Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
260/14.0TBVPV.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
PROVA DESPORTIVA
SEGURO AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: Um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, que foi celebrado para a prova desportiva “SUPER ESPECIAL CID PRAIA DA VITÓRIA”, garantindo, nos termos dos DL 291/2007 de 21-08, bem como das Condições Gerais Uniformes da Apólice do Seguro Automóvel Obrigatório, a responsabilidade civil automóvel do Segurado, dos proprietários dos veículos, seus detentores e condutores, emergente de eventuais acidentes que venham a ocorrer durante a realização dessa prova, não foi, nem podia ter sido, limitado aos veículos dos concorrentes, abrangendo também os veículos da organização e, no que agora releva, o veículo que, nos termos da matéria de facto provada, desempenhava a função de carro de segurança, tendo o número 00, cabendo-lhe percorrer cada troço antes da passagem dos veículos em competição para verificar se o mesmo estava desimpedido e se era seguro continuar com a prova.
Assim sendo, e porque este é um seguro celebrado ao abrigo do n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 291/2007 de 21-08, é sobre esta Seguradora que recai, em primeiro lugar, a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo Apelante em consequência do acidente dos autos, nos termos do art. 23.º do mesmo diploma legal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

José, casado, residente na Praia da Vitória, intentou contra a contra a Companhia de Seguros Açoreana, SA, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 50.807,00 euros, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em acidente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do acidente, até integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese:
No dia 13/04/2013, pelas 15 horas na freguesia de Santa Cruz, concelho de Praia da Vitória, ocorreu um acidente de viação na Circular Interna da cidade da Praia da Vitória;
Foram intervenientes em tal acidente, o veículo ligeiro de passageiros, com matrícula X, e o A.;
Na altura do acidente, o veículo estava a ser conduzido pelo seu proprietário;
Que tinha transferido para a Ré a sua responsabilidade emergente da circulação deste veículo.
O veículo circulava na Circular Interna da freguesia de Santa Cruz, no sentido Rotunda da Doca/Rotunda do Clube Naval (carro do rally de segurança, no âmbito de uma prova de rally) a mais de 100 Km/h e próximo do portão que dá acesso à Zona Verde da Praia da Vitória, ficou com o diferencial da direção bloqueado, motivo pelo qual entrou em despiste, subindo o passeio do seu lado direito, e indo embater violentamente com a parte da frente no A. que se encontrava no passeio referido a ver o rally.
Para além do A. embateu em mais 3 pessoas;
Em consequência do acidente, o Autor sofreu fratura da metáfise proximal da tíbia direita, tendo sido transportado, pelos Bombeiros, para o Centro de Saúde da Praia da Vitória, e dali para o Hospital de Angra do Heroísmo.
Neste hospital foi submetido a intervenção cirúrgica e ficou internado durante seis dias, conforme doc. 1, 2 e 3.
E foi tratado com imobilização gessada por cerca de oito semanas, seguindo-se tratamento de fisioterapia.
Era pescador, auferindo em média, € 477 por mês.
Ficou impossibilitado para o trabalho durante cinco meses.
Período em que não auferiu aquele rendimento.
Gastou 40 euros em sessões de fisioterapia e € 18,00 em taxas moderadoras.
Ainda não foi fixada a IPP resultante do acidente, presumindo que não é inferior a 25%.
O Autor nasceu no dia 22-02-1959.
Era uma pessoa cheia de alegria, que gozava de ótima saúde.
O Autor sofreu muitas dores aquando do acidente, do internamento hospitalar e continua a sentir dores na perna direita.
E tem grandes dificuldades para exercer as suas funções de pescador.
O que lhe causa imensa tristeza e ansiedade.
Danos para cuja compensação reclama montante não inferior a € 30.000,00.
E reclama o pagamento de € 18.364,50, pela IPP de 25%.

Citada, a Ré contestou, tendo oposto, em síntese:
Impugna, por os desconhecer, os factos respeitantes ao acidente e aos danos.
O acidente em causa ocorreu no âmbito de uma prova desportiva.
Ora, nos termos do contrato de seguro, «O veículo circula ocasionalmente, nomeadamente por força da necessária conservação, ou para participar em manifestações desportivas, exposições ou cortejos, não podendo ser utilizado como meio de transporte habitual»
O que tem a ver com a qualificação do veículo como “clássico”.
Assim, o seguro não abrangia a participação do veículo em prova desportiva.
O veículo desempenhava a função de carro de segurança, tendo o n.º 00, cabendo-lhe verificar cada troço antes da passagem dos veículos em competição.
Estando a sua circulação coberta pelo seguro dessa prova desportiva, celebrado com a Seguradora Fidelidade Mundial.
Além disso, o veículo em causa circulava sem ter sido sujeito à inspeção periódica obrigatória (IPO).
E o acidente deveu-se, não só à velocidade a que o veículo seguia, mas também a um bloqueio da direção, por avaria no respetivo diferencial.
Avaria que teria sido detetada na IPO, se realizada.
Assim, a responder por danos causados pelo acidente, a Ré terá direito de regresso contra o seu Segurado.
Paro o que requereu a intervenção acessória deste nos autos.

Em articulado de réplica, o Autor requereu a intervenção da Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA, com sede no Largo do Calhariz, nº 30, Lisboa, para poder intervir, passiva e solidariamente, ao lado da R. Companhia de Seguros Açoreana, SA.
Admitida essa intervenção, a chamada apresentou contestação, onde alegou, em síntese:

É parte ilegítima na presente ação, uma vez que o contrato de seguro celebrado com a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, visando a prova em causa, não abrangia o veículo HR, que não figurava lista de veículos, e respetivos condutores, que lhe foi enviada para esse fim.
Impugna, por os desconhecer, os factos alegados na petição inicial.

Notificado, o Autor veio suscitar a intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel.
Admitida a intervenção acessória do proprietário do veículo, este contestou, tendo oposto, em síntese:
É parte ilegítima, uma vez que o acidente dos autos está abrangido pelo contrato de seguro celebrado com a Ré Companhia de Seguros Açoreana, S.A.
Nos termos do respetivo documento único automóvel, o veículo dos autos só pode circular na via pública quando integrado em provas desportivas.
Que era o que sucedia na ocasião do acidente.
Se assim não se entender, o veículo estava abrangido pelo seguro da prova desportiva, organizada pela empresa O... Unipessoal, Lda, de que era Seguradora a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, SA.
E se a empresa O... Unipessoal, Lda, não incluiu este veículo na lista de viaturas integradas na prova desportiva, deve ser responsabilizada pelos danos decorrentes do acidente dos autos.
Para o que requereu a intervenção nos autos da referida empresa O... Unipessoal, Lda.
O acidente ocorreu a cerca de 25 metros da saída de uma curva.
Pelo que o veículo não circulava a 100 km/hora.
O acidente não foi causado por qualquer falha técnica desse veículo.
Que se encontrava em ótimo estado de conservação e funcionamento.
E estava isento de IPO;
Aquele veículo dispõe de um diferencial traseiro com mecanismo autoblocante.
Esse mecanismo leva a que a potência disponível seja retirada de uma roda que patine e fornecida à roda com boa aderência.
Este mecanismo autoblocante atuou na curva acima mencionada e aumentou a motricidade da roda traseira do lado direito.
Desta forma, a roda direita do veículo HR ganhou motricidade, sendo que o condutor ao acelerar novamente após a curva, como ainda não tinha desfeito a direção da viatura totalmente, e sendo que esta dispõe de tração total (4X4), não conseguiu seguir uma trajetória em linha reta, seguindo para a sua direita.
Esta situação levou a que a viatura HR subisse o passeio, embatendo com parte da sua frente e lateral direita na lateral esquerda da viatura 05-...-..., ferindo quatro pessoas, entre as quais o A.
O A. encontrava-se em local de risco, após a saída de uma curva, onde não existiam barreiras de segurança ou fitas.
Aceita que do acidente resultou, para o Autor, a fratura da perna direita, mas impugna, por os desconhecer, os demais danos alegados.
Terminou a pedir que a ação fosse julgada procedente em relação à Ré ou à Interveniente e a requerer a intervenção nos autos da organizadora da prova desportiva, a sociedade O... Unipessoal, Lda..

