Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1500/14.0T8BRR.L1-4
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
USO DE MAIL PESSOAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1-O envio de documentos por um trabalhador para um mail do próprio, num sábado, nas instalações da empregadora, em dia em que a mesma não permitia que os trabalhadores trabalhassem, para depois poder responder a uma questão colocada em serviço, encontra-se ao menos justificada.
2-A justa causa para despedimento é uma noção complexa e para a averiguar deve-se recorrer ao entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artº 487º, nº 2, do CC), em face do condicionalismo de cada caso concreto.
3-E, para a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho como critério básico de “justa causa”, é necessário uma prognose sobre a inviabilidade das relações contratuais concluindo-se pela inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.
4-Para graduar a indemnização em substituição da reintegração deve-se ter em conta a gravidade da conduta da entidade empregadora.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


AA requereu contra BB, Lda processo especial de impugnação judicial de regularidade do despedimento.

Realizada audiência de partes não houve conciliação.

A entidade patronal apresentou a sua motivação de despedimento, alegando, em síntese: à A foi aplicada uma sanção disciplinar de despedimento no decurso de um processo disciplinar; contratada em 16.03.1987, tinha funções de planeamento e organização do departamento de contabilidade da empresa; em 18.08.2014 teve conhecimento de que a A teve acesso a vários documentos da empresa, e que a mesma acedeu às suas instalações no dia 07.06.2014, sábado, contra as suas ordens; a A sabia que estava proibida de utilizar as instalações fora dos dias úteis; a A copiou documentos internos e enviou-os para um endereço electrónico externo, mais concretamente dois extractos de conta corrente da empresa relativos ao ano de 2006 e 2007 e um mapa de processamento de ordenados da própria trabalhadora; não estava autorizada a enviar tais documentos a terceiros ou fazê-los sair da empresa; tais comportamentos revelam desinteresse e desleixo por parte da trabalhadora traduzido em desconsideração pelos seus superiores hierárquicos e afectou o bom ambiente de trabalho; acresce, violou os seus deveres de lealdade e de obediência, artº 128º, nº 1, alªs e) e f), do CT, pelo que foi aplicada a sanção de despedimento nos termos do disposto no artº 351º, nº 2, alª a), do CT.

A requerente apresentou contestação, com reconvenção, alegando, em síntese: auferia a remuneração ilíquida de 2.170,00€; entrou nas instalações da R a um sábado e enviou para si própria os documentos indicados, mas fê-lo apenas para poder proceder à recolha e estudo de informação que necessitava para responder a questões que lhe tinham sido colocadas pela R; continuou a deslocar-se às instalações da R, ao sábado, de forma pontual para acabar algum trabalho em curso, o que era do conhecimento da mesma; a R teve conhecimento dos factos alegados em 09.06.2014, data em que os usou na reunião com o director geral da R, pelo que o processo disciplinar se mostra ferido de caducidade, nos termos do disposto no artº 329º, nº 2, do CT; o seu despedimento foi efectuado sem justa causa; pretende indemnização em substituição da reintegração, correspondente a 45 dias por cada ano completo de antiguidade, ou seja, 87.858,00€ (salário rectificado no valor mensal à data da cessação contratual no valor de 2.170,00€, excluindo diuturnidades; 45 dias = 3.254,00€ x 27 anos completos de antiguidade); e a R deve pagar-lhe, a título de créditos salariais, o valor de 4.340,00€ por férias e subsídio de férias, 732,00€ de proporcionais de férias e subsídio de férias e 361,66€ a título de proporcionais de subsídio de natal, bem como os créditos pela formação profissional. 

