Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
35815/15.6T8LSB.L1-8
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: BES
DELIBERAÇÕES DO BANCO DE PORTUGAL
INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
AÇÕES PREFERENCIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Por força das deliberações do Banco de Portugal de 03.8.2014 e de 29.12.2015, o crédito decorrente de alegada atuação ilícita e culposa do BES, enquanto banco e intermediário financeiro, traduzida na alienação de ações preferenciais de uma off-shore, por aquele detida e controlada, não se transferiu para o Novo Banco.

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:            Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.



Relatório:


1.    A... e A... vieram propor, contra Banco Espírito Santo, SA, e Novo Banco, SA, acção com processo comum, distribuída à comarca de Lisboa - Instância Central, pedindo a condenação dos RR. a indemnizar os AA. pelos danos patrimoniais, a liquidar em execução, e não patrimoniais, fixados em € 5.000, decorrentes da subscrição de aplicações financeiras promovidas pelo 1º R., cuja responsabilidade teria sido transferida para o 2º R.

Contestaram os RR., impugnando a responsabilidade pelos invocados danos - concluindo pela improcedência da acção.

No despacho saneador, foi proferida decisão, na qual se declarou extinta a instância, por inutilidade da lide, relativamente ao 1º R., e considerou a acção improcedente, quanto ao 2º R., absolvendo-o do pedido.

Inconformados, interpuseram os AA. o presente recurso de apelação, cujas alegações terminaram com a formulação das seguintes conclusões :
-  O BES, ao vender aos seus clientes, no caso, os AA., as acções preferenciais da SPV Poupança Plus e EG Premium, actuou simultaneamente como banqueiro e como intermediário financeiro.
-  Pelo que ficou sujeito às correspondentes obrigações e responsabilidades, nos termos do RGIF e do CVM.
-  O BES, ao efectuar as operações de compra e revenda das referidas acções preferenciais, celebrou contratos de intermediação financeira, nos termos do art. 321º, nº1, do CVM.
-  O art. 74º/RGIF estabelece que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
-  Devendo a diligência ser apreciada de acordo como elevados padrões técnicos e comportamentais, tendo em conta o interesse dos clientes, os riscos e a segurança das aplicações (art. 75º/RGIF).
-   Em particular, as instituições de crédito devem informar os clientes com clareza, na fase pré-contratual, fornecendo toda a informação e os elementos caracterizados dos produtos propostos (art. 77º e 77º-A/RGIF).
   A informação respeitante a instrumentos financeiros deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º/CVM)
-  Existem três deveres distintos: o dever de recolha de informação e caracterização do investidor; o dever de avaliação de adequação e o dever de informação sobre a inadequação ou sobre a falta de informação obtida.
  A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente e ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e, designadamente, não dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma actividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem dar igualmente uma indicação correcta e clara de quaisquer riscos
relevantes e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (arts. 312º, nº2, e 312º-A, nº1 als. b), c) e d), do CVM).
Existe uma proibição de intermediação excessiva (art. 310º do CVM): se a operação não é adequada ao cliente - consequência de uma avaliação negativa - o intermediário financeiro não deve prestar o serviço (art. 314º-A, nº3, do CVM).
-   Por força do art. 321º, nº3, do CVM, “aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores”.
-  Nos termos dos arts. 5º e 6º da Lei da CCG, incumbe à instituição de crédito o dever de comunicação e informação do conteúdo dos contratos ao cliente, para que “tendo em conta a importância do contracto e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”.
-   Conforme prescreve o art. 5º, nº3/CCG. “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
- Havendo conflito de interesses, o intermediário financeiro deve prestar informação escrita ao cliente quanto à origem e natureza de qualquer interesse que possa ter nessa operação, para efeitos de este tomar uma decisão esclarecida e fundamentada (art. 312º, nº1, als. c) e nº 2, do CVM).
-   Acresce ainda que as aplicações foram todas feitas em sociedades não financeiras do Grupo GES, o que agrava o risco.
-   E o BES não podia ignorar que as sociedades Poupança Plus e EG Premium eram SPVs, cujos activos eram compostos exclusivamente por obrigações do próprio BES, com vencimentos em 2049 e 2051, cupão zero, sem juros, sem valor de mercado, emitidas por causa das dificuldades financeiras do BES e do Grupo GES.
  Por conseguinte, o BES violou o direito de informação, prestando falsas informações e promovendo, em conflito de interesses, as aplicações de fundos dos AA. em SPVs dominadas pelo BES, situadas nas Ilhas Jersey e Cayman, com graves riscos.
-  Existe, portanto, um comportamento ilícito do BES, presumindo-se a culpa, nos termos do art. 304º- A, nº2, do CVM.
-   Ao não cumprir as obrigações resultantes do estatuto com que actuou, o BES incorreu em responsabilidades contratual e pré contratual para com os AA.
-   O BES criou nos AA. a falsa convicção de que estavam a aplicar as suas poupanças em depósitos a prazo, ou produtos equivalentes, com capital e juros garantidos.
Tendo em atenção a formação e o perfil dos AA., que não são investidores qualificados, a proposta negocial do BES não pode deixar de ser interpretada como um compromisso firme de garantia daquele retorno aos AA. no prazo convencionado, de
acordo com a teoria da impressão do declaratário (art. 236º nº 1/CC)
-   Acresce que essa era a vontade efectiva dos AA., que era do conhecimento do BES (art. 236º nº 2/CC) e foram ainda essas garantias de retorno, que foram asseguradas pelo Banco, que levaram os AA. a celebrar o contrato com o BES.
-    Trata-se, portanto, de um contrato de reporte nos termos do art. 477º do C.Comercial.
-  O próprio BES reconhece, expressamente, essa
responsabilidade nos arts. 99º a 105º da sua contestação.
-  A falta de reembolso das aplicações dos AA., fruto das poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifícios, causou nestes um grande sofrimento.
Como resulta inequivocamente da al. a) do Anexo 2 da Deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, a actividade do BES, assim como todos os activos, são transferidos para o Novo Banco, sendo que as excepções pouco significado têm, como é do conhecimento geral e resulta até dos pressupostos da deliberação do BdP, tendo ficado o património do BES praticamente esvaziado de activos e com impossibilidade de reconstituição, já que a actividade bancária passou para o Novo Banco.
-  Por outro lado, por força da mesma Deliberação, as responsabilidades do BES são transferidas para o Novo Banco, com excepção dos “Passivos Excluídos”, nos quais não se integra a responsabilidade efectiva perante os AA., ao contrário do que a  sentença recorrida entendeu.
-   Não parece correcto o entendimento da  sentença, uma vez que a responsabilidade do BES perante os AA., é uma responsabilidade efectiva, decorrente de obrigações contratuais e pré-contratuais e não meras “responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida”.
-   Tanto mais que o BdP se viu na necessidade de rectificar aquela deliberação, através de outra tomada em 29/12/2015, em que integra nos “Passivos Excluídos” as responsabilidades perante os AA e outros emigrantes adquirentes das acções preferenciais.
  A deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos arts. 145º-G, nº 1 e 145º-H do RGIF.
-   Mas, estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3/8 do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29/12/2015, constitui uma manifesta violação do art. 62º da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida.
-   A interpretação dada ao art. 101º da Constituição, pelas citadas deliberações do BdP, é ainda inconstitucional, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, dos AA., e as garantias dadas pelo art. 62º.
-  O que os AA. sustentam na presente acção é que as citadas disposições legais não podem ser interpretadas e aplicadas no sentido de o BdP ter poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais dos AA., interpretação essa que seria inconstitucional por violação dos direitos e garantias fundamentais, nomeadamente o art. 62º da Constituição.
-  O que está em causa na presente acção não é a declaração de invalidade das deliberações do BdP, mas o reconhecimento de direitos patrimoniais dos AA. contra o BES e o Novo Banco e da sua violação ao abrigo de normas do RGICSF, que se consideram inconstitucionais, como resulta da p.i.
-   A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constituiria uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art. 62º, nº1, da Constituição, que beneficia de uma protecção constitucional idêntica aos direitos e garantias fundamentais, por ter natureza análoga, por força do art. 17º da Constituição.
-  Como tal, a força jurídica que lhe é conferida pelo art. 18º da Constituição: os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
-    E, conforme resulta imperativamente do art. 18º, nº3 in fine, da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.
-    A interpretação do BdP às citadas normas do RGIF, constitui, ainda, uma clara violação da garantia do direito de propriedade consignada no art. 17º da Carta dos Direitos Fundamentais.
-  E a interpretação dada àquelas disposições do RGIF pela deliberação do BdP de 29/12/2015 viola ainda o art. 101º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, dos AA., e as garantias dadas por aquele preceito da Constituição.
As citadas disposições normativas não podem ser interpretadas no sentido de o Banco de Portugal ter poderes para restringir ou eliminar direitos subjectivos, o que sempre seria inconstitucional.
-  Acresce que, nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art. 118º, nº1 a)/CSC.
Nesta conformidade, por força do art. 122º, nº2/CSC “As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial”.
-   O art. 122º do CSC é uma aplicação do princípio geral de direito “ubi commodum, ibi incommodum”, que também se reflecte no art. 501º do mesmo Código.
- Acresce que o próprio Novo Banco assumiu essa responsabilidade para com os subscritores de acções preferenciais, como resulta necessariamente do Balanço de 2014, declarando que os fundos provenientes das aplicações dos clientes nas SPV’s em causa, in casu, os AA., aparecem no activo, como “Recursos de Clientes”, como se pode ver a págs 140/141 do Balanço de 2014.
  Nem se diga, como pretende o R. NB, que os interesses dos credores se encontram assegurados, atendendo ao disposto no art. 145º-D, nº1 al. c) do RGIF (anterior art. 145º-B, nº1 al. c), do RGIF), segundo o qual “nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
-  Este raciocínio do R. NB está viciado, porque a avaliação do património de uma sociedade, para efeitos de liquidação, pressupõe o encerramento da empresa e o valor da venda dos activos, que nada tem a ver com o valor da empresa em actividade.
-  Aliás, in casu,o BES não se encontrava em situação de insolvência na altura da resolução.
-  Apenas não apresentava os ratios impostos pelo BdP, após as correcções de imparidades resultantes de alguns relatórios de auditorias.
-  E a actividade bancária do BES foi transferida para o Novo Banco, que se encontra a operar e cujas acções estão à venda.
-  Em suma, a avaliação do património do BES, segundo um critério de liquidação, afecta substancialmente os direitos dos credores, nomeadamente dos ora AA.
-  Por outro lado, atribuir ao Fundo de Resolução a responsabilidade pela indemnização dos credores (art. 145º-H, nº16, do RGIF - anterior art. 145º-B, nº3, do RGIF), afecta gravemente as garantias dos credores, porquanto, o Fundo de Resolução não dispõe de património líquido que possa servir de garantia aos credores, nomeadamente aos AA.
-   Este tribunal deve deixar de aplicar qualquer deliberação do Banco de Portugal na parte em que viole normas ou princípios constitucionais.
-   Conforme dispõe o art. 204º da Constituição “nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
  Na fiscalização em concreto, o juízo de constitucionalidade está sempre dependente de uma causa submetida a julgamento e pressupõe a interpretação e aplicação a uma situação concreta de uma norma ou de um princípio da Constituição, por uma entidade pública ou por sujeito privado.
-  Compete, portanto, ao tribunal a quo um juízo de constitucionalidade sobre as normas invocadas pelo Banco de Portugal para afastar as pretensões dos AA. perante o BES e o Novo Banco, conforme alegado pelo AA.
-  Incumbindo aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art. 202º, nº2, da Constituição).
-   E as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades (art. 205º, nº2, da Constituição).
-  A sentença recorrida violou os arts. 62º e 101º da Constituição e os princípios constitucionais da igualdade e proporcionalidade.

- Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-se por outra que:
a)-  Não absolva do pedido o R. Novo Banco.
b)- Julgue procedente a presente acção e, em consequência, condene o Novo Banco, SA, a indemnizar os AA. dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais no valor simbólico de € 5.000.
c)-  Ou, quando assim se não entenda, mande prosseguir a acção contra o R., para prova dos factos em audiência de julgamento.

Em contra-alegações, pronunciou-se o apelado pela confirmação do julgado.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :

1. Os AA. são titulares das ações preferenciais a seguir identificadas, adquiridas nos balcões do Banco Espírito Santo (BES)
 -  Poupança Plus 6 08/2012 24RE03 ISiN: SCBESOAE0217 … € 28.000;
 -  EG Premium PFD VGG295731050 ISiN: SCBESOAE0318 … €  50.000.
2. Os AA. iniciaram a sua relação com o BES desde 2009,  na agência de Amarante, c.o. nº 000707873894.
3. Os AA. subscreveram ordem de venda de acções preferenciais referidas em 1., pelo preço correspondente, e aplicação da taxa de juro convencionada, a liquidar na data acordada.
4. Por deliberação do Banco de Portugal, de 3/8/2014, foi aplicada uma medida de resolução ao BES e constituído o R. como banco de transição.
5. As "operações com acordo de recompra", mencionadas no relatório e contas de 2014 do R. Novo Banco, referem-se a acções preferenciais detidas por clientes do BES, em cuja contabilidade este último inscreveu existir essa obrigação de recompra daquelas acções preferenciais, com uma maturidade de três meses.
6. O R. Novo Banco, com autorização prévia do Banco de Portugal, apresentou aos titulares de algumas das acções preferenciais emitidas pelas sociedades veículo Euroaforro, Top Renda e Poupança Plus, uma solução comercial.
7.   Os AA. investiram em acções preferenciais “Euroaforro 10” e “Poupança Plus 6” em momento anterior às presentes.
8.   Os AA. receberam, regularmente, no seu domicílio extractos integrados e avisos de lançamento da sua conta.
9. Nos extractos referidos em 8., resulta uma autonomização entre depósitos à ordem e poupança e outros produtos financeiros.

3.   Nos termos dos arts. 635º, nº4, e 639º, nº1, do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente. 
A questão decidir centra-se, assim, na apreciação da responsabilidade imputada ao 2º R.

Relativamente a tal questão, tem esta Relação vindo a pronunciar-se, em numerosos acórdãos, proferidos em acções à presente em tudo análogas :
“A resolução é, a par de outras - mormente a intervenção correctiva e a administração provisória - uma das medidas que o Banco de Portugal pode aplicar tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro (artigo 139º nº1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras).

Uma das medidas de resolução que o Banco de Portugal pode aplicar consiste na transferência parcial ou total da actividade para instituições de transição (artigo 145º-E nº1 al. b) do RGICSF).

No âmbito desta medida de resolução, o Banco de Portugal determina a transferência parcial ou total dos direitos e obrigações de uma instituição de crédito (artigo 145º-O nº1 do RGICSF), competindo-lhe constituir a instituição de transição e aprovar os respectivos estatutos (artigo 145º-P nº1 do RGICSF).

A resolução é uma figura específica do direito bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal e, que por conseguinte, não se confunde com a cisão simples da lei societária.

A potencial imputação de qualquer responsabilidade que pudesse decorrer em razão da eventual violação de deveres por parte do BES na comercialização e intermediação financeira, nomeadamente violação do dever de informação, em data anterior a 3.8.2014, mostra-se, em todo e em qualquer caso, por via das deliberações tomadas pelo Banco de Portugal, absolutamente excluída, qualquer o título de responsabilização em que se pretendesse fundar a correspondente pretensão” (ac. TRL, de 11/5/2017 - Proc. 31411/15.6T8LSB.L1).

“A intervenção do Banco de Portugal no caso BES não configura uma situação de remoção de propriedade privada sem contrapartidas, em função do interesse público, associável às noções de expropriação ou confisco sem compensação, antes materializando o exercício de funções de regulação através da assunção de opções sindicáveis perante a jurisdição administrativa que visaram repor equilíbrios, evitar o contágio da negatividade financeira e das imparidades, blindar o restante tecido social face à desagregação interna de uma das instituições de crédito nacionais, assim não impondo ao conjunto dos cidadãos o desbaratar e a alienação de recursos preciosos e escassos para custear os riscos inerentes a actividades e decisões alheias, sempre sem prejuízo dos princípios da solidariedade e da coesão social.

Não estamos, à míngua de outros elementos, perante vera questão de constitucionalidade não se encontrando em causa, de forma directa, o direito à propriedade privada garantido pelo  art. 62.º da Constituição da República Portuguesa, não se patenteando que, caso não tivesse sido adoptada a referida medida, os AA. tivessem tido maior protecção do dinheiro investido” (ac. TRL, de 8/6/2017 - Proc. 3379-16.9T8LSB.L1).

“A deliberação emitida pelo Banco de Portugal em 03.8.2014, que aplicou ao BES a medida de resolução descrita nos autos, criando um veículo de transição consubstanciado no 2.º R. (Novo Banco), para quem se transferiram parte dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES, mostra-se, conforme consta na respetiva fundamentação, sustentada em razões de interesse público, visando evitar, face às perdas e prejuízos apresentados pelo banco, o risco sistémico de corrida aos depósitos numa instituição bancária com o peso institucional do BES, com as consequências daí advenientes para a estabilidade do sistema financeiro e para a economia nacionais.

Na configuração em concreto da medida de resolução, nomeadamente na determinação dos ativos e dos passivos que se transferem para a instituição de transição e os que permanecem na instituição objeto de resolução, o Banco de Portugal atua de forma não arbitrária, mas discricionária, movido pelo intuito de atingir o máximo de eficácia face aos fins tidos em vista (princípio da eficácia administrativa), que são os consignados na lei (princípio da legalidade).


In casu, nos termos das deliberações do Banco de Portugal de 03.8.2014 e de 29.12.2015, o crédito do A., assente em alegada atuação ilícita e culposa do BES no âmbito do seu relacionamento com o A., seu cliente, enquanto banco e intermediário financeiro, traduzida na alienação de ações preferenciais de uma off-shore detida e controlada pelo BES, não se transferiu para o Novo Banco” (ac. TRL, de 6/7/2017 - Proc. 6961/16.0T8LSB.L1-2).
Aderindo-se à orientação expressa nas decisões, exemplificativamente, citadas, impor-se-à, assim, de igual modo concluir pela improcedência das alegações dos apelantes.

4. Pelo acima exposto, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.

Lisboa,7.6.2018

Ferreira de Almeida - relator
Catarina Manso - 1ª adjunta
Alexandrina Branquinho - 2ª adjunta