Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1289/16.9T8OER-A.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: CONDENAÇÃO GENÉRICA
TRIBUNAL ARBITRAL
TRIBUNAL ESTADUAL
LIQUIDAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE / REVOGADA
Sumário: I - Tendo sido proferida sentença de condenação genérica pelo tribunal arbitral, a sua liquidação pode ser efectuada no tribunal estadual ou no tribunal arbitral e, neste segundo caso, será proferida decisão complementar segundo juízo de equidade.

II - A liquidação no tribunal estadual será efectuada no âmbito de execução como referido nos nºs 4 e 5 do art. 716º do CPC, e não por incidente deduzido na acção declarativa como previsto no nº 6 do art. 704º.

III - O processo arbitral termina quando for proferida a sentença final.

IV - Inexiste norma legal que preveja que a acção arbitral seja remetida ao tribunal estadual para dedução de incidente de liquidação nos termos do art. 358º nº 2 do CPC no caso de a decisão final ter sido proferida pelo tribunal estadual em sede de recurso.

V - Inexiste norma legal que imponha que a liquidação da obrigação seja requerida ao tribunal arbitral.

VI - Considerando os princípios que regem a interpretação da lei consagrados no art. 9º do Código Civil, a referência no nº 5 do art. 716º do CPC «às execuções de decisões arbitrais» tem de ser entendida como incluindo os acórdãos condenatórios proferidos pelo tribunal estadual em sede recursiva que confirmam ou alteram a decisão arbitral.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório

Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa que Novartis Farma - Produtos Farmacêuticos, SA instaurou contra DNA Farma, Lda, foi por esta deduzida oposição à execução por embargos, concluindo:
- deve ser declarado que o título não é exequível; ou, quando não,
- deve ser a liquidação julgada improcedente por carecer em absoluto de fundamento, e por isso deve ser extinta a execução.
Alegou, em síntese:
- no requerimento executivo a exequente refere a sentença arbitral que consta do doc. 1 junto com o requerimento executivo;
- e indica que o título executivo é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa;
- esse acórdão contém uma condenação genérica: condenou a ora opoente a pagar à exequente a indemnização que se liquidar em execução de sentença;
- a liquidação da obrigação não depende de simples cálculo aritmético;
- como não ocorreu liquidação no processo declarativo, o acórdão não constitui título executivo;
- a liquidação efectuada no requerimento executivo carece de fundamento, pois a exequente não logrou quantificar os prejuízos que sofreu no período de Janeiro a Maio de 2013 nem os que se devem à comercialização dos produtos genéricos, nem quais desses prejuízos dão imputáveis à comercialização pela opoente do seu medicamento genérico Ácido Zoledrónico DNA Pharma;
- mesmo fazendo a liquidação nos termos indicados pela exequente, nunca se chegaria à quantia exequenda.
*
A exequente contestou pugnando pela improcedência da oposição, invocando, em resumo:
- no requerimento executivo não se pretendeu dar à execução um título executivo, pois como resulta do despacho de 31/03/2016, foi ordenada a citação da executada nos termos e para os efeitos dos art. 716º nº 4 do CPC;
- é certo que o acórdão do Tribunal da Relação determinou que o valor da indemnização deveria ser fixado em liquidação de sentença;
- porém, a acção declarativa correu termos no Tribunal Arbitral, donde, qualquer tribunal de competência genérica que fosse chamado a tramitar o incidente de liquidação não só seria alheio a tal acção declarativa como permaneceria alheio a esta;
- o legislador pretendeu limitar a dedução do incidente de liquidação na acção declarativa aos casos em que esta correu no tribunal judicial;
- a liquidação está correctamente efectuada.
*
Por saneador-sentença de 10/01/2018 foram julgados procedentes os embargos de executado nestes termos:
«Pelo exposto, julgam-se procedentes os presentes embargos de executado no que à inexequibilidade do título diz respeito com consequente extinção da execução nos termos dos artigos 729º, a) e 734º n.º 1 e 2, do CPC.».
