Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15/15.4T8VFX.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: PRINCÍPIO DE TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
DISCRIMINAÇÃO
FUNÇÕES DESEMPENHADAS
CATEGORIA PROFISSIONAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I. Não há discriminação retributiva, nem violação do princípio trabalho igual salário igual, quando a diferença se funda em razões objetivas, a saber, o facto de a trabalhadora prestar trabalho de diferente natureza, quantidade e qualidade do que as colegas com a mesma categoria.

II. O trabalhador deve prestar atividade correspondente à sua categoria contratualmente definida.

III. São funções afins ou funcionalmente ligadas, para o efeito do art.º 118, n.º 3, do CT, as correspondentes a carreira que faz parte do mesmo grupo da categoria do trabalhador, definida no instrumento de regulamentação coletiva do trabalho, e aquelas cuja proximidade funcional com a atividade que o trabalhador está obrigado contratualmente a prestar é tão grande que torna inteligível que se lhe possa exigir essa atividade, face às suas capacidades e conhecimentos profissionais, não deixando o trabalhador de prestar o núcleo de catividades próprias da sua carreira ou categoria e não sofrendo por isso desvalorização profissional.

IV. Atribuindo a empregadora outras funções à trabalhadora, fora deste quadro e da mobilidade funcional, é obrigada a recolocá-la no âmbito das funções da sua categoria e a compensá-la por danos, ainda que na apreciação da indemnização por danos não patrimoniais haja de se ponderar o papel da própria trabalhadora no espoletar da situação, ao prestar um trabalho de qualidade e em quantidade inferior ao das colegas.

(Elaborado elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

RELATÓRIO:

Autora (adiante, por comodidade, designado abreviadamente por A.) e recorrente: AAA.
Ré: BBB

A A. alegou que trabalha para a R. desde setembro de 1995, sendo que à relação laboral entre ambas é aplicável o CCT celebrado entre a CNIS e FNSTFP, publicado no BTE em 22 de abril de 2011. Por ofício de maio de 2013 foi informada ter sido reclassificada na categoria de 1ª escriturária, com efeitos a partir de 2009, sendo que, apesar de tal reclassificação, não lhe foi feita qualquer atualização remuneratória, tendo continuado a receber 635,50 € acrescidos de diuturnidades. Todos os trabalhadores da R. das carreiras enquadradas no nível XII são remuneradas pelo montante de 725 €, o que viola o princípio plasmado no art.º 25º do Código do Trabalho (CT) e o princípio trabalho igual/salário igual. Desde maio de 2012 exerce tarefas que correspondem à categoria de ajudante de ação educativa, que se enquadra no nível XIV, a que corresponde uma remuneração de 507 €, verificando-se, assim, uma desvalorização profissional efetiva com a qual não concordou, sendo que a atuação da R. é proíbida nos termos CT. Desde então sente-se inferiorizada e diminuída, estando num estado apático e depressivo, pelo que deve ser compensada monetariamente pela R..

