Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4232/12.0TBCSC-A.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: RECURSOS
EFEITO SUSPENSIVO
DANO DE ELEVADO VALOR
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O n.º 4 do art. 647.º do Código de Processo Civil permite que, nas apelações  sem efeito suspensivo, o recorrente requeira, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo;

2. Para tal efeito, deverá patentear a inelutável produção de dano de elevado relevo e oferecer-se para prestar caução.

3. Sendo de carácter cumulativo a exigência descrita, bastará a não materialização de um dos requisitos para não ser necessário nem devido entrar na análise do remanescente por inutilidade manifesta de tal actividade processual;

4. Constituindo a caução um meio de garantia especial das obrigações, deve a mesma assegurar o cumprimento da obrigação garantida;

5. Confrontado com um pedido de prestação de caução cabe ao Tribunal apreciar a sua suficiência e propriedade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Considerando que os presentes autos de recurso subiram em separado dos autos principais e nenhuma razão técnica justifica a permanência destes em apenso, desapense-os, pois, sendo que a relação de prejudicialidade entre o recurso que aqui se aprecia e o aí interposto determina que tais autos só devam ser distribuídos neste Tribunal da Relação e aqui avaliados após trânsito em julgado do acórdão que se proferirá infra.
Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO                

ML, com os sinais identificativos constantes dos autos, instaurou “acção declarativa de condenação” contra JB e LM, neles também melhor identificados.
O Tribunal a quo descreveu os contornos da acção nos seguintes termos:
Pedido:
I) Os RR. serem condenados no cumprimento na obrigação penal de, solidariamente entre si, pagar ao A. a quantia de €61.805,41 (sessenta e um mil e oitocentos e cinco euros e quarenta e um cêntimos) suportada pelo A. com o pagamento da garantia bancária, acrescida de juros moratórios vencidos à taxa supletiva aplicável às dívidas comerciais contados desde a data de interpelação (27/3/2012) até integral pagamento.
ii. A quantia de €731,16 (setecentos e trinta e um euros e dezassete cêntimos) suportada pelo A. a título de despesas de contratação do mútuo, acrescida de juros moratórios vencidos à taxa supletiva aplicável às dívidas comerciais contados desde a data de interpelação (27/3/2012) até integral pagamento.
iii. A totalidade das quantias suportadas pelo A. com a celebração do contrato de mútuo, designadamente, comissões e Imposto de Selo;
iv. A totalidade das quantias suportadas pelo A. inerentes às prestações do contrato de mútuo, designadamente, a título de juros, comissões e imposto de selo, acrescido de juros moratórios vencidos à taxa supletiva aplicável às dívidas comerciais contados desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento, a computar em sede de execução de sentença.
v. A reparação dos prejuízos não patrimoniais sofridos pelo A. em quantia que se reputa não inferior a €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
II) Os RR. serem condenados, individualmente e em separado, no pagamento ao A. de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de prestação dos respectivos avais pessoais quanto ao cumprimento das obrigações da Giantscore Lda. perante a Caixa Leasing & Factoring – Instituição Financeira de Crédito S.A. no âmbito do contrato número 340580, em valor diário não inferior a €50,00 (cinquenta euros) contados desde a data a citação até à data do cumprimento.
Causa de Pedir:
O autor alegou, em síntese, que em 25-02-2011 celebrou com os réus, por escritura pública, contrato por força do qual cedeu a estes as quotas que detinha nas sociedades “Giantscore, Lda” e “Bluecondition, Lda”, e os RR obrigaram-se a, no prazo de 10 dias contados da respectiva celebração, extinguir a totalidade das garantias prestadas pelo A. e por MTL para o cumprimento das obrigações das Sociedades, com excepção das prestadas à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Alcácer do Sal e Montemor-o-Novo C.R.L. e à Caixa Leasing & Factoring – Instituição Financeira de Crédito S.A.
Em relação a estas 2 ultimas, os réus obrigaram-se a, no mesmo prazo, “reforçar, avalizando, pessoal e solidariamente” as garantias de cumprimento de obrigações das Sociedades prestadas à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Alcácer do Sal e Montemor-o-Novo C.R.L. e à Caixa Leasing & Factoring – Instituição Financeira de Crédito S.A.
As partes acordaram ainda que “em caso de incumprimento de alguma das obrigações” os RR. “ficam pessoal e solidariamente responsáveis (...) pela reparação dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais”, sofridos pelo A., e por MTL.
Sucede que os réus não reforçaram os avais pessoais prestados pelo A. e por MTL a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Alcácer do Sal e Montemor-o-Novo C.R.L. (doravante CCAM), correspondente à obrigação de pagamento, em caso de incumprimento de contrato de arrendamento, da garantia bancária n.º 003/2008 no valor de €61.800,00 euros prestada por esta entidade em nome e a pedido da GIANTSCORE LDA., a favor do banco “Millennium BCP – Gestão de Activos S.A” pelo que, tendo sido accionada a garantia bancária, veio o A. a ser interpelado ao pagamento.
O A. liquidou o referido valor de 61.800,00 euros, mas porque não dispunha de tal montante viu-se obrigado a constituir um empréstimo bancário para tal efeito, com o que suportou 731,16 euros de despesas de contratação, comissões, impostos de selos e juros, em montante a liquidar.
Por outro lado, a obrigação de pagamento e a sua indisponibilidade financeira causaram-lhe angústia, ansiedade e desassossego, levando a um mal-estar geral com necessidade de recorrer a apoio médico psiquiátrico.
Ainda, os réus os RR. também não reforçaram a garantia prestada pelo A. e por MTLa favor da Caixa Leasing & Factoring – Instituição Financeira de Crédito S.A. correspondente ao contrato n.º 340580 com o valor inicial de €55.922,15 contratado pela GIANTSCORE LDA. para aquisição de um sistema de AVAC – Aquecimento, ventilação e Ar Condicionado.
Conclui pela procedência da acção.
Contestação
Regularmente citados, veio apenas o o 1º réu deduzir contestação.
Impugnou o não cumprimento do contracto quanto ao reforço da garantia prestada pelo A. a favor da Caixa Leasing & Factoring – Instituição Financeira de Crédito S.A., alegando que já procedeu ao reforço de tal garantia.
Relativamente à garantia prestada pelo A. à CCAM, confessou não ter procedido ao seu reforço, mas por motivo alheio à sua vontade, uma vez que apesar de o ter requerido à CCAM, esta recusou-se a que o R. reforçasse a garantia.
Conclui que a obrigação de reforço da garantia se tornou impossível por recusa do banco, pelo que ante a impossibilidade objectiva e superveniente da prestação, deve esta ser declarada extinta e o R. absolvido do pedido.
Assim não se entendendo, a cláusula penal que estipulou a indemnização a atribuir ao A. é nula, por a obrigação assumida pelo R. carecer de consentimento expresso do credor.
Defende o 1º R. que a referida cláusula desconsiderou ou não previu a necessidade de autorização do banco credor ao reforço da garantia a que o R. se obrigou. Chama à colação o regime de transmissão de dívida previsto no art. 595º, n.º 1, a) do CC para sustentar a necessidade de ratificação da cláusula pelo banco credor, concluindo pelo distrate do contrato.
Ou, a redução da cláusula penal dentro dos limites da solidariedade com o autor e MTL, também garantes da obrigação, uma vez que a prestação que os RR assumiram – a de reforço da garantia – dependia da vontade de terceiros – do banco.
No mais, o 1º R. impugnou a matéria vertida na p.i., referindo que o A. podia ter liquidado as quantias que suportou com a celebração do contrato de mútuo bancário, designadamente comissões e imposto de selo que requer seja quantificado em liquidação de sentença, pelo que tal pedido deverá ser julgado improcedente e o R. absolvido.
Os juros de mora deverão ser calculados à taxa legal para operações civis, e não comerciais, conforme peticionado pelo A., uma vez que as obrigações em causa não são de natureza comercial.
Requereu, a final, a intervenção principal provocada de MTLpara figurar ao lado do A., com fundamento nesta figurar, tal como este, como responsáveis solidários pelo pagamento da garantia bancária n.º 003/2008, concluindo pela procedência das excepções peremptórias e a sua absolvição do pedido, e pela admissão da intervenção.
O autor deduziu oposição ao chamamento, vindo a requerida intervenção a ser admitida por despacho transitado em julgado.
Citada, veio a interveniente fazer seus os articulados do A.
O autor deduziu réplica para responder à excepções peremptórias, impugnando-as, mais assinalando que segundo informação da Caixa Leasing e Factoring, Instituição Financeira de Crédito,, SA os RR. não reforçaram a garantia por si prestada, e a cópia da livrança que o 1º R. juntou tem como garantida a Caixa Geral de Depósitos, SA e não aquela outra.
No mais, conclui pela improcedência das excepções e pela procedência dos pedidos, nos termos do articulado de fls. 251 e segts, que se dá por reproduzido.
Foi dispensada a audiência prévia, proferido despacho saneador que julgou verificados os pressupostos da instância, e foram seleccionados os temas de prova.

Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou:
Em face do exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente:
1º-Condena-se os réus JB, e LM a pagar ao autor ML a quantia de 61.805,41 euros (sessenta e um mil e oitocentos e cinco euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal para operações civis, vencidos desde 27-03-2012 e vincendos até integral pagamento;
2º-Condena-se os réus a pagar ao autor a quantia de 731, 16 euros (setecentos e trinta e um euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal para operações civis, vencidos desde a data de citação, e vincendos até integral pagamento;
3º-A título dos prejuízos decorrentes da celebração do contrato de mútuo bancário, além da quantia de 731, 16 euros, devem os réus indemnizar o A. pelos demais valores relativos a despesas e encargos quer com o processamento da prestação, quer a título de juros e imposto de selo até liquidação integral daquele empréstimo, nos valores que se vierem a liquidar nos termos do art. 358º do NCPC.
4º-Absolvem-se os réus dos demais pedidos contra si formulados pelo A.

JB interpôs recurso dessa sentença pedindo que fosse a mesma «revogada e substituída por outra». Por ocasião da apresentação do seu requerimento de dedução de impugnação judicial, declarou oferecer caução propondo para tal efeito a constituição de hipoteca judicial sobre o imóvel que identificou, solicitando que fosse atribuído efeito suspensivo ao recurso. Invocou, para o efeito, que:
1. Por Douta Sentença datada de 05/05/2017 foram o aqui Recorrente e o Réu LM condenados a pagar ao Autor/Recorrido: “1º - (…) a quantia de 61.805,41 euros (sessenta e um mil e oitocentos e cinco euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal para operações civis, vencidos desde 27-03-2012 e vincendos até integral pagamento; 2º - Condena-se os réus a pagar ao autor a quantia de 731,16 euros (setecentos e trinta e um euros e dezasseis cêntimos), acrescida de juros moratórios calculados à taxa legal para operações civis, vencidos desde a data de citação, e vincendos até integral pagamento;”
2. Tendo, ainda, a Douta Sentença de que se recorre condenado o Recorrente e o Réu LM “ (…) a indemnizar o A. pelos demais valores relativos a despesas e encargos quer com o processamento da prestação, quer a título de juros e imposto de selo até liquidação integral daquele empréstimo, nos valores que se vierem a liquidar nos termos do art. 358º do NCPC.”
3. O Recorrente não se conforma com a Douta Sentença pelas razões e com os fundamentos que arguirá em sede de alegações, estando certo que em sede de recurso verá a decisão alterada pelos Venerandos Juízes Desembargadores.
4. Não obstante, e atendendo a que o efeito atribuído ao presente recurso, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 647.º do CPC, é o efeito meramente devolutivo, a alteração da Douta Sentença, como se requer, mormente o seu trânsito em julgado, não evitará que a execução movida contra o aqui Recorrente pelo Recorrido lhe cause um prejuízo considerável.
5. Como decorre destes autos, apenas o Réu João Barbosa, aqui Recorrente, apresentou defesa à infundada pretensão do Recorrido, sendo certo que a acção também foi movida contra o seu ex-sócio o Réu LM.
6. Ao Recorrente coube o ónus de defesa dos interesses de ambos e apresentação de prova que a ambos caberia, já que o outro Réu devidamente citado não se dignou a apresentar contestação.
7. O Recorrente está assim isolado na defesa dos seus direitos, mas não só, e corre o risco de ver os seus bens penhorados no âmbito de execução da sentença de que se recorre.
8. O início de uma execução contra o Recorrente – será provável até que só mesmo contra o Recorrente -, terá por consequência a penhora dos bens móveis e/ou imóveis de que o Recorrente seja titular.
9. Tal situação terá, naturalmente, impacto na vida do Recorrente e do seu agregado familiar (cônjuge e 3 filhos menores) mas também poderá colocar o Recorrente numa situação de incumprimento das suas obrigações, não pela total ausência de capacidade para fazer face aos pagamentos, mas antes pela indisponibilidade de quantias ou pelo simples registo da penhora e do tempo que todo este processo demora.
10. O Recorrente cumprirá o que for judicialmente determinado, mas crê que a decisão de que recorre será anulada e substituída por outra que o absolva ou que reconheça a solidariedade das obrigações do contrato sub judice, solidariedade entre Réus e Autor.
11. O Recorrente é proprietário do imóvel, prédio urbano, situada no Sítio do Monte Palmela ou Alto do Monte do Estoril, registada na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º000, conforme resulta da certidão permanente com o código de acesso: 000, disponível para consulta em www.predialonline.mj.pt (cfr. Doc. 1 que se junta e que é um PDF da certidão predial).
12. O valor actual de mercado do imóvel supra referido, pela sua composição (moradia de 3 pisos, com 275 m2) e localização (Monte Estoril) é de € 700.000,00.
13. O valor das hipotecas registadas no imóvel, até pela data da sua constituição, é já nesta data muito inferior ao capital garantido, totalizando na presente data € 360.000,00.
14. Pelo que, atendendo ao valor da condenação dos Réus nos presentes autos, o valor do imóvel é mais do que suficiente para pagar o valor das hipotecas e o alegado crédito do Recorrido, na eventualidade de a Douta Sentença recorrida não sofrer alteração, no que não se concede, mas se aventa por cautela de patrocínio.
15. Como prova de que o Recorrente se encontra de boa fé e que acredita ter fundamento para a reversão do recurso, oferece como caução o imóvel melhor identificado e que é a sua casa de morada de família.
16. A atribuição do efeito suspensivo ao presente recurso e a aceitação da constituição de uma hipoteca judicial sobre o imóvel em nada afecta o alegado direito de crédito do Recorrido.
17. Ao invés, a fixação do efeito meramente devolutivo ao presente recurso, colocará o Recorrente numa situação de ver os seus bens penhorados e vendidos ainda antes de obter uma decisão final nos presentes autos.
18. A materialização da situação supra descrita terá impactos na imagem e na credibilidade do Recorrente junto de clientes e das instituições financeiras, o que dificilmente será revertido, mesmo com a decisão favorável, como se espera, deste Tribunal Superior.
19. Com efeito, e como é do senso comum, o registo de penhoras e/ou a presença de um agente de execução têm uma visibilidade negativa imediata que uma decisão judicial favorável que permita revogar tais diligências não terá.
20. Em suma, e por forma a evitar a um prejuízo considerável, o Recorrente oferece como caução a constituição de uma hipoteca judicial sobre o imóvel de que é legítimo proprietário, situado no Sítio do Monte Palmela ou Alto do Monte do Estoril, registada na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º 000, conforme resulta da certidão permanente com o código de acesso: PA-000  disponível para consulta em www.predialonline.mj.pt.
21. O valor da caução deverá compreender o valor do capital em que os Réus foram condenados - o valor já liquidado (€ 61.805,41 + € 12.977,44 = € 74.782,85; e € 731,16 + € 136,54 = € 867,70) -, isto é, € 75.650,55 (setenta e cinco mil seiscentos e cinquenta euros e cinquenta e cinco cêntimos),
22. Ou, considerando-se o valor insuficiente, pelo valor que o Tribunal doutamente entenda fixar, nos termos do disposto no artigo 650.º do CPC, o que se requer.
23. Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, requer-se a V. Exa., ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 647.º do CPC, se digne admitir a caução oferecida por ser idónea e apta a acautelar os direitos do Recorrido, e, em consequência, atribuir ao presente recurso o efeito suspensivo.

ML respondeu à pretensão de atribuição de tal efeito invocando ser o valor do imóvel insuficiente por garantir obrigações até ao valor aí indicado.
Sobre o requerido, foi proferido despacho judicial com o seguinte teor:
A  fim  de  ver  atribuído  efeito  suspensivo  ao  recurso vêm  os  recorrentes  oferecer como caução o imóvel, prédio urbano, situada no Sítio do Monte Palmela ou Alto do Monte do Estoril, registada na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º 000.
Alegam que o valor actual de mercado  do  imóvel supra  referido,  pela  sua composição (moradia de 3 pisos, com 275 m2) e localização (Monte Estoril) é de € 700.000,00.
E que o valor  das  hipotecas registadas  no imóvel, totalizam na  presente  data  € 360.000,00.
Contudo tal caução não é aceite pelo A. recorrido, porquanto não é apresentado qualquer documento que suporte o valor  atribuído  ao imóvel pelo Recorrente, além  de  que sobre  o  mesmo incidem de  acordo  com  o  registo predial, três  hipotecas: Uma no valor  de  € 347.900,00, Outra no valor de € 149.586,19, e ainda outra, no valor de € 24.226,31, e por fim, outra no valor de € 165.406,87, todas a favor do Barclays Bank PLC, totalizando € 687.119,37.

Ora, face  à  oposição  do  recorrido relativamente à idoneidade
da caução proposta, e não se encontrando efectivamente demonstrado que o imóvel  tenha  o valor  alegado pelo recorrente nem que o valor das hipotecas registadas seja o referido pelo mesmo e atendendo ao montante máximo  assegurado  pelas  mesmas  inscrito  na certidão de  registo predial  do  imóvel, não aceito a caução proposta, atribuindo ao recurso o efeito meramente devolutivo.

É desta decisão que vem o presente recurso interposto por JB que alegou e apresentou as seguintes conclusões:
A. A  21.06.2017, o ora  Apelante  interpôs  recurso  de  apelação  da  sentença  proferida nos presentes autos, o qual, por facilidade de exposição e de raciocínio, será referido de ora em diante como recurso nº 1.
B. Com  a  interposição  do  referido  recurso,  o  ora  Apelante  requereu  que  ao  mesmo fosse  atribuído  efeito  suspensivo,  nos  termos  do  disposto  no  nº  4  do  art.  647º  do CPC.
C. Por despacho de fls. , com a refª nº 1000, o Tribunal a quo indeferiu a caução oferecida pelo Apelante e,  consequentemente,  atribuiu  ao recurso  nº  1 efeito meramente devolutivo.
D. Não se conformando com a referida decisão, o Apelante interpôs o presente recurso o qual será referido de ora em diante como recurso nº 2.
E. O recurso nº 2 incide, em suma, sobre a questão da prestação de caução tendo em vista a atribuição de efeito suspensivo ao recurso nº 1.
F. O quanto se expôs é suficiente para concluir que o presente recurso – o recurso nº  2 – tem que ser apreciado e decidido antes do recurso nº 1, sob pena daquele perder o seu efeito útil.
G. Com efeito, caso assim não seja, o Apelante corre o sério risco de ver o seu património imediatamente executado – face à decisão de atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso nº 1 – ainda antes de ser proferida uma decisão definitiva sobre o efeito que aquele recurso deve ter, que é o que se pretende com o recurso nº 2.
H. A inutilidade do conhecimento do presente recurso – recurso nº 2 – caso o recurso nº 1 seja apreciado em primeiro lugar é motivo suficiente para justificar a suspensão deste último, nos termos do disposto na parte final do nº 1 do art. 272º do CPC, o que se requer.
I. O recurso nº 2 obsta ao conhecimento do recurso nº 1, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 652º do CPC.
J. Em face do exposto, deverá ser sustado o conhecimento do recurso nº 1 até que seja proferida uma decisão definitiva sobre o recurso nº 2.
K. Para que à apelação seja atribuído efeito suspensivo, é necessário que: i) o apelante o requeira no requerimento de interposição de recurso; ii) o apelante alegue e demonstre que a execução da decisão lhe causa prejuízo considerável; e, iii) o apelante se ofereça logo para prestar caução.
L. Depois de o Apelado se pronunciar sobre o pedido de atribuição de efeito suspensivo, compete ao Tribunal a quo verificar se – antes de mais – estão preenchidos os referidos requisitos do nº 4 do art. 647º, designadamente, se a execução da decisão pode causar ao apelante prejuízo considerável, e, sendo o caso, fixar o valor a caucionar e se a caução oferecida é idónea.
M. Nos presente autos, o Tribunal a quo não decidiu – apesar de o Apelante o ter alegado, – se a execução da decisão é susceptível de lhe causar prejuízo considerável.
N. Pelo que o Tribunal a quo preteriu a prática de um acto que a lei prescreve.
O. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no nº 4 do art. 647º do CPC.
P. Pelo que deverá a decisão recorrida ser revogada e, consequentemente, deverão os presentes autos baixar à primeira instância para que seja apreciada a existência do prejuízo considerável do qual depende, necessariamente, a prestação de caução.
Q. Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que ao contrário do que decidiu o Tribunal a quo a caução oferecida pelo Apelante é suficiente e idónea.
R. O Apelante ofereceu-se para prestar caução através da constituição de hipoteca judicial sobre o imóvel de que é legítimo proprietário, situado no Sítio do Monte Palmela ou Alto do Monte do Estoril, registada na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o n.º 000 conforme resulta da certidão permanente com o código de acesso: PA-000 disponível para consulta em www.predialonline.mj.pt.
S. O Tribunal a quo indeferiu a caução oferecida com fundamento no facto de não ter sido feita prova do valor de mercado do imóvel nem do valor das hipotecas registadas sobre o mesmo. O que é falso.
T. Com efeito, o Apelante juntou aos autos uma avaliação que constitui o documento nº 3 do requerimento do Apelante com a referência nº 26967254, de 06.10.2017, que atesta que o imóvel oferecido em garantia tem um valor actual de mercado de € 700.000,00.
U. Não obstante o imóvel estar onerado com hipotecas, o Apelante juntou aos autos os documentos nºs 1 e 2 do com a referência nº 26967254, de 06.10.2017, que atestam que o valor actual da dívida é de apenas € 389.246,26.
V. De onde decorre que, num cenário de venda do imóvel e consequente expurgação das respectivas hipotecas, o remanescente do produto da venda seria de € 310.753,74 e, portanto, que o bem oferecido em garantia é mais do que suficiente para garantir o crédito caucionado.
W. No entanto, do despacho recorrido resulta evidente que na sua decisão o Tribunal a quo não considerou nenhum dos documentos acima referidos, nem tão pouco que o Apelante se propôs, inclusivamente, a reforçar a caução inicialmente oferecida, através de depósito à ordem dos presentes autos no montante máximo de € 10.000,00.
X. Pelo que a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos arts. 607º, nº 4, 608º, nº 2 e 615º, nº 1, alínea d), todos do CPC.
Y. O Apelante ofereceu-se para prestar caução por meio de hipoteca judicial, pelo que dúvidas não restam de que a garantia oferecida – no que à forma se refere – é idónea, conforme decorre do nº 1 do art. 623º do CC.
Z. Numa perspectiva temporal, a garantia oferecida é suficiente e idónea na medida em que não está sujeita a qualquer prazo.
AA. Em todo o caso, sempre se dirá que a apreciação da idoneidade da caução não depende da aceitação ou não da mesma pelo Apelado, mas sim – e apenas e só – do Tribunal, a quem compete fazer esse juízo sempre que não haja acordo dos interessados, conforme decorre do nº 3 do art. 623º do CC.
BB. Assim, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos arts. 623º, nº 1 do CC e 909º, nº 3 e 910º, ambos do CPC.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
São as seguintes as questões a avaliar:
1. O Tribunal a quo violou o disposto no n.º 4 do art. 647.º do Código de Processo Civil por não ter avaliado, apesar de o Apelante o ter alegado, se a execução da decisão é susceptível de causar prejuízo considerável?
2. A decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos art.s 607.º, nº 4, 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil?
3. Ao contrário do que decidiu o Tribunal a «a quo», a caução oferecida pelo Apelante é suficiente e idónea sendo que, ao decidir como decidiu, o referido Tribunal violou o disposto nos arts. 623.º, n.º 1 do Código Civil e 909.º, n.º 3 e 910.º, ambos do Código de Processo Civil?

II. FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
Relevam, neste espaço lógico da presente decisão, os factos supra-lançados.
Fundamentação de Direito
1. O Tribunal a quo violou o disposto no n.º 4 do art. 647.º do Código de Processo Civil por não ter avaliado, apesar de o Apelante o ter alegado, se a execução da decisão é susceptível de causar prejuízo considerável?
O preceito invocado incluído na pergunta ora lançada estabelece que, nas apelações  sem efeito suspensivo, «o recorrente pode requerer, ao interpor o recurso, que a apelação tenha efeito suspensivo quando a execução da decisão lhe cause prejuízo considerável e se ofereça para prestar caução, ficando a atribuição desse efeito condicionada à efetiva prestação da caução no prazo fixado pelo tribunal».
Trata-se de uma exigência cumulativa de duplo componente. O Recorrente tem, forçosamente, que patentear a inelutável produção de dano de elevado relevo (caso, por força da lei adjectiva, não se suspenda a concessão de vis executiva à decisão criticada no recurso) e oferecer-se para prestar caução.
Claro está que, até por razão de mera lógica formal, sendo de carácter cumulativo a exigência descrita, bastará a não materialização de um dos requisitos para não ser necessário nem devido entrar na análise do remanescente por inutilidade manifesta de tal actividade processual.
Constituindo a caução um meio de garantia especial das obrigações, deve a mesma, até em termos meramente semânticos mas também e sobretudo técnicos, assegurar o cumprimento da obrigação garantida.
Confrontado com um pedido de prestação de caução cabe, pois, ao Tribunal apreciar a sua suficiência e propriedade – cf., quanto a estes conceitos, o estabelecido  no  art. 626.º do Código Civil.
Foi isto o que o Tribunal a quo fez, tendo concluído pela insuficiência do proposto.
Num tal contexto, faltando um dos requisitos cumulados, não lhe era exigível que apreciasse o outro. Impondo-se a rejeição, representaria esforço inútil e ocioso, sempre proscrito pelo Direito processual civil constituído, buscar a mera confirmação da necessidade de operar essa recusa.
Coisa distinta é saber se o Órgão Jurisdicional ponderou com acerto a materialização da suficiência da caução mas isso é matéria reservada para o momento do tratamento de questão a lançar infra e que não cumpre abordar nesta sede por extravasar o perguntado.
De qualquer forma, não se pode deixar de referir que se extrai da leitura dos termos da decisão que o Tribunal, ao centrar-se na questão da idoneidade da caução, deu como assumido, face ao valor da condenação, que existiria aquele prejuízo.
Fui do exposto só poder ser negativa a resposta à questão proposta.

2. A decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos art.s 607.º, nº 4, 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil?
Invocando a não ponderação, pelo Tribunal, do conteúdo de documentos instrutórios e o facto de se ter proposto reforçar a caução inicialmente oferecida, o Apelante sustentou ser a decisão recorrida nula por omissão de pronúncia.
Nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do  art. 615.º, do Código de Processo Civil, a sentença é nula quando o «juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Ora, da análise dos autos, extrai-se que a sentença impugnada abordou a questão da idoneidade da caução que lhe cumpria ponderar nos termos acima referenciados.
Caso tivesse omitido a ponderação do conteúdo de documentos, antes estaríamos situados no âmbito de uma omissão geradora de erro de avaliação fáctica, de indevida cristalização de factos susceptível de ser atacada nos termos definidos no art. 640.º do Código de Processo Civil.
Nenhum sentido tem que, confundindo-se noções básicas, se misture nulidade com erro de julgamento.
Quanto à oferta para reforço de caução, antes o que se extrai de fls. 428 v. a  430 é que o Recorrente apenas ofereceu uma caução – uma hipoteca judicial –  e nada mais (cf., particularmente, os n.ºs 20 a 23 das aludidas folhas).
Não ocorreu, pois, qualquer omissão de pronúncia sendo que o total desacerto técnico e relativo ao circunstancialismo invocado dispensam mais dilatadas considerações.
É negativa a resposta à questão sob avaliação.

3. Ao contrário do que decidiu o Tribunal a «a quo», a caução oferecida pelo Apelante é suficiente e idónea sendo que, ao decidir como decidiu, o referido Tribunal violou o disposto nos arts. 623.º, n.º 1 do Código Civil e 909.º, n.º 3 e 910.º, ambos do Código de Processo Civil?
Na análise desta questão, importa começar por tornar patente que a cópia que o Apelante apontou como documento n.º 3, não assinada, de fonte apenas aparente cuja competência, idoneidade técnica e acesso a dados de avaliação se desconhece, não tem qualquer valor demonstrativo.
Não existindo, no incidente de prestação de caução para obtenção de suspensão de recurso, outro momento destinado à apresentação de requerimentos instrutórios, era com o requerimento inicial do incidente que o Apelante tinha que indicar toda a sua prova. Ora, não tendo apresentado dados confirmativos credíveis nem requerido diligências instrutórias complementares, nunca poderia o Recorrente sustentar ter demonstrado o referido valor do imóvel.
Quanto aos dois outros documentos, a que apenas se tem acesso no ficheiro digital que contém o registo histórico do processo, que incidem exclusivamente sobre dívidas de capital e entre os quais se inclui um que se refere ao bem em apreço, não se tendo patenteado o actual valor do imóvel e sendo, quer face ao registo quer face a tais documentos, de elevado montante a dívida global garantida por hipotecas (pelo menos 318.292,13 e podendo atingir o valor correspondente à adição dos montantes indicados na cópia do documento registral de fls. 449 e 450 que patenteia quatro hipotecas em vigor), tem que se concluir que não foram carreados, como devido e no momento temporal próprio, elementos demonstrativos que pudessem convencer o Tribunal da suficiência da hipoteca judicial proposta para garantir o pagamento das quantias referidas na parte decisória da sentença proferida, nos termos constantes de fl. 422 verso.
 
III. DECISÃO
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante.
Lisboa, 07.06.2018

Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)

Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)

António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)