Admitida a intervenção principal do Fundo de Garantia Automóvel, este contestou, tendo oposto, em síntese:
É parte ilegítima, enquanto desacompanhado do proprietário e condutor do veículo, que não foi demandado.
O sinistro dos autos deve ser considerado abrangido por qualquer dos contratos de seguro que foram invocados nos autos.
Não havendo fundamento para a responsabilidade do Fundo, sempre subsidiária.
Ao Fundo de Garantia Automóvel aplicam-se as mesmas exclusões previstas para o contrato de seguro.
Impugna, por os desconhecer, os factos alegados e, por excessivos, os danos liquidados.

Admitida a intervenção principal provocada de O... Unipessoal, Lda., a mesma não contestou.

Seguiu-se a realização de audiência prévia, onde foi proferido despacho saneador em que foi reconhecida a legitimidade processual de todas as partes e intervenientes.
Foi fixado o valor da causa, foi identificado o objeto do litígio, e foram enunciados os temas da prova.
Prosseguindo os autos para julgamento, realizado em duas sessões, cujas atas não constam do processo físico.
Na primeira sessão do julgamento o Autor requereu que o chamado, proprietário do veículo, passasse a intervir nos autos como parte principal e não acessória.
O que foi admitido face à não oposição do chamado, e tendo em vista a sanar a preterição de litisconsórcio necessário passivo suscitada pelo Fundo de Garantia Automóvel.

A final, foi proferida sentença, com a seguinte decisão:
«Face ao exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção declarativa e, em consequência, decido:
a) Condenar a Ré O... Unipessoal, Lda., a pagar ao Autor JT...:
- a quantia de 4.207,14 € (quatro mil, duzentos e sete euros e catorze cêntimos), a título de indemnização por dano patrimonial futuro, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efectivo cumprimento;
- a quantia de 58,00 € (cinquenta e oito euros), de indemnização por dano patrimonial emergente, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da citação e até integral e efectivo cumprimento;
- a quantia de 8.000,00 € (oito mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efectivo cumprimento;
b) Absolver a Ré O... Unipessoal, Lda. do demais peticionado contra si;
c) Absolver o Fundo de Garantia Automóvel do pedido;
d) Absolver a Companhia de Seguros Açoreana, S.A., do pedido;
e) Absolver a Companhia de Seguros Mundial Fidelidade, S.A., do pedido;
f) Absolver HF... do pedido.
*
Custas a cargo do Autor e da Ré O... Unipessoal, Lda., na proporção do respectivo decaimento.»

Inconformado, o Autor apelou do assim decidido, tendo apresentado alegações onde formula as seguintes conclusões:

1º. Dos factos dados como provados em S.T.U. resulta que o veículo …-…-HR, marca Toyota pertencente a (…) era conduzido por este aquando do acidente e desempenhava a função de percorrer o troço da prova desportiva de veículos automóveis para verificar se o mesmo estava em condições de correr com segurança tal prova desportiva.
2º. Tal veículo encontrava-se segurado na R., Companhia Açoreana de Seguros, SA.
3º. O evento desportivo Rally denominado “Super Especial Cidade da Praia da Vitória”, organizado pelo R., O... Unipessoal, Ldª., cuja a responsabilidade civil titulada pela apólice nº 8..., era beneficiário este R., e tomador do seguro a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting.
4º. O acidente deve ser imputado a culpa exclusiva do dono e condutor do veículo, que conduzia sem a prudência devida, e por ser notória a existência de bancos de areia no troço que percorreu aquando do acidente.
5º. Mantendo-se os contratos de seguros. realizados pelo dono do veículo e por O... Unipessoal Ldª, válidos e eficazes, devem as RR. Companhia de Seguros Açoreana e a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, ser condenadas a ressarcir o A. nos danos sofridos e provados na douta sentença, com todas as consequências legais.
6º. Assim sendo, ambas as RR., as seguradoras devem ser condenadas nos termos em que o Tribunal " a quo" condenou o R. O… Unipessoal, Ldª. - a organizadora do Rally.
7º. O Tribunal " a quo" violou o artigo 6, nº 5 do Código de Estrada.

Termos em que, deve ser revogada a decisão, substituindo-se por outra que determine única e exclusivamente a condenação solidária das Seguradoras – Açoreana de Seguros Açoreana, SA e Fidelidade Mundial, SA, nos termos em que o Tribunal "a quo" condenou o R. O... Unipessoal, Ldª.

As Apeladas contra-alegaram defendendo, a improcedência do recurso.

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, enquanto fundadas nas alegações, no presente recurso apenas está em causa saber se as Apeladas Seguradoras devem responder pelo pagamento da indemnização fixada na decisão recorrida.
Com relevo para a apreciação dessa questão, a decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:
A. No dia 13/04/2013, pelas 15 horas na freguesia de Santa Cruz, concelho de Praia da Vitória, ocorreu um acidente de viação na Circular Interna da cidade da Praia da Vitória.
B. Foram intervenientes em tal acidente, o veículo ligeiro de passageiros, com matricula (…) e o A.
C. Na altura do acidente, o veículo era conduzido pelo seu dono.
D. O veículo circulava na Circular Interna da freguesia de Santa Cruz, no sentido Rotunda da Doca/Rotunda do Clube Naval (carro do rally de segurança 00, no âmbito de uma prova de rally) e, próximo do portão que dá acesso à Zona Verde da Praia da Vitória, foi embater com a parte da frente no A., que se encontrava no passeio referido, a ver o rally.
(…)
S. O veículo Toyota em causa desempenhava a função de carro de segurança, tendo o número 00, cabendo-lhe percorrer cada troço antes da passagem dos veículos em competição para verificar se o mesmo estava desimpedido e se era seguro continuar com a prova.
T. Foi no decurso dessa função que se verificou o acidente supra descrito.
U. O dono do veículo celebrou com a Companhia de Seguros Açoreana, S.A., contrato de seguro do ramo automóvel, relativo àquele veículo mediante Apólice n.º (….), com data de início 25/05/2012, abrangendo aquele veículo, em cujas condições particulares ficou a constar:
O veículo circula ocasionalmente, nomeadamente por força da necessária conservação ou para participar em manifestações desportivas, exposições ou cotejos, não podendo nunca ser utilizado como meio de transporte habitual.”
V. Consta das Condições Gerais do contrato em apreço, no seu artigo 5º, n.º 4, que:
Excluem-se igualmente da garantia obrigatória do seguro:
(…)
e) Quaisquer danos ocorridos durante provas e respectivos treinos oficiais, salvo tratando-se de seguro de provas desportivas, caso em que se aplicam as presentes condições gerais com as devidas adaptações previstas para o efeito pelas partes.”
X. O seguro contratualizado entre a Companhia de Seguros Açoreana e o proprietário e condutor do veículo Toyota, nas suas condições especiais, identifica o veículo como “antigo”.
Z. A Fidelidade – Companhia de Seguros celebrou com a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, um seguro do ramo automóvel que veio a ser titulado pela apólice-mãe n.º 75....
AA. Apólice a que recorreu o segurado “OEC MotorClube” para garantir a responsabilidade civil decorrente da realização da Prova “Super Especial Cidade Praia da Vitória”, a que foi atribuído o n. 86....
BB. Para tanto foi-lhe enviada uma lista dos veículos e respectivos condutores que se encontravam inscritos para a realização dessa prova, no total de 13, não se encontrando nessa lista qualquer referência ao veículo que interveio no acidente dos autos.
CC. Sendo certo que o prémio emitido por esta apólice foi calculado, tendo apenas como referência o risco decorrente da participação em prova dos referidos 13 veículos, conforme o acordado com a referida “Associação”.
DD. A viatura que interveio no acidente dos autos é um clássico.
EE. À data do acidente todas as viaturas do mesmo tipo da que interveio no acidente dos autos não possuíam IPO, pelo que consta do Documento Único Automóvel “Só pode circular quando integrado em provas desportivas."
FF. O acidente referido em A), ocorreu após o veículo HR, efectuar uma curva de 180º (rotunda da doca).
GG. Com efeito, o veículo circulava como carro de segurança no âmbito de uma Prova de rally denominada “Super Especial Cidade da Praia da Vitória”,
HH. A uma velocidade não superior a 50 km.
II. O embate ocorre próximo do portão que dá acesso à zona verde da Praia da Vitória, a cerca de 25 m da curva.
JJ. A viatura automóvel HR dispõe de um diferencial traseiro com mecanismo autoblocante.
LL. Ora, este mecanismo autoblocante atuou na curva acima mencionada e aumentou a motricidade da roda traseira do lado direito.
MM. O mecanismo autoblocante do diferencial leva a que a potência disponível seja retirada da roda que patinou e sendo fornecida à roda com boa aderência.
NN. Desta forma, a roda direita do veículo ganhou motricidade, sendo que o condutor ao acelerar novamente após a curva, como ainda não tinha desfeito a direcção da viatura totalmente e sendo que esta dispõe de tração total (4X4), não conseguiu seguir uma trajectória em linha recta, seguindo para a sua direita.
OO. Esta situação levou a que a viatura subisse o passeio, embatendo com parte da sua frente e lateral direita na lateral esquerda de outra viatura, ferindo quatro pessoas, entre as quais o A.
PP. A viatura tem averbamento legal no Documento Único Automóvel que só pode circular quando integrado em provas desportivas, isto é sem IPO.
QQ. A viatura HR, antes do acidente, encontrava-se em óptimo estado de conservação e de funcionamento.
(…)
XX. O contrato de seguro da prova desportiva em causa, titulado pela apólice nº (….) foi efectuado por existir um protocolo entre a Federação Portuguesa de Automóveis e Karting (FPAK) e a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial, S.A.
ZZ. No contrato de seguro acima mencionado é tomador do seguro a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting (FPAK), sendo beneficiário do seguro a O... Unipessoal, Lda.
(….)
BBB. A localização do público e vendedores ambulantes é da responsabilidade da organização da prova, O... Unipessoal, Lda.
CCC. No local onde se encontrava a viatura ambulante acima identificada, deveriam existir barreiras e fitas sinalizadoras, tal como existiam do outro lado do passeio, em frente ao local onde aquela se encontrava.

E julgou não provado que:
1. O veículo circulava a mais de 100 Km/h.
2. O veículo ficou com o diferencial da direcção bloqueado, motivo pelo qual entrou em despiste.
3. O acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor do veículo ligeiro de passageiros, que o conduzia de forma imprudente, com velocidade excessiva, o que provocou o despiste do veículo saltando o passeio e indo embater violentamente em vários peões, incluindo no A.
(…)
10. O acidente deveu-se a uma avaria no diferencial da direcção que bloqueou.
11. A viatura já descontrolada, sem responder ao comando de direcção, galgou o passeio do lado direito, atento o sentido de marcha da mesma (rotunda da Doca/rotunda do Clube Naval, freguesia de S. Cruz, comarca da Praia da Vitória),

A matéria de facto assim julgada provada não vem impugnada, e não justifica alterações oficiosas.
Ainda assim, julga-se que deve ser melhor explicitado o âmbito do contrato de seguro desportivo, referido nas alíneas Z a CC da matéria de facto, em conformidade com a declaração de seguro documentada a fls. 463, emitida pela Seguradora Fidelidade Mundial.
Da qual consta, designadamente:
1. (…)
PROVA SEGURA: SUPER ESPECIAL CID PRAIA DA VITÓRIA
COBERTURA: RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
2. Mais se declara que:
2.1 A apólice garante – nos termos dos DL 291/2007 de 21-08 bem como das Condições Gerais Uniformes da Apólice do Seguro Automóvel Obrigatório – a responsabilidade Civil Automóvel do Segurado, dos proprietários dos veículos, seus detentores e condutores, emergente de eventuais acidentes que venham a ocorrer durante a realização da prova acima identificada.
2.2 Ficam excluídos das garantias os danos causados aos concorrentes e outros ocupantes das viaturas participantes, às respetivas equipas de apoio, aos veículos por estes utilizados, bem como à entidade organizadora e pessoal ao seu serviço ou a quaisquer dos seus colaboradores.
O âmbito temporal das coberturas é limitado ao período compreendido entre o início da prova e a sua conclusão.

O Direito:

Nos termos já referidos, está apenas em causa saber se as Apeladas Seguradoras devem responder pelo pagamento da indemnização fixada na decisão recorrida.
Em relação à ora Apelada Fidelidade Companhia de Seguros, SA, a responsabilidade pela reparação dos danos que resultaram para o ora Apelante do acidente dos autos foi afastada na decisão recorrida com a seguinte justificação:
«Vimos já que a lei estabelece uma obrigação de seguro de provas desportivas, fazendo depender a sua autorização da efectivação pelo organizador de um seguro que cubra a responsabilidade civil, bem como a dos proprietários ou detentores dos veículos e dos participantes, decorrente dos danos resultantes de acidentes provocados por esses veículos.
Ora, é esta responsabilidade que a Ré seguradora Mundial Fidelidade é agora chamada a assumir, porque foi esta a responsabilidade que ela se comprometeu a cobrir quando celebrou com a Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, o contrato de seguro titulado na apólice 75..., visando a prova em apreço.
Conforme resultou provado, daquela apólice consta que a mesma garante “a responsabilidade civil automóvel do segurado, dos proprietários dos veículos, seus detentores e condutores, emergente de eventuais acidentes que venham a ocorrer durante a realização da prova acima identificada”. Anexa a esta apólice foi junta uma lista de veículos fornecida pelo Director de prova.
Da referida lista constam apenas 13 veículos, identificados como sendo concorrentes.
Da referida lista não consta o veículo que interveio no acidente dos autos.
Do cotejo entre a apólice e lista anexa, integrante do contrato de seguro desportivo (condições particulares), resulta, em nossa opinião, que o veículo HR não está coberto pelo seguro em causa.
De facto, face às regras da experiência comum, um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário teria assim compreendido o contrato em causa, pois, de outro modo, não seria junta qualquer lista de veículos concorrentes ou participantes (em sentido amplo).
Mas mais, esta é a interpretação comummente aceite pelos profissionais na área, conforme resulta do depoimento da testemunha (….), comissário técnico de federação portuguesa de automobilismo há cerca de 12 anos. Perante ocaso em análise, se o mesmo tivesse tido intervenção naquele contrato de seguro, enquanto tomador, teria entendido, sempre, que aquele veículo não estava coberto pelo seguro desportivo, por nunca ter sido comunicado à companhia de seguro, na listagem inicial, ou mediante adenda escrita posterior, a participação daquele na referida prova.
Face ao exposto, não abrangendo o contrato de seguro desportivo aquela  viatura, não pode a Ré Mundial Fidelidade responder pelo pagamento da referida indemnização, por força da transmissão da responsabilidade do organizador da prova para si, mediante a celebração de contrato de seguro desportivo.
De facto, ao contrário do defendido por alguns em sede de alegações, não achamos que a socialização do risco da prova desportiva importe, ao abrigo da obrigatoriedade da celebração do contrato de seguro de prova, a impossibilidade de a companhia de seguros arguir a inoperância do seguro em causa ao terceiro lesado, impondo-lhe, por consequência, a obrigação de pagamento da indemnização, sem prejuízo de poder actuar em direito de regresso contra o obrigado civil: o organizador da prova.
Embora o seguro em causa seja obrigatório, é-o na perspectiva do organizador da prova.
No que tange à Companhia de Seguro, ela celebra ou não o contrato, ao abrigo da sua liberdade contratual. Assim, fixando ambas as partes quais os veículos abrangidos pelo seguro de prova em causa, a sua responsabilidade limita-se à actividade destes veículos, pois relativamente a todos os mais, a mesma não lhe foi transmitida.
Os contratos vinculam as partes nos precisos termos em que foram firmados.
Desta feita, será a mesma, à semelhança do FGA, absolvida do pedido.»

Ou seja, foi entendido que o veículo interveniente no acidente não estava abrangido pelo contrato de seguro desportivo celebrado com a ora Apelada Fidelidade Companhia de Seguros, SA, seguro que teria o seu âmbito limitado aos veículos concorrentes, identificados na listagem que, para tanto, foi enviada à Seguradora, e com base na qual foi calculado o respetivo prémio de seguro.
O que todos os demais demandados, contestam, defendendo que o referido contrato de seguro, sendo obrigatório, tinha o âmbito definido no art. 6.º, n.º 5 do DL n.º 291/2007 de 21-08, garantindo a responsabilidade civil dos organizadores da prova desportiva, dos proprietários dos veículos e dos seus detentores e condutores em virtude de acidentes causados por esses veículos.
Apreciando, julga-se que deve ser reconhecida razão ao Apelante, e aos demais demandados, não se acompanhando a decisão recorrida neste ponto.
De facto, como se anotou em sede de matéria de facto, na definição do âmbito deste seguro, feita no doc. fls. 463, consta, designadamente:
1. (…)
PROVA SEGURA: SUPER ESPECIAL CID PRAIA DA VITÓRIA
COBERTURA: RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
2. Mais se declara que:
2.1 A apólice garante – nos termos dos DL 291/2007 de 21-08 bem como das Condições Gerais Uniformes da Apólice do Seguro Automóvel Obrigatório – a responsabilidade Civil Automóvel do Segurado, dos proprietários dos veículos, seus detentores e condutores, emergente de eventuais acidentes que venham a ocorrer durante a realização da prova acima identificada.
2.2 Ficam excluídos das garantias os danos causados aos concorrentes e outros ocupantes das viaturas participantes, às respetivas equipas de apoio, aos veículos por estes utilizados, bem como à entidade organizadora e pessoal ao seu serviço ou a quaisquer dos seus colaboradores.
2.3 O âmbito temporal das coberturas é limitado ao período compreendido entre o início da prova e a sua conclusão.

Ou seja, está em causa um contrato de responsabilidade civil automóvel, que foi celebrado para a prova desportiva “SUPER ESPECIAL CID PRAIA DA VITÓRIA”, garantindo, nos termos dos DL 291/2007 de 21-08, bem como das Condições Gerais Uniformes da Apólice do Seguro Automóvel Obrigatório, a responsabilidade civil automóvel do Segurado, dos proprietários dos veículos, seus detentores e condutores, emergente de eventuais acidentes que venham a ocorrer durante a realização dessa prova.
Deste modo, a garantia assim contratada não foi, nem podia ter sido, limitada aos veículos dos concorrentes, abrangendo também os veículos da organização e, no que agora releva, o veículo que, nos termos da matéria de facto provada, desempenhava a função de carro de segurança, tendo o número 00, cabendo-lhe percorrer cada troço antes da passagem dos veículos em competição para verificar se o mesmo estava desimpedido e se era seguro continuar com a prova.
Tendo sido no decurso dessa verificação que se verificou o acidente dos autos.
E a Seguradora sabia muito bem que a realização da prova desportiva, cuja responsabilidade garantiu, envolvia a participação de outros veículos, designadamente o referido veículo de segurança.
Como de resto, é confirmado pelo teor do ponto 2.2 da respetiva apólice, onde é feita referência às equipas de apoio, e aos veículos por estes utilizados. Estatuindo que os danos que fossem causados a estes veículos não ficavam cobertos pelo seguro, mas tendo implícito o reconhecimento da existência desses veículos, e de que o seguro garantia os danos que os mesmos causassem a terceiros.
Afigurando-se que a participação desse veículo na prova desportiva, com a função de carro de segurança, corresponde mesmo a um facto notório.
Pelo que, não se indiciando a existência de dolo no envio da listagem dos veículos, e sabendo a Seguradora que a participação na prova desportiva não era limitada aos veículos concorrentes, cuja listagem lhe foi enviada, não pode prevalecer-se da falta de inclusão do veículo dos autos nessa listagem.
Como resulta do preceituado no art. 24.º, n.º 3, al. e) do DL n.º 72/2008 de 16-04.
Assim, a Seguradora Fidelidade Companhia de Seguros, SA, é responsável pela reparação dos danos sofridos pelo Autor em consequência do acidente dos autos.
Devendo a decisão recorrida ser alterada nesse sentido.
Assim sendo, e porque este é um seguro celebrado ao abrigo do n.º 5 do art. 6.º do DL n.º 291/2007 de 21-08, é sobre esta Seguradora que recai, em primeiro lugar, a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo Apelante em consequência do acidente dos autos, nos termos do art. 23.º do mesmo diploma legal.
Ou seja, a serem potencialmente aplicáveis os dois contratos de seguro, cobrindo um deles a realização de uma prova desportiva e sendo o outro genérico, embora incluindo a realização de provas desportivas, a lei faz prevalecer a responsabilidade fundada no seguro da prova desportiva.
Assim, a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo Autor, ora Apelante, no acidente dos autos deverá ser imputada a esta Seguradora.
Acabando por ser irrelevante saber se, na falta deste seguro desportivo, havia fundamento para imputar essa responsabilidade ao réu HF... e, consequentemente, à sua Seguradora, a ora Apelada Seguradoras Unidas, SA, sucessora da Companhia de Seguros Açoreana, S.A.
Questão que, assim, não chegará a ser apreciada no âmbito do presente recurso.
Resta anotar que, em face do reconhecimento de que o acidente dos autos está abrangido por contrato de seguro, deixa de ser fundamentada a condenação da Interveniente O... Unipessoal, Lda, que foi fundada na ausência de cobertura de seguro.
E parece ser isso o que o Apelante pede no seu recurso quando, a final, defende a substituição da decisão recorrida por outra que determine, única e exclusivamente, a condenação solidária das duas Seguradoras, nos termos em que a Interveniente O... Unipessoal, Lda foi condenada na decisão recorrida.
Mas, nesta parte, o Recorrente não é parte vencida, faltando-lhe legitimidade para impugnar esse segmento da decisão.
E, nos termos do art. 635.º, n.º 5 do CPC, os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso.
Pelo que subsistirá a condenação da Interveniente O... Unipessoal, Lda.
Sabendo-se que, conforme decorre do preceituado nos art 497.º e 507.º do C. Civil, em matéria de responsabilidade civil vigora o regime da solidariedade dos responsáveis.
Procedendo, assim, parcialmente a apelação.

Termos em que acordam em julgar parcialmente procedente o presente recurso, alterando-se a decisão recorrida no sentido de condenar adicionalmente a Interveniente Fidelidade Companhia de Seguros, SA a pagar ao Autor José:
- a quantia de 4.207,14 € (quatro mil, duzentos e sete euros e catorze cêntimos), a título de indemnização por dano patrimonial futuro, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efetivo cumprimento;
- a quantia de 58,00 € (cinquenta e oito euros), de indemnização por dano patrimonial emergente, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da citação e até integral e efetivo cumprimento;
- a quantia de 8.000,00 € (oito mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa supletiva legal em cada momento em vigor, contados desde a data da sentença e até integral e efetivo cumprimento;

Custas, em ambas as instâncias, pelo Autor/Apelante e pelas Rés condenadas, na proporção do decaimento.

Lisboa, 08-11-2018

Farinha Alves

Tibério Silva

Maria José Mouro