Conclui peticionando a condenação da R a pagar-lhe: “a) indemnização por antiguidade a que se refere o artº 366º do CT, no montante global de 87.858,00€, considerando a proporção de 45 dias por cada ano de antiguidade da A. b) acrescida do valor global relativo a créditos laborais referentes, férias e subsidio de férias, subsidio de natal proporcionais do ano da cessação contratual, num montante global de 5.433,66€; c) serão devidos ainda à A os valores cujo apuramento ficará dependente de informação a prestar pela R relativos a formação profissional não ministrada, bem como diuturnidades e salários vencidos desde Novembro e até decisão final; d) indemnização pelos danos não patrimoniais pela má fé da R, a determinar pelo tribunal; e) as quantias referidas nas alªs anteriores deverão ser acrescidas de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento a liquidar em execução”.

A R respondeu, pugnando pela improcedência da excepção de caducidade, do poder de aplicar a sanção disciplinar e impugnando no plano dos factos e do direito o pedido reconvencional, mantendo, assim, a sua posição inicial.

Foi determinada a correcção do pedido reconvencional, mais concretamente no que respeita a férias, subsídio de férias referente e à formação profissional.

A A não procedeu a tal correcção e no despacho saneador, o mesmo foi apenas parcialmente aceite, mais concretamente apenas no que respeita aos pedidos referentes à indemnização em substituição da reintegração, os salários e os subsídios de férias e de natal vencidos após o despedimento, e aqueles subsídios que lhe eram devidos na data do termo da relação laboral. Para além disso relegou-se para decisão posterior a excepção de caducidade e dispensou-se a organização da base instrutória.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento.

Proferiu-se sentença, pela qual: “Por tudo quanto se deixa exposto, julgo procedente a acção e, em consequência:

1)julgo improcedente a excepção de caducidade alegada;
2)julgo ilícito o despedimento que o trabalhador foi alvo;
3)condeno a entidade empregadora no pagamento, ao trabalhador, da quantia de € 74.937,33 (setenta e quatro mil, novecentos e trinta e sete euros e trinta e três cêntimos), a título de indemnização em substituição da reintegração, fixando o valor da mesma em 37 (trinta e sete) dias por ano de trabalho, acrescido de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento, à taxa anual de 4%.
4)condeno a entidade patronal no pagamento, à trabalhadora, da quantia que se apurar em liquidação de sentença,  relativa a retribuições, subsídio de férias e de Natal vencidos entre 11 de Outubro e a data do trânsito em julgado da presente sentença, deduzidas as quantias pelo trabalhador auferidas a título de subsídio de desemprego, liquidando-se as quantias devidas (sem subtracção) até 31 de Julho de 2015 em € 24.388,39 (vinte e quatro mil, trezentos e oitenta e oito euros e trinta e nove cêntimos). Sobre o produto do cálculo supra enunciado são devidos juros de mora, desde a data do seu vencimento de cada um das prestações até efectivo e integral pagamento, à taxa anual de 4%.
5)Mais vai a ré condenada a pagar à autora a quantia de 5.623,92 (cinco mil, seiscentos e vinte e três euros e noventa e dois cêntimos) euros, a título de créditos salariais.”

A R recorreu.
Concluiu:
(…)

Contra-alegou-se, mas aquando a admissão do recurso foi ordenado desentranhamento.

O processo foi com vista ao MP que proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões a conhecer é sobre a junção de documento, a licitude do despedimento e, se não for este o caso, o valor da indemnização em substituição da reintegração. 

Os factos considerados provados na sentença:

“1.Na sequência da informação efectuada pelo Diretor-Geral da empregadora, datada de 18 de Agosto de 2014, em que era comunicado que a trabalhadora acedeu a vários documentos internos da empresa e que no dia 7 de Junho de 2014 (sábado), a mesma acedeu às suas instalações, sitas em (…), a qual foi levada ao conhecimento à Gerência da BB, Lda., foi mandado instaurar, por esta, o presente processo disciplinar contra a trabalhadora ao seu serviço, AA, com a categoria profissional de chefe de serviços;
2.Com base na referida informação, que foi junta ao processo, elaborou-se a nota de culpa em processo disciplinar com intenção de despedimento, que foi recebida pela trabalhadora no dia 28 de Agosto de 2014;
3.A trabalhadora foi contratada em 16 de Março de 1987;
4.A empregadora é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização e reparação de veículos automóveis;
5.No exercício da sua actividade de Chefe de Serviços, incumbia à trabalhadora o desempenho, nomeadamente, as funções de planeamento e organização do departamento de contabilidade da empregadora, tendo ainda funções na tesouraria, e recursos humanos;
6.No dia 7 de Junho de 2014 (sábado) e aí chegada acedeu a vários documentos contabilísticos internos da empresa;
7.Uma vez na posse dos referidos documentos, copiou-os (através de scanner) e utilizando o correio electrónico da empregadora, (…)@(…).pt, anexou os referidos documentos à mensagem de correio e enviou-os para um endereço de correio electrónico externo (…)
8.No dia 18 de Agosto de 2014, quando confrontada com os seus actos, a trabalhadora afirmou ser um endereço electrónico seu;
9.Em 07/06/2014, pelas 15.33, a trabalhadora utilizando o computador da empresa enviou do edereço electrónico da empresa (…)@ (…).pt, para um endereço electrónico externo, (…)@ (..).com, uma mensagem da qual apenas constava um documento anexo (Samsun001.pdf (411483)), previamente copiado através de scanner;
10.O referido documento é um extracto de conta corrente da contabilidade da empresa relativo ao ano de 2006;
11.Em 07/06/2014, pelas 16.01, a trabalhadora, utilizando o computador da empresa enviou do endereço electrónico da empresa (…)@ (…).pt, para um endereço electrónico externo, (…)@gmail.com, uma mensagem da qual apenas constava um documento anexo (Ordena001.pdf (35793)), previamente copiado através de scanner;
12.O referido documento é um mapa de processamento de ordenado da própria trabalhadora do ano de 2007;
13.Em 07/06/2014, pelas 16.02, a trabalhadora, utilizando o computador da empresa enviou do endereço electrónico da empresa (…)@ (…) para outro endereço electrónico interno, (…)@ (…).pt, e deste reencaminhou para um endereço electrónico externo, (…).com, uma mensagem da qual apenas constava um documento anexo (Samsun001.pdf (35859)), previamente copiado através de scanner;
14.O referido documento é um extracto de conta corrente da contabilidade da empresa relativo ao ano de 2007;
15.A trabalhadora não estava autorizada a enviar os referidos documentos a ninguém sem ser por questões profissionais ou a enviá-los para fora da empresa ou a terceiros;
16.Nenhum superior hierárquico da trabalhadora ou qualquer gerente da empregadora ou o TOC desta solicitou o envio dos referidos documentos;
17.A autora não tinha averbada qualquer infracção disciplinar;
18.A autora auferia a quantia de 2.170,00 euros de vencimento mensal;
19.Durante a semana de 2 a 6 de Junho o director-geral da ré interpelou a autora quanto ao valor da sua retribuição, por não se recordar de ter admito que a mesma fosse tão elevada. Tal remuneração tinha sido fixada em 2007;
20.No dia 06 de Junho a autora e o director-geral deslocaram-se ao arquivo para verificarem a documentação do ano de 2006 e 2007 para que a autora pudesse explicar a razão de ser de tal vencimento, não tendo encontrado aquela pasta específica;
21.No dia seguinte – 7 de Junho – sábado a autora efectuou nova busca pelos documentos, tendo-os encontrado, scaneado e enviado para o seu mail pessoal, documentos que eram essenciais para responder à questão lhe tinha sido colocada quanto ao seu vencimento;
22.A autora usou tais documentos para explicar quer ao director geral quer ao TOC a razão de ser do valor da sua remuneração, em reuniões no dia 09 e 11 de Junho;
23.Ainda que de forma pontual a autora usou o mail pessoal para poder trabalhar em casa em questões da empresa;
24.O director geral tinha informado os trabalhadores de que não poderiam ir trabalhar aos sábados;
25.Muito pontualmente a autora continuava a ir ao sábado terminar algum trabalho, nomeadamente para fechar contas”.