Pediu, com esses fundamentos, que a Ré seja condenada:
- A pagar-lhe a retribuição base idêntica à retribuição base auferida pelos trabalhadores da R. enquadrados na carreira/categoria do nível XII, de primeira escriturária, à data no valor de setecentos e vinte e cinco euros;
- A pagar-lhe a diferença entre a retribuição auferida pela A. e a retribuição devida à carreira/categoria de primeira escriturária, com efeitos a partir de maio de 2009, data da promoção àquela categoria, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, até integral pagamento, cuja totalidade cifra em sete mil e oitenta euros;
- A reconhecer a desvalorização profissional da A. ocorrida desde 19 de maio de 2012;
- A colocar a A. a exercer funções correspondentes ao conteúdo funcional da sua carreira/categoria;
- A pagar-lhe 3.000,00 € a título de danos não patrimoniais.
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Não havendo acordo a ré contestou e pediu a improcedência da ação, alegando que a A. não sofreu qualquer discriminação, uma vez que ela apenas se compara às trabalhadoras com a categoria de 1ª escriturária que exercem funções na secção de pessoal, onde esteve afeta, sendo que a A. não tinha a seu cargo o mesmo volume e complexidade de tarefas que aquelas e sempre revelou uma produtividade muito mais reduzida, e o trabalho que realizou naquela secção é de fraca qualidade, necessitando de correções. A A. nunca se adaptou ao sistema informático, mostrando crescente dificuldade em acompanhar as colegas, reduzindo o volume de trabalho por si produzido e causando sobrecarga das colegas de trabalho. No que concerne à alegada desvalorização profissional a recolocação da A. foi motivada pela sua inadaptação e incapacidade em cumprir, dentro de mínimos exigíveis, as tarefas de que era incumbida, tendo em maio de 2012 a situação sofrido um agravamento substancial, causando mal-estar na secção onde trabalhava, estando as colegas cansadas de trabalhar em sobrecarga para corrigir os seus erros. Conforme se alcança do exame de medicina do trabalho a A. não tem capacidade para o exercício de funções administrativas, tendo a sua recolocação sido uma alternativa a um processo de despedimento. A atividade que a A. exerce atualmente enquadra-se no nível imediatamente abaixo daquela em que está integrada a sua categoria. Quanto aos danos morais a A. é uma pessoa intratável, interpelando alunos e colegas de forma exaltada, o que se mostra pouco compatível com o estado depressivo e apático que alega.
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Efetuado o julgamento o Tribunal julgou a ação improcedente e absolveu a R do pedido.
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Inconformada a A. recorreu, concluindo:
A) A sentença padece de erro de julgamento.
B, C) Ficou provado que as trabalhadoras da R. que exercem as suas funções na secção de pessoal onde a A. esteve afeta e detêm a mesma categoria profissional que a A., de escriturária de 1ª, auferem o montante de 725,00 € a título de remuneração base; e que à A. não só não foram atribuídas as funções das suas colegas, pois a R. atribuiu-lhe funções correspondentes à categoria de ajudante de ação educativa, que nada têm que ver com a categoria de escriturária, como não lhe foi pago o mesmo montante que as colegas auferiam, com a mesma categoria;
D) Não pode a R. alegar que o fundamento de tal discriminação se fundamenta na diferenciação de funções da A. relativamente às colegas, uma vez que foi aquela que atribuiu outro tipo de funções à A. a partir de maio de 2012, sendo que a reclassificação se operou a em 2013, mas com efeitos a 2009;
E) Existe, por isso, flagrante violação do princípio constitucional “para trabalho igual, salário igual”, ínsito no art.º 59º, n.º1, da CRP;
F)Razões pelas quais deverá a sentença ser substituída por outra que condene a R. no pagamento da diferença salarial entre o valor efetivamente auferido pela A. e o valor pago às restantes funcionárias com a mesma categoria da A. Acresce que,
G)Ficou provado que a A. detinha a categoria profissional de escriturária de 1ª e que desempenhou as funções administrativas nos recursos humanos da A. até 18 de maio de 2012, data a partir da qual lhe foram permanentemente atribuídas funções correspondentes à categoria de ajudante de ação educativa;
H) À relação jurídico-laboral estabelecida entre a A. e a R. é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social (CNIS) e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas (FNSTFP), publicado no BTE n.º15 de 22 de abril de 2011;
I) Quer a cláusula 15.ª do referido CCT , quer o art.º 118.º do CT estipulam que o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que foi contratado e que a atividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional;
J)Ora, a atividade para que o trabalhador se encontra contratado é determinada por acordo entre o empregador, cfr. n.º 1 do art.º 115.º do CT, sendo que esta determinação pode ser feita por remissão para categoria de instrumento de regulamentação coletiva do trabalho (IRCT) ou de regulamento interno de empresa (cfr. n.º 2, do mesmo artigo);
K)Como é jurisprudência uniforme, estando uma categoria institucionalizada (isto é, prevista na lei ou instrumento de regulamentação coletiva), o empregador está obrigado a observar essa institucionalização;
L)O princípio da invariabilidade da prestação mostra-se consagrado no art.º 118.º, n.º 1, do CT;
M)As funções afins ou funcionalmente ligadas à atividade nuclear que correspondam a outras atividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional do trabalhador, para que o trabalhador tenha qualificação e que não impliquem a sua desvalorização profissional, podem ser exercidas acessoriamente a esta (art.º 118º, n.º 2 e 3) e integram a “atividade contratada em sentido amplo”, não conferindo o direito de reclassificação;
N)E pode também o trabalhador ser chamado a desempenhar temporária-mente funções não compreendidas na função que lhe foi atribuída nas situações limitadas da mobilidade funcional, reguladas no art.º 120º do mesmo Código;
O)Todavia, as funções afins devem ser exercidas a título acessório da atividade nuclear do trabalhador e não a título substitutivo daquela atividade. Sob pena de se desvirtuar a tutela dos direitos à atividade contratada (art. 151º, nº 1) e ao exercício das funções correspondentes à categoria profissional, não pode o empregador, a título definitivo, alterar as funções do trabalhador, privando-o do exercício das funções que constituem o núcleo essencial dessa atividade e da correspondente categoria, cometendo-lhe, por exemplo, tão-só a execução de determinadas funções apenas acessórias ou funcionalmente ligadas, mas sem que correspondam ao seu núcleo essencial;
P)Sendo que tal implica que as atividades acessórias fora da categoria “ocupem no horário de trabalho menos tempo do que a principal”;
Q) Com efeito, um dos princípios que a doutrina tem assinalado, como inerente à proteção da categoria profissional é o da proibição da mudança unilateral e definitiva de categoria, ainda que esta se não traduza numa baixa de categoria, como resulta dos princípios gerais dos contratos (a pacta sunt servanda – art.º 406.º, n.º 1, do Código Civil);
R) Pelo que a mudança de categoria que não corresponda a uma normal progressão ou promoção na carreira equivale a uma modificação substancial do contrato, modificação que só pode produzir efeitos se for aceite pelo trabalhador;
S)O que não sucedeu, pois a A. em momento algum deu o assentimento. Pelo contrário, sempre demonstrou a sua insatisfação;
T, U)Destarte, ainda que as funções que a A. passou a desempenhar a partir de 19 de maio de 2012 não impliquem uma desvalorização profissional – o que não se concede porquanto as funções de uma categoria e de outra não estão compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional –, a R. não tem legitimidade para colocar a A. a exercer a título permanente e definitivo em horário completo, sem o seu acordo, funções que se considerem afins ou funcionalmente ligadas;
V) As quais são acessórias da atividade principal contratada, que é a de escriturária;
W)Atividade que a A. desempenhou a título principal e permanente até 18 de maio de 2012 e não mais passou a exercer até ao presente momento.
X) Decidindo a R. alterar as funções da A. não podia deixar de o fazer com respeito pelas garantias legais e convencionais dos trabalhadores, observando, designadamente, as disposições que protegem o seu estatuto profissional e proíbem a alteração unilateral das suas funções;
Y)Diga-se ainda que a referida alteração de funções não observa, igualmente, os pressupostos do ius variandi ou mobilidade funcional constantes do art.º 120.º do Código do Trabalho, pois nada demonstra – pelo contrário – que deva entender-se como “temporária” a ordem de alteração de funções transmitida ao trabalhador;
Z) Não se mostram, pois, preenchidos os pressupostos, quer da polivalência funcional tal como a mesma se mostra enunciada no art. 118.º, n.ºs 2 e 3, do CT, quer da mobilidade funcional ou ius variandi, por não preenchidos os pressupostos do art. 120.º do CT, sendo de reputar ilícita a determinação unilateral da A. no sentido da alteração de funções da A. nos termos que ficaram apurados, por violadora das garantias plasmadas nos regimes legal e convencional aplicáveis e do artigo 406.º do Código Civil;
AA, AB)Incorre, pelo exposto, a sentença em erro de julgamento, pois decidiu flagrantemente contra os dispositivos legais acima enunciados, devendo em consequência ser a R. condenada a atribuir as funções correspondentes à categoria de escriturária à A., categoria de que é detentora.
AC) Tendo a sentença considerado provados os danos alegados pela A. – concretamente que desde que sofreu alteração nas suas tarefas sofre de crises de ansiedade, depressão e apatia e que se sente inferiorizada e diminuída, tomando medicamentos para minorar o seu sofrimento psíquico;
AD) E existindo, pelo que acima se fundamentou uma violação culposa dos deveres contratuais por parte da R., tal determina a condenação no pedido de pagamento de indemnização pelos danos morais causados à A., nos termos do disposto no n.º 1 do art. 323.º do CT.
Remata impetrando se revogue a sentença e substitua por outra que condene a R. no peticionado pela A.
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A R. respondeu, pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
A, b)- O princípio trabalho igual salário igual encontra-se ancorado no disposto na al. a), do n° 1, do art. 59 °, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual para trabalhadores com a mesma categoria, a trabalho de igual natureza, prestado em igual quantidade e qualidade deve corresponder salário igual;
c)- O que o mesmo proíbe é a discriminação salarial injustificada entre trabalhadores que realizem a mesma quantidade de trabalho da mesma natureza e este seja prestado com a mesma qualidade;
d)- A aferição do cumprimento do princípio enunciado é feita por comparação entre trabalhadores, que com a mesma categoria aufiram diferentes condições remuneratórias;
e)- A comparação deve levar em conta a natureza, a qualidade e a quantidade do trabalho prestado pelos trabalhadores que façam parte do universo referenciado para o efeito;
f)- É neste sentido que o n° 5 do art. 25 ° do CT impõe ao trabalhador que invoca a discriminação o ónus de indicar os colegas relativamente aos quais se sente discriminado;
g)- Foi a A. que invocou a ilegalidade da diferenciação remuneratória em relação às colegas da mesma categoria profissional que auferiam € 725,00 de remuneração base mensais;
h, i)- Provou-se — ponto 18 dos factos provados, fp -, que no universo dos trabalhadores da R. com a mesma categoria da A. que auferiam 725,00 € mensais de remuneração base eram as escriturárias de 1ª a desempenhar funções na secção de pessoal, mais concretamente P...S..., C...P... e M... da C...T...;
j)- Portanto era sobre estas trabalhadoras em concreto, que teria que ser julgada a alegada discriminação remuneratória;
k)- Quanto a estas trabalhadoras, foi produzida prova sustentada pontos 19 a 25 fp -, de que a A. no período em que esteve a trabalhar na secção de pessoal executava tarefas de diferente natureza das desempenhadas pelas colegas, mais simples e menos complexas, e mesmo assim não produzia trabalho em igual quantidade, sendo ainda o mesmo de menor qualidade;
l)- Portanto, foi provado que tal diferença salarial tem causas objetivas e é legítima, encontrando-se devidamente enquadrada na lei;
m)- Por isso, entende a R. que deve ser confirmada a decisão objeto do presente recurso;
n)- A atribuição de novas funções à A. não corresponde à prática de nenhuma ilegalidade pela R.;
o)- A mudança de funções respeita o n.º 2, do art.º 118 ° do Código do Trabalho aprovado pela Lei n° 7/2009, de 12 de fevereiro;
p)- O qual reza assim: A atividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional;
q)- Por sua vez, a Cláusula 15ª do CCT aplicável à relação laboral, determina que a atividade contratada compreende também as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas para as quais o trabalhador detenha qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização pessoal e profissional.  (sublinhado nosso);
r)- Para efeitos de aferição da afinidade de funções e da existência de desvalorização profissional, a referência é o nível de qualificação do trabalhador;
s)- Determinando ainda a Cláusula 15ª que sempre que a atividade que se pretenda classificar como afim ou funcionalmente ligada não exceder em um grau o nível de qualificação em que o trabalhador se insere, existe essa afinidade sem que esteja presente a desvalorização profissional;
t)- Os níveis de qualificação estão expressos no Anexo III do CCT aplicável;
u)- No caso sub júdice a categoria de Escriturária, detida pela trabalhadora, insere-se no nível 5, ao passo que a categoria de Ajudante de Ação Educativa, está incluída no nível 6, pelo que diferem exatamente um grau uma da outra. (sublinhados nossos);
v)- Assim, a R. pode atribuir à A. o desempenho de tarefas afins ou funcionalmente ligadas às funções para que foi contratada para as quais detenha qualificação profissional, sem que seja necessário manter, a título principal ou preferencial, a execução de funções que se integrem no objeto contratual, desde que tal desempenho não implique desvalorização profissional para aquele;
w)- As funções afins ou funcionalmente ligadas fazem parte do contrato, abrangendo este já não apenas um núcleo essencial de funções, como também, e por mera força da lei, todas as funções afins ou funcionalmente ligadas ao núcleo fundamental da atividade devida pela A.;
x)- Em concreto, as funções determinadas à A. desde 19 de maio de 2012, enquadram-se no programa negocial que vigora entre as partes, por serem afins e funcionalmente conexas com a categoria de Escriturária de 1 a;
y)- Quer à luz do previsto no CT, do CCT aplicável, quer porque o seu exercício não implica qualquer desvalorização profissional da A. como aliás também prevê expressamente o n° 4, da Cl. 15ª daquele instrumento de regulação coletiva;
z)- Donde também se conclui que a A., ao atribuir novas funções à A. agiu dentro da lei não lhe sendo imputável qualquer responsabilidade pelos prejuízos não patrimoniais que aquela alega ter sofrido.
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O MºPº teve vista, pronunciando-se no sentido da confirmação da sentença.

Não houve resposta ao parecer.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO.
As questões a apreciar no recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso (e excetuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 639/1 e 2, e 663, todos do Código de Processo Civil) -, consistem em saber se há discriminação da A. com violação do princípio trabalho igual salário igual; se a R. não respeitou a categoria da A.; enfim, se daí resultaram danos não patrimoniais.  
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São estes os factos provados:
1- A A. trabalha sob a direção, supervisão e autoridade da R. desde 1 de Setembro de 1995. (artigo 1º da petição inicial).
2- A A. foi admitida ao serviço da R. para exercer as funções correspondentes à categoria de Ajudante de Acão Direta. (artigo 2º da petição inicial).
3- À relação jurídico-laboral estabelecida entre A A. e a R. é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social (CNIS) e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas (FNSTFP), publicado no BTE n.º15 de 22 de Abril de 2011.
4- Em 18 de Outubro de 2002, resultado da alteração da atividade para a qual foi contratada, a A. foi reclassificada na carreira de terceira escriturária. (artigo 4º da petição inicial).
5- Em 1 de Maio de 2006 a A. foi promovida a segunda escriturária. (artigo 5º da petição inicial).
6- Em 12 de Abril de 2013 a A. fez um pedido de reclassificação na categoria de primeira escriturária com efeitos a partir de Maio de 2009 por reunir as condições previstas. (artigo 6º da petição inicial)
7- Requereu ainda ser remunerada, por efeito da promoção na categoria de primeira escriturária, pelo mesmo montante dos trabalhadores da R. das carreiras enquadradas no nível XII. (artigo 7º da petição inicial).
8- Por via do ofício datado de 6 de Maio de 2013, do conselho de administração da R., foi a A. informada de que havia sido deliberado dar provimento ao seu pedido de reclassificação na categoria de primeira escriturária com efeitos a partir de 2009. (artigo 8º da petição inicial).
9- No que diz respeito aos efeitos remuneratórios a R. respondeu que não se verificaria qualquer atualização remuneratória por existirem na Fundação trabalhadores cujas categorias se enquadram no nível XII do CCT, com vencimentos inferiores ao que atualmente lhe está atribuído. (artigo 9º da petição inicial).
10- À data da reclassificação, com efeitos retroativos a Maio de 2009, a A. continuou a auferir o montante que recebia anteriormente. (artigo 13º da petição inicial).
11- A partir de 19 de Maio de 2012 a A. foi, sob as ordens e direção da sua entidade empregadora, a R., colocada na creche e infantário, a desempenhar as tarefas de alimentar, higienizar e monitorizar no recreio e as atividades extra-curriculares e nas sestas das crianças. (artigo 17º da petição inicial)
12- Desde Setembro de 2012 foi colocada no Pavilhão Desportivo, cabendo-lhe vigiar e zelar a entrada e saída dos alunos do respetivo pavilhão bem como zelar pela boa manutenção dos equipamentos, na totalidade do seu período normal de trabalho diário. (artigo 18º da petição inicial)
13- Desde então a A. nunca mais foi colocada a exercer as funções correspondentes à sua categoria, nos recursos humanos. (artigo 21º da petição inicial)
14- A A. não concordou com a R. na mudança das tarefas que aquela exercia. (artigo 26º da petição inicial).
15- Desde que foi colocada nas tarefas supra referidas a A. sofre de crises de ansiedade, depressão e apatia. (artigo 29º da Petição inicial)
16- A A. sente-se inferiorizada e diminuída. (artigo 32º da petição inicial).
17- No seu dia-a-dia toma medicamentos para minorar o seu sofrimento psíquico, sentindo-se inferiorizada e diminuída. (artigos 30º e 31º da petição inicial).
18- As trabalhadoras da R. que auferem o vencimento de 725 euros e que têm a categoria de primeira escriturária são as que desempenham funções na secção de pessoal onde outrora a A. esteve afeta, respectivamente (…),(…) e (…). (artigo 4º da contestação).
19- A A. não tinha a seu cargo o mesmo volume e complexidade das tarefas das colegas supra mencionadas. (artigo 17º da contestação).
20- A A. sempre se revelou capaz de ocupar de um menor número de tarefas. (artigo 17º da contestação).
21- Os trabalhos que a A. realizava necessitavam de frequentes correções das colegas. (artigo 18º da contestação).
22- A A. apresentava dificuldades na construção de textos, na aplicação das metodologias de trabalho mais adequadas e no acompanhamento de novos métodos e procedimentos, tendo recebido a mesma formação que todas as trabalhadoras da secção de pessoal. (artigo 19º da contestação).
23- Verificou-se dificuldade da A. em acompanhar as colegas, uma redução do volume de trabalho por si produzido e uma consequente sobrecarga das colegas da Secção de Pessoal. (artigo 22º da contestação).
24- Muitas vezes, quando chamada à atenção, a A. não aceitava a ajuda das colegas. (artigo 32º da contestação).
25- À A. eram distribuídas menos tarefas, mais simples e de menor complexidade, já que não conseguia desempenhar trabalho igual ao das suas colegas com a mesma categoria, em quantidade, complexidade e com qualidade inferior. (artigo 37º da contestação).
26- À data de 13 de Dezembro de 2016 os peritos médicos consideraram que, à data, não era possível afirmar que a A. apresentasse doença psiquiátrica ou física que determine incapacidade definitiva para a profissão habitual (escriturária administrativa.)
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O Tribunal a quo considerou não provado tudo o resto, designadamente, da petição inicial, que todos os trabalhadores da R. das carreiras enquadradas no nível XII são remunerados pelo montante de € 725. (artigo 13º da petição inicial), e da contestação que A. e demais funcionárias da R. da secção de pessoal exercessem as concretas e específicas tarefas que ali vêm descritas. (também não resultou assente o contrário); que a A. não tenha capacidade para realizar trabalho administrativo, nem para lidar com crianças e idosos. (também não resultou assente o contrário).
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De Direito.
Da discriminação e violação do princípio trabalho igual/salário igual
Equacionou a sentença recorrida que
"Nos termos do disposto no art.º 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República, relativo aos direitos dos trabalhadores, que «todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito»: «a) à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna». Este normativo estabelece, no domínio da fixação da retribuição do trabalho, como base para garantir uma existência condigna, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, nos termos do qual, «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» e «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

(...) A projeção do princípio da igualdade na retribuição do trabalho, na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, «estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer o direito a uma justa retribuição do trabalho: (a) deve ser conforme à quantidade do trabalho (i. e, à sua duração e intensidade), à natureza do trabalho (i. e, tendo em conta a sua dificuldade, penosidade ou perigosidade) e à qualidade do trabalho (isto é, de acordo com as exigências em conhecimentos, prática e capa-cidade); (b) a trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade deve corresponder salário igual, proibindo-se, desde logo, as discriminações entre trabalhadores; (…)»

O princípio da igualdade, na sua dimensão remuneratória, como refere Maria do Rosário da Palma Ramalho, Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 3.ª Edição, «não impede diferenças remuneratórias entre trabalhadores mas apenas um tratamento remuneratório discriminatório. Por outras palavras, apenas estão aqui contempladas as situações em que, perante um trabalho igual ou de valor igual, a retribuição seja diferente sem uma causa de justificação objetiva»

(...) O Código do Trabalho estabelece no artigo 270.º os critérios relativos à determinação da retribuição, referindo que «deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual», assumindo na legislação do trabalho os princípios constitucionais acima referidos. A proibição de discriminação dos trabalhadores em matéria de retribuição está igualmente presente no regime estabelecido naquele código relativamente à proibição da discriminação no trabalho decorrente dos artigos 24.º e 25.º que, na parte que releva são do seguinte teor:
«Artigo 24.º (Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho) 1 - O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.
2O direito referido no número anterior respeita, designadamente:
a)- (…);
b)- (…);
c)- A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para seleção de trabalhadores a despedir;
d)- (…).
3– (…)
4 – (…).
5 – (…)»
«Artigo 25.º (Proibição de discriminação) 1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior. 2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado em facto de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional. 3 - São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objetivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional. 4 - As disposições legais ou de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que justifiquem os comportamentos referidos no número anterior devem ser avaliadas periodicamente e revistas se deixarem de se justificar.
5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação. 6 - O disposto no número anterior é designadamente aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de dispensa para consulta pré-natal, proteção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licenças por parentalidade ou faltas para assistência a menores. 7 - É inválido o ato de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a ato discriminatório. 8 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto  nos n.ºs 1 ou 7.»
Na determinação de sentido destas normas haverá que ter presente os critérios interpretativos resultantes do artigo 23.º deste diploma, que é do seguinte teor.
«Artigo 23.º (Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação)
1 Para efeitos do presente Código, considera-se:
a)- Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b)- Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c)- Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;
d)- Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.
2 Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um fator de discriminação.»
Conforme resulta supra, no n.º 5 do artigo 25º estabelece-se que «cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação».
Este preceito consagra a favor do trabalhador uma inversão do ónus da prova estabelecido em termos gerais no artigo 342.º do Código Civil.
De acordo com aquela norma do n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, quem invoca uma situação de discriminação, nomeadamente, em termos salariais tem apenas de provar a discriminação concreta de que é vítima e os factos integrativos do fator de discriminação referidos no n.º 1 do artigo 24.º, incumbindo depois ao empregador provar que a diferença de tratamento assenta em critérios objetivos e não decorre do fator de discriminação invocado.
Esta inversão do ónus da prova prevista hoje no n.º 5 do artigo 25.º do Código de 2009, encontrava-se igualmente estabelecida no artigo 23.º, n.º 3, do Código de 2003.
Assim, a quem invoca a prática discriminatória compete alegar e provar, além do diferente tratamento (resultado de tal prática), os factos integrantes de um daqueles fatores, pois que o juízo sobre a discriminação pressupõe que «em razão de um fator de discriminação uma pessoa seja sujeita a um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável».