*
Inconformada, apelou a exequente, terminando a alegação com as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso da sentença que, julgando procedentes os embargos de executado no que se refere à inexequibilidade do título, declarou extinta a execução.
B. A sentença posta em crise, alheando-se totalmente da lei e das questões substantivas suscitadas pela ora Recorrente, sustentou-se apenas numa questão de forma determinada pelas alternativas que são disponibilizadas no formulário do requerimento executivo disponível na plataforma Citius.
C. No caso sub judice, foi proferida sentença arbitral condenando a ora Recorrida a pagar à Recorrente uma indemnização líquida.
D. Na sequência do recurso que dessa sentença arbitral foi instaurado pela Recorrida, o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, embora, confirmado que a actividade da Recorrida causou danos à Recorrente, relegou a sua liquidação para execução de sentença.
E. Tendo presente o teor do Acórdão e a necessidade de proceder à liquidação do valor da obrigação, enquanto questão prévia à própria execução, deduziu a Exequente, no próprio requerimento executivo, incidente de liquidação, nos termos previstos no n.º 715 do artigo 716.º do CPC.
F. No requerimento inicial, a seguir a forma ordinária, a Recorrente alegou, de forma evidente e fundamentada, as disposições legais aplicáveis, os factos necessários à liquidação da obrigação, pediu a citação da Recorrida para contestar, querendo, o valor da liquidação e, no campo para o efeito destinado, indicou o valor da liquidação, com a indicação que não dependia de simples cálculo aritmético.
G. Todavia, no campo destinado a indicar o título executivo, na ausência de alternativa aplicável, a Recorrente seleccionou a “decisão arbitral condenatória”, por se afigurar aquela que melhor se ajustava à concreta situação e à forma do processo.
H. Como se facilmente decorre do requerimento inicial, não podem subsistir quaisquer dúvidas que tal indicação é meramente formal, na medida em que a matéria alegada e o pedido deduzido pela Recorrente evidenciam à saciedade que a liquidação deduzida tem subjacente o Acórdão (e não a sentença arbitral).
I. Por outro lado, tendo a acção declarativa corrido os seus termos no Tribunal Arbitral, que se extinguiu após a prolação de decisão, o incidente de liquidação nunca poderia ser promovido nos termos previstos nos artigos 358.º e seguintes do CPC.
J. Na verdade, o teor dessas disposições legais leva-nos a concluir que o legislador pretendeu limitar a dedução do incidente de liquidação na acção declarativa aos casos em que a acção correu termos no Tribunal Judicial e, tendo sido proferido sentença de condenação ilíquida, se renova a instância apenas para o apuramento da liquidação.
K. Assim sendo, estando em causa a liquidação nos termos previstos no Acórdão, não dependendo essa liquidação de simples cálculo aritmético e não podendo ter lugar a liquidação no processo de declaração,
L. conclui-se que andou mal o Tribunal a quo ao proferir a sentença recorrida, nos termos em que o fez.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos, como é de Direito e assim se fazendo Justiça.
*
A exequente contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
II - Questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, pelo que a questão a decidir é esta:
- se a liquidação deve ter lugar na execução e não através do incidente previsto nos art.358º e segs do CPC
*
III - Fundamentação
A) Na decisão recorrida vem dado como provado:
1. Por Sentença Arbitral de 30 de Junho de 2014, foi a DNA Pharma, Lda. condenada a pagar às então Demandantes, Novartis AG e Novartis Farma – Produtos Farmacêuticos, S.A., “uma indemnização no valor provisório de € 2.433.333,00 (dois milhões quatrocentos e trinta e três mil trezentos e trinta e três euros), pelos danos resultantes da comercialização do medicamento Ácido Zoledrónico DNA Pharma desde 31 de Janeiro de 2012 até 20 de Maio de 2013, quando estava ainda em vigor o Certificado Complementar de Protecção n.º 100, que estendia o âmbito de protecção da Patente Portuguesa n.º 86167, a qual protegia o processo de obtenção da substância activa Ácido Zoledrónico”.
2. Por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 21.05.2015, na sequência de recurso da sentença arbitral interposto pela DNA PHARMA, foi esta última absolvida do pedido de condenação pelos danos sofridos pela Novartis AG e condenada a pagar à Novartis Farma “a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos por esta sofridos com a comercialização do medicamento Ácido Zoledrónico DNA Pharma, no período de 31 de Janeiro de 2012 até 20 de Maio de 2013”.
3. A embargada instaurou a execução de que os presentes autos constituem apenso contra a embargante reclamando o pagamento da quantia de €3.585.383,74 indicando como título executivo a decisão arbitral condenatória.
*
B) É de considerar ainda:
No requerimento executivo consta, além do mais:
«Finalidade: Iniciar Novo Processo
Tribunal Competente: Comarca de Lisboa Oeste - Oeiras - Unidade Central
Forma: Acção Executiva
Espécie: Execução Ordinária (Ag.Execução)
Valor da Execução: 3.585.383,74 € (Três Milhões Quinhentos e Oitenta e Cinco Mil Trezentos e Oitenta e Três Euros e Setenta e Quatro Cêntimos
Finalidade da Execução: Pagamento de Quantia Certa - Dívida comercial [Execuções]
Título Executivo: Decisão arbitral condenatória
Factos:
1.º
Por Sentença Arbitral de 30 de junho de 2014, que ora se junta e se dá por integralmente reproduzida como documento n.º 1, foi a DNA Pharma, Lda (doravante “DNA Pharma”) condenada a pagar às então Demandantes, Novartis AG e Novartis Farma – Produtos Farmacêuticos, S.A. (doravante “Novartis Farma”), “uma indemnização no valor provisório de € 2.433.333,00 (dois milhões quatrocentos e trinta e três mil trezentos e trinta e três euros), pelos danos resultantes da comercialização do medicamento Ácido Zoledrónico DNA Pharma desde 31 de janeiro de 2012 até 20 de maio de 2013, quando estava ainda em vigor o Certificado Complementar de Proteção n.º 100, que estendia o âmbito de proteção da Patente Portuguesa n.º 86167, a qual protegia o processo de obtenção da substância ativa Ácido Zoledrónico”.
2.º
Entretanto, e na sequência do recurso interposto dessa decisão pela DNA Pharma, o Tribunal da Relação de Lisboa veio a proferir, em 21 de maio de 2015, o Acórdão que se junta e se dá por integralmente reproduzido como documento n.º 2, nos termos do qual a DNA Pharma foi absolvida do pedido de condenação pelos danos sofridos pela Novartis AG e,
3.º
no que se refere à Novartis Farma, foi a DNA Pharma condenada a pagar-lhe “a indemnização que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos (…) sofridos com a comercialização do medicamento Ácido Zoledrónico DNA Pharma, no período de 31 de janeiro de 2012 até 20 de maio de 2013”.
4.º
Como inequivocamente resulta da Sentença Arbitral, e é expressamente referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, “está provado que a partir de janeiro de 2012, alguns hospitais deixaram de comprar o Zometa® às Demandantes e que a entrada no mercado do medicamento
genérico Ácido Zoledrónico DNA Pharma teve impacto nas vendas do medicamento de referência Zometa®, tendo-se registado uma quebra nas vendas deste medicamento, sendo que o Zometa® representava, em 2011, 18% do valor das vendas da NOVARTIS oncologia em Portugal, passando a representar apenas 5% em 2012 e 2% em 2013”.
5.º
Entendeu-se, porém, no citado Acórdão que os prejuízos sofridos pela Novartis Farma, decorrentes da quebra do seu medicamento de referência, não seriam totalmente imputáveis à DNA Pharma, tendo para eles contribuído outros fatores que não apenas a comercialização, durante o período em causa, do medicamento genérico,
6.º
nomeadamente, “a aquisição, pelos hospitais, de um outro medicamento, mais barato, em consequência de uma melhor gestão dos seus recursos financeiros”.
7.º
Assim sendo, e como igualmente determinado pelo mesmo Acórdão, importa, pois, proceder à liquidação dos prejuízos sofridos, pela Novartis Farma, com a comercialização do medicamento genérico, durante o período que decorreu entre 31 de janeiro de 2012 até 20 de maio de 2013,
8.º
sendo este, nos termos dos n.ºs 1 e 5 do artigo 716.º do Código de Processo Civil (“CPC”), o meio próprio para o efeito.
Vejamos então:
9.º
Como se salientou, o Zometa® representava, em 2011, 18% do valor das vendas da Novartis Farma, Como se salientou, o Zometa® representava, em 2011, 18% do valor das vendas da Novartis Farma, na área de oncologia em Portugal, correspondendo essa percentagem a um valor de vendas no montante de € 6.642.237,17 (seis milhões seiscentos e quarenta e dois mil duzentos e trinta e sete euros e dezassete cêntimos).
9.º
Como se salientou, o Zometa® representava, em 2011, 18% do valor das vendas da Novartis Farma, na área de oncologia em Portugal, correspondendo essa percentagem a um valor de vendas no montante de € 6.642.237,17 (seis milhões seiscentos e quarenta e dois mil duzentos e trinta e sete euros e dezassete cêntimos).
10.º
Face ao resultado das vendas realizadas no ano de 2010, que se havia cifrado em € 6.430.660,01 (seis milhões quatrocentos e trinta mil seiscentos e sessenta euros e um cêntimo), o aludido valor representava um acréscimo de 3%,
11.º
como decorre da informação condensada que se junta e se dá por integralmente reproduzida como documento n.º 3 – sustentada, obviamente, na faturação dos referidos anos e que, caso V. Exa. entenda necessário, se protesta, desde já, juntar aos autos.
12.º
Considerando as concretas particularidades e indicações terapêuticas do Zometa®, o expectável seria que, nos anos seguintes – concretamente, enquanto beneficiasse da proteção conferida pela patente portuguesa -, o valor das vendas do Zometa® sofresse, pelo menos, igual evolução.
Assim, 13.º
Caso isso tivesse ocorrido, o acréscimo de 3% nas vendas do Zometa® teria representado, entre fevereiro e dezembro de 2012, um valor de vendas no montante de € 6.289.044,21 (seis milhões duzentos e oitenta e nove mil quarenta e quatro euros e vinte um cêntimos) e,
14.º
entre janeiro e maio de 2013, um valor de vendas no montante de € 2.952.710,01 (dois milhões, um valor de vendas no montante de € 2.952.710,01 (dois milhões novecentos e cinquenta e dois mil setecentos e dez euros e um cêntimo).
15.º
Não foi, todavia, o que sucedeu.
16.º
Na verdade, entre fevereiro e dezembro de 2012, o valor das vendas do Zometa® não ultrapassou o montante de € 1.287.975,66 (um milhão duzentos e oitenta e sete mil novecentos e setenta e cinco euros e sessenta e seis cêntimos),
17.º
tendo-se cifrado, entre janeiro e maio de 2013, no montante de € 300.572,09 (trezentos mil quinhentos e setenta e dois euros e nove cêntimos).
18.º
Os aludidos valores – que inequivocamente traduzem uma evidente e acentuada quebra nas vendas do Zometa® - resultam do somatório das vendas mensais efetivamente realizadas nos aludidos valores – que inequivocamente traduzem uma evidente e acentuada quebra nas vendas
do Zometa® - resultam do somatório das vendas mensais efetivamente realizadas nos aludidos períodos e que está condensada na informação que se junta e se dá por integralmente reproduzida como documento n.º 4.
19.º
Tal como acima se referiu relativamente ao documento n.º 3, também os dados vertidos no documento n.º 4 resultam da faturação do Zometa® nos correspondentes períodos, a qual, caso V. Exa. entenda necessário, se protesta, desde já, juntar aos autos.
20.º
Ou seja, valor das vendas efetivamente realizadas - sempre no período temporal que aqui está em questão - poderíamos concluir que o prejuízo da Novartis Farma, decorrente da quebra nas vendas do Zometa®, ascenderia a € 7.653.206,47 (sete milhões seiscentos e cinquenta e três mil duzentos e seis euros e quarenta e sete cêntimos), como mais facilmente se afere pelo quadro abaixo:
2012 (fevereiro – dezembro) 2013 (janeiro – maio) Total
Expetáveis 6.289.044,21 2.952.710.01
Efetivas 1.287.975,66 300.572,09
Diferença 5.001.068,55 2.652.137,92
7.653.206,47
21.º
Não podendo, no entanto, olvidar que aquelas vendas expetáveis sempre teriam associados os correspondentes custos diretos e indiretos de produção, armazenamento e comercialização
22.º
que, em 2012 (entre fevereiro e dezembro), teriam ascendido a € 2.658.161,70 (dois milhões seiscentos e cinquenta e oito mil cento e sessenta e um euros e setenta cêntimos),
23.º
ascendendo, em 2013 (de janeiro a maio), ao montante de € 1.409.661,03 (um milhão quatrocentos e nove mil seiscentos e sessenta e um euros e três cêntimos) -,
24.º
então, logo se concluirá que, deduzindo tais custos ao montante que, tudo indicaria, resultaria das vendas do Zometa® no período que decorreu entre 31 de janeiro de 2012 até 20 de maio de 2013, o efetivo prejuízo da Novartis Farma se cifrou em € 3.585.383,74 (três milhões quinhentos e oitenta e cinco mil trezentos e oitenta e três euros e setenta e quatro
cêntimos).
25.º
Aqui chegados, vejamos então em que medida esses prejuízos da Novartis Farma serão imputáveis à DNA Pharma pelo facto de ilicitamente ter introduzido no mercado o medicamento genérico Ácido Zoledrónico DNA Pharma.
26.º
Começará, a este propósito, por notar-se que, não obstante várias tenham sido as empresas que, no período temporal em apreço, tenham obtido Autorização de Introdução no Mercado para medicamentos genéricos contendo a substância ativa Ácido Zoledrónico, na forma farmacêutica de concentrado para solução para perfusão, na dosagem de 4 mg/ 5 ml, tendo como medicamento de referência o Zometa®,
27.º
e não obstante outras empresas, para além da DNA Pharma, integrarem o catálogo de fornecedores dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde para fornecimento de Ácido Zoledrónico aos hospitais,
28.º
apenas a DNA Pharma promoveu a comercialização do seu Ácido Zoledrónico DNA Pharma, no período de 31 de janeiro de 2012 até 20 de maio de 2013.
29.º
Este facto resulta dos dados constantes das publicações IMS que se juntam e se dão por integralmente por reproduzidas como documento n.º 5.
30.º
Para melhor compreensão esclareça-se que a IMS, ou melhor, IMS Health, é uma empresa de estudos de mercado internacional do sector farmacêutico, que no seu painel IFP (Índex Farmacêutico de Portugal), regista o valor das vendas dos produtos farmacêuticos.
31.º
Ora, de acordo com as informações constantes no acima junto documento, entre fevereiro de 2012 e maio de 2013, apenas a DNA Pharma comercializou o seu medicamento genérico contendo Ácido Zoledrónico.
32.º
Na verdade, e como por esse documento se pode aferir, nenhuma outra empresa apresenta qualquer registo de ter comercializado algum genérico com aquela substância ativa durante o período de proteção da patente,
33.º
o que significa que, mesmo considerando os factos que a este propósito foram considerados provados, não pode deixar de se atribuir à DNA Pharma a responsabilidade pela totalidade dos prejuízos sofridos pela Novartis Farma,
34.º
visto que nenhum outro medicamento genérico contribuiu para a inequívoca, e provada, quebra de vendas do Zometa®.
35.º
De resto, essa quebra de vendas, não pode igualmente ser atribuída, ainda que parcialmente, à política de contenção de custos implementada nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde e ao uso do pamidronato (cfr. factos dados como provados nas alíneas 65 a 68 do Acórdão do Tribunal
da Relação de Lisboa junto sob documento n.º 2).
36.º
Com efeito, também a este propósito vale a pena analisar as publicações da IMS, condensadas no documento n.º 6 que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido.
37.º
Atentando-se nos valores de venda dos medicamentos contendo como substância ativa o pamidronato, logo podemos concluir que, no hiato temporal que aqui está em questão, o padrão de venda desses medicamentos não sofreu alterações significativas quando comparado, tanto co de venda desses medicamentos não sofreu alterações significativas quando comparado, tanto com o período antecedente, como com o que lhe sucedeu.
38.º
Logo, não podendo também atribuir-se à contenção financeira e ao uso do pamidronato a drástica redução no volume de vendas do Zometa®, somos levados a concluir que, de facto, apenas à DNA Pharma podem ser imputados os prejuízos sofridos pela Novartis Farma,
39.º
os quais, como acima se referiu, se cifram em € 3.585.383,74 (três milhões quinhentos e oitenta e cinco mil trezentos e oitenta e três euros e setenta e quatro cêntimos).
40.º
É, portanto, nesse montante que, nesta fase liminar, se liquida o valor da obrigação.
41.º
Adiante, e definitivamente fixado o valor da obrigação, deverá, então, o processo executivo seguir os seus normais trâmites.
Nestes termos, e nos mais de Direito, requer-se a V. Exa. que se digne ordenar a citação da Executada para, querendo e no prazo legal, contestar a liquidação da obrigação exequenda, sob pena de, não o fazendo, o valor se considerar definitivamente fixado em € 3.585.383,74 (três milhões quinhentos e oitenta e cinco mil trezentos e oitenta e três euros e setenta e quatro cêntimos), prosseguindo o processo os seus ulteriores termos legais.
Valor Líquido     0,00 €
0,00 €
Valor dependente de simples cálculo aritmético:                    0,00 €
Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 3.585.383,74 €
Total:                                                                            3.585.383,74 €
Como se alegou na Exposição Sucinta dos Factos, liquida-se a obrigação pelo montante de € 3.585.383,74, correspondente aos prejuízos sofridos pela Novartis Farma com a comercialização do medicamento Ácido Zoledrónico DNA Pharma, no período de 31 de janeiro 2012 até 20 de maio de 2013.
Os factos que sustentam a liquidação da obrigação pelo supra referido montante, mostram-se devidamente alegados e demonstrados na, também acima referida, Exposição Sucinta dos Factos, dando-se aqui por totalmente reproduzidos.».
*
C) O Direito
Ponderou-se na sentença recorrida:
«(…) não oferece dúvida que, ao contrário do indicado pela exequente/embargada, em sede de requerimento executivo, o título em que se funda a execução é o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e não a sentença arbitral.
Por outro lado, não merece igualmente controvérsia que a condenação da embargante configura uma condenação genérica porque condena no pagamento de uma quantia ilíquida, sugerindo o próprio dispositivo do Acórdão que se trata de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético (…)
(…)
Resultando assente que o título dado à execução é o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa não restam quaisquer dúvidas quanto à aplicação do disposto no artigo 704º, nº 6 do Código de Processo Civil, segundo o qual, “tendo havido condenação genérica, nos termos do art. 609º, nº 2 do mesmo Código, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716º.”
No caso, não há efectivamente lugar à aplicação do disposto no artigo 716º, n.º 4 e 5 do CPC uma vez que não se trata nem de execução de decisão arbitral nem de execução de decisão judicial em que não vigora o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo declarativo já que a liquidação da obrigação não depende de simples cálculo aritmético.
E, quanto a esta matéria importa salientar que o despacho de citação para a execução, ao que tudo indica, considerou a indicação feita constar pela exequente do requerimento executivo quanto à espécie do título dado à execução (sentença arbitral) e foi proferido de forma genérica, sem conhecimento fundado desta questão, não constituindo caso julgado formal, pelo que continua a ser possível a apreciação da questão ora suscitada pela embargante e que constitui fundamento de rejeição da execução nos termos dos artigos 729º, al. a) e 734º do Código de Processo Civil.
Pelo que fica dito, dúvidas não subsistem de que a liquidação da condenação genérica de que a executada/embargada foi alvo não depende de simples cálculo aritmético, devendo a mesma ser feita mediante o incidente de liquidação previsto no artigo 358º e ss do CPC e não nos termos em o foi. Ou seja, em relação a essa obrigação ilíquida a exequente não dispõe de título executivo, não lhe assistindo a faculdade legal de proceder à liquidação por simples cálculo aritmético no próprio requerimento executivo, conforme fez.».
Sustenta a apelante que apesar de ter indicado “decisão arbitral condenatória” no campo destinado a identificar o título executivo, decorre do requerimento inicial que tal indicação é meramente formal pois a exposição dos factos e o pedido evidenciam que a liquidação tem subjacente o acórdão e não a sentença arbitral.
Lido o requerimento inicial é óbvio que o título que se pretende executar, com prévia liquidação, é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu o recurso de apelação interposto da decisão arbitral.
Posto isto.
O nº 2 do art. 609º do CPC estatui que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado; e o nº 2 do art. 358º preceitua que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do nº 2 do artigo 609º,e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.
Por isso, o nº 6 do art. 704º do mesmo Código estabelece que tendo havido condenação genérica nos termos do nº 2 do art. 609º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo.
No caso concreto, inexiste acção declarativa tramitada no tribunal estadual de 1ª instância.
Apenas foi chamado a intervir o Tribunal da Relação ao abrigo do nº 7 do art. 3º da Lei 62/2011, que dispõe: «Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo.».
Ora, atento o disposto no art. 68º do Código de Processo Civil, não tem fundamento legal, a dedução do incidente de liquidação no Tribunal da Relação.
Por outro lado, decorre do nº 1 do art. 44º da Lei 63/2011 de 14/12 - aplicável ex vi do nº 8 do art. 3º da Lei 62/2011 de 12/12 -, que o processo arbitral termina quando for proferida a sentença final.
E o nº 2 do art. 47º da Lei 63/2011 prevê: «No caso de o tribunal arbitral ter proferido sentença de condenação genérica, a sua liquidação faz-se nos termos do nº 4 do artigo 805º do Código de Processo Civil, podendo no entanto ser requerida a liquidação ao tribunal arbitral nos termos do nº 5 do artigo 45º, caso em que o tribunal arbitral, ouvida a outra parte, e produzida prova, profere decisão complementar, julgando equitativamente dentro dos limites que tiver por provados».
O nº 5 do referido art. 45º dispõe: «Salvo convenção das partes em contrário, qualquer das partes pode, notificando disso a outra, requerer ao tribunal arbitral, nos 30 dias seguintes à data e, que recebeu a notificação da sentença, que profira uma sentença adicional sobre partes do pedido ou dos pedidos apresentados nos decurso do processo arbitral, que não tenham sido decididos na sentença. Se julgar justificado tal requerimento, o tribunal profere sentença adicional nos 60 dias seguintes à sua apresentação.».
E o art. 805º do anterior CPC - na redacção vigente na data em que foi publicada a Lei 63/2011 - previa:
«1 - Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.
2 - Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se (…)
3 - Além do disposto no número anterior, o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação.
4 - Quando não sendo o título executivo uma sentença judicial, a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o agente de execução cita, de imediato, o executado para a contestar, em oposição à execução, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 485º.
5 - Nos casos previstos no número anterior, havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os nºs 3 e 4 do artigo 380º.
6 - A liquidação por árbitros quando deva ter lugar para o efeito de execução fundada em título diverso de sentença, realiza-se, nos termos do artigo 380º - A, antes de apresentado o requerimento executivo; a nomeação é feita nos termos aplicáveis à arbitragem voluntária, cabendo porém, ao juiz presidente do tribunal da execução a competência supletiva aí atribuída ao presidente do tribunal da relação.