A recorrente pretende juntar documento referente a notificação de 04.07.2015 para pagamento de coima e custas à Segurança Social, conforme nele melhor consta.

A decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto não foi impugnada.

Para ao efeito alega-se que “Para além de não se descortinar qual a legitimidade do tribunal a quo para discutir o mérito de uma decisão de gestão da empresa (proibição dos trabalhadores se deslocarem à empresa aos sábados, que, repete-se, nada tem de ilegítima ou de contrariedade aos direitos e garantias dos trabalhadores), a verdade é que a autora, mesmo desobedecendo à ordem da ré, deixou ultrapassar o prazo de apresentação das declarações de remunerações referente ao mês de Julho de 2014 (documento emitido pelo Centro Distrital de Setúbal da Segurança Social, datado de 2015/07/2015, que se junta ao abrigo do disposto no artigo 651º, do CPC)”.

Unicamente se pretende reforçar a sua alegação no sentido de diminuir globalmente a valia da decisão recorrida.

A sentença dos autos é de 13.07.2015.

Dessa junção não se vislumbra qualquer interesse para a decisão, já que sem mais prova em si não se logra imputar qualquer fato à recorrida, não se devendo ainda olvidar o disposto no artº 98º-J, nº 1 do CPT.

A junção de prova é para a demonstração de fatos e não para o alicerçar de conclusões, ilações ou opiniões sobre grupos categoriais de asserções que mais ou menos possam suportá-las. Assim, é mais uma consideração de discordância sobre a sentença.
E alerta-se que é dos factos considerados provados que se deve partir para a aplicação do direito, não sendo admissível na discussão jurídica do mérito da causa em sentido estrito a introdução da prova como testemunhal ou documental para se obter o sentido interpretativo que se julgue mais consentâneo com aqueles.

Para além disto, na fase de recurso a junção de documentos reveste sempre natureza excepcional.

Estabelece o artº 651º, nº 1, do CPC que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artº 425º do CPC (depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquela data) ou, no caso de a junção se ter tornado necessária, em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

E resulta do artº 423º do CPC que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (nº 1); se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado (nº 2); e após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (nº 3).

A superveniência a justificar a junção deve ser, pois, objectiva.

Atento às vicissitudes já vincadas e expostas pela recorrente logo se constata também que a necessidade da junção não deriva do julgamento proferido na 1ª instância.

Mas pressuposto inicial deste normativo e considerações é, sem dúvida, a necessidade e utilidade dos documentos para a descoberta da verdade.

O que como se anteviu não se alcança no caso concreto.

Por tudo isto, não sendo admissível tal conduta processual da recorrente, sendo de rejeitar, deverá essa documentação ser desentranhada e restituída, após trânsito em julgado deste acórdão.

Nos termos do recurso pugna-se pela licitude do despedimento.

Se assim não for, neles apenas se questionam os critérios pelos quais foi fixada a indemnização em substituição da reintegração, nos termos do artº 391º do CT. 

Diremos desde já que concordamos em regra com a construção lógica e respectivas conclusões que a sentença apresenta pela qual se decidiu que a recorrida a ter violado qualquer dever, a sua conduta encontra-se justificada. 
  
E se assim não fosse, pelo modo e consequências em que essa violação se manifestou nunca atingiria relevância proporcional para se concluir pela justa causa do despedimento, este que é a sanção máxima prevista para o exercício do poder disciplinar do empregador (artº 328º, nº 1, alª f), do CT).

Com efeito, refere a sentença, circunscrita aos deveres dos trabalhadores de harmonia com o disposto nos artºs 126º, nº 1 e 128º, nº 1, do CT, maxime alªs e) e f), ou seja o procedimento de boa fé no cumprimento de obrigações emergentes do contrato de trabalho, o cumprimento de ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho e a guarda de lealdade ao empregador e aos requisitos da justa causa do despedimento (comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral - artº 351º do CT), nomeadamente nas vertentes da desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores, do desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto e da lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa (artº 351º, nº 2, alªs a), d) e e)do CT):
“Quanto ao primeiro dos requisitos o comportamento da autora apura-se que a mesma se dirigiu num sábado às instalações da ré, copiou três documentos - dois extractos de conta corrente da contabilidade de 2006 e 2007 e um mapa de processamento do seu vencimento do ano de 2007 – e enviou-os para o seu mail pessoal.
Os documentos estavam acessíveis à autora em virtude das suas funções e a mesma sabia que não os podia divulgar a terceiros ou fazê-los sair da empresa. A autora sabia igualmente que lhe estava vedada a permissão de ir trabalhar aos sábados, embora pontualmente o fizesse para conseguir terminar algum trabalho.

Objectivamente se alguém se desloca à empresa para terminar algum trabalho, nomeadamente de contabilidade que tem de ser feito até dia certo, ao sábado, sem que exija o pagamento de trabalho suplementar, mesmo quando há uma ordem para não se deslocar às instalações, tal integra uma desobediência ilegítima às ordens dadas? Principalmente quando não é dada qualquer outra explicação para essa ordem? E a ser uma desobediência é a mesma grave? Não será mais grave se algum prazo de apresentação de documentação ou informação às Finanças ou à Segurança Social for ultrapassado com as consequentes coimas?

Diz a ré que a autora se aproveitou de um sábado para fazer retirar documentação das instalações da ré.

Mas a explicação que é dada pela autora é plausível, tinha de encontrar documentação e não tinha possibilidade de o conseguir fazer durante o horário normal de trabalho. Acresce que no dia 07/06/2014 a autora se deslocou para encontrar documentação e não para trabalhar, o que pode ser apenas um pormenor, pois que ainda que se entenda que a mesma violou uma regra interna, a mesma em si não pode deixar de se considerar justificada pela necessidade de encontrar a documentação. E que tal presença em sábados ou para trabalhar ou naquele sábado em concreto para encontrar documentos que necessitava, estão justificadas e não têm qualquer gravidade em si mesma ou nas suas consequências. 

Para além disso alega a ré que o facto de terem sido remetidos documentos para fora da empresa é um facto em si muito grave.

E seria. Seria caso os documentos não tivessem sido remetidos para o mail da autora, e não para terceiros ou para fora da empresa, sendo que os documentos lhe eram acessíveis em virtude das suas funções (a autora não foi à procura de documentos que não lhe estivessem acessíveis em virtude das suas funções na empresa e cujo teor não pudesse conhecer) e se os mesmos não tivessem sido utilizados para explicar uma situação na qual estava a ser pessoal e directamente questionada por parte do director geral e do TOC e para além disso se não se reportassem exactamente ao período e matéria que a mesma tinha de explicar.
A ré funda a sua argumentação no facto de a autora estar a divulgar, ou pelo menos poder tê-lo feito, factos confidenciais da ré. Os documentos eram acessíveis à autora, um deles reportava-se apenas aos pagamentos efectuados à autora, os restantes teriam também dados de pagamentos à autora, e foram utilizados para responder a uma questão colocada à autora quanto ao valor do seu vencimento.

Não resultando minimamente provado que terceiros tiveram conhecimento do teor dos documentos, que mais uma vez se reforça datavam e 2006 e 2007, não sendo sequer documentos actuais, concluo que não houve qualquer violação do dever de lealdade ou desobediência a ordens.

Mas ainda que se entendesse que existia uma violação do dever de obediência, ao aceder ao local de trabalho ao sábado, o mesmo não seria nem grave nem teria consequências graves. 

Concluo assim que não se mostra preenchido o primeiro dos requisitos, mas ainda que se entendesse que o comportamento da autora seria violador do dever de obediência, não se entenderia que existia uma impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação laboral.

