Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2779/20.4T8ALM.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO OFICIOSA
INADMISSIBILIDADE
NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA
DESCONTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A redução da cláusula penal, de acordo com a equidade, qualquer que seja a sua função, não pode ser feita oficiosamente.

2. A isso se opõem os princípios da autonomia privada, da autorresponsabilidade das partes e o argumento retirado dos regimes dos negócios usurários e da resolução ou modificação do contrato.

3. Se o juiz controlar de ofício a cláusula penal, a sentença é nula por pronunciamento excessivo.

4. Desconto é a redução numa soma ou no total de uma conta ou quantia, um abatimento.

5. Chamar desconto (antecipado) à entrega de material que se mantém na propriedade do credor até à conclusão do negócio só pode ser considerado um artificio linguístico para tornar aliciante um negócio que tem contraprestações desequilibradas para o lado do fornecedor

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


 
T instaurou ação declarativa, com processo comum, contra S, pedindo a condenação desta no pagamento de € 8.996,00 de restituição do desconto antecipado, € 39.910,12 de restituição do valor do café em falta, juros de mora sobre a quantia total, à taxa de 4%, desde a citação e ainda nas custas devidas.

Alegou que celebrou com a demandada um contrato mediante o qual a ré se comprometeu a adquirir determinada quantidade mensal de café de um específico lote comercializado pela autora, em exclusividade e até atingir uma determinada pesagem total de café. Sucede que, a partir de determinada altura, a ré deixou de adquirir café à autora, sem que tivesse atingido a pesagem total contratada. Apesar de instada a cumprir o contratado, a ré jamais o voltou a fazer, pelo que a autora, tendo resolvido o contrato, tem direito à indemnização contratualmente prevista.

Regularmente citada, a ré não contestou.

Foi proferida decisão final que julgou parcialmente procedente a ação e, consequentemente, condenou a ré no pagamento à autora da quantia de € 9. 977,53, acrescida de juros desde a data da citação e até integral pagamento, à taxa de 4%.

Absolveu a ré do demais pedido.

Inconformada, interpôs a autora competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:  
Através da douta sentença recorrida, foi decidido, julgar parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente:
a)- condenar a Ré, aqui Recorrida, no pagamento à aqui Recorrente, da quantia de € 9.977,53, acrescida de juros, desde a citação, até integral pagamento, à taxa de 4%;
b)- absolver a Ré, aqui Recorrida, do remanescente pedido.

ATRAVÉS DA PRESENTE ACÇÃO, A AQUI RECORRENTE, VEIO PETICIONAR:
a)-Fosse decretada a resolução do contrato firmado, entre a aqui Recorrente e a aqui Recorrida;
b)- Fosse a aqui Recorrida condenada a pagar à aqui Recorrente, as seguintes quantias:
1. € 8.996,00, a título de restituição do desconto antecipado;
2. € 39.910,12, a título de restituição do valor do café em falta;
3. Os juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, calculados sobre € 48.906,12, desde a data da citação, até efectivo e integral pagamento.

PARA TANTO, a aqui Recorrente juntou com a sua P.I., o contrato firmado com a aqui Recorrida, contrato esse, cujo clausulado, se dá aqui por integralmente reproduzido e integrado.
Regularmente citada, a aqui Recorrida, não apresentou qualquer defesa/contestação, PELO QUE, por força do disposto no artigo 567o, no 1, do C.P.C., se consideram confessados todos os factos constantes da P.I., e articulados pela aqui Recorrente (factos provados 1) a 12), constantes da douta sentença recorrida).
ORA, atenta a factualidade, constante da P.I. (mormente aquilo que resulta do clausulado do contrato, firmado entre a aqui Recorrente e a aqui Recorrida), considerada confessada, e, como tal, provada, ocorreu incumprimento contratual da aqui Recorrida, e, como tal, tinha a aqui Recorrente, o direito de proceder à resolução do referido contrato, o que fez.
Em face do incumprimento contratual da aqui Recorrida, que conduziu à resolução do contrato, as partes estipularam, de livre e espontânea vontade, as respectivas consequências (Cláusulas Terceira e Sétima, do contrato em apreço).
ASSIM, a aqui Recorrente tem o direito a receber da aqui Recorrida, a restituição do valor concedido, a título de desconto antecipado, “no pressuposto único do cumprimento integral, escrupuloso e atempado das obrigações no seu conjunto”, a que a aqui Recorrida se vinculou (cfr. Cláusula Terceira, no 1, do contrato em apreço).
À mesma conclusão chegámos, por força do estipulado na Cláusula Sétima, no 1, do referido contrato, onde consta: “considera-se perdido o benefício do prazo concedido para a aquisição de café” e “sem descontos”.
POR OUTRO LADO, a aqui Recorrente e por força do estipulado na Cláusula Sétima, no 1, tem o direito a receber da aqui Recorrida, “o valor do café em falta de acordo com os seus extractos de consumos, ao PVP e IVA em vigôr, ( …) à data do efectivo pagamento do mesmo”.
10ªOU SEJA, a aqui Recorrente, tem o direito a receber da aqui Recorrida:
a)-€ 8.996,00, a título de restituição do desconto antecipado;
b)-€ 39.910,12, a título de pagamento do valor do café em falta, acrescido do respectivo I.V.A..
11ªMAS,assim não entendeu (quanto a nós, muito mal), o Meretíssimo Julgador a quo, denegando o direito ao recebimento do valor constante supra na alínea a) e “reduzindo” a ¼ o valor constante supra na alínea b), com o que, e para além do mais, ao assim decidir, violou o princípio da liberdade contratual, consagrado no artigo 405.º, nos 1 e 2, do C.C., artigo 406.º, no 1, do mesmo diploma legal, e, bem assim, violou o disposto no artigo 812.º, do C.C., pelas razões que infra se explanarão.
12ªRelativamente à restituição do desconto antecipado, do valor de € 8.996,00, refere-se na sentença recorrida, que não consta do contrato tal obrigação, nem resulta que a aqui Recorrente tenha “entregue esta quantia pecuniária cuja restituição pede”.
13ªJá referimos supra, que a obrigação de restituição do desconto antecipado, resulta do estipulado na Cláusula Terceira, n.º 1, e Cláusula Sétima, n.º 1, do contrato em apreço.
14ªPOR OUTRO LADO, o desconto antecipado, tanto pode ser entregue pela aqui Recorrente, ao seu “Cliente”, em bens ou em dinheiro (como acontece em variadíssimas vezes), tudo dependendo da vontade e necessidades deste (“Cliente”).
15ªPara a aqui Recorrente, seria até muito mais fácil e prático, a entrega do desconto antecipado, em dinheiro, efectuando uma simples transferência bancária, do que, e de acordo com as necessidades do “Cliente” (bens e equipamentos que necessita para o seu estabelecimento comercial), arranjar fornecedores (dependendo dos bens e equipamentos), contratar e pagar aos mesmos, para que os bens e/ou equipamentos, sejam entregues no estabelecimento do “Cliente”.
16ªDESTA FORMA,não colhe o argumento/fundamento, constante da sentença recorrida, para a não restituição do desconto antecipado, pelo facto do mesmo, ter sido “pago”, em bens e equipamentos, e não em dinheiro.
17ªOlvidou também o Meritíssimo Julgador a quo que, quando os bens e equipamentos, são entregues ao “Cliente”, os mesmos são novos, e portanto têm um valor de mercado, no estado de “novos”.
18ªFruto do uso, aqueles mesmos bens e equipamentos, vão se deteriorando, e perdendo, óbviamente, o seu valor de mercado. Daí que, se tenha estipulado na Cláusula Terceira, no 3, do contrato em apreço (cláusula essa, como, aliás, todas as outras, aceites pela aqui Recorrida) que, no final do contrato, o “Cliente”, pague um valor residual de 2% do valor dos bens e equipamentos, à data em que foram entregues, transferindo-se, assim, a propriedade dos mesmos, para o “Cliente”.
19ªEM SUMA, é devido à aqui Recorrente, a quantia de € 8.996,00, a título de restituição do desconto antecipado.
20ªAO DECIDIR EM CONTRÁRIO, o Tribunal a quo violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 405.º, nos 1 e 2 e 406.º, no 1, ambos do C.C..
21ªNa sentença recorrida, decidiu-se que, o constante da Cláusula Sétima, nº 1, do contrato dos autos (obviamente aceite, de livre e espontânea vontade, pela aqui Recorrida), constitui uma “cláusula penal”.
22ªSem questionar, o carácter e a natureza de “cláusula penal”, do que consta da referida cláusula contratual, mais se fez constar da sentença recorrida que, “O artigo 812.º, no 1 do Código Civil prevê que o Tribunal possa reduzir a cláusula penal, de acordo com a equidade, se esta for manifestamente excessiva, como é indubitavelmente o caso destes autos.”
23ªCom o devido respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, o que se fez constar da sentença recorrida, e que supra se transcreveu, está ERRADO, a nível legal e jurisprudencial.
24ªDE FACTO, e conforme supra se alegou, e consta dos autos, a aqui Recorrida, não apresentou defesa/contestação, no prazo que legalmente lhe foi concedido.
25ªORA,o que o Meritíssimo Julgador a quo fez, salvo o devido respeito, que é muito, foi “substituir-se” à aqui Recorrida, e defendê-la a ela própria, quando ela não o fez.
26ªOU SEJA,o Meritíssimo Julgador a quo, colocou-se no “papel de parte”, e não de Julgador.
27ªDE FACTO,e conforme decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, no seu Acórdão de 17/09/2020 (in www.dgsi.pt): “A redução equitativa da cláusula penal, prevista no artigo 812.º do Código Civil, não é oficiosa, dependendo do pedido do interessado, a quem caberá alegar e provar os factos de onde seja possível extrair a excessividade da estipulação, fora dos limites comportáveis pela liberdade contratual.”
28ªNo mesmo sentido, vai o Acordão do tribunal da Relação do Porto, de 24/09/2018 (in www.dgsi.pt), onde se decidiu: “ II- O uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal previsto no artigo 812.º do Código Civil dependendo da verificação dos seguintes pressupostos:
i.-Pedido de redução, expresso ou implícito, e formulado pelo devedor;
ii.-Existência de uma pena ostensivamente desproporcionada em face do dano que a mesma visa ressarcir ou em face dos fins compulsórios que a mesma visa atingir, ligados ao interesse do credor no cumprimento integral e pontual do contrato;
III- Incumbe ao devedor o ónus de alegar – nos respectivos articulados – e de provar os factos concretos que eventualmente integrem a desproporcionalidade da pena, podendo o Juiz, se provados esses factos concretos, reduzir, mas não invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva.”
29ªMAIS SE ALUDE,ao decidido, por este Venerando Tribunal, no seu Acórdão de 08/05/2012 (in www.dgsi.pt), onde consta: “ A faculdade de redução da cláusula penal, por manifestamente excessiva, em conformidade com o disposto no artigo 812.º do Código Civil, não pode ser exercida oficiosamente pelo Juiz, sendo necessária que seja requerida pelo devedor.”
30ªCom base em tudo quanto se deixa alegado, cai por terra, a decisão do Tribunal a quo, de julgar improcedente, o peticionado sob no 2, alínea b), da P.I., (pagamento do valor do café em falta + I.V.A.), PORQUANTO, ao Meritíssimo Julgador a quo, estava vedada, a aplicação oficiosa, do disposto no artigo 812o, no 1, do C.C..
31ªMAS MAIS, E SEM PRESCINDIR, a fundamentação utilizada, na sentença recorrida, quanto à natureza, razão de ser e objectivo de uma “cláusula penal”, não colhe, DE TODO.
32ªDE FACTO, a conclusão constante da sentença recorrida, não faz qualquer sentido, quando se refere e fez constar: “ O que nos leva a concluir tratar-se de uma indemnização manifestamente excessiva, à luz da equidade, permitindo que a autora recebesse, de uma só vez, sem custos, sem riscos, um valor largamente superior àquele que receberia se o contrato tivesse sido escrupulosamente cumprido até ao fim pela ré, situação em que a autora teria de assegurar despesas de administração, de pessoal e de transporte, teria de entregar a mercadoria à ré e despender o seu custo ao seu fornecedor e teria ainda de entregar o IVA ao Estado”
33ªOU SEJA, para o Meritíssimo Julgador a quo, existir ou não “cláusula penal” é indiferente, porque, em termos contratuais, a parte que cumpre, deve “receber” e ser ressarcida, como se não existisse incumprimento da contraparte, isto é, como se o contrato fosse escrupulosamente cumprido por esta, o que não faz qualquer sentido.
34ªDE FACTO, e conforme consta do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 17/09/2020, supra referido: “ (…) a cláusula penal não se limita à função de fixação prévia e convencional do montante da indemnização, tendo também uma função de estímulo e de reforço do cumprimento do contrato, como meio eficaz de pressão ao cumprimento da obrigação (função ressarcidora e função coercitiva).”
35ªDESTA FORMA,e também por esta via, mal andou o Tribunal a quo, ao decidir reduzir para ¼, o valor peticionado no número 2, alínea b), constante da parte final da P.I..
36ªEM SUMA,o Tribunal a quo, deveria ter decidido, pela procedência total, do peticionado no número 2, alínea b), constante da parte final da P.I., OU SEJA, condenando a aqui Recorrida a pagar à aqui Recorrente, a quantia de € 39.910,12.
37ªAO DECIDIR EM CONTRÁRIO, o Tribunal a quo, violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 405.º, nos 1 e 2, 406.º, n.º 1 e 812.º, todos do Código Civil.
38ªRELATIVAMENTE AOS JUROS DE MORA, o Tribunal a quo, decidiu, e bem, condenar a aqui Recorrida, no pagamento dos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
39ªEM CONCLUSÃO, deveria o Tribunal a quo, ter condenado a aqui Recorrida a pagar à aqui Recorrente, a totalidade do peticionado por esta, e, nessa medida, julgando a presente acção totalmente procedente.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, nessa medida, revogando-se a douta sentença recorrida, e proferindo-se decisão que julgue a presente acção totalmente procedente, nos termos supra fundamentados, far-se-á, INTEIRA E SÃ JUSTIÇA».

Não há contra-alegações.

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Constitui questão decidenda saber se.
i)-houve pronúncia indevida quanto à redução da cláusula penal;
ii)- a recorrente tem direito a uma quantia pecuniária a título de restituição do desconto antecipado;

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São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1)A A., tem a denominação social de “T, Lda.”, e tem como objeto social: “Indústria de torrefação, moagem e empacotamento de cafés e seus sucedâneos”,
2)No exercício da sua atividade, a autora celebrou com a ré, contrato denominado de “ACORDO COMERCIAL”, em 6 de julho de 2017, através do qual a ré obrigou-se perante a autora:
a)- a adquirir, em regime de exclusividade, para consumo no seu estabelecimento, denominado “Os”, sito na…, pelo período de 60 meses, durante o qual se obriga a publicitar a marca “T”, e a adquirir café e seus sucedâneos, além de outros produtos da marca “T”, adquirindo, mensalmente, a quantidade mínima de 25 Kgs. de café, Lote “Buono”, ou seja, a quantidade mínima de 1500 Kgs., durante o período de vigência do contrato (cláusula 1ª);
b)-Durante o período de vigência do presente contrato, obriga-se a não adquirir a terceiros, publicitar e consumir no seu estabelecimento comercial, produtos concorrentes e/ou comercializados pela autora, e que a ré declarou expressamente conhecer (cláusula 2ª).
3)À data da celebração do referido contrato, o preço de cada Kg. de café, Lote “Buono”, era de 22,77€ + I.V.A., podendo ser unilateralmente revisto e alterado pela autora, de acordo com o PVP.
4)Por seu turno, a autora concedeu à ré, um desconto antecipado, de 6,00€ por Kg., na aquisição prevista de 1500 Kgs. (60 meses x 25 Kgs. mensais), de café, Lote “Buono”, no valor global de € 8.996,00, e que foi pago pela A. à Ré, da seguinte forma:
a)-Aquisição de 1 (Uma) Máquina de café II grupos automática Casadio; 1 (Um) Moinho de Café K6; 1 (Uma) Máquina de Lavar chávenas; 3 (três) Mesas de interior usadas; 9 (Nove) Cadeiras de interior Usadas; 4 (Quatro) Telas para Toldos; (1) Luminoso de série, perfazendo tudo a quantia de € 8.996,00;
5)-O contrato acima identificado tinha prazo de vigência de 60 meses, tendo o seu início em 06/07/2017,
6)-Ficou convencionado que durante o período em que o contrato estivesse vigente, o direito de propriedade dos bens supra descritos em 4) ficaria na titularidade da autora.
7)-Os bens e equipamentos supra descritos em 4) foram entregues à ré,
8)-Conforme consta da Cláusula Sexta do contrato, este pode ser resolvido, por qualquer das partes, nos termos gerais do direito, bem como ocorrendo, entre outras, alguma das seguintes circunstâncias:
a)-Ocorrendo a violação das obrigações estabelecidas nas Cláusulas 1ª, 2ª, 4ª e 5ª do presente contrato;
b)-Ocorrendo, por qualquer motivo, o encerramento do estabelecimento comercial do Segundo(a) Outorgante (…), ou a suspensão ou interrupção da atividade por um período superior a 60 (sessenta) dias;
c)-Comercialização de produtos de outras marcas concorrentes e em violação da exclusividade fixada;
d)-Suspensão ou interrupção das encomendas ou fornecimentos, por causa imputável a qualquer dos Outorgantes, por um período superior a 60 (sessenta) dias”.
9)A ré, desde o início do contrato, ou seja, desde 2017, não atingiu o valor estipulado de aquisições mensais mínimas de café, estabelecidas na cláusula 1) a) do contrato, sendo sistemática e regularmente interpelada pela autora, verbalmente e por escrito, para que cumprisse tal obrigação contratual,
10)Através do advogado signatário, a autora comunicou à ré, por carta registada com aviso de receção, datada de 15/05/2019, a resolução do contrato com fundamento em incumprimento contratual imputável à ré,
11)Durante o período de vigência do contrato, a ré adquiriu à autora, apenas 24 Kgs. de café,
12)Conforme consta da Cláusula Sétima, nº 1 do contrato firmado entre a autora e a ré, e em caso de resolução do mesmo, tem aquela o direito a receber desta: “(…) o valor do café em falta de acordo com os seus extratos de consumos, ao PVP e IVA em vigor, e sem descontos, à data do efetivo pagamento do mesmo”.

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Da nulidade por excesso de pronúncia

O tribunal entendeu que a cláusula sétima, 1 (Consequência da resolução do presente contrato, por motivo imputável, objectiva ou subjectivamente, à Segunda Outorgante, considera-se perdido o benefício do prazo concedido para aquisição do café tendo a Primeira Outorgante direito a receber o valor do café em falta de acordo com os seus extractos de consumos, ao PVP em vigor e IVA, e sem descontos, à data do efectivo pagamento do mesmo), tem a natureza de uma cláusula penal manifestamente excessiva. Por isso reduziu-a oficiosamente para ¼ do valor fixado ex artigo 812.º.

A recorrente entende que o tribunal não o podia ter feito.

Vejamos.

Preceitua o artigo 810.º, n.º 1, do CC que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.

Assinala Pinto Monteiro que, «como o seu nome indica, trata-se de uma estipulação negocial em que qualquer das partes, ou uma delas apenas, se obriga antecipadamente, perante a outra, a efectuar certa prestação, normalmente em dinheiro, em caso de não cumprimento, ou de não cumprimento perfeito (máxime, em tempo) de determinada obrigação. Deve o seu nome à stipulatio poenae do direito romano’’(Cláusula Penal e Indemnização, Almedina, Coimbra, 1990:44).

Este autor insurge-se contra a concepção tradicional que concebe a cláusula penal como figura unitária, bifuncional e de natureza indemnizatória.
Ou, dito de outro modo, contra a ideia de que a cláusula penal é uma figura unitária, comportando uma dupla função e revestindo natureza essencialmente indemnizatória.

De acordo com o seu parecer, «o legislador [de 66] concebeu a cláusula penal como forma de liquidação convencional do dano, melhor, de fixação antecipada do montante de indemnização (artigo 810.º, n.º 1). Todavia, não terá desejado retirar às partes a possibilidade de estas, através da cláusula penal, prosseguirem uma finalidade compulsóriaou, ao invés, limitativada indemnização» (op.cit:318).

Em alternativa à teoria tradicional da dupla função, o autor defende uma dualidade de manifestação da cláusula penal: «Do que se trata (…) é de apurar o título a que a cláusula penal é estipulada, a função que visa prosseguir, de acordo com ela se definindo a sua natureza jurídica – indemnizatória ou sancionatória – e o seu regime, no que concerne a alguns aspectos, cuja disciplina terá de ser diferenciada. O abandono da construção jurídica assente na tese da dupla função implica justamente que a cada função deva corresponder uma espécie ou modalidade de cláusula penal’’ (op. cit: 675).

Em função do objectivo das partes aquando da fixação da cláusula penal, a doutrina e a jurisprudência têm distinguido as cláusulas penais em três modalidades distintas:
- cláusula penal com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor e com o objectivo de liquidar, antecipadamente, de modo ne varietur o dano futuro;
- cláusula penal de natureza compulsória, que tem por objectivo compelir o devedor a cumprir e em que a pena acresce ao cumprimento ou à indemnização pelo incumprimento, sendo a finalidade das partes a de pressionar o devedor a cumprir, e já não a de substituir a indemnização;
- cláusula penal stricto sensu , cuja estipulação, visando compelir o devedor ao cumprimento, substitui o cumprimento ou a indemnização pelo não cumprimento, não acrescendo a nenhum deles.

Dispõe o artigo 812.º do CC, sob a epígrafe redução equitativa da cláusula penal:
«1.-A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2.-É admitida a redução nas mesmas circunstâncias, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida’’

Seguindo ainda Pinto Monteiro pode dizer-se que «o artigo 812.º encerra um princípio de alcance geral, destinado a corrigir excessos ou abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual, ao nível da fixação das consequências do não cumprimento das obrigações. Daí, precisamente, como temos dito, que o critério decisivo, que legitima e pauta a redução pelo juiz, seja a equidade»; «haja a pena sido estipulada a título indemnizatório ou como sanção compulsória, ela será abrangida pelo poder conferido ao juiz, nos termos do artigo 812.º»; «a nosso ver, o fundamento que subjaz ao artigo 812.º é o princípio da boa fé, ao nível do exercício de determinado direito» (op. cit:730/731).
No que tange aos requisitos que condicionam a redução propriamente dita opina o Professor de Coimbra que mais uma vez se cita: «o tribunal só poderá reduzir a pena, de acordo com a equidade, caso ela seja manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, tenha a obrigação sido ou não pontualmente cumprida.

O que significa, a nosso ver, que o artigo 812.º faz depender a redução, quer de requisitos de ordem objectiva, quer de factores de ordem subjectiva. Além da expressa referência à equidade- que reputamos constituir o pressuposto decisivo – a própria fórmula por que optou o legislador – pena ‘’manifestamente excessiva’’ – mostra que não bastará a sua mera superioridade, maior ou menor, em face do dano efectivo, para legitimar de per se, a redução, antes terá o tribunal de ponderar outro tipo de factores, entre os quais alguns que revestem uma índole subjectiva, para saber se, e em que medida, a pena constitui um excesso e traduz um exercício abusivo, pelo credor, do direito à pena. O que implica ao mesmo tempo, que o tribunal tenha de apurar a finalidade com que a pena foi estipulada, ou seja a espécie prevista pelos contraentes, uma vez que a pena poderá não ser ‘’manifestamente excessiva’’. Se houver sido determinada por um intuito compulsório, mas já poderá sê-lo, todavia, se ela tiver sido acordada a título de mera liquidação prévia do quantum respondeatur.

Ao decidir que a pena é manifestamente excessiva, o tribunal dá por verificado o pressuposto de que depende o exercício da sua actividade sindicante, o qual já constitui, porém, ao mesmo tempo, o resultado de uma ponderação equilibrada de todos esses factores que devem intervir na formação do seu juízo. O que significa, assim, que, decidindo reduzir a pena, por se acharem preenchidas as respectivas condições, o tribunal decide de igual forma, sobre a medida em que a redução se justifica. O critério que deve nortear o tribunal é, portanto, o mesmo» (op. cit:739-741).

Uma nota suplementar para pôr em destaque que «o ónus da prova recai sobre o devedor que pretende a redução da pena, e que, sendo devidos juros, sê-lo-ão a partir do momento em que o devedor foi interpelado, ainda que recaindo sobre a quantia entretanto reduzida pelo tribunal» (op. cit: 747).

Ora: no caso sujeito não temos dúvidas em considerar que a cláusula penal ínsita no n.º 1 da cláusula 7.ª do contrato, se reveste de um intuito compulsório.

Na verdade, ela justapõe-se aos efeitos normais da liquidação do negócio por via resolutiva, o que acarretaria, salvo disposição em contrário eventual indemnização pelo dano de confiança.
Tendo sido acordada como sanção compulsória, questiona-se se a mesma pode ser ou não objecto de controlo judicial oficioso.
A favor da primeira resposta, afirmativa, pode referir-se Nuno Pinto de Oliveira, (a que poderíamos associar Vaz Serra e Ana Prata), quando num estudo relativamente recente refere que: «se o juiz deve conhecer oficiosamente o abuso (individual) do direito de exigir «benefícios excessivos ou injustificados» ou o incumprimento de obrigações de forma que «afecta gravemente os princípios da boa fé» deverá conhecer oficiosamente o abuso (individual) do direito de exigir uma pena desproporcionada ou excessiva – manifestamente desproporcionada, manifestamente excessiva-; se, existindo abuso (individual) do direito, o juiz deve modificar oficiosamente o contrato afectado pala alteração anormal das circunstâncias ou o negócio usurário, deverá modificar oficiosamente, deverá reduzir oficiosamente, uma pena desproporcionada ou excessiva – manifestamente desproporcionada, manifestamente excessiva; e, por isso, a conexão sistemática entre os artigos 282.º, 437.º e 812 há-de considerar-se como um argumento favorável à admissibilidade da redução oficiosa da pena convencional» («Em tema da redução oficiosa da pena convencional», Estudos em comemoração do 10.º aniversário da licenciatura em direito da Universidade do Minho, Almedina, Coimbra, 2004:762/762).

Por outro lado, na jurisprudência, muitos Acórdãos se têm pronunciado no sentido neste estudo perfilhado.

De entre eles, o AC. STJ, de 09.02.1999, CJ/STJ, T 1: 97, citado no referido estudo, que avança, essencialmente, dois argumentos, a saber: por um lado, se a fixação da justa indemnização é matéria de direito «pode também admitir-se que é da mesma natureza decidir se uma pena convencional é ou não manifestamente excessiva, em relação ao dano que se visa prevenir» (Ac. STJ, de 14.02.75, BMJ 244:261); por outro lado, considerando o carácter imperativo do derradeiro segmento da norma do  artigo  812.º, n.º 1, CC.

Não concordamos com este ponto de vista. Os argumentos contra a admissibilidade da redução oficiosa, que secundamos, radicam no princípio da autonomia privada (o que não é pouco), e no correspectivo princípio processual da autorresponsabilidade das partes (o que também não é de somenos), e, bem assim, no argumento sistémico retirado dos artigos 282.º, 283.º e 437.º a 439.º CC.

Como diz muito claramente o citado professor Pinto Monteiro, na obra citada: “a primeira condição para que o tribunal possa ajuizar sobre o montante excessivo da pena, é que o devedor solicite a sua redução, ainda que de forma indirecta ou mediata, contestando o seu elevado valor. O que pressupõe, por sua vez, que o credor haja exigido o cumprimento da pena»  (op. cit:734).
Por sua vez, Calvão da Silva escreve: «Ao atribuir ao juiz o poder de reduzir esta [a cláusula penal] de acordo com a equidade, sem ter tido o cuidado de expressamente referir a pedido do credor (deve ter havido um lapso: credor em vez de devedor), a lei parece tolerar a interpretação de que o juiz pode proceder ex officio à redução da pena excessivamente onerosa (neste sentido, em Itália, em que o artigo 1384.º do Código Civil também não resolve expressamente a questão, cfr. Gerbo, Clausole penale e danno, in «Riv. dir.civ.», 1983.II, p.214, nota 42 e jurisprudência aí citada). Porém, porque a cláusula penal não é independente da indemnização, antes fixa a indemnização exigível, julgamos melhor solução dizer que o juiz não pode reduzir a pena convencionada oficiosamente, sob pena de estar a julgar ultra petitum, e ainda (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, anotado, II, cit., p. 69) que os negócios usurários, em geral se prescreve o regime de anulabilidade e não o da nulidade (art. 282.º), não se justificando a redução ex officio, em face do regime legal da anulabilidade, invocável apenas pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece (art.287.º)» (Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987: 275-276, nota 501).

Esta posição foi seguida pela maioria da jurisprudência, como se pode conferir nos seguintes Acórdãos aqui citados a título exemplificativo:
- STJ 18.01.2018, Proc. 473/14.4T8LRA.C1.S1
- STJ 25.03.2009, Proc. 09AO440
- ARL 08.06.2021. Proc. 1340/18.8T8CSC.L1
- ARL de 21-05-2020, proc. 28037/15.8T8LSB.L1-2
- ARL de 04-12-2014, proc. 7964/13.2YIPRT.L1-8
Concluindo: a redução de cláusula penal ao abrigo do disposto no art. 812º do CC não pode operar por intervenção oficiosa do juiz, antes depende de adequado pedido do devedor, o qual tem o ónus de alegar e demonstrar os factos integradores da excepção em causa.

A ré, que nem sequer contestou, não satisfez este ónus. Consequentemente, a sentença conheceu de questão que não foi submetida à apreciação do juiz.

Existe, portanto, nulidade ex artigo 615.º, 1, d), devendo, por conseguinte, ser revogada a sentença recorrida nesta parte e julgado procedente o competente pedido, na sua totalidade, por ser inquestionavelmente devido .

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Da restituição do desconto antecipado de € 8996,00

Diz a recorrente que:
i)-a obrigação de restituição do desconto antecipado, resulta do estipulado na Cláusula Terceira, n.º 1, e Cláusula Sétima, n.º 1, do contrato em apreço.
ii)-o desconto antecipado, tanto pode ser entregue pela aqui Recorrente, ao seu “Cliente”, em bens ou em dinheiro (como acontece em variadíssimas vezes), tudo dependendo da vontade e necessidades deste (“Cliente”).
iii)-seria até muito mais fácil e prático, a entrega do desconto antecipado, em dinheiro, efectuando uma simples transferência bancária, do que, e de acordo com as necessidades do “Cliente” (bens e equipamentos que necessita para o seu estabelecimento comercial), arranjar fornecedores (dependendo dos bens e equipamentos), contratar e pagar aos mesmos, para que os bens e/ou equipamentos, sejam entregues no estabelecimento do “Cliente”.
O desconto é a redução numa soma ou no total de uma conta ou quantia; abatimento.
Normalmente, o desconto é antecipado e não postecipado, ou seja, num momento em que está pendente o pagamento da quantia a que se obriga o devedor, e não depois de esta estar paga.
Chamar desconto à entrega de material que se mantém na propriedade do credor até à conclusão do negócio só pode ser considerado um artificio linguístico para tornar aliciante um negócio que tem contraprestações deveras desequilibradas para o lado do fornecedor. De resto, em bom português, «faz-se um desconto» não se «paga um desconto».

Vejamos então o que estipulam as ditas cláusulas:

Cláusula Terceira
1.No pressuposto único do cumprimento integral, escrupuloso e atempado das obrigações no seu conjunto a que a Segunda Outorgante se vinculou, nos termos das cláusulas precedentes, a Primeira Outorgante obriga-se a conceder-lhes-sendo esta a única obrigação correspondente às obrigações a Segunda Outorgante se vincula (SIC)- um desconto de € 6,00 (seis euros) por cada Kg. de café a que esta se vinculou no valor global de € 8.996,00 (oito mil novecentos e noventa e seis euros), a ser pago, antecipadamente, sem revisão, da seguinte forma:
a)- Aquisição de 1 (uma) máquina de Café II Grupos automática Casadio, 1(um ) Moinho de café K6, 1 (uma) Máquina de Lavar chávenas, 3 (três) Mesas de interior usadas, 4 (quatro) telas para toldos, 1 (um) luminoso de série, tudo no valor de € 8.996,00, a entregar após solicitação da Segunda Outorgante já adjudicados.
Cláusula Sétima
1.Consequência da resolução do presente contrato, por motivo imputável, objectiva ou subjectivamente, à Segunda Outorgante, considera-se perdido o benefício do prazo concedido para aquisição do café tendo a Primeira Outorgante direito a receber o valor do café em falta de acordo com os seus extractos de consumos, ao PVP em vigor e IVA, e sem descontos, à data do efectivo pagamento do mesmo.

Como se sabe e resulta do artigo 236.º do CC (cfr. também artigo 238.º) os contratos interpretam-se de acordo com a chamada teoria da impressão do destinatário, e não, obviamente, em conformidade com a impressão ou intenção do declarante.

Mota Pinto, que perfilha sem hesitar este ponto de vista, esclarece que devem ser atendíveis, na tarefa interpretativa, «todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta» (Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª ed., Coimbra ed., Coimbra, 2005:446).

O primeiro grau entendeu que «…compulsado o contrato celebrado entre as partes, constata-se que não resulta de qualquer cláusula do mesmo que a autora tenha direito a ser restituída desta quantia, nem resulta que a autora tenha, sequer, entregue esta quantia pecuniária cuja restituição pede.

O que resulta do contrato é que o preço de venda ao público, geral ou regular, dir-se-á, do quilograma de café do lote “Buono” é de 22,77€ + IVA (cfr. cláusula 1ª), mas a autora compromete-se a vendê-lo à ré com um desconto de seis euros por cada quilograma, desconto cujo valor total é de 8996,00€ (cfr. cláusula 3ª, 1.).

Contudo, esse desconto não será aplicado diretamente ao preço de venda à ré, quilograma a quilograma, em cada aquisição que esta faça, mas é “pago antecipadamente, sem revisão, da seguinte forma:”: a aquisição de diverso equipamento, a entregar à ré.

O desconto pago antecipadamente através da entrega, e da disponibilização do uso do equipamento discriminado no contrato, não implica a transferência da propriedade deste equipamento para a ré, tendo ficado expressamente convencionado que a propriedade se mantém na titularidade da autora, como garantia, e que a ré apenas a poderá adquirir findo o contrato, cumpridas todas as suas obrigações e mediante o pagamento de um valor residual de 2% do seu valor - (cfr. cláusula 3ª, 3.).

Na cláusula respeitante às consequências da resolução por incumprimento – cláusula 7ª – nada está expressamente previsto quanto à situação dos equipamentos, mas apenas que a ré perde direito a qualquer desconto.

Assim, importa recorrer às regras gerais e às cláusulas contratuais, para concluir que o contrato não impõe à ré a obrigação de restituir à autora a quantia pecuniária correspondente ao valor do “desconto”, e que não existe igualmente qualquer fundamento legal, atentos os factos alegados, que confira à autora o direito a exigir o seu valor, uma vez que a autora continua a ser proprietária deste equipamento».

Assim, o único direito que parece assistir à autora é o direito de propriedade sobre estes bens, o que lhe permitirá reavê-los para si, não resultando do contrato nem da lei que a autora possa, em alternativa, exigir o valor que lhes foi fixado».

O que nos leva à conclusão final de que este pedido é improcedente».

Ora esta interpretação está correcta e não precisa de grande argumentação complementar por parte deste segundo grau.

Realmente, nada resulta das cláusulas em questão que imponha a restituição da verba referente ao chamado desconto. A liquidação do negócio, como consequência da resolução, implica a restituição dos equipamentos fornecidos que são propriedade da recorrente, mas nada obriga ao pagamento do valor dos mesmos.

Quanto ao alegado acréscimo de custos que o fornecimento de tais equipamentos acarreta, a existir, sibi imputet. De resto, cabe referir, ao contrário do que diz a recorrente, que nem todos os bens foram entregues novos à ré. Na claúsula 7.ª fala-se, ao invés, de três mesas de interior usadas.

O pedido em questão improcede, pois, tal como julgado no primeiro grau.

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Pelo exposto acordamos em:
i) Anular a sentença recorrida na parte em que condenou a ré no pagamento à autora da quantia de € 9. 977,53 (nove mil novecentos e setenta e sete euros e cinquenta e três cêntimos), por via da redução da cláusula penal, que se substitui pela condenação da ré no pagamento da quantia de € 39.910,12 (trinta e nove mil euros novecentos e dez euros e doze cêntimos), acrescida de juros de mora sobre tal quantia, à taxa de 4%, desde a citação.
ii) No mais julga-se improcedente o pedido e confirma-se a decisão recorrida.
Custas por recorrente e recorrida na proporção de ¼ e ¾ respectivamente, levando-se em conta o apoio judiciário concedido à ré..

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Lisboa, 04.11.2021



Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura