Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
119831/09.3YIPRT.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: NOTIFICAÇÃO
CITIUS
CORREIO ELECTRÓNICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/24/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: As notificações às partes em processos pendentes são realizadas por transmissão electrónica de dados, na pessoa do seu mandatário, nomeadamente, quando o mandatário tenha enviado, para o processo, qualquer peça processual ou documento através do sistema informático CITIUS. E, sendo as notificações realizadas por transmissão electrónica de dados, não há lugar a notificações por qualquer outro meio.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DA 2ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I. RELATÓRIO

C... (...), com domicilio na Rua ..., em Lisboa requereu, em 17.04.09, contra CL..., LDA, com domicílio na Rua ..., nº ..., no Porto, providência de injunção, para que esta lhe pagasse a importância de € 8.792,50, sendo € 2.994,86 de capital e € 5.749,64 de juros, invocando como fundamento da sua pretensão o fornecimento de mercadorias dos respectivos comércios (armas de caça, munições e artigos afins), referenciando o número de contrato e a data do mesmo, a factura que discrimina pelo número, a data de emissão e de vencimento (14.07.1994).

Notificada, a requerida deduziu oposição, na qual se defende por excepção (ineptidão do requerimento de injunção e prescrição dos juros) e por impugnação.

Em face da oposição deduzida, os autos passaram a seguir os termos da acção declarativa destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal de 1ª instância, regulada nos artigos 1º a 5º do Anexo ao D.L.269/98 de 1 de Setembro.
Em 1 de Julho de 2009, o Exmo. Juiz do Tribunal a quo proferiu despacho convidando a requerente a juntar aos autos os documentos aludidos no requerimento de injunção, incluindo o contrato ou documento equivalente, concedendo, para tanto, um prazo de 10 dias.

Decorrido o prazo e não tendo o requerente apresentado os documentos aludidos no despacho de 01.07.2009, o Exmo. Juiz do Tribunal a quo proferiu decisão, absolvendo a requerida da instância, por entender que ocorria falta ou ininteligibilidade de causa de pedir que deveria e poderia constar, ainda que por síntese, do requerimento inicial.

Inconformado com o assim decidido, o requerente interpôs recurso de apelação, relativamente à aludida decisão.
São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:
i) O Tribunal a quo, não respeitou o preceituado no art° 254° n°s 5 e 6 do C.P.C.
ii) No entender do recorrente, salvo melhor opinião em contrário, a Douta sentença proferida pelo tribunal a quo, deverá ser revogada, sendo substituída por despacho que permita a subsequente tramitação do processo.
Requer, por isso, o recorrente, a revogação da decisão recorrida, e em consequência, que seja substituída por despacho que convide o recorrente ap aperfeiçoamento do requerimento de injunção bem como à junção de documentos, com a tramitação subsequente do processo.

A requerida não apresentou contra alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a única questão controvertida consiste em apreciar:
Þ DO REGIME DAS NOTIFICAÇÕES POR TRANSMISSÃO ELECTRÓNICA DE DADOS ATRAVÉS DO SISTEMA INFORMÁTICO CITIUS,
por forma a apurar da alegada violação do preceituado no artigo 254º, nº 5 e 6 do CPC.
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III . FUNDAMENTAÇÃO
A - OS FACTOS
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração o seguinte o iter processual:
1. Em 17.04.09, o requerente C... (...), apresentou requerimento de injunção contra a requerida CL..., LDA, para que esta lhe pagasse a importância de € 8.792,50, sendo € 2.994,86 de capital e € 5.749,64 de juros, invocando como fundamento da sua pretensão o fornecimento de mercadorias dos respectivos comércios (armas de caça, munições e artigos afins), referenciando o número de contrato, data do mesmo, e factura que discrimina pelo número, data de emissão e de vencimento (14.07.1994);
2. Notificada, a requerida deduziu oposição, na qual invoca, nomeadamente, a ineptidão do requerimento de injunção e a prescrição dos juros peticionados
3. Em 1 de Julho de 2009, o Exmo. Juiz do Tribunal a quo proferiu o seguinte despacho
Atentos os termos da oposição, notifique o(a) A. para, querendo, se pronunciar desde já sobre a mesma, nos precisos limites do art. 32. n2 4 do C.P. Civil. Prazo : 10 dias.
Notifique o(a) A. para em 10 dias juntar aos autos os documentos que refere no requerimento inicial, incluindo o escrito contrato ou documento equivalente (v.g. comunicações), de forma a que antecipadamente à audiência de julgamento, também o Tribunal possa entender os exactos termos da sua alegação (independentemente do valor probatório daqueles).
Dê-se conhecimento ao(à) R..
4. Do histórico existente no sistema electrónico, cujo “print” consta de fls. 79, resulta que a notificação aos mandatários das partes foi efectuada electronicamente, tendo a notificação efectuada ao mandatário da requerente a referência 9823072 e foi inserida no sistema em 05.07.2009;
5. Do mesmo documento de fls. 79 consta que o despacho foi lido pelo destinatário, em 06.07.2009, às 10.42.38;
6. Em 6 de Outubro de 2009 foi proferida a seguinte decisão:
“C... (...) requereu (em 17.04.09) contra Cl..., Lda, providência de injunção para que a R. lhe pague a importância que liquidou, que reconduz a fornecimento de mercadorias dos respectivos comércios (armas de caça, munições e artigos afins) referenciando número de contrato, data do mesmo, e factura que discrimina pelo número, a mesma data de emissão e de vencimento (14.07.1994), e valor, sem identificar os bens em causa. Não juntou documentos.
Notificada, a requerida deduziu oposição, passando os autos a seguir os termos da acção declarativa destinada a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do Tribunal de 1ª instância, regulada nos artigos 1º a 5º do Anexo ao D.L.269/98 de 1 de Setembro. Naquela e para o que ora interessa, a R. excepcionou que não ficou a saber quais as mercadorias que o A. quer dizer que lhe forneceu, não há factualidade sobre que possa exercer o seu direito de defesa, de tudo resultando que o requerimento injuntivo é inepto, com a sua consequente absolvição da instância.
Convidado o A. a juntar desde já a factura supracitada, enquanto instrumento de alegação, a mesma não anuiu.
O recurso à apresentação de injunção em impresso previamente elaborado, como instrumento - discutível - de simplicidade, suscita dificuldades quanto ao cumprimento de todo o formalismo processual, o que exige em contrapartida o acentuar de uma perspectiva que privilegie a essência (existindo ela) em detrimento da forma.
Posto isto, constata-se que no requerimento injuntivo, de início a requerente limita-se a referenciar um contrato, uma data daquele, sem discriminar como bem sustenta o R. para que se possa defender, os bens e valores discriminados, o que manifestamente não satisfaz, designadamente, o ónus de alegação dos mesmos. E, se se acolhe no nº 3 do artigo 193º do C.P. Civil, a relevância do que o R. sabe ser a vontade do A., afloramento da regra do artigo 236º.2 do C. Civil, nestes autos, em função do comportamento das partes, haverá que concluir pela contestação que a R. também não entendeu o que lhe é imputado - que a A. quando convidada também não se esforçou em suprir, mormente quando a factura em causa data de há mais de 15 anos!! - e, mais grave, o Tribunal está agora colocado na posição de não saber quais os factos sobre que poderiam incidir os meios de prova.
Em suma, ocorre falta ou ininteligibilidade de causa de pedir que deveria e poderia constar ainda que por síntese, do requerimento inicial, excepção dilatória de conhecimento oficioso, fundamento de absolvição da R. da instância.
Pelo exposto, absolvo a Ré da instância.
(…)
7. Há notícias na comunicação social da verificação de erros informáticos ligados à aplicação informática “Citius Magistrados Judiciais”, conforme decorre dos documentos de fls. 45 a 64.
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B - O DIREITO
Dispõe o artigo 138.º-A, n.º 1, do CPC que a tramitação dos processos é efectuada electronicamente em termos a definir por portaria do Ministro da Justiça, devendo as disposições processuais relativas a actos dos magistrados e das secretarias judiciais ser objecto das adaptações práticas que se revelem necessárias.
Nos termos constantes do nº 1 do artigo 253º do CPC., as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais.
E, o artigo 254º do CPC., com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº. 303/2007, de 24 de Agosto, acolhia já as notificações electrónicas a efectuar aos mandatários judiciais.
Mas, a tramitação electrónica dos processos judiciais foi regulamentada pela Portaria n.º 114/2008, de 6 de Fevereiro, alterada pelas Portarias n.º 457/2008, de 20 de Junho, e n.º 1538/2008, de 30 de Dezembro.
E, através da Portaria nº. 1538/2008, de 30 de Dezembro, que alterou a Portaria nº. 114/2008, de 6 de Fevereiro, foi implementado o projecto CITIUS, visando, através da utilização de sistemas informáticos, criar condições para uma tramitação mais célere, objectivo que expressamente se salienta no preâmbulo do diploma.
Assim, nos termos do nº 1 do disposto no artigo 21º-A, aditado pela Portaria 1538/2008, de 30 de Dezembro, as notificações por transmissão electrónica de dados são realizadas através do sistema informático CITIUS, que assegura automaticamente a sua disponibilização e consulta no inerente endereço.
Decorre do nº 4 do citado normativo que as notificações às partes em processos pendentes são realizadas por transmissão electrónica de dados, na pessoa do seu mandatário, nomeadamente, quando o mandatário tenha enviado, para o processo, qualquer peça processual ou documento através do sistema informático CITIUS.
E, face ao nº. 2 do mencionado artigo 21º-A, quando as notificações são realizadas por transmissão electrónica de dados, não há lugar a notificações por qualquer outro meio.
Acresce que, nos termos do nº 7 do aludido artigo 21º-A da Portaria nº 114/2008, quando o acto processual a notificar, nos termos do nº 2, contenha documentos que apenas existam no processo em suporte físico, deve ser enviada cópia dos mesmos ao mandatário, nos termos do artigo 254º do Código do Processo Civil.
Por seu turno, dispõe o nº. 5 de tal preceito legal que, o sistema informático CITIUS assegura a certificação da data de elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil.
Tratando-se, como se trata, de uma presunção juris tantum, poderá a parte ilidi-la, mediante prova em contrário, de harmonia com o disposto no nº 2 do artigo 350º do Código Civil, o que, aliás, se mostra em consonância com o nº 6 do artigo 254º do CPC., que prevê que as presunções ali estabelecidas só podem ser ilididas pelo notificado, provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.
Por outro lado, decorre do artigo 153º do Código de Processo Civil que: Na falta de disposição especial é de 10 dias o prazo para as partes requererem qualquer acto ou diligência, arguírem nulidades, deduzirem incidentes ou exercerem qualquer outro poder processual.
No caso vertente, o requerente apresentou o requerimento de injunção mediante formato electrónico, através do sistema CITIUS, como se prevê no nº 1 do artigo 5º da Portaria 220-A/2008, de 4 de Março.
E, verifica-se dos autos que o requerente/apelante foi notificado do despacho do Exmo. Juiz do Tribunal a quo para se pronunciar, querendo, sobre a oposição oportunamente deduzida ao requerimento injuntivo e também para juntar documentos, por forma a melhor permitir a compreensão do sinteticamente alegado no formulário, nada tendo, porém, requerido, nem deu cumprimento ao solicitado.
Tal notificação foi efectuada electronicamente, como cumpria, por observância do disposto no artigo 6º, nº 5 alínea b) da Portaria nº 1538/2008.
Do histórico existente no sistema electrónico e cujo “print” consta de fls. 79, conclui-se que a notificação electrónica se mostra efectuada, aí estando mencionada a inserção, em 05.07.2009, a notificação do despacho datado de 01.07.2009, e ainda que tal inserção foi lida pelo respectivo destinatário: - o mandatário do requerente, Dr. H..., em 06.07.2009, às 10:42:38. E, como é sabido, para visualizar os respectivos anexos bastará abrir os ficheiros no “icon” PDF.
A notificação em causa foi inserida no sistema CITIUS, no dia 05.07.2009, acompanhada de cópia electrónica do despacho em causa, e foi lida no dia 06.07.2009, reconhecendo-se, consequentemente, que o requerente/apelante, através do seu mandatário, tomou conhecimento da mesma.
E, na verdade, o apelante não invoca não ter recebido a notificação electrónica, mas sim a falta de visualização do despacho.
Todavia, em caso de qualquer anomalia, designadamente a dificuldade no visionamento dos ficheiros anexos, sempre o apelante teria de arguir a eventual irregularidade/nulidade, no prazo geral de 10 dias previsto no mencionado artigo 153º do CPC, o que in casu não sucedeu, sendo certo que na inserção efectuada em 05.07.2009 consta a designação: “Not. do Despacho Anexo”.
Mas, a alegação do apelante funda-se também na circunstância de não ter recebido, posteriormente, e em papel, a notificação do despacho do Exmo. Juiz do Tribunal a quo.
Tão pouco, com relação a este fundamento, assiste razão ao apelante, já que, como acima ficou dito, em resultado da análise do regime vigente à data da prolação do despacho de 01.07.2009, apenas exige a lei a notificação nos termos do artigo 254º do CPC, quando o acto processual contenha documentos que apenas existam no processo em suporte físico – v. citado artigo 21º-A, nº 7 da Pª 1538/2008.
Ora, tal não sucede no caso configurado nos autos, já que o acto processual a notificar – despacho proferido pelo Exmo. Juiz do Tribunal a quo - foi igualmente elaborado electronicamente, como resulta de fls. 23, dele constando, de resto, a aposição de assinatura electrónica.
Foi, pois, observado o regime vigente para as notificações electrónicas efectuadas às partes em processos pendentes, pelo que improcede a apelação.
O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
***
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas.
Lisboa, 24 de Junho de 2010
Ondina Carmo Alves – Relatora
Ana Paula Boularot
Lúcia Sousa