7 - Quando a iliquidez da obrigação resulte de esta ter uma por objecto mediato uma universalidade (…).
8 - Se uma parte da obrigação for ilíquida e outra líquida, pode esta executar-se imediatamente.
9 - Requerendo-se a execução imediata da parte líquida, a liquidação da outra parte pode ser feita na pendência da mesma execução, nos mesmos termos em que é possível a liquidação inicial.».
O art. 716º do CPC actualmente em vigor, aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, prevê:
«1 - Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.
2 - Quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele ou, sendo caso disso, em função das taxas legais de juros de mora aplicáveis.
3 - Além do disposto no número anterior, o agente de execução liquida, ainda, mensalmente e no momento da cessação da aplicação da sanção pecuniária compulsória, as importâncias devidas em consequência da imposição de sanção pecuniária compulsória, notificando o executado da liquidação.
4 - Quando a execução se funde em título extrajudicial e a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, o executado é citado para a contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação, a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no artigo 568.º; havendo contestação ou sendo a revelia inoperante, aplicam-se os n.os 3 e 4 do artigo 360.º.
5 - O disposto no número anterior é aplicável às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração, bem como às execuções de decisões arbitrais.
6 - A liquidação por árbitros, quando deva ter lugar para o efeito de execução fundada em título diverso de sentença, realiza-se, nos termos do artigo 361.º, antes de apresentado o requerimento executivo; a nomeação é feita nos termos aplicáveis à arbitragem voluntária, cabendo, porém, ao juiz presidente do tribunal da execução a competência supletiva aí atribuída ao presidente do tribunal da Relação.
7 - Quando a iliquidez da obrigação resulte de esta ter por objeto mediato uma universalidade e o autor não possa concretizar os elementos que a compõem, a liquidação tem lugar em momento imediatamente posterior à apreensão, precedendo a entrega ao exequente.
8 - Se uma parte da obrigação for ilíquida e outra líquida, pode esta executar-se imediatamente.
9 - Requerendo-se a execução imediata da parte líquida, a liquidação da outra parte pode ser feita na pendência da mesma execução, nos mesmos termos em que é possível a liquidação inicial.».
O nº 4 do art. 805º do anterior CPC tem correspondência nos nº e 5 do art. 716º do CPC que está em vigor.
Do cotejo das citadas normas conclui-se:
- tendo sido proferida sentença de condenação genérica pelo tribunal arbitral, a sua liquidação pode ser efectuada no tribunal estadual ou no tribunal arbitral e, neste segundo caso, será proferida decisão complementar segundo juízo de equidade;
- a liquidação no tribunal estadual será efectuada no âmbito de execução como referido nos nºs 4 e 5 do art. 716º do CPC e não por incidente deduzido na acção declarativa como previsto no nº 6 do art. 704º;
- o processo arbitral termina quando for proferida a sentença final;
- inexiste norma legal que preveja que a acção arbitral seja remetida ao tribunal estadual para dedução de incidente de liquidação nos termos dos art. 358º nº 2 do CPC no caso de a decisão final ter sido proferida pelo tribunal estadual em sede de recurso;
- inexiste norma legal que imponha que a liquidação da obrigação seja requerida ao tribunal arbitral.
Assim, considerando os princípios que regem a interpretação da lei, consagrados no art. 9º do Código Civil, a referência no nº 5 do art. 716º do CPC «às execuções de decisões arbitrais» tem de ser entendida como incluindo os acórdãos proferidos pelo tribunal estadual em sede recursiva que confirmam ou alteram a decisão arbitral.
Daí que, no caso concreto, o meio processual adequado para liquidar a obrigação seja, como fez a apelante, a instauração de execução nos termos do disposto nos nºs 4 e 5 do art. 716º do CPC.
Por quanto se disse, não pode manter-se a decisão recorrida.
*
IV - Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelada.
Lisboa, 07 de Junho de 2018

Anabela Calafate

António Manuel Fernandes dos Santos       

Eduardo Petersen Silva