Alegado e demonstrado um desses fatores, a lei presume que dele resultou o tratamento diferenciado, fazendo recair sobre o empregador a prova do contrário, ou seja, a prova de que a diferença de tratamento não se deveu ao fator invocado, mas sim, a motivos legítimos, entre os quais se contam os relacionados com a natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado pelos trabalhadores em confronto.

Isto significa que a presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja da mera diferença de tratamento, pois, exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos, naturalmente, tal fundamentação há de traduzir-se na narração de factos que, reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, direta ou indiretamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de fatores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei".

A sentença recorrida coloca bem os termos jurídicos da questão em apreço.
A recorrente objeta a partir das funções que lhe foram atribuídas, que entende que não correspondem à sua categoria de escriturária de 1ª, mas sim às de ajudante de ação educativa.
Há contradição entre o que alega, como se vê das conclusões C), D) e E): ou bem que fez o mesmo que as colegas - e então poderá arguir a violação do princípio trabalho igual salário igual -, ou foi posta a desempenhar outras funções, e então o que estará em causa será a violação das garantias correspondentes à sua categoria profissional.
Mas apreciemos a problemática dos dois ângulos, posto que contraditórios entre si.
há violação do princípio trabalho igual salário igual?
Dando conta a própria recorrente que desempenha funções diversas das colegas, não pode afirmar-se que existe violação deste princípio. Com efeito, a violação deste princípio supõe que o trabalhador preste trabalho que, atenta a sua qualidade, quantidade e natureza, tenha o mesmo valor do dos trabalhadores face aos quais está a ser discriminado (convergindo, por todos, cfr. Acórdão. do Supremo Tribunal de Justiça de 01-06-2017: "o Código do Trabalho ao estabelecer critérios de determinação da retribuição refere que na determinação do valor da mesma deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual"; e de 14.2.16: "o princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo), ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes").

Acompanhamos a sentença recorrida ao referir que "a A. alega descriminação em relação aos demais funcionários da R. que têm a categoria de 1º escriturário, já que recebe de salário base quantia inferior aos mesmos. Não identifica concretos funcionários da R.. No entanto, de acordo com o que resulta da matéria de facto dada como provada, são as funcionárias da R. que trabalham na secção de pessoal aquelas em relação às quais se verifica, no seu entender a discriminação. Da matéria de facto assente resulta que a A. foi reclassificada na carreira de 1ª escriturária com efeitos retroativos a 2009, sendo que, contudo a nível remuneratório não houve qualquer atualização do seu salário, continuando a auferir a quantia de 635,50 euros, acrescida da quantia de 63 relativa a diuturnidades, sendo que as funcionárias com a categoria de 1ª escriturária que exercem funções na secção de pessoal auferem de vencimento a quantia de 725 euros mensais. (...) As trabalhadoras da R. que auferem 725 euros e que têm a categoria de primeira escriturária são as que desempenham funções na secção de pessoal onde outrora a A. esteve afeta, respetivamente (…),(…) e (…), sendo que a A. não tinha a seu cargo o mesmo volume e complexidade das tarefas das colegas supra mencionadas. A A. sempre se revelou capaz de ocupar de um menor número de tarefas e os trabalhos que realizava necessitavam de frequentes correções das colegas. A A. apresentava dificuldades na construção de textos, na aplicação das metodologias de trabalho mais adequadas e no acompanhamento de novos métodos e procedimentos, tendo recebido a mesma formação que todas as trabalhadoras da secção de pessoal. Verificou-se, ainda, dificuldade da A. em acompanhar as colegas, uma redução do volume de trabalho por si produzido e uma, consequente sobrecarga das colegas da Secção de Pessoal. Muitas vezes, quando chamada à atenção, a A. não aceitava a ajuda das colegas. À A. eram distribuídas menos tarefas, mais simples e de menor complexidade, já que não conseguia desempenhar trabalho igual ao das suas colegas com a mesma categoria, em quantidade, complexidade e com qualidade inferior. Resulta à saciedade dos factos expostos que não podemos concluir pela violação do princípio do trabalho igual/salário igual, porquanto, embora na mesma categoria profissional, a A. não desempenhava tarefas com a mesma complexidade que as suas colegas identificadas, nem apresentava a mesma produtividade que estas, apresentando dificuldades em acompanhar as mesmas no desenvolvimento das suas tarefas".

Efetivamente existe uma diferença clara na e quantidade e na qualidade das tarefas desempenhadas pela A. por comparação com as colegas. Dito de outro modo: é manifesto que a A. nem desempenhava tarefas iguais às demais, nem as que desempenhava tinham a mesma qualidade e eram prestadas na mesma quantidade das demais trabalhadoras com a categoria de escriturária de 1ª. E isso ficou provado em termos tais que nenhuma dúvida subsiste de que as colegas prestavam outro tipo de trabalho, em maior quantidade e qualidade, e faziam-no não por a A. estar a ser discriminada mas simplesmente porque a trabalhadora não era capaz de prestar a atividade como as demais (trabalhava menos e pior). É, pois, óbvio, que não há trabalho igual, e que a diferença retributiva encontra fundamento objetivo nessa divergência.

Logo, inexiste violação do princípio, já que o trabalho prestado não é igual.
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há preterição da categoria da trabalhadora?
Vejamos.
Dispõe o Código do Trabalho:
Artigo 115.º (Determinação da atividade do trabalhador)
1- Cabe às partes determinar por acordo a atividade para que o trabalhador é contratado.
2- A determinação a que se refere o número anterior pode ser feita por remissão para categoria de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de regulamento interno de empresa.
3- Quando a natureza da atividade envolver a prática de negócios jurídicos, considera-se que o contrato de trabalho concede ao trabalhador os necessários poderes, salvo se a lei exigir instrumento especial.

Artigo 118.º  (Funções desempenhadas pelo trabalhador)
1 O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
2 A atividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
3 Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
4 Sempre que o exercício de funções acessórias exigir especial qualificação, o trabalhador tem direito a formação profissional não inferior a dez horas anuais.
5 Constitui contraordenação grave a violação do disposto no número anterior.

Artigo 120.º (Mobilidade funcional)
1- O empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar o trabalhador de exercer temporariamente funções não compreendidas na atividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador.
2- As partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.
3- A ordem de alteração deve ser justificada, mencionando se for caso disso o acordo a que se refere o número anterior, e indicar a duração previsível da mesma, que não deve ultrapassar dois anos.
4- O disposto no nº 1 não pode implicar diminuição da retribuição, tendo o trabalhador direito às condições de trabalho mais favoráveis que sejam inerentes às funções exercidas.
5- Salvo disposição em contrário, o trabalhador não adquire a categoria correspondente às funções temporariamente exercidas.
6- O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
7- (…)
Artigo 267.º (Retribuição por exercício de funções afins ou funcionalmente ligadas)
1- O trabalhador que exerça funções a que se refere o nº 2 do artigo 118º, ainda que a título acessório, tem direito à retribuição mais elevada que lhes corresponda, enquanto tal exercício se mantiver.
2- (…)
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Discutindo-se nos autos a categoria, há que notar que esta noção não é unívoca, existindo várias.
Com efeito, já o Dr. António Nunes de Carvalho apontava, no estudo sobre a categoria profissional que constituiu a sua tese de mestrado, “Das Carreiras Profissionais no Direito do Trabalho”, aliás realizada no tempo da LCT, que a categoria pode significar “as aptidões técnico-profissionais ou as habilitações do trabalhador; o conjunto de funções para as quais ele foi contratado – ao qual corresponde, eventualmente, uma certa posição na organização patronal ou um posto de trabalho constante do respetivo quadro; o feixe de tarefas que o prestador de trabalho efetivamente executa; um certo “perfil profissional” definido na convenção coletiva aplicável e que se traduz num específico tratamento remuneratório; ou, ainda, uma posição singular no mercado do trabalho” (pág. 70). Mais adiante acrescenta: “o traço comum … é constituído pela existência de uma conexão entre um trabalhador (ou um grupo de trabalhadores) e uma função (ou núcleo de funções)” (pag. 75).
Há desde logo que distinguir a categoria subjetiva, que corresponde às aptidões especificas ou qualidades do trabalhador, da categoria contratual, que traduz o amplo conjunto de funções, dentro da organização do empregador, para cujo exercício o trabalhador foi contratado, da categoria real ou objetiva, correspondente ao conjunto de atividades, sitas dentro do leque maior da categoria contratual, que o empregador irá requerer ao trabalhador, e, ainda, da categoria normativa, que consiste na “subsunção das funções efetivamente exercidas a uma das categorias descritas na convenção coletiva e às quais corresponde uma especifica posição salarial”
O conjunto de serviços e tarefas que formam o objeto da prestação laboral define a posição do trabalhador na organização produtiva em que se integra. Esta posição corresponde à sua categoria, e consubstancia o estatuto que tem nessa organização, determinado normativamente em conformidade com a natureza e espécie das tarefas concretamente desempenhada na prestação da sua atividade. Daqui decorre que a sua categoria profissional é composta pelas realidades, factual e jurídica, correspondentes à categoria-função ou categoria contratual, e à categoria-estatuto ou categoria normativa.
A categoria-função corresponde ao essencial das funções a que o trabalhador se obrigou via contrato laboral, determinando-se qualitativamente a prestação de trabalho.  A categoria-estatuto traduz  o núcleo de direitos garantidos àquele complexo de funções pela lei e pelos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho. Redunda na designação dada nas fontes a certa situação laboral a fim de lhe associar a aplicação de diversas normas; resulta da categoria-função, ou seja, de um juízo de integração do trabalhador nessa categoria.
A categoria profissional é vinculativa para o empregador e deve ser efectiva e reconhecida (correspondendo a real à contratual).
Desempenhando funções de mais do que de uma categoria o trabalhador deve ser integrado naquela que mais se aproxime das funções efetivamente exercidas e que não o prejudique atenta a natureza, dignidade e hierarquia da sua categoria função.
*

A sentença recorrida decidiu em desfavor da A. atendendo ao n.º 4 da cláusula 15 do CCT e anexo II.

Ponderou designadamente que: 
“Na determinação do concreto enquadramento do trabalhador numa determinada categoria profissional, apela-se, à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que exerça todas as funções correspondentes à categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva – mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efectivamente desempenhadas. Aliás, o simples “poder determinativo da função” já permite que o trabalhador [possa] rodar em vários postos de trabalho, desde que compreendidos no programa negocial previsto. O poder determinativo da função não se esgota pelo seu exercício inicial. O trabalhador pode e deve ocupar diversos postos de trabalho compatíveis com o programa negocial, ainda que diversos do posto de trabalho de admissão.

Nos termos do n.º4 do art.º 15º do CCT aplicável (celebrado entre CNIS e FNSTFP, publicado no BTE em 22.4.2011) considera-se haver desvalorização profissional sempre que a atividade que se pretenda qualificar como afim ou funcionalmente ligada exceder em um grau o nível de qualificação em que o trabalhador se insere. Contrariamente ao que defende a A., o anexo a ter em conta para enquadrar as profissões em termos de qualificação, pertencente ao CCT aplicável às relações entre a A. e a R. é o Anexo II, que refere expressamente, enquadramento das profissões em níveis de qualificação. Consultado o mesmo, verificamos que o escriturário se enquadra no ponto 5 (profissionais qualificados), mais especificamente no ponto 1, relativo aos administrativos. Mais verificamos que a categoria de ajudante de ação educativa, correspondente às funções atualmente exercidas pela A. (recorde-se que a A., partir de 19 de Maio de 2012 a A. foi, sob as ordens e direção da sua entidade empregadora, a R., colocada na creche e infantário, a desempenhar as tarefas de alimentar, higienizar e monitorizar no recreio e as atividades extra-curriculares e nas sestas das crianças, sendo que desde setembro de 2012 foi colocada no Pavilhão Desportivo, cabendo-lhe vigiar e zelar a entrada e saída dos alunos do respetivo pavilhão nem como zelar pela boa manutenção dos equipamentos, na totalidade do seu período normal de trabalho diário), se enquadra na categoria do ponto 6 (Profissionais semi-qualificados), mais especificamente no ponto 1, Administrativos comércio e outros). Assim sendo, considerando o disposto no artigo 15º, n.º4 do referido CCT, não podemos concluir pela existência de desvalorização profissional”.
A A. considera que a R. a alteração de funções é ilegal e que a empregadora usou um jus variandi ilegal, desde logo sem a sua autorização e desvalorizando a categoria trabalhadora.

Refere designadamente:
“À relação jurídico-laboral estabelecida entre a A. e R. é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) celebrado entre a Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social (CNIS) e a Federação Nacional dos Sindicatos dos Trabalhadores em Funções Públicas (FNSTFP), publicado no BTE n.º15 de 22 d e Abril de 2011. O Anexo I do CCT, que contém a definição de funções, determina que a categoria de Escriturário, que se encontra dentro dos “Trabalhadores Administrativos”, tem as seguintes funções: “executa várias tarefas, que variam consoante a natureza e importância do escritório onde trabalha; redige relatórios, cartas, notas informativas e outros documentos, manualmente ou à máquina, dando-lhe o seguimento apropriado; examina o correio recebido, separa-o, classifica-o e compila os dados que são necessários para preparar as respostas; elabora, ordena e prepara os documentos relativos à encomenda, distribuição, faturação e realização das compras e vendas; recebe pedidos de informação e transmite-os à pessoa ou serviços competentes; põe em caixa os pagamentos de contas e entregas recebidos; escreve em livros as receitas e despesas, assim como outras operações contabilísticas; estabelece o extrato das operações efetuadas e de outros documentos para informação superior; atende os candidatos às vagas existentes e informa-os das condições de admissão e efetua registos do pessoal; preenche formulários oficiais relativos ao pessoal ou à instituição; ordena e arquiva notas de livrança, recibos, cartas ou outros documentos e elabora dados estatísticos; escreve à máquina e opera com máquinas de escritório; prepara e organiza processos; presta informações e outros esclarecimentos aos utentes e ao público em geral.”
A categoria de ajudante de ação educativa, que se encontra dentro dos “Trabalhadores de Apoio”, tem as seguintes funções: “Participa nas atividades sócio-educativas; ajuda nas tarefas de alimentação, cuidados de higiene e conforto diretamente relacionados com a criança; vigia as crianças durante o repouso e na sala de aula; assiste as crianças nos transportes, nos recreios, nos passeios e visitas de estudo.”

A cláusula 15.ª do CCT estipula:
1- O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que foi contratado.
2- A atividade contratada, ainda que descrita por remissão para uma das categorias profissionais previstas no anexo I, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização pessoal e profissional.
3- Para efeitos do número anterior, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as atividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional.
4- Considera-se haver desvalorização profissional sempre que a atividade que se pretenda qualificar como afim ou funcionalmente ligada exceder em um grau o nível de qualificação em que o trabalhador se insere.
(...)”

À exceção do n.º4, a cláusula acima transcrita reproduz o conteúdo dos n.ºs 1 a 3 do art.º 118.º (Funções desempenhadas pelo trabalhador) do CT:
1- O trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.
2- A atividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
3- Para efeitos do número anterior e sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as funções compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional”.

A atividade para que o trabalhador se encontra contratado é determinada por acordo entre o empregador, cfr. n.º 1 do art.º 115º do CT, sendo que esta determinação pode ser feita por remissão para categoria de instrumento de regulamentação coletiva do trabalho (IRCT) ou de regulamento interno de empresa (cfr. nº2 do mesmo artigo).

O princípio da invariabilidade da prestação mostra-se consagrado no art. 118.º, nº1 do CT.

As funções afins ou funcionalmente ligadas à atividade nuclear que correspondam a outras atividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional do trabalhador, para que o trabalhador tenha qualificação e que não impliquem a sua desvalorização profissional, podem ser exercidas acessoriamente a esta (art.s 118º, nºs 2 e 3) e integram a “atividade contratada em sentido amplo”, não conferindo o direito de reclassificação.

E pode também o trabalhador ser chamado a desempenhar temporariamente funções não compreendidas na função que lhe foi atribuída nas situações limitadas da mobilidade funcional, reguladas no art. 120º do mesmo Código.

Um dos princípios que a doutrina tem assinalado, como inerente à proteção da categoria profissional é o da proibição da mudança unilateral e definitiva de categoria, ainda que esta se não traduza numa baixa de categoria, como resulta dos princípios gerais dos contratos (a pacta sunt servanda - artigo 406.º, n.º 1 do Código Civil).

Ainda que as funções que a Recorrente passou a desempenhar a partir de 19 de maio de 2012 não impliquem uma desvalorização profissional – o que não se concede – porquanto as funções de uma categoria e de outra não estão compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional, a Recorrida não tem legitimidade para colocar a Recorrente a exercer a título permanente e definitivo em horário completo, sem o seu acordo, funções que se considerem afins ou funcionalmente ligadas e que são acessórias da atividade principal contratada, que é a de escriturária.

Atividade que a Recorrente desempenhou a título principal e permanente até 18 de maio de 2012 e não mais passou a exercer até ao presente momento.

A referida alteração de funções não observa, igualmente, os pressupostos do ius variandi ou mobilidade funcional constantes do artigo 120.º do CT, pois nada demonstra – pelo contrário – que deva entender-se como “temporária” a ordem de alteração de funções transmitida ao trabalhador”.
*
*
Importa interpretar o disposto na cláusula 15 do CCT. Com efeito, dispondo o n.º 1 que o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que foi contratado, o n.º 2 refere que a atividade contratada, ainda que descrita por remissão para uma das categorias profissionais previstas no anexo I, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização pessoal e profissional. Quais são as atividades afins ou funcionalmente ligadas? São desde logo as compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional (n.º 3), mas desde que a atividade não exceda em um grau o nível de qualificação em que o trabalhador se insere.

Considerando a alusão do n.º 3 ao “mesmo grupo ou carreira profissional” e o anexo I do CCT, concernente à “Definição de funções”, afigura-se claro que a atividade contratada abrange as categorias inseridas em cada grupo. Por ex., no dos médicos temos o diretor de serviços clínicos, o médico de clínica geral e o médico especialista, em cujo âmbito poderá ser solicitada a prestação da atividade aos clínicos, se outro motivo não o obstar.

No caso, os escriturários encontram-se no grupo dos trabalhadores administrativos, enquanto que os ajudantes de ação educativa se inserem no dos trabalhadores de apoio.

O enquadramento das profissões em níveis de qualificação encontra-se no anexo III. A simples observação deste anexo III leva a afastar o argumento da sentença recorrida para considerar que a R. poderia sempre exigir mudança de atividade à A. atento seu nível de qualificação, o qual apenas variaria um ponto. A ser assim poder-se-ia exigir aos médicos – voltado a este exemplo – funções de arquiteto, consultor jurídico, director de serviços, educador de infância; engenheiro técnico, psicólogo, entre muitas outras (e estes até se encontram todos no mesmo grupo, dos quadros superiores). Uma coisa é a mudança não envolver prejuízo, na óptica do CCT, para o trabalhador, conforme resulta deste anexo conjugado com os n.º 2 e 3 da cláusula 15; outra, prévia, é saber se existe a afinidade necessária para a mesma poder ter lugar.

Acontece que o n.º 2 permite a mudança desde que as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas. Esta afinidade existe desde logo quando a carreira faz parte do mesmo grupo, mas não só, como resulta do termo “designadamente”.

Também face ao CT é conveniente apurar o sentido deste termo. Efetivamente, nos termos do art.º 115º, n.º 1, cabe às partes determinar por acordo a atividade para que o trabalhador é contratado. O trabalhador deverá exercer funções correspondentes à atividade para que foi contratado, devendo o empregador atribuir-lhe as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional; mas a atividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional (art.º 118, n.º 1 e 2).

Ora, a afinidade prende-se com a proximidade funcional da atividade com aquela que o trabalhador está obrigado contratualmente a prestar. É preciso que exista uma conexão entre ambas que torne inteligível que o empregador exija essa atividade ao trabalhador, face às capacidades profissionais deste, em termos tais que o trabalhador não deixe de prestar o núcleo de atividades próprias da sua carreira ou categoria (convergindo neste sentido cfr. o ac. da RP 07/07/2016: “tendo o A., …, além das funções de assistente comercial passado também a desempenhar funções de consultor comercial, …, impõe-se concluir que não estamos perante uma situação de mobilidade funcional temporária (típica) tal como se encontra prevista no artigo 120.º, do CT, no entanto, também não estamos perante o exercício de funções compreendidas na atividade contratada, tal como se encontra definida no artigo 118.º, n.º 1, do C.T., pois as funções de consultor comercial não são afins ou funcionalmente ligadas às de assistente comercial, antes consubstanciam uma categoria profissional distinta, pelo que, estamos, assim, face a uma espécie de “mobilidade funcional atípica”).

Pois bem. A atividade que a A. passou a prestar está fora do âmbito das funções de escriturária, não podendo afirmar-se que subsiste um núcleo essencial. Isso é indispensável para se poder afirmar que se manteve a categoria real, ainda que nominalmente e do ponto de vista retributivo a situação se mantenha (contudo, como resulta do exposto, o que importa é a categoria real – convergindo, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, ac. de 15/09/2016: “a categoria profissional dum trabalhador afere-se pelas funções efetivamente desempenhadas por este”); de outro modo há uma alteração da categoria (neste sentido cfr. ac. RL, 21.12.2017:  I.– A lei admite que sejam exigidas ao trabalhador outras tarefas, fora da categoria, mas apenas como atividades acessórias (art.º 118.º, n.º 4 do CT). II.– Só são acessórias as funções que ocupem, no horário de trabalho, parte e menos tempo do que a função principal, nunca a podendo substituir integralmente. III.– Fora deste quadro, ocorre uma modificação ilícita do contrato, por violação do princípio geral pacta sunt servanda (art.º 406.º n.º 1 do CC). IV.– Se as novas tarefas atribuídas pela empregadora ao trabalhador se compreenderem no objeto do contrato, a licitude da respetiva ordem deve encontrar-se no instituto da polivalência funcional (art.º 118.º, n.os 1 e 2 do CT); se o excederem, tal terá que ser feito no da mobilidade funcional (art.º 120.º do CT).

Destarte, a A. tem razão nesta parte: as funções de escriturária de 1ª não são afins das de alimentar, higienizar e monitorizar no recreio e as atividades extra-curriculares e nas sestas das crianças, vigiar e zelar a entrada e saída dos alunos do respetivo pavilhão bem como zelar pela boa manutenção dos equipamentos. Não têm nada a ver umas com as outras e, na verdade, a A. não manteve o núcleo de funções correspondentes à categoria de escriturária: desempenha de facto, funções correspondentes a outra categoria.

A alteração em causa não está abrangida pela mobilidade nem pela polivalência funcional.

Importa, pois, que seja reposta na atividade correspondente à sua categoria.
*

Dos danos não patrimoniais
De harmonia com o disposto no art.º 483º do Código Civil aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

Para haver responsabilidade civil importa que exista um facto, imputável ao agente, ilícito, a existência de danos nos direitos de outrem, havendo um nexo de causalidade entre o facto e os danos.
A imputação ao agente traduz um juízo de censura da sua conduta visto que o agente, no caso, podia e devia ter agido de modo a evitar o facto ilícito.

A culpa, na falta de outro critério legal, afere-se pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias concretas (art.º 487º, nº 2, do CC).

O art.º 496, n.º 1 do CC, estipula que, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

É pacífico que os danos não patrimoniais que surjam no âmbito da responsabilidade contratual são suscetíveis de ressarcimento, face ao princípio geral da responsabilidade civil de reparação dos danos (convergindo, por todos, cfr. ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 10-02-2005: “são ressarcíveis os danos não patrimoniais em sede de responsabilidade civil contratual, pois o art.º 496 do CC constitui o afloramento do princípio geral indemnizatório de tais danos”). 

Ponto é que sejam suficientemente graves para merecerem a tutela do direito.

Provou-se que (15) desde que foi colocada nas tarefas supra referidas a A. sofre de crises de ansiedade, depressão e apatia; (16) sente-se inferiorizada e diminuída; (17) no seu dia-a-dia toma medicamentos para minorar o seu sofrimento psíquico, sentindo-se inferiorizada e diminuída.

Do exposto resulta que existiu um facto ilícito cometido pela R., ao deslocar a A. para a prestação de funções alheias à categoria dela, daí resultando um quadro depressivo para a trabalhadora.

Verifica-se, pois, o conjunto dos pressupostos da responsabilidade civil.

A reparação destes danos, insuscetíveis de quantificação, é feita equitativamente, tendo presente o conjunto das circunstâncias (art.º 496, n.º 4, CC). Importa aqui ter presente as condutas da R. e da A., na medida em que esta não é alheia àquela (neste sentido, ainda que discutindo indemnização por despedimento, cfr. o Ac. desta RL de 27/02/2008: “na fixação do valor da indemnização (…) são de ponderar: (1) o valor da retribuição auferida pelo trabalhador, (2) a ilicitude do comportamento assumido pelo empregador e (3) a culpa deste na assunção desse comportamento”).

Ora, além daqueles factos, provou-se que a A. não mostrou capacidade para desempenhar satisfatoriamente as funções da sua categoria profissional, em quantidade e qualidade: (19) a A. não tinha a seu cargo o mesmo volume e complexidade das tarefas das colegas supra mencionadas; (20) sempre se revelou capaz de ocupar de um menor número de tarefas; (21) os trabalhos que a A. realizava necessitavam de frequentes correções das colegas; (22) a A. apresentava dificuldades na construção de textos, na aplicação das metodologias de trabalho mais adequadas e no acompanhamento de novos métodos e procedimentos, tendo recebido a mesma formação que todas as trabalhadoras da secção de pessoal; (23) verificou-se dificuldade da A. em acompanhar as colegas, uma redução do volume de trabalho por si produzido e uma consequente sobrecarga das colegas da Secção de Pessoal; (24) muitas vezes, quando chamada à atenção, a A. não aceitava a ajuda das colegas; (25) à A. eram distribuídas menos tarefas, mais simples e de menor complexidade, já que não conseguia desempenhar trabalho igual ao das suas colegas com a mesma categoria, em quantidade, complexidade e com qualidade inferior.
Claramente a conduta da A. está a montante da conduta da R., pois que além de trabalhar menos e pior do que as colegas, sobrecarregando-as, ainda rejeitava a ajuda destas, dando azo, pois, a problemas no local de trabalho.

Pesados todos os elementos, não resulta de lado algum que, sem aquela conduta da A. a R. reagiria exatamente deste modo.

Assim, e considerada a evidente responsabilidade parcial da A. nesta situação, julga-se adequada a compensação, equivalente a 1/3 do pedido, de € 1.000,00.
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Em suma, o recurso procede parcialmente.
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DECISÃO.
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso parcialmente procedente e determina a colocação da A. a exercer funções correspondentes ao conteúdo funcional da sua categoria de escriturária de 1ª.
Mais condena a R. a pagar à A. mil euros (1.000,00 €) a título de ressarcimento por danos não patrimoniais.
No mais confirma a sentença recorrida.
Custas da ação e do recurso pelas partes, na proporção de 2/3 para a A. e 1/3  para a R., sem prejuízo da isenção daquela.

Lisboa, 9 de maio de 2018
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega