Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
305/19.7BEALM.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
ACTUAÇÃO ILÍCITA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACÇÃO PROPOSTA PELO LIQUIDATÁRIO
LEGITIMIDADE PARA DEMANDAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Tem legitimidade para demandar o administrador da insolvência, por responsabilidade extracontratual, a devedora (sociedade insolvente) e os credores, nos termos do disposto no art.º 59º do CIRE, norma especial que prevalece sobre o regime geral, pelo que quer o liquidatário como o depositário da sociedade insolvente carecem do referido pressuposto processual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

JA instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, ação administrativa comum contra Autoridade Tributária e Aduaneira, FC, CT, D. Lda., AC, HD e ID, pedindo:
- a condenação da Fazenda Pública e da Ré FC a justificarem a anulação da divida no valor de €252.489,11 de imposto de sisa;
- a condenação do Réu CT a justificar como é que o preço de venda do imóvel pelo valor de €85.000,00 deu para anular a divida de €252.489,11 de imposto de sisa;
- a condenação solidária dos Réus CT, D. Lda, AC, HD e ID, a restituírem ao liquidatário da F. Lda., o montante de €612.890,53, valor este que resulta da diferença de €948.790,00 do valor patrimonial tributário do prédio e do montante de €335.899,47 das dividas reclamadas nos autos de insolvência e que deveriam ter sido pagas com o produto da venda do bem, pelo enriquecimento ilícito que obtiveram nos termos expostos, acrescidos de juros legais.
Todos os RR. apresentaram contestação, tendo a contestação da R. FC sido desentranhada por extemporaneidade.
Nas respetivas contestações, os réus CT, D. Lda, AC, HD e ID, arguiram, além do mais, a ilegitimidade ativa do A..
O A. apresentou resposta às exceções, pugnando pela sua improcedência.
Em 12/05/2020 foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
“(…) julga-se:
a) procedente, por provada, a exceção de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria e, consequentemente, absolve-se os Réus CT, D. Lda., AC, HD e ID da presente instância;
b) procedente, por provada, a exceção inominada de falta de apresentação prévia de requerimento e, consequentemente, absolve-se os Réus Autoridade Tributária e Aduaneira e FC da presente instância;
c) as custas serão a suportar pelo Autor, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que excede os €275.000,00.”
Em virtude de o A. ter requerido a remessa dos autos ao Tribunal Judicial de Almada, Juízos Centrais Cíveis, foi o mesmo aí distribuído.
Neste foi proferido despacho saneador sentença, com dispensa de realização de audiência prévia, que julgou procedente a exceção de legitimidade ativa do Autor e consequentemente absolveu os Réus da instância.
A dispensa de realização de audiência prévia foi justificada nos seguintes termos:
“(…) a audiência prévia não tem lugar quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados (artigo 592.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).
No caso vertente não há lugar a realização de audiência prévia porquanto se impõe conhecer da excepção de ilegitimidade activa, excepção esta que já se mostra amplamente debatida em sede de articulados. Face ao exposto, não se procede à realização de audiência prévia.”
O A. recorre desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
A) O objeto do presente recurso de apelação consiste da decisão vertida na douta sentença recorrida julgou procedente a exceção da legitimidade ativa do Autor, declarou-o parte ilegítima e absolveu os Réus da Instância.
B) O tribunal “a quo”, através de uma decisão surpresa e sem designar data para a realização da audiência prévia, veio julgar procedente a exceção da ilegitimidade do Autor, que contradiz a decisão proferida pelo TAF de Almada.
C) Ao proferir “novo” despacho saneador/sentença, o Tribunal “a quo” violou o disposto nas normas legais supra citadas, o que constitui uma nulidade processual.
D) A questão em análise é a de saber se o Apelante, na qualidade de Liquidatário da F. Lda., após o registo da dissolução e encerramento da liquidação desta, tem legitimidade para intentar a ação nos termos peticionados.
E) O Autor deduziu a presente ação pedindo que:
a) Os Demandados Fazenda Pública e Senhora Chefe do Serviço de Finanças de … sejam condenados a justificar a anulação da divida no valor de 252.489,11€ da divida do imposto de sisa (processo nº 2194/2007.01040308 – ano de 2007).
b) O Demandado Dr. CT ser condenado a justificar como é que preço de venda do imóvel de 85.000€ deu cobertura para anular a divida de Sisa no montante de 252.489,11€.
c) O Demandado Dr. CT, solidariamente com os Demandados D. Lda; AC; HD e ID serem condenados a restituir ao liquidatário da F. Lda. o montante de 612.890,53€ (seiscentos e doze mil, oitocentos e noventa euros e cinquenta e três cêntimos) resultado da diferença de 948.790€ do valor patrimonial tributário do prédio e do montante de 335.899,47€ das dividas reclamadas nos autos de insolvência e que deveriam ter sido pagas com o produto da venda do bem, pelo enriquecimento ilícito que obtiveram nos termos atrás expostos, acrescidos de juros legais.
F) Entrando na análise dos factos relevantes, dir-se-á que, no âmbito do processo de insolvência da F. Lda. em apreço, o Recorrente foi nomeado administrador da Insolvente, como se verifica pela sentença de fls. … dos autos.
G) Em 29/09/2011 pela inscrição 12, AP.7/20110929, foi registada na matrícula da F. Lda. a decisão judicial de encerramento do processo de insolvência (cfr. fls. … dos autos)
H) Na mesma data e pela Inscrição 13, oficiosa AP.7/20110929, foi inscrito o regresso à atividade baseado na homologação do plano de insolvência (cfr. fls… dos autos)
I) Pela Inscrição 14, AP.23/20120120, foi registada a dissolução e o encerramento da liquidação, tendo sido designado depositário o aqui Recorrente (cfr. fls…. dos autos)
J) Na mesma data, pela Inscrição 15, Oficiosa, Ap. 23/20120120, foi registada o cancelamento da matrícula (cfr. fls…. dos autos)
K) Mantendo-se o Recorrente como gerente da sociedade F. Lda., na qualidade de representante legal da mesma, ou seja, representante legal dos sócios (cf. cópia da certidão comercial de fls…. dos autos)
L) Lê-se no artigo 11.º, n.º 1 do Código de Processo Civil que a personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte.
M) Com efeito, a legitimidade ou a capacidade judiciária são atributos das partes. As partes é que são legítimas ou ilegítimas, capazes ou incapazes judiciariamente. Estes pressupostos por seu turno pressupõem uma parte, de que são atributos, e de que a suscetibilidade de o ser funciona, num plano anterior, como pressuposto ainda.
N) Dispõe, ainda, o n.º 2 do citado normativo legal que, quem tiver personalidade jurídica tem personalidade judiciária. Assim, pode afirmar-se de forma que cremos indubitável, que é este o critério geral de atribuição da personalidade judiciária - critério da correspondência ou coincidência entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária.
O) Relativamente às sociedades comerciais, dispõe o artigo 5.º do Código das Sociedades Comerciais que elas gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo definitivo do contrato pelo qual se constituem.
P) Acresce que, a personalidade judiciária das sociedades comerciais mantém-se mesmo após a dissolução. Isto porque, a sociedade, como pessoa coletiva, não se extingue quando se dissolve: apenas entra na fase de liquidação, pelo que se mantém a sua personalidade jurídica e bem assim a sua personalidade judiciária.
Q) Tal apenas deixa de ocorrer com o registo do encerramento da liquidação, altura em que a sociedade se considera extinta (artigo 160.º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais).
R) Não olvidou, porém, a lei que, mesmo após a extinção da sociedade, podem ainda subsistir relações jurídicas que anteriormente a tinham tido como sujeito e cujo destino importa regular.
S) No caso concreto, é importante considerar o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 164º do CSC, que prescreve que os sócios podem, enquanto liquidatários, propor ações para cobrança de créditos da sociedade após a extinção desta.
T) Para justificar a legitimidade do Autor enquanto liquidatário de uma sociedade extinta em peticionar nos termos em que o fez, importa que o mesmo alegue e prove, os factos constitutivos do seu direito.
U) Só com tal alegação e prova, haverá possibilidade e utilidade no prosseguimento da lide, com aproveitamento do processo (cfr. artigo 276º, nº3 do Código de Processo Civil).
No fundo, tal exigência, mais não é do que a aplicação do preceituado no artigo 342º, nº1, do Código Civil: “[à]quele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
V) Reitera-se que, só supervenientemente à extinção da F. Lda. é que o Autor teve conhecimento da existência da escritura pública junta aos autos a fls.., pela qual o Réu CT vendeu à Ré D. Lda., o prédio - lote 23 – (melhor identificado nos autos), pelo preço de 85.000,00€, quando o mesmo tinha, à data, o valor patrimonial tributário de 948.790,00€, o que lesou gravemente os direitos dos sócios da sociedade e dos credores.
W) A responsabilidade pelo pagamento das dividas fiscais da F. Lda. continua a recair sobre o Recorrente, como se verifica pelas duas notas de citação pessoal de 27/11/2020, cuja junção na presente alegação como Doc. nº 1 e nº 2, se justifica ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 651º do CPC.
X) Ou seja, a legitimidade do Recorrente está ainda fundamentada no facto de estar a ser interpelado pela Autoridade Tributária para pagar as dividas da F. Lda. que deveriam ter sido pagas pelo Réu CT, com o produto da venda do imóvel – lote 23 -.
Y) Não obtida esta conclusão, pode-se questionar, em nome da prevalência da justiça material sobre a justiça formal, se deveria a Meritíssima Juíza a quo ter convidado o Autor a suprir a sua insuficiência de alegação, no âmbito do dever imposto pelo artigo 265º, nº2 do Código de Processo Civil, como foi defendido no Acórdão da Relação do Porto de 28/4/2009, supra identificado.
Z) Não se compreende a afirmação do Tribunal “a quo” que a seguir se transcreve (realce nosso): “Repare-se que o bem imóvel que serve de fundamento, segundo o Autor, à atuação culposa do, à data, administrador da insolvência, integrava o património da massa insolvente e foi com esse património que se deu, pelo menos na medida do possível, pagamento aos credores. Não pode a sociedade, cuja matrícula foi extinta, ainda que na pessoa do seu “liquidatário/administrador” vir, questionar anos depois a disposição do bem que integrou a massa insolvente, pretendendo gerar um “crédito” através da qualificação da atuação ilícita e culposa do administrador da insolvência. A conduta do administrador da insolvência passou pelo crivo do Tribunal e, muito em particular e especial relevância, pelos crivos dos credores que aprovaram o plano de insolvência onde estava contemplado o bem imóvel como integrante da massa insolvente. O alegado crédito decorrente da atuação ilícita e culposa do administrador da insolvência, a existir, deveria ser reclamado pelos credores da massa insolvente e não pelo Autor na qualidade de liquidatário”
AA) Salvo melhor opinião, estas afirmações revelam que, o Tribunal “a quo” não entendeu corretamente o que foi invocado na petição inicial.
BB) O que pode, quando muito, o que se enuncia por mera hipótese, corresponder a uma situação de, pelo menos, insuficiência de causa de pedir, que é suscetível de ser suprida.
CC) Assim, consideramos que perante a deficiente compreensão revelada pelo tribunal de 1ª instância, o mesmo deveria ter exercido o dever oficioso previsto no artigo 265º, nº 2 do Código de Processo Civil, por forma a dar ao Autor a possibilidade de suprir tal deficiência, tanto mais que a alegação dos factos constitutivos do direito invocado para prosseguimento da ação contra os Réus, constitui matéria que divide a jurisprudência (veja-se o acórdão da Relação de Lisboa, de 19/10/2010, P. 2630/07.0TMSNT.A.L1-7)
DD) Logo, não havia fundamento para declarar, de imediato, a extinção da instância por ilegitimidade do Autor.
EE) Destarte, impõe-se a revogação da sentença recorrida que deve ser substituído por um despacho que convide o Autor à correção da petição inicial, com vista a esclarecer a sua legitimidade. Sem prescindir,
FF) O último ato das funções do liquidatário e, concomitantemente da existência jurídica da sociedade comercial, é a inscrição no registo comercial do encerramento da liquidação, a qual determina a extinção efetiva da sociedade (artigo 160.º do Código das Sociedades Comerciais), leia-se, o fim da respetiva personalidade e capacidade jurídicas.
GG) O problema que amiúde se coloca é o que sucede quando a sociedade comercial se extinguiu – o encerramento da liquidação está inscrito no registo – mas se vem a verificar que ou não houve partilha dos bens sociais ou não consta que nesta os sócios tenham recebido bens sociais e no entanto se apura que a sociedade tinha dívidas – passivo – que não foram pagas na liquidação ou tinha bens ou direitos patrimoniais – ativo – que não foi reclamado permanecendo por cobrar aos respetivos credores.
HH) A primeira ideia que é necessário atender é a de que a extinção da sociedade não determina a extinção dos respetivos direitos ou obrigações. Da circunstância de se ter extinguido a sociedade que era titular de um determinado crédito ou devedora de uma certa dívida, não resulta ope legis que esses direitos ou obrigações se tenham extinguido em simultâneo. Apesar da extinção da sociedade o devedor social não fica desonerado da sua dívida nem o credor da dívida social vê extinto o seu direito de crédito.
II) A personalidade das pessoas coletivas é análoga à personalidade das pessoas singulares. Elas constituem uma forma especial de agregação de vontades coletivas que adquire autonomia jurídica, tendo em vista o desenvolvimento de uma certa atividade e tendo em mente um específico objetivo ou finalidade. Daí que, como estabelece o artigo 160.º, n.º 2, do Código Civil, lhe estejam vedados os direitos e obrigações vedados por lei ou inseparáveis da personalidade singular mas, em regra, não mais que isso.
JJ) O ativo superveniente será assim todo o ativo social que posteriormente à liquidação se constata que existia e não foi objeto das operações de liquidação e partilha, independentemente das razões por que isso sucedeu.
KK) As ações em que haja necessidade de intentar para fazer reconhecer e efetivar o direito a bens ou créditos, podem ser propostas pelos liquidatários, atuando judicialmente como representantes da generalidade dos sócios; ou pelos sócios, sendo, porém, que estes apenas podem propor ações limitadas ao interesse de cada um. Esse é o sentido da norma do art.º 164º, nº do CSC (cfr. Raul Ventura, Dissolução e Liquidação de Sociedades, Coimbra 1987, pág. 470 e seguintes e 493) e no douto acórdão do STA de 18-09-2003, processo nº 03B1374, disponível em www.dgsi.pt.
LL) Na verdade, a representação da sociedade dissolvida pertencente ao liquidatário tanto é judicial como extrajudicial. Judicialmente, ele representa a sociedade ativamente.
MM) Os atos praticados pelos liquidatários, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam a sociedade para com terceiros, (cfr. o artigo 260º do CSC).
NN) Por seu turno, o art.º 153º, nº 2 do CSC estabelece que “os créditos sobre terceiros e sobre sócios por dividas não incluídas no número seguinte devem ser reclamados pelos liquidatários”
OO) Os liquidatários são representantes legais dos sócios nas ações de responsabilidade pelo passivo superveniente e não podem renunciar às suas funções, de acordo com o disposto nos artigos 163º, nº 2 e nº 5, 164º, nº 1 do CSC (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17-02-2011, processo nº 685/08.0TJLSB.L1-8, disponível em www.dgsi.pt.
PP) Feita a liquidação, os liquidatários devem requerer o registo do encerramento da liquidação, nos termos previstos pelo nº 1 do artigo 160º do mencionado código.
QQ) É, então com este registo, que a sociedade se considera extinta, perdendo a sua personalidade jurídica e judiciária (cfr. artigo 160º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais)
RR) Face ao exposto, e tendo em consideração, 948.790,00€ de acordo com a certidão da escritura junta à pi. i. sob o Doc. nº 7, consubstanciou-se o direito à indemnização pelo enriquecimento sem causa a que os Recorridos deram causa, o Recorrente na qualidade em que invoca, tinha o dever legal de propor a presente ação, nos termos em que foi peticionado.
SS) A legitimidade tem, assim, de ser apreciada e determinada pelos proveitos ou prejuízos que possam advir para as partes da decisão da causa, tendo em conta o modo como o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, assumem na relação jurídica material controvertida apresentada pelo autor.
TT) Reitera-se que, o Autor será parte legítima quando tiver interesse direto em demandar, exprimido pela utilidade derivada da procedência da ação. O Réu será parte legítima quando tiver interesse direto em contradizer, exprimido pelo prejuízo que da procedência da ação possa advir.
 UU) O Recorrente, na qualidade de liquidatário da sociedade extinta F. Lda., não está a exercer um direito pessoal, mas sim um direito dos sócios da referida sociedade, pelo qual atua.
VV) Salvo melhor opinião, na petição inicial e na réplica o Recorrente justificou suficientemente o seu interesse na ação, na qualidade de liquidatário, sendo assim o único que tem legitimidade para formular o pedido em apreço.
WW) Ao contrário do que foi explanado na douta sentença recorrida, nada na lei impõe que o peticionado nos presentes autos, deveria ter sido suscitado pelos credores em sede de processo de insolvência.
XX) Além de que, com exceção do Recorrido CT, os restantes Réus são “estranhos” à ação de insolvência.
YY) Assim, dever-se-á considerar que o Recorrente é parte legitima, e, consequentemente, ser julgada improcedente por não provada a exceção da ilegitimidade ativa, com as legais consequências.
Nestes termos e nos mais de direito, que Vossas Excelências doutamente se dignarão suprir, deverá a presente apelação ser julgada procedente e, consequentemente,
Ser proferido acórdão que revogue a douta sentença recorrida e julgue o Recorrente parte legitima, e, consequentemente, A ação prosseguir os seus termos, com as legais consequências.”
O apelado CT apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:
“A. A junção de documentos em Recurso apenas é admitida excecionalmente dependendo da alegação e prova da impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso e ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
B. Não se verificando nenhuma das situações previstas é evidente a inadmissibilidade dos documentos agora juntos.
C. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada não saneou o processo, tendo se considerado incompetente para julgar aquela ação.
D. A ação cível é uma ação nova que é apreciada de acordo com o disposto no Código do Processo Civil e foi com base neste Código que a Sentença ora recorrida foi proferida.
E. A Douta Sentença que julgou procedente a exceção de ilegitimidade ativa do ora Recorrente, revela uma cuidada análise e subsequente aplicação do direito ao caso vertente, não merecendo censura.
F. A falta de legitimidade e personalidade judiciária são exceções dilatórias que não são passiveis de sanação ou suprimento, pelo que, obstam a que o Tribunal conheça de mérito impondo-se a absolvição da instância, o que se verificou, e bem, no caso vertente.
G. A decisão agora recorrida não foi uma decisão surpresa, considerando que a notada ilegitimidade foi amplamente discutida nos autos e o Recorrente exerceu o direito ao contraditório, expondo a sua argumentação e fundamentação, aliás, como o próprio reconhece nas suas Alegações (VV das Conclusões de Recurso).
H. O Recorrente não tem poderes para por si só ou como liquidatário/administrador intentar a presente ação, o que se traduz na sua ilegitimidade.
 I. O Recorrente não foi nomeado liquidatário da insolvente “F. Lda.” mas sim indicado como depositário.
J. A Sociedade F. Lda. foi dissolvida e encerrada e pela Ap. 23/20120120 foi cancelada a matrícula, encontrando-se extinta desde 20.01.2012., consabido é, uma sociedade apenas conserva a sua personalidade jurídica até ao registo do encerramento da liquidação.
K. A extinção da sociedade dita a cessação de funções do liquidatário, e nesta senda, é já vasta a Jurisprudência, indicando-se a título meramente exemplificativo o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.06.2011, processo nº 1631/10.6TBFAF.G1 segundo o qual após o registo de encerramento da dissolução da sociedade, a mesma é considerada extinta, nos termos do disposto no artigo 160º, nº2, do CSC e as funções dos liquidatários terminam, nos termos do artigo 151º, nº 8, do mesmo Código.
L. Nem os sócios podem agir em nome da sociedade porque esta já não existe, nem o liquidatário da mesma porque essas funções terminaram com a extinção daquela.
M. Extinguindo-se a sociedade – equiparada à morte civil – não podem os seus sócios agir em nome da sociedade nem o liquidatário desta sob pena de se cair no absurdo de poder-se litigar em nome de uma entidade extinta.
N. A existir responsabilidade nos termos em que é configurada pelo Recorrente a mesma caberia sempre ao Administrador da insolvência/liquidatário e nunca ao Recorrido enquanto particular e cidadão, sendo essa responsabilidade sempre aferida no âmbito do processo de insolvência e nunca numa ação alheia à massa insolvente e aos seus Credores.
O. As dividas existentes foram criadas na gestão e administração do aqui Recorrente, não tendo o Recorrido, quer pessoalmente quer enquanto Administrador Judicial, qualquer responsabilidade quanto às mesmas, sendo totalmente alheio à gestão e administração da Sociedade pelo Recorrente.
P. Nunca poderia o Recorrente ser beneficiado por qualquer montante, não podendo retirar para si ou para a Sociedade F. Lda. qualquer utilidade da demanda, em detrimento dos seus Credores.
 Q. Por força da declaração de insolvência, o administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência, conforme resulta cristalino do artigo 81º, nº 4, do C.I.R.E, ficando o insolvente privado dos poderes de administração ou disposição dos bens que integram a massa insolvente.
R. A admitir-se a legitimidade do Recorrente seria admitir que este retirasse proveito para si próprio à revelia do processo de insolvência e dos seus Credores.
S. A admitir-se, sem conceder, prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, não cabe ao ora Recorrente a defesa dos interesses da insolvente, mas sim aos credores, sem prejuízo dos poderes de fiscalização do Juiz, atribuídos pelo artigo 58º do CIRE e da comissão de credores nos termos dos artigos 55º e 68º do CIRE.
T. A parte só tem legitimidade quando propondo uma ação sendo esta julgada procedente retire um benefício, ora no caso vertente, a existir o alegado crédito nunca este reverteria para o Recorrente, mas sim para a massa insolvente e os seus credores, pelo que nunca da presente demanda resultaria um benefício para o Recorrente.
U. Deve ser negado provimento ao recurso por ser manifestamente infundado e, em consequência, ser confirmada a Douta Sentença recorrida.
Termos em que, e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo‐se a Douta Sentença recorrida”.
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Na decisão recorrida não se autonomizaram factos provados, mas da mesma se extraem os seguintes:
“A sociedade F. Lda. foi declarada insolvente, em sede de processo de insolvência foi homologado o respectivo plano e, posteriormente, foi proferida decisão que declarou o encerramento do processo de insolvência.
A insolvente F. Lda. foi extinta, sem activo ou passivo e a sua matrícula foi cancelada em 20 de Janeiro de 2012.”
Importa, ainda, considerar a seguinte factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso, factualidade que decorre dos elementos constantes dos autos – documentos e decisões judiciais, não impugnados (art.º 607º, nº 4 do CPC):
1. A sociedade F. Lda., apresentou-se à insolvência, cujo processo correu termos no extinto 4º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, com o processo nº XXXX/09.0TYLSB.
2. Em 30-06-2009 foi proferida sentença que declarou a insolvência da F. Lda. e designou os membros da Comissão de credores.
3. Como Administrador da Insolvência foi designado o R., Dr. CT.
4. O A. foi designado Administrador da Insolvente F. Lda.
5. Em 8-09-2010 foi proferida sentença de homologação do plano de insolvência, confirmada pelo Acórdão da Relação de Lisboa.
6. Por sentença de 9-06-2011 foi declarado encerrado o processo de insolvência.
7. Em 20/01/2012 foram registados os seguintes atos: dissolução e encerramento da liquidação; nomeação do A. como depositário; e cancelamento da matrícula.
8. Em 21/04/2016 foi celebrada escritura de compra e venda, em Lisboa, no Cartório Notarial, onde interveio como Primeiro Outorgante o R., Dr. CT, identificado na qualidade de Administrador da Insolvência de F. Lda., e que declarou na indicada qualidade, que vende à sociedade D. LDA., pelo preço de €85.000 (oitenta e cinco mil euros), o prédio urbano composto de lote de terreno para construção urbana, com a área de 3.359, 24 m2 situado em Y, designado por LOTE VINTE E TRÊS, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número W da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de … sob o artigo 2.537 (anterior artigo 1.539), com o valor patrimonial tributável de €948.790,00.
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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (art.ºs 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do NCPC).
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Importa, previamente, conhecer da junção de dois documentos pelo apelante com as alegações de recurso. O apelante juntou duas notas de citação que lhe foram remetidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, datadas de 27/11/2020, no âmbito de dois processos de execução fiscal.
O apelado pugnou pela inadmissibilidade da junção dos documentos.
Nos termos do artigo 651º, nº 1 do Código de Processo Civil: “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”.
E o 425º do CPC estabelece que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”.
Na alegação a apelante justifica a junção ao abrigo do disposto no nº 1 do art.º 651º do CPC.
Com os referidos documentos o apelante visa demonstrar que foi citado pela AT para pagamento de dívidas da sociedade F. Lda.. Assim, uma vez que se destina à prova de facto alegado na petição inicial (o prejuízo que para o A. resulta da atuação dos RR.), e que os mesmos foram emitidos após a instauração da ação e da apresentação da réplica, tendo o processo culminado com decisão no saneador, admite-se a sua junção.
*
As questões a decidir são as seguintes:
1. Da nulidade processual: prolação de “novo” despacho saneador/decisão surpresa, sem marcação de audiência prévia.
2. Da legitimidade do A.
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1 . Da nulidade processual: prolação de “novo” despacho saneador/decisão surpresa, sem marcação de audiência prévia.
O apelante defende que a presente lide já tinha sido objeto de despacho saneador/sentença proferido em 2020.05.13 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, no qual foram analisadas as exceções invocadas pelos Réus, tendo decidido pela procedência da exceção da incompetência absoluta do Tribunal (Administrativo e Fiscal) e pela procedência da exceção inominada de falta de apresentação prévia de requerimento. Mais entende que, pese embora, neste despacho/sentença não tenha sido apreciada expressamente a exceção ativa, o tribunal procedeu ao “saneamento” dos autos.
Conclui que não podia o Tribunal a quo ter proferido decisão que julgou procedente a exceção da ilegitimidade do Autor, o que além de constituir uma decisão surpresa, sem designar data para a realização da audiência prévia, contradiz a decisão proferida pelo TAF de Almada, dando lugar a nulidade processual.
Cremos que o apelante imputa nulidade à decisão, por violação do princípio do contraditório, nos termos do disposto nos art.ºs 3º, nº 3 e 195º do C.P.C..
Estabelece o art.º 3º do C.P.C. que:
“1 - O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2 - Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4 - Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.”
E dispõe o art.º 195º, nº 1 do C.P.C. que “fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
O Tribunal Administrativo e Fiscal conheceu das exceções de incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria, julgando-a procedente e, consequentemente, absolveu os Réus CT, D. Lda., AC, HD e ID da instância; e da exceção inominada de falta de apresentação prévia de requerimento, que julgou procedente, absolvendo os Réus Autoridade Tributária e Aduaneira e FC da instância.
Tendo o A. requerido a remessa dos autos aos Juízos Centrais Cíveis de Almada, foi neste proferido despacho saneador, sem realização de audiência prévia, que apreciou a exceção de ilegitimidade do A.
O TAF não proferiu despacho saneador, pois apenas apreciou as referidas exceções.
No Juízo Central Cível a que foi distribuído o processo não foi proferido segundo despacho saneador – antes se afirmou, de forma tabelar, a competência do tribunal e a personalidade e capacidade judiciárias das partes e, de seguida, apreciou-se a exceção de ilegitimidade. Esta decisão não contraria, em qualquer aspeto, a decisão proferida pelo TAF.
Antes foi consignado “a audiência prévia não tem lugar quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de excepção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados (artigo 592.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil).
No caso vertente não há lugar a realização de audiência prévia porquanto se impõe conhecer da excepção de ilegitimidade activa, excepção esta que já se mostra amplamente debatida em sede de articulados.”
Dispõe o art.º 592.º, n.º 1, alínea b), do CPC que “a audiência prévia não se realiza quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.”
A não marcação de audiência prévia é, pois, mais do que permitida, imposta por este preceito, não sendo aplicável ao caso o disposto no art.º 591º, nº 1, al. b) do CPC.
E não resulta dos autos que se impusesse o cumprimento do art.º 590º do CPC, por não estar em causa o suprimento de exceção ou o aperfeiçoamento da p.i.
A decisão recorrida teve por objeto a exceção de ilegitimidade ativa, que foi arguida pelos RR. nas respetivas contestações, à qual o A. respondeu (cfr. articulado apresentado em 15/10/2019).
Há, pois, que concluir que o contraditório foi efetivamente assegurado, tendo a exceção sido debatida nos articulados.
A exceção não reveste novidade, impondo-se ao Tribunal dela conhecer.
A decisão recorrida não constitui, pois, uma decisão-surpresa, em violação do princípio do contraditório, que foi efetivamente assegurado.
Improcede a invocada nulidade processual.
2 . Da legitimidade do A.
Dispõe o art.º 30º do CPC que:
“1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Nas palavras de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, 82, a legitimidade não é uma qualidade pessoal das partes, mas uma certa posição delas em face da relação material litigada.
Segundo Castro Mendes, Direito Processual Civil, II, 153, a legitimidade representa uma posição da parte em relação a certo objeto do processo, apurando-se a partir do pedido e da causa de pedir, independentemente dos factos que integram a segunda.
A ilegitimidade consubstancia exceção dilatória, de conhecimento oficioso e determina a absolvição do R. da instância – cfr. artigos 576º, n.ºs 1 e 2, 577º, alínea e), 578º e 278º, n.º 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil.
O A. fundamentou a ação na responsabilidade extracontratual (e cumulativamente pelo enriquecimento sem causa), pela ilicitude da conduta do R. Dr. CT, enquanto administrador da insolvência, por nessa qualidade ter procedido à venda de um imóvel por valor inferior àquele que foi atribuído pela Autoridade Tributária e, nessa sequência, não ter dado cumprimento ao plano de insolvência aprovado e homologado, com desconhecimento dos credores da insolvência, ao abrigo dos art.ºs 59º, nº 1 do CIRE, 64º, al. a) do CSC e art.º 12º, nº 2 do Estatuto do Administrador de Insolvência. Mais alegou ter o referido R. atuado em conluio com a R. D. Lda. e seus sócios, ora RR.
Afirmou atuar na qualidade de liquidatário da sociedade F. Lda., representando os seus sócios. Qualificou a atuação dos RR. como danosa para a sociedade e para si próprio, enquanto responsável subsidiário pelas dívidas da sociedade.
O A. formulou, designadamente, o seguinte pedido “c) O demandado Dr. CT, solidariamente com os Demandados D. LDA; AC; HD e ID serem condenados a restituir ao liquidatário da F. Lda. o montante de 612.890,53€ (seiscentos e doze mil, oitocentos e noventa euros e cinquenta e três cêntimos)resultado da diferença de 948.790C do valor patrimonial tributário do prédio e do montante de 335.899,47€ das dividas reclamadas nos autos de insolvência e que deveriam ter sido pagas com o produto da venda do bem, pelo enriquecimento ilícito que obtiveram nos termos atrás expostos, acrescidos de juros legais.”
Na alegação de recurso afirmou ter a sua nomeação sido efetuada na qualidade de depositário.
Não consta da certidão do registo comercial da sociedade F. Lda. – doc. nº 6 com a p.i. - que o A. tenha sido nomeado liquidatário, mas tão só depositário.
A sociedade foi declarada insolvente em 30/06/2009, tendo o apelante sido nomeado administrador da insolvente F. Lda. e o R. Dr. CT nomeado administrador da insolvência.
Por sentença de 09/06/2011 foi declarado encerrado o processo de insolvência. Em 20/01/2012 foram registados os seguintes atos: dissolução e encerramento da liquidação; nomeação do A. como depositário; e cancelamento da matrícula. A referida compra e venda foi celebrada em 21/04/2016.
Ainda que o A./apelante tivesse sido nomeado liquidatário, as suas funções teriam cessado com a extinção da sociedade, sem prejuízo, contudo, do disposto nos artigos 162.º a 164.º (cfr. art.º 151º, nº 8 do Código das Sociedades Comerciais).
O artigo 162º, respeita a situações em que, à data da extinção da sociedade existam ações pendentes em que a mesma seja parte e o artigo 163º, respeita a situações em que está em causa um passivo da sociedade. Não são, pois, aplicáveis aos presentes autos.
Dispõe o art.º 164º do CSC:
“1 - Verificando-se, depois de encerrada a liquidação e extinta a sociedade, a existência de bens não partilhados, compete aos liquidatários propor a partilha adicional pelos antigos sócios, reduzindo os bens a dinheiro, se não for acordada unanimemente a partilha em espécie.
2 - As ações para cobrança de créditos da sociedade abrangidos pelo disposto no número anterior podem ser propostas pelos liquidatários, que, para o efeito, são considerados representantes legais da generalidade dos sócios; qualquer destes pode, contudo, propor ação limitada ao seu interesse.
3 - A sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado para cada um deles e pode ser individualmente executada, na medida dos respetivos interesses.
4 - É aplicável o disposto no artigo 163.º, n.º 4.
5 - No caso de falecimento dos liquidatários, aplica-se o disposto no artigo 163.º, n.º 5.”
A presente ação também não está abrangida pelo disposto neste preceito, pois destina-se à efetivação de responsabilidade civil por danos causados pela atuação ilícita do administrador da insolvência.
O A. não foi nomeado liquidatário e ainda que o tivesse sido as suas funções teriam cessado com a extinção da sociedade, ocorrida muitos anos antes da propositura da presente ação – posto que não é aplicável o disposto no art.º 164º do CSC.
Sob a epígrafe “responsabilidade” dispõe o art.º 59º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE):
“1 - O administrador da insolvência responde pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem; a culpa é apreciada pela diligência de um administrador da insolvência criterioso e ordenado.
2 - O administrador da insolvência responde igualmente pelos danos causados aos credores da massa insolvente se esta for insuficiente para satisfazer integralmente os respetivos direitos e estes resultarem de ato do administrador, salvo o caso de imprevisibilidade da insuficiência da massa, tendo em conta as circunstâncias conhecidas do administrador e aquelas que ele não devia ignorar.
3 - O administrador da insolvência responde solidariamente com os seus auxiliares pelos danos causados pelos atos e omissões destes, salvo se provar que não houve culpa da sua parte ou que, mesmo com a diligência devida, se não teriam evitado os danos.
4 - A responsabilidade do administrador da insolvência prevista nos números anteriores encontra-se limitada às condutas ou omissões danosas ocorridas após a sua nomeação.
5 - A responsabilidade do administrador da insolvência prescreve no prazo de dois anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mas nunca depois de decorrido igual período sobre a data da cessação de funções.”
E o art.º 82º do CIRE estabelece:
“(…)
3 - Durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir:
a) As ações de responsabilidade que legalmente couberem, em favor do próprio devedor, contra os fundadores, administradores de direito e de facto, membros do órgão de fiscalização do devedor e sócios, associados ou membros, independentemente do acordo do devedor ou dos seus órgãos sociais, sócios, associados ou membros;
b) As ações destinadas à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, tanto anteriormente como posteriormente à declaração de insolvência;
c) As ações contra os responsáveis legais pelas dívidas do insolvente.
4 - Compete unicamente ao administrador da insolvência a exigência aos sócios, associados ou membros do devedor, logo que a tenha por conveniente, das entradas de capital diferidas e das prestações acessórias em dívida, independentemente dos prazos de vencimento que hajam sido estipulados, intentando para o efeito as ações que se revelem necessárias.
5 - Toda a ação dirigida contra o administrador da insolvência com a finalidade prevista na alínea b) do n.º 3 apenas pode ser intentada por administrador que lhe suceda.
6 - As ações referidas nos n.ºs 3 a 5 correm por apenso ao processo de insolvência.”
Da causa de pedir resulta que o lesado pelo ato do administrador da insolvência (em conluio com os demais RR.) é a sociedade insolvente (e o A., apenas por reflexo, enquanto seu responsável subsidiário) e os credores.
À presente é, pois, aplicável o art.º 59º do CIRE, nos termos do qual tem legitimidade para demandar o administrador da insolvência a devedora (sociedade insolvente) e os credores. Trata-se de norma especial que prevalece sobre o regime geral.
Referindo-se ao art.º 59º do CIRE escreveu-se no Ac. RP 22/05/2019, proc. 730/10.9TYVNG-K.P1, in www.dgsi.pt ”a responsabilidade do administrador da insolvência é apreciada à luz do regime da responsabilidade civil prevista no art.º 483º CC, com a especificidade de constituir uma modalidade funcional de responsabilidade, que se fundamenta na violação de deveres postos a cargo do administrador da insolvência na satisfação da missão geral de que está encarregado. Consideram-se lesados para efeitos de aplicação do regime de responsabilidade previsto no nº1 do preceito o devedor ou o credor da insolvência. “
Ora, o A. – que foi nomeado mero depositário, como veio a admitir em sede de recurso – que não é credor da insolvência e não representa a devedora, carece de legitimidade para a causa.
Salienta-se que a ação a que alude o art.º 82º, nº 3, al. b) apenas pode ser intentada por administrador que lhe suceda, sendo outro caso em que a lei atribui exclusivamente a legitimidade a uma pessoa, atenta a sua função.
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do apelante.

Lisboa, 17 de novembro de 2022                                                        Teresa Sandiães
Octávio Diogo
Cristina Lourenço