A “impossibilidade de subsistência” tem sido densificada pela jurisprudência e pela doutrina reconduzindo tal conceito aos seguintes pressupostos: a) impossibilidade de subsistência do vínculo deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade” da sua manutenção; b) exige-se uma “impossibilidade prática”, com a necessária referência ao vínculo laboral em concreto; c) e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato. 

Como bem alega a entidade empregadora o contrato de trabalho, como qualquer contrato tem de ser executado de boa-fé.

Perante uma funcionária com quase 30 anos de casa, que é directamente questionada sobre uma matéria tão importante quanto o seu vencimento que se vê na contingência de recolher documentos para comprovar as suas declarações, e que depois de não os encontrar no tempo normal de trabalho, para isso se dirige às instalações para os recolher, mesmo fora da sua hora de trabalho e as usa para esclarecer a razão, fere a consciência do homem médio que a mesma mantenha o seu posto de trabalho, ou fere mais que seja aplicada a sanção de despedimento? Creio que a segunda é mais violadora da consciência ética social. 

Nestes termos, entende-se que o comportamento da autora e que se mostra vertido na decisão de matéria de facto supra, não é culposo, nem grave, e não inviabiliza a subsistência da relação laboral, pelo que se julga improcedente o motivo que fundou a aplicação da sanção disciplinar de despedimento. 

Assim, entendo que a decisão de despedimento da autora com justa causa, é ilícita, de harmonia com o disposto no artigo 381.º, n.º 1, alínea b), do Código de Trabalho.” 

Acrescentaremos que aqui faz também todo o sentido o apelo à inexistência de lesão nomeadamente de interesses venais ou patrimoniais a assacar à conduta da recorrida.

Ou sequer a existência de danos na consideração da recorrente perante clientes e entidades que normalmente com ela se relacionem.

Mesmo que houvessem, quanto à eventual continuação do vínculo laboral não seria nestes autos objectivamente constatável qualquer perspectiva de repercussão danosa para a disponibilidade de vida da recorrente e tão pouco para a prevenção geral ou especial para que não se repetissem condutas idênticas às da recorrida.

Não se demonstra também que os documentos saíssem da esfera de controle da recorrida. Assim, permanece relativo o significado de terem sido enviados para fora da empresa, o argumento do serem enviados para um mail da mesma para a avaliação da violação de qualquer dever.

Daí que não se entenda o alegado “que a gravidade da infração relativa à utilização dos documentos é muito intensa”, o que a recorrente nunca chega a justificar caso a caso se essa fosse a situação.

Os fatos assentes acabam por demonstrar que o núcleo de informações acedidas pela recorrida não só não iam além do âmbito da responsabilidade profissional da mesma na estrutura empresarial da recorrente e da confiança desta nela que a sua actividade exigia, como se podiam ainda conter no cumprimento dos deveres funcionais que lhe estavam confiados.

De forma alguma se prova que foram expostas a terceiros.

E é certo que a contrariedade à ordem não acaba por redundar no dever da recorrente ter que a justificar no âmbito do seu poder de direcção: aqui não está em questão a cessação do dever de obediência porque a ordem fosse ilegítima, porquanto na sentença esclareceu-se com clareza da razoável justificabilidade da conduta inerente.

Por tudo isto igualmente não se pode dizer que “não parece existir dúvidas de que a autora desrespeitou os mais elementares deveres de lealdade para com a empregadora, na dimensão de guardar sigilo e de manter sob reserva documentos contabilísticos da empresa que contêm informações confidenciais, bem como que violou o dever de cumprir as ordens e instruções da empregadora respeitante à execução do trabalho, na medida em que a trabalhadora violou a ordem expressa de não aceder às instalações da empresa em dias não úteis, nomeadamente ao sábado”.

Sendo embora o dever de lealdade absoluto, ainda assim haveria que fazer apelo ao contexto em que se verifica a violação e as suas consequências redutoras nas expectativas de confiança devido a moderado grau de culpa.

E trazer à colação a não constatação de padrões disciplinares da recorrente relativamente a outros trabalhadores que à eventual luz da sua semelhança se pudesse igualmente avaliar a situação em que a mesma se encontrou envolvida seria elemento sempre coadjuvante na avaliação da valia jurídica do processo disciplinar.
Por seu turno, a justa causa para despedimento é uma noção complexa.

Deve-se recorrer ao entendimento de um “bonus pater famílias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artº 487º, nº 2, do CC), em face do condicionalismo de cada caso concreto.

Para se concluir pela impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho como critério básico de “justa causa” é necessária uma prognose nesse sentido com apelo à inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica.

É que o comportamento tem de ser objectivamente grave, em si mesmo e nas consequências que provoca na relação, de acordo com os critérios de determinação constantes do art. 357º, nº 4, do CT, avaliados à luz do princípio da proporcionalidade da sanção à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, nos termos estabelecidos, em geral, no artº 330º, nº 1, do Código do Trabalho.

Tal como determina o nº 3, do art. 351º do Código do Trabalho, na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso seja relevantes, tal significando que a determinação em concreto da justa causa se resolve pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou.

Acresce, como se anteviu, a aplicação de uma sanção disciplinar de maior gravidade se justifica sempre que a aplicação de uma sanção disciplinar de menor gravidade seja insuficiente para defender a disciplina da empresa.

E nesta medida, na verdade ainda, nada se apurou susceptível de directamente ser em detrimento da idoneidade futura da recorrida para a função que lhe estava confiada ou ao menos permitisse criar a “pertinente dúvida sobre a idoneidade da sua conduta futura” e o subjacente o valor da sua honestidade, como, por exemplo, nas relações em geral entre si e os seus colegas de trabalho e também com a recorrente, no sentido da salvaguarda do interesse da empresa, segundo um critério de normalidade da conduta.

Inexiste um quadro de violações de execução continuada ou reiterada de desobediências.

Se atendendo ao princípio da proporcionalidade e fazendo apelo a juízos de equidade, for possível a conservação do contrato pela aplicação de sanção mais leve, é isso o que deve ser feito: o despedimento é a sanção mais grave a que se deverá recorrer apenas quando outra sanção não possa eficazmente ser aplicada.

Em suma, a cessação do contrato de trabalho por ocorrência de falta disciplinar só é admissível quando esta última determine uma crise contratual irremediável, decorrente de comportamento culposo e grave em si mesmo e das suas consequências, tudo apreciado segundo critérios objectivos e concretos (artº 328º, nº 1, alª f), do CT).

Assim sendo, face do comportamento adoptado pela recorrida sempre seria razoável pedir à recorrente que mantivesse a relação laboral já que por via do mesmo não era crível que este permanecesse em constante dúvida quanto à sua prestação laboral e que a relação de confiança definitivamente se tivesse perdido, sendo certo que será neste conspecto que se deve entender também o disposto no artº 128º, nº 1, alª e), do CT, relativa ao dever de o trabalhador cumprir as ordens instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho.

Nestes termos restará analisar a questão da indemnização em substituição da reintegração que a recorrente entende como excessiva, devendo ser fixada em 15 dias, atento ao vencimento da recorrida e ao disposto no artº 391º do CT.

No essencial menciona que tal norma deve ser interpretada “no sentido de que, quanto menor a retribuição do trabalhador, maior o número de dias de retribuição base e diuturnidades a atender”.

Na verdade o legislador, como refere jurisprudência citada pela recorrente “não deixa “qualquer pista sobre o sentido em que pretende que tal factor seja ponderado na fixação do tempo de retribuição a usar como base de cálculo”.

Mas sendo verdade que a indemnização substitutiva da reintegração assume feição mista (reparadora e sancionatória), como outra jurisprudência decide e é citada pela recorrente, na verdade mesmo que se entenda também que o primeiro fator previsto na norma deva ser encarado como de variação inversa, na verdade tal não questiona os termos concretos a partir dos quais na sentença se avaliou essa indemnização:

“Atento o despedimento ilícito, a entidade empregadora será condenada a reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade (cfr., artigo 389.º, n.º 1, al. b), do Código do Trabalho), podendo, em alternativa, este optar por uma indemnização (cfr., artigo 391.º, n.º 1, do Código do Trabalho).
Considerando que, a autora optou expressamente pela indemnização a que alude o já citado artigo 391.º, n.º 1, do Código do Trabalho, há que graduar a indemnização em questão, tendo em conta a gravidade da conduta da entidade empregadora, entre os 15 e os 45 dias.
Ter-se-á em atenção que os factos que manifestamente não têm gravidade para aplicação de uma sanção disciplinar, e especialmente a de despedimento.
Contrariamente ao alegado pela ré o facto de a autora ter uma maior ou menor antiguidade não deve ter relevância para a fixação da indemnização, já que o que importa aqui é a gravidade do comportamento da ré, da sua ilicitude, sendo os 15 dias reservados para as situações em que a ilicitude do comportamento é diminuta e os 45 dias aqueles em que é muito grave.
Caso o argumento da ré colhesse estaria encontrada a forma de o empregador se “ver livre” de funcionários com mais anos e maior vencimento e para os quais não tenha motivo, sem respeitar a lei.
No caso, o comportamento da ré não pode deixar de se considerar como de ilicitude grave. Grave porque os factos não podiam deixar de ser do seu conhecimento, quer os factos objectivos mas a explicação apresentada pela autora para os ter praticado, sendo que não teve sequer o cuidado de apurar da veracidade de tais factos em sede de processo disciplinar, como seria de esperar. 
Assim, e tendo em consideração que para as situações de mínima ilicitude se deve fixar a indemnização em 15 dias, sendo o limite médio os 30 dias, e apenas as situações mais graves serem fixadas em 45 dias. E considerando que a gravidade da ilicitude da actuação da ré é acima da média, fixo em 37 dias/ ano a indemnização (metade do valor entre o limite médio e o máximo).   
A trabalhadora iniciou funções em 16 de Março de 1987, ou seja tem até este momento 28 anos de antiguidade.
Nestes termos, fixo a indemnização em substituição da reintegração da autora em 74.937,33 (2170:30x37x28) euros, acrescido de juros legais, desde a data de citação até integral pagamento.”

Concordamos mais uma vez com a sentença, designadamente quando coloca a tónica na gravidade da ilicitude do despedimento nos termos em que ocorreu e, assim sendo, julgamos ser equitativa a determinação de número de dias por ano a que chegou, atento ainda à ademais argumentação que sustenta a avaliação do grau dessa ilicitude (cfr artº 381ª do CT para o qual remete o nº 1 do artº 391º do mesmo código).

Assim não se constatando que existam desequilíbrios a “desvirtuar o carácter ressarcitório da obrigação”.

E obviamente que é anódino o argumento de que “no caso vertente, a existir ilicitude, situação que se prevê como hipótese académica, ela apenas provém de serem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados para o despedimento, isto é, tratar-se-á essencialmente de uma diferença na valoração dos meios de prova, o que, necessariamente, levará a considerar o grau de ilicitude do despedimento como sendo de facto diminuto, o que terá de refletir-se na retribuição de referência, aproximando-a do limite mínimo”.

É pelo exposto improcedente o recurso, devendo-se manter na íntegra a sentença impugnada.

Decisão:

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, condenando-se ainda a mesma na multa de 3 UC, nos termos do artº 443º, nº 1, do CPC.
*****

O acórdão compõe-se de dezoito folhas, com os versos não impressos.
*****


Lisboa,15/06/2016


Eduardo Azevedo
Celina Nóbrega
Paula Santos

Decisão Texto Integral: