Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6029/15.7T8LSB-A.L1-4
Relator: SEARA PAIXÃO
Descritores: APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
PRAZO DE APRESENTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/29/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: Nos termos do art. 63º do CPT a notificação da Ré para juntar documentos aos autos deve ser feita com os articulados da acção, ou quando muito até 20 dias antes do início da audiência de julgamento, nos termos do art. 423º do CPC.
Não satisfaz esse desiderato o requerimento para esse efeito formulado após o início da audiência de julgamento.
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

AA, reformado, propôs a presente acção emergente de contrato de trabalho, em processo declarativo comum, contra:
BB, S.A., na qual formula o seguinte pedido:
“Deve a presente acção proceder por provada e, em consequência, ser proferida douta Sentença pela qual seja a Ré BB condenada a pagar ao A. a quantia de 479.741,90 €, acrescida de juros de mora legais sobre cada um dos valores mensais em dívida e contados à taxa legal e desde o último dia do mês em causa, até integral e efectivo pagamento.
Deve igualmente a Ré ser condenada a fazer sobre os valores que deve ao A. os respectivos descontos para a Segurança Social na parte que for imputada ao Autor e ainda a pagar à Segurança Social, como acréscimo, a parte que lhe é imputada nos descontos devidos.
Mais se requer que a ré seja condenada em custas e honorários, como previsto no Regulamento das Custas Judicias.”
Alegou, para tanto, que no que diz respeito à retribuição do A, no dia 1.10.2989 foi-lhe entregue um documento pela BB com as condições contratuais onde ficou previsto o seguinte:
“Desde o dia 1 de Fevereiro de 1990 receberá um vencimento equivalente ao praticado na transportadora aérea nacional, para uma senioridade e exercício de 10 anos, se devidamente qualificado”.
A transportadora aérea nacional é a TAP, facto de conhecimento público.
O vencimento base e o vencimento a título de senioridade recebidos pelo A. e pago pela BB só foram equivalentes ao praticado na TAP no ano de 1990;
O vencimento das diuturnidades recebido pelo A. e pago pela BB nunca foi equivalente ao praticado pela TAP.
O vencimento ou retribuição do trabalhador representa um dos elementos essenciais do contrato de trabalho é a contrapartida principal pela prestação dos serviços, a qual deve ser posta à disposição do trabalhador na data de vencimento (nº 4 do artº 278º do CT/2009).
O empregador fica constituído em mora se não pagar ao trabalhador o montante da retribuição na data de vencimento (nº 5 do artº 278º do CT/2009).
É assim a Ré devedora ao Autor das diferenças salariais não pagas, que montam num total de 479.741,90 € e sobre as quais incidem juros de mora.
A ré contestou alegando que pagou ao A. todas as importâncias devidas.
Foi proferido o despacho saneador.
Após a audiência de julgamento de 29.01.2016, o A. formulou um requerimento escrito, no dia 12.02.2016, no qual requereu o seguinte:
“AA, Autor no processo acima identificado, tomou conhecimento, durante a audiência de julgamento do dia 29-01-2016, que a Ré tinha na sua posse, e no Tribunal, o Livro de Actas do Conselho de Administração da BB, sendo a Acta nº 1, do ano de 1989, perfeitamente visível.
Acontece que, no presente processo está em causa a interpretação de uma declaração negocial unilateral da Ré, que se encontra assinada por dois dos seus administradores, em funções no ano de 1989 (doc. 9 da PI).
A decisão de contratar o A. e todos os outros pilotos fundadores, bem como as respectivas condições, foi obrigatoriamente discutida e deliberada pelo Conselho de Administração da Ré.
Na verdade, nas sociedades anónimas todas as decisões importantes são tomadas pelo Conselho de Administração (artº 406º, do CSC), órgão que tem os poderes de gestão da sociedade (sem prejuízo de se vincular com a assinatura de dois administradores - veja-se certidão comercial).
A decisão de contratar os pilotos fundadores com uma cláusula especial, foi seguramente debatida e deliberada em Conselho de Administração.
Acresce que, foi dito pelas testemunhas do A. e da Ré, já ouvidas, que este tema foi objecto de discussão entre os pilotos e a Ré, em reuniões mantidas entre aqueles e o administrador da Ré, Cmdt. CC.
Sendo esta uma questão controvertida desde o início da actividade da Ré foi seguramente debatida em Conselho de Administração.
Assim, a junção das actas do Conselho de Administração da Ré, relativas à contratação dos pilotos fundadores, é um meio de prova fundamental para a averiguação da verdade material, porque se trata de apurar a vontade real da declarante, que não está perfeitamente expressa na cláusula 3ª da declaração unilateral de convite para contrato de trabalho (doc. 9 da PI).
O Autor só agora tomou conhecimento e consciência da necessidade da junção das Actas do Conselho de Administração da Ré, em particular quando viu o Livro de Actas, sendo certo que a Ré não o levaria para o Tribunal se o mesmo não contivesse informação relevante.
Acresce que, a Ré está obrigada ao dever de cooperação e de boa fé, para a descoberta da verdade, “facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados”, por força dos artºs. 7º, 8º e 417º, do CPC.
As Actas de que agora se requer a sua junção “estão em poder da parte contrária”, pelo que o A. tem o direito de requerer a sua apresentação (artº 429º, do CPC).
O A. desconhece qual a data da reunião do Conselho de Administração, e a respectiva Acta, onde este assunto foi debatido, ou se foi debatido em mais do que uma reunião, pelo que faz sentido pedir todas as Actas do ano de 1989.
Com estes documentos o A. pretende demonstrar que a vontade real da Ré BB, que consta na cláusula 3ª, do doc. 9 da PI, é no sentido de a equivalência do vencimento a pagar ao A. ser não somente no ano da contratação mas sim durante toda a vigência do contrato de trabalho, o que se pode extrair da Acta do Conselho de Administração que agora se requer a sua junção.
Termos pelos quais, e ao abrigo dos artº 411º, 417º e 429º, do CPC, se requer seja a Ré notificada para, no prazo de 5 dias, juntar aos autos cópias certificadas das Actas do seu Conselho de Administração, do ano de 1989 (depois acrescentou “e do ano de 1990”), porque estes documentos do ano de início da sua actividade são fundamentais para o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, no que diz respeito à vontade real da Ré, plasmada na cláusula 3ª da declaração unilateral de contratação de trabalho (doc. 9 da PI).”

A Ré pronunciou-se no sentido de que deve ser indeferida esta pretensão do Autor.
Na audiência de julgamento de 29.02.2016, o Mº juiz proferiu o seguinte DESPACHO:
“(…)
No caso em apreço, o A. vem requerer que o tribunal determine a junção de actas, com o fundamento de o Conselho de administração da R. ter “seguramente” discutido o assunto que é objecto dos presentes autos. Do próprio requerimento do A. resulta, com evidência, que o mesmo desconhece se a questão foi discutida em Conselho de Administração e vertida, a respectiva discussão/deliberação, em acta.
Por conseguinte, os documentos cuja junção o A. pretende que seja efectuada por determinação do tribunal destinam-se a comprovar uma eventual discussão em sede de Conselho de Administração da R., que o A. desconhece e apenas supõe que ocorreu.
Não vislumbra pois o tribunal fundamento para determinar a junção aos autos para apurar uma suposição do A. relativamente às discussões que terão ocorrido no Conselho de Administração da R. nos anos de 1989/90.
Finalmente esclarece-se que não se mostra junto aos autos qualquer livro de actas da R., desconhecendo o tribunal, em absoluto, a que se reporta a referência do A. ao visionamento do referido livro de actas no tribunal.
Por todo o exposto e por não estarem devidamente concretizados os factos que pretende provar como a existência de algum documento, nomeadamente actas, indefere-se, por manifestamente dilatório, o requerimento apresentado pelo A..

O A. interpôs recurso deste despacho e termina as suas alegações formulando as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
Termos em que, deve a decisão recorrida ser revogada e em sua substituição, ser proferido acórdão que defira o requerimento do A de junção aos autos pela Ré de cópias certificadas das Actas do Conselho de Administração da Ré, dos anos de 1989 e 1990.

A Recorrida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido, com subida em separado, e, neste Tribunal da Relação, foram colhidos os vistos legais.
A Sr. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
A questão que emerge das conclusões do recurso, que fixam e delimitam o objecto deste, é tão só saber se deve ser admitida a notificação da ré para juntar aos autos cópias certificadas das actas do seu conselho de administração relativas aos anos de 1989 e 1990.

Fundamentação de facto:
Os factos relevantes são os já mencionados no relatório que antecede, a que acrescem:
- A presente acção deu entrada em juízo em 10.03.2016.

Fundamentação de direito
Antes de mais importa referir que face à data da propositura da acção é aplicável o CPT aprovado pelo DL nº 480/99 de 9.11, com as alterações introduzidas pelo DL nº 295/2009 de 13.10 e o CPC com as alterações introduzidas pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho.
Dispõe o art. 63º nº 1 do CPT o seguinte: “Com os articulados devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quaisquer outras provas”.
Por seu turno, o art. 423º do CPC, relativo à prova por documentos, dispõe:
1. Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2. Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte será condenada em multa, excepto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3. Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”
Há aqui uma diferença de redacção relevante entre este artigo e o que dispunha a versão da revisão do CPC de 1967, onde se dizia que “se não forem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância”.
À face da actual redacção do CPC dúvidas não há de que se os documentos não forem apresentados com o articulado respectivo, podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.
No caso vertente, os documentos requeridos pelo Autor, não foram apresentados com os articulados, nomeadamente com a petição inicial, sendo certo que com esse articulado o A. requereu a junção de outra prova documental e testemunhal e bem podia ter requerido a notificação da Ré para junção das actas do Conselho de Administração da Ré, que agora pretende ver juntas aos autos, porquanto essas actas já existiam desde muito tempo antes da propositura da acção.
Mas, ainda assim, podia ter requerido a notificação da Ré para juntar as referidas actas, até 20 dias antes do início da audiência final de julgamento.
Ora, o A. formulou esse pedido já no decurso da audiência de julgamento, pelo que tal pedido é manifestamente extemporâneo.
Também não se verificam os pressupostos previstos no nº 3 do art. 423º do CPC, pois, a apresentação desses documentos era possível antes do limite temporal previsto no nº 2 do art. 423º, desde que o A. tivesse agido com a diligência devida e, por outro lado, a sua apresentação não se tornou necessária em virtude de qualquer ocorrência posterior, já que o facto alegado de o A. ter visto o livro de actas na audiência de julgamento, não constitui fundamento legal para esse efeito.
O facto de o Mº Juiz ter logo admitido a junção aos autos de decisões judiciais requeridas pela Ré, e não ter admitido o requerido pelo Autor, não constitui qualquer tratamento discriminatório relativamente a este, nem violação do princípio da imparcialidade, porquanto, as “decisões judiciais” não têm a natureza de documentos, no sentido do art. 326º do Código Civil, pois com elas não se visa provar quaisquer factos, tendo antes um cariz meramente informativo, que o juiz sempre poderia obter por outras vias. A junção de decisões judiciais destina-se a facilitar a busca de jurisprudência por parte do Juiz, podendo as mesmas ser juntas aos autos nos termos previstos no art. 426º do CPC.
Também não se vê que a decisão do Tribunal “a quo” tenha violado o direito a um processo jurisdicional efectivo, o direito a um processo equitativo e o direito a que sejam considerados todos os meios de prova para uma boa decisão da causa.
É que o direito a um processo equitativo e à tutela jurisdicional efectiva dos direitos, também pressupõe o cumprimento das regras legais aplicáveis, nomeadamente as regras processuais, que devidamente usadas, asseguram efectivamente esses direitos.
Improcedem, assim, todas as conclusões do recurso sendo de manter a decisão recorrida.

Decisão:
Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do Recorrente.
Lisboa, 29 de Junho de 2016
Claudino Seara Paixão
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
Decisão Texto Integral: