevadas, sendo, porém, diminutas, as exigências de prevenção especial, tanto mais que de há muitos anos a esta parte, a sociedade deixou de ter atividade.
O arguido BBB é inserido social, familiar e profissionalmente.
Nos termos do artigo 77º, n.º 1 do Código Penal, ponderando os factos que motivaram as condenações em apreço, a personalidade do arguido, a gravidade dos ilícitos, entendo aplicar:
-  sociedade condenada AAA., em cúmulo jurídico, uma pena única cumulada de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa à razão diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz a multa de € 3.040,00 (três mil e quarenta euros);
- ao arguido BBB em cúmulo jurídico, uma pena única cumulada de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à razão diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a multa de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); …”.
Na fixação concreta da pena de multa deve agir-se segundo os princípios gerais do doseamento da pena[8], isto é, devem considerar-se os graus de ilicitude e culpa, as exigências de prevenção e de reprovação, devendo ainda considerar-se quaisquer outras circunstâncias que não fazendo parte do crime em apreço resultem a favor ou contra o agente[9], sendo que destas circunstâncias a decorrente da situação económica e financeira do Arg., desde que não tenha reflexo nos elementos de culpa e ilicitude, só deve ser considerada para a determinação do quantitativo diário.
Tendo presente que a pena de multa é uma verdadeira sanção, com os inerentes custos para quem a suporta, na fixação da sua taxa diária o tribunal não poderá nunca olvidar as circunstâncias essenciais para a sua determinação e, estas, são primordialmente as decorrentes da situação económica e financeira do Arg. e os reflexos na sua vida familiar, quando a haja.
Neste particular, como é jurisprudência dominante, diríamos unânime, dos Tribunais superiores, a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de absolvição.
Nomeadamente, como se afirma no acórdão da RC[10] de 05/04/2000[11], “Tudo porque é indispensável que a aplicação da pena de multa não represente uma forma disfarçada de absolvição ou o “Ersatz” de uma dispensa ou isenção de pena que se não teve a coragem de proferir, impondo-se, pelo contrário, que a aplicação da multa represente, em cada caso, uma censura suficiente do facto e simultaneamente uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada.”.
Ou no acórdão do STJ de 02/10/1997[12], “A amplitude estabelecida neste preceito (art.º 47º/2 do CP) quanto ao quantitativo diário da multa visa «eliminar ou pelo menos esbater as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os réus possuidores de diferentes meios de a solver», como diz Maia Gonçalves, in Código Penal Português, 10ª ed., 226.
De todo o modo, como a multa é uma pena, o montante diário da mesma deve ser fixado em termos de tal sanção representar um sacrifício real para o condenado, «sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de insegurança, de inutilidade e de impunidade», como se afirma no Ac. Da RC de 13.7.956, in CJ, XX, 4, 48.
Porém, por outro lado, na fixação da pena de multa, o tribunal não deverá deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar.”.
Ou no acórdão da RC de 05/11/2008, relatado por Fernando Ventura, in www.gde.mj.pt, processo n.º 329/06.4TAMLD.C1, de cujo sumário citamos: “I. - O sistema de sanção pecuniária diária em montante variável, acolhido no nosso ordenamento penal, procura obviar aos inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos, e constitui corolário evidente do princípio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício qualquer que sejam os meios de fortuna. II. - Através da autonomização da operação de determinação da pena consubstanciada na definição do quantitativo diário da pena, procura conferir-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva – contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora – como da prevenção especial de integração – obrigando o condenado a genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência.”.
Por sua vez, na determinação da medida da pena do cúmulo serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art.º 77º/1 do CP)[13],[14].
Verificamos que o tribunal recorrido fixou a pena única de multa da Recorrente em medida ligeiramente superior a 3/8 do intervalo entre os limites mínimo e máximo aplicáveis.
Pensamos que a intervenção dos tribunais de 2ª instância na apreciação das penas fixadas pela 1ª instância deve ser parcimoniosa e cingir-se à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não deve sindicar a determinação, dentro daqueles parâmetros da medida concreta da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, a desproporção da quantificação efectuada[15],[16], ou o afastamento relevante das medidas das penas que vêm sendo fixadas pelos tribunais de recurso para casos similares[17].
Por isso, entendemos que, não se estando perante desproporção da quantificação efectuada dos dias de multa, nem face a violação de regras da experiência comum, não se justifica intervenção correctiva deste Tribunal.
Não pode, pois, deixar de improceder, nesta parte, o recurso.
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II – Quando as penas parcelares de multa tenham fixado quantias diárias diferentes, a quantia diária da pena única há-de ser determinada actualizadamente, isto é, levando em conta a situação económica e financeira do condenado no momento mais próximo da determinação do cúmulo, não se aplicando neste caso a proibição da reformatio in pejus[18].
Como resulta da matéria de facto provada, a decisão mais recente, a proferida nestes autos, em 27/11/2014, fixou o quantitativo diário da multa aplicada à Recorrente em €5,00.
A decisão mais antiga, proferida em 07/11/2013, fixou o quantitativo diário da respectiva multa em €10,00.
Em nenhuma destas decisões constam quaisquer factos quanto à situação económica e financeira da Recorrente.
Mas, na decisão em crise, foi dado como provado que “De há muitos anos a esta parte que a sociedade AAA não tem atividade.”.
Ora, se a decisão mais recente fixou a quantia diária em €5,00, sendo de presumir que levou em conta a situação mais actual, e se a Recorrente não tem qualquer actividade há muitos anos, é de concluir que a sua situação económica e financeira não melhorou, pelo que há que manter o quantitativo fixado na última decisão.
Procede, pois, nesta parte o recurso.
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           Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos parcialmente provido o recurso e, consequentemente, condenamos a Recorrente na pena única de 380 (trezentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o total de €1.900,00 (mil e novecentos euros), assim alterando a decisão recorrida.
Sem custas.
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Notifique.
D.N..
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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).
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Lisboa, 16/11/2017

João Abrunhosa

Maria do Carmo Ferreira
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[1] Arguido/a/s.
[2] Ministério Público.
[3] Supremo Tribunal de Justiça.
[4]Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).” (com a devida vénia, reproduzimos a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt).
[5] Código de Processo Penal.
[6] Cf. Ac. 7/95 do STJ, de 19/10/1995, relatado por Sá Nogueira, in DR 1ª Série A, de 28/12/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no art.º 410.º/2 CPP, nos seguintes termos: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”.
[7] Assim, o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
[8] Como afirma Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – Parte Geral – II - As consequências jurídicas do crime”, Editorial Notícias, 1993, a p. 127: “ § 145 Quanto ao reenvio para os critérios gerais de determinação (medida) da pena nesta operação, significa ele que a fixação concreta do número de dias de multa ocorre em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, nos termos do art. 72.°-1, concretizados pelo n.° 2 do mesmo preceito (infra 8.° Cap.). Assim, todas as considerações atinentes quer à culpa, quer à prevenção, geral e especial, devem exercer unicamente influência nesta fase de determinação da pena e, portanto, sobre o número de dias de multa, não sobre o quantitativo diário. Em contrapartida, tudo quanto respeite à situação económico--financeira do condenado qua tale deve ser expurgado de consideração nesta fase, apenas assumindo relevância na fixação do quantitativo diário da multa salvo quando tal se mostrar de imediata relevância para determinação da medida da culpa (infra § 159).”.
[9] A este respeito, porque sintetiza e expõe de forma exemplar a doutrina e a jurisprudência dominantes quanto à determinação das medidas das penas, citamos o Ac. do STJ de 09/12/1998, relatado por Leonardo Dias, in BMJ 482/77: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa – nulla poena sine culpa – a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.
A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção.
Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.
[Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias – que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, a própria Lei Fundamental – propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43º, 1983, pag. 15) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou de pura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum.]
Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que – dentro, claro está, da moldura geral – a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social.”.
Quanto à determinação da medida da pena, cf. também o Ac. do STJ de 09/03/2006, relatado por Arménio Sottomayor, in CJSTJ, tomo I, pp. 212 e ss..
Ver ainda o Ac. do STJ de 29/05/2008, processo 08P1145, in www.dgsi.pt, relatado por Souto de Moura, do qual citamos: “ … É hoje entendimento uniforme deste S.T.J., bem como da doutrina, que a escolha e medida da pena constituem tarefas cuja sindicabilidade se tem que assegurar, o que reclama que o julgador tenha em conta nessas tarefas a natureza, a gravidade e a forma de execução do crime, optando por uma das reacções penais legalmente previstas, numa aplicação do direito autêntica, e não num exercício do que possa ser apelidado, simplesmente, de “arte de julgar”. Tal não impede que, em sede de recurso de revista para este S.T.J., a controlabilidade da determinação da pena deva sofrer limites. Assim, podem ser apreciadas “a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais” (…) “E o mesmo entendimento deve ser estendido à valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade, bem como a questão do limite ou da moldura da culpa, que estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção. Já tem considerado, por outro lado, este Supremo Tribunal de Justiça e a Doutrina que a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, não caberia no controlo proporcionado pelo recurso de revista, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada” (do Ac. deste S.T.J. e 5ª Secção, de 13/12/07, Pº 3292/07, relatado pelo Cons. Simas Santos. Cfr. também Figueiredo Dias in “Direito penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pag. 197). Importa então recordar os critérios a que deve obedecer a determinação da pena concreta. Assinale-se que o ponto de partida e enquadramento geral da tarefa a realizar, na sindicância das penas aplicadas, não pode deixar de se prender com o disposto no art.º 40º do C. P., nos termos do qual toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. Em matéria de culpabilidade, diz-nos o nº 2 do preceito que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” Com este preceito, fica-nos a indicação de que a pena assume agora, e entre nós, um cariz utilitário, no sentido de eminentemente preventivo, não lhe cabendo, como finalidade, a retribuição “qua tale” da culpa. Do mesmo modo, a chamada expiação da culpa ficará remetida para a condição de consequência positiva, quando tiver lugar, mas não de finalidade primária da pena. No pressuposto de que por expiação se entende a compreensão da ilicitude, e aceitação da pena que cumpre, pelo arguido, com a consequente reconciliação voluntária com a sociedade. Assim, a avaliação da culpa do agente fica ao serviço, fundamentalmente, de propósitos garantísticos e no interesse do arguido. Quando pois o art.º 71º do C. P. nos vem dizer, no seu nº 1, que “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não o podemos dissociar daquele art.º 40º. Daí que a doutrina venha a defender, sobretudo pela mão de Figueiredo Dias, (Cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2005, pags. 227 e segs.) que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos, e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica: A partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma “sub-moldura” para o caso concreto, que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, e, como limite inferior, o “quantum” abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.” (Cfr. Idem pág. 229). Ora, será dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva que deverão actuar os pontos de vista da reinserção social. Quanto à culpa, para além de suporte axiológico- normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe, como se viu já, estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem-se orientado quase unanimemente num sentido igual ao que acaba de se referir. O nº 2 do art.º 71º do C. P. manda atender, na determinação concreta da pena, “ a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”. Enumera a seguir, a título exemplificativo, circunstâncias referentes à ilicitude do facto, à culpa do agente, à sua personalidade, ao meio em que se insere, ao comportamento anterior e posterior ao crime. …”.
[10] Tribunal da Relação de Coimbra.
[11] In Colectânea de Jurisprudência, Ano 2000, Tomo II, p. 60 e ss..
[12] In Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do STJ, Ano 1997, Tomo III, p. 183 e ss..
[13] A este propósito escreve Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, págs. 290 a 292: “…§ 420 Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á finalmente da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito, a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.°-1, um critério especial: «na determinação concreta da pena [do concurso] serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (art. 78.°-1, 2.a parte).
A existência deste critério especial obriga logo (circunstância de que a nossa jurisprudência não parece dar-se conta) a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indis­pensável conexão entre o disposto nos arts. 78.°-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo — da «arte» do juiz uma vez mais — ou puramente mecânico e portanto arbitrário. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72.° (tanto mais quanto os factores por este enumerados podem servir de «guia» para a medida da pena do concurso, sem violação da proibição de dupla valoração: cf. infra § 422), nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável.
§ 421 Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade — unitária — do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (…).

§ 422 A doutrina alemã discute muito a questão de saber se factores de medida das penas parcelares podem ou não, perante o princípio da proibição de dupla valoração, ser de novo considerados na medida da pena conjunta (…).Em princípio impõe-se uma resposta negativa; mas deve notar-se que aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá razão para invocar a proibição de dupla valoração (…). …”.
[14] E, como se disse no acórdão do STJ de 02/04/2009, relatado por Simas Santos, in www.gde.mj.pt, Processo 09P0487: “…Quando alguém tiver praticado vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, havendo que ter em conta na ponderação da medida de tal pena, e em conjunto, os factos e a personalidade do arguido – art. 77.º, n.º 1 do C. Penal.
E se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes da respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis aquelas regras, mesmo no caso de todos os crimes terem sido objecto, separadamente, de condenações transitadas em julgado – art. 78.º do C. Penal.
A pena única é determinada atendendo à soma das penas parcelares que integram o concurso, atento o princípio de cumulação a fonte essencial de inspiração do cúmulo jurídico sem esquecer, no entanto, que o nosso sistema é um sistema de pena unitária em que o limite mínimo da moldura atendível é constituído pela mais grave das penas parcelares (numa concessão minimalista ao princípio da exasperação ou agravação - a punição do concurso correrá em função da moldura penal prevista para o crime mais grave, mas devendo a pena concreta ser agravada por força da pluralidade de crimes), sem que possa ultrapassar a soma das penas concretamente que seriam de aplicar aos crimes singulares.
Frequentemente, no escopo de obstar a disparidades injustificadas da medida da pena, essa “agravação” da pena mais grave é obtida pela adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5. …”.
[15] Entendemos que, nesta matéria, tem plena aplicação aos tribunais de 2ª instância a jurisprudência exposta, relativa à intervenção do STJ na determinação concreta das penas, no Ac. do mesmo Tribunal de 27/05/2009, relatado por Raul Borges, in www.gde.mj.pt, Proc. 09P0484, que passamos a citar: “… A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo nº 2693/00-5ª; de 23-11-2000, processo nº 2766/00 - 5ª; de 30-11-2000, processo nº 2808/00 - 5ª; de 28-06-2001, processos nºs 1674/01-5ª, 1169/01-5ª e 1552/01-5ª; de 30-08-2001, processo nº 2806/01 - 5ª; de 15-11-2001, processo nº 2622/01 - 5ª; de 06-12-2001, processo nº 3340/01 - 5ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5ª; de 09-05-2002, processo nº 628/02-5ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo nº 585/02 - 5ª; de 23-05-2002, processo nº 1205/02 - 5ª; de 26-09-2002, processo nº 2360/02 - 5ª; de 14-11-2002, processo nº 3316/02 - 5ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo nº 3399/03 - 5ª; de 04-03-2004, processo nº 456/04 - 5ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo nº 3182/04 - 5ª; de 23-06-2005, processo nº 2047/05 -5ª; de 12-07-2005, processo nº 2521/05 - 5ª; de 03-11-2005, processo nº 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 - 3ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 - 5ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 - 5ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 - 5ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 - 3ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 - 3ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 - 5ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 - 3ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 - 3ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 - 3ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 - 3ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 - 5ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 - 5ª e processo n.º 999/08-3ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 - 3ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 - 5ª; de 15-07-2008, processo n.º 818/08 - 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 - 3ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 - 3ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª … .”.
No mesmo sentido se pronunciou, antes, o acórdão do STJ de 29/01/2004, relatado por Pereira Madeira, no processo 03P1874, in www.dgsi.pt, do qual citamos: “…Estas considerações levam a que o Supremo Tribunal entenda não interferir na medida concreta encontrada, justamente porque não encontra qualquer assomo de ilegalidade no procedimento seguido para apuramento das penas concretas aplicadas - parcelares e única - sendo certo que, como se sabe, os recursos são meio de corrigir ilegalidades mas não de refinar decisões judiciais.
Neste sentido se vem aqui reiteradamente entendendo (Cfr. por todos, Ac. STJ de 9/11/2000, in Sumários STJ disponível em http://www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bo14crime.html, e muitos outros que se lhe seguiram) que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada" (Cfr. a solução que, para o mesmo problema, aponta Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 197, § 255).
Ou, dizendo por outras palavras, "como remédios jurídicos, os recursos (salvo o caso do recurso de revisão que tem autonomia própria) não podem ser utilizados com o único objectivo de uma "melhor justiça". (...) A pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulta de violação do direito material". (Cfr. Cunha Rodrigues, Recursos, in Jornadas de Direito Processual Penal, págs. 387.) …”.
No mesmo sentido, cf. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra Editora, 2ª Reimpressão, 2009, pág. 197, e Simas Santos e Marcelo Ribeiro, in “Medida Concreta da Pena”, Vislis: “A doutrina (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 255) mostra-se de acordo com a ideia de que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, e a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. A questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.”.
[16] Neste sentido, ver ainda o acórdão de RP de 02/10/2013, relatado por Joaquim Gomes, no proc. 180/11.0GAVLP.P1, in www.dgsi.pt, cujo sumário citamos: “O recurso dirigido à medida da pena visa o controlo da (des)proporcionalidade da sua fixação ou a correção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, e não a concretização do quantum exato da pena aplicada.”.
[17] Relevantes nos termos do disposto no art.º 8º/3 do Código Civil, com o seguinte teor: “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”.
[18] Nesse sentido, ver M. Miguez Garcia e J.M. Castel Rio, in “Código Penal Parte Geral e Especial com Notas e Comentários”, Almedina, 2ª ed., 2015pág. 408, donde citamos: “… O concurso de penas de multa em quantias diárias distintas leva a que se actualize a situação patrimonial e financeira, bem como os encargos do condenado. Fazendo menção do art.º 409º/2 CPP, «por maioria de razão», Pinto de Albuquerque, 2010, p. 